Danem-se esses caras. Com esta frase, o engenheiro Brandon Downey, do Google, se referiu à turma da Agência Nacional de Segurança, a NSA. É um post público, no Google Plus, rede social da empresa. Downey é um dos principais envolvidos com a segurança das propriedades Google. E, de gentil, seu texto de nove parágrafos não tem nada. Já de início, a palavra que ele usa em inglês para dizer “danem-se” é mais forte. Começa com F. “Vi exércitos de computadores robôs tentando derrubar o Google”, ele segue. “Vi gangues criminosas descobrindo formas de instalar vírus. Vi governos opressores utilizando-se de hackers estatais para encontrar dissidentes. Mas, mesmo desconfiando que isso acontecia, tudo me deixa terrivelmente triste. Estou triste porque acreditava nos Estados Unidos.”
O artigo é do dia 30 de outubro e se refere a uma matéria publicada no Washington Post naquela manhã. Ela mostrava como a NSA desviava o tráfego de dados interno do Google e do Yahoo! para interceptar informação. É um serviço tecnicamente complexo. Um slide da apresentação tornada pública pelo Post fez tocar o alarme na sede do Google, em Mountain View. Lá estava um trecho de informação que tornava óbvio que, sim, a agência de espionagem de dados entrou mais fundo do que era conhecido.
Google e Yahoo!, assim como inúmeras outras empresas de peso pesado do Vale do Silício, têm servidores espalhados por todo o mundo. E, muitas vezes, não se utilizam da internet pública para trocar dados entre estes servidores. Usam, isto sim, cabos privados e protocolos próprios. Ou seja, não falam a língua técnica na qual a internet se baseia. Usam outra, proprietária, que é mais ágil para seus propósitos. Os repórteres do jornal perguntaram ao diretor da NSA, general Keith B. Alexander, se a agência havia “entrado nos bancos de dados mundiais de Yahoo! e Google”. Calculadamente, ele respondeu: “Isto jamais ocorreu, a NSA não entrou em qualquer bancos de dados, seria ilegal fazermos isto.” A resposta parece clara feito água. Não é. A NSA realmente não pode violar servidores sem autorização dos donos ou de juiz. O truque é outro: o que ela interceptou foram os dados que trafegavam entre um servidor e outro, dentro das redes privadas de ambas as empresas.
O resultado inevitável
A agência usa um segundo truque. Quando a legalidade do que pretende fazer é dúbia nos EUA, utiliza-se do Quartel General de Comunicações Governamentais, GCHQ na sigla em inglês, seu equivalente britânico. A operação de espionagem, portanto, é compartilhada entre os países. “Os pacotes apresentados nos slides (do Post) mostram um processo de replicação de bancos de dados nos quais trabalhei por mais de dois anos” escreveu, também no Google Plus, outro engenheiro, o inglês Mike Harn. “Desdenhamos este sistema para deixar os criminosos do lado de fora. Não há como ser ambíguo aqui”, ele disse. “Vivemos em um mundo no qual as leis servem para as pessoas miúdas. Ninguém no GCHQ ou na NSA jamais se porá perante um juiz para responder por esta subversão do processo judicial em escala industrial.”
Nem Harn, nem Downey escreveram em nome do Google, seu empregador. Eric Schmidt, ex-presidente e hoje responsável pela relação da empresa com o governo, o faz. “É ultrajante”, ele disse. Outrageous, em inglês. A revista eletrônica Salon sugere que há uma ponta de hipocrisia. Há alguns anos, o mesmo Schmidt havia sugerido que aqueles sem ter o que esconder não precisavam temer espionagem. Agora, descobre-se, expostos à espionagem são todos.
Inicialmente, o Vale do Silício reagiu timidamente às revelações de Edward Snowden que, contratado pela NSA, revelou ao repórter Glenn Greenwald a extensão da espionagem. Os dados entregues por Snowden não foram todos revelados ainda. Nas últimas semanas, provocaram algumas das piores rusgas diplomáticas entre Barack Obama e seus pares europeus. Agora também começam a gerar desconforto maior no Vale. Talvez a indústria tivesse, inicialmente, a intenção de colaborar, ainda que discretamente. Mas o resultado inevitável é um desastre para sua imagem. Começaram a rebater.
Por Pedro Doria
Com informações de Observatório da Imprensa.
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