No tempo da Guerra Fria
20 de Setembro de 2017, 14:25Carlos Motta
No seu Facebook, o oficial escreveu o seguinte: “Em resposta a uma pergunta, colocada diante de uma plateia restrita, ele limitou-se a repetir, sem floreios, de modo claro e com sua habitual franqueza e coragem, o que está previsto no texto constitucional. A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos, viu nisso uma ameaça de intervenção militar. Ridículo.”
"A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos..."
O trecho, por si só, exprime de modo categórico o que pensam os militares brasileiros sobre a causa dos males que o país sofre: a culpa de tudo o que há de ruim é da esquerda, sempre ela.
É triste constatar que, passados tantos anos do fim da era dos generais presidentes, ainda perdure na caserna o espirito da guerra fria, quando o mundo era dividido entre os bons e os maus, entre o saudável capitalismo e o doentio socialismo.
A União Soviética deixou de existir, seus países satélites mergulharam de cabeça na economia de mercado, o muro de Berlim foi derrubado, a China se tornou uma superpotência econômica, a Terra foi sacudida por crises diversas e profundas, John Lennon foi assassinado, a seleção brasileira de futebol sagrou-se pentacampeã mundial em 2002, a internet se espalhou com a velocidade da luz para revolucionar a informação global, mas a cabeça dos militares brasileiros continua a mesma da metade do século passado, não houve uma mísera mudança no que eles pensam sobre política, economia, relações sociais, geopolítica, costumes...
Os governos trabalhistas trataram os militares com o devido respeito à sua importância para a nação, concederam reajustes salariais que estavam congelados havia anos e investiram bilhões de reais para reequipar e modernizar as Forças Armadas.
Nada disso, porém, parece importar para eles, contaminados profunda e irremediavelmente pelo vírus do anticomunismo ingênuo e infantil.
Esses oficiais de pijama podem não ter mais o comando da tropa, mas, não há dúvida, seus discursos refletem a opinião da maioria de seus companheiros da ativa.
O Brasil tem inúmeros problemas sérios, a crise política e econômica que atravessa é gravíssima, mas achar que a causa de todos os males é a "esquerda" denota um pensamento primário e profundamente contrário aos esforços para afastar o país do abismo, que é, pelo que se sabe, também o desejo das Forças Armadas.
É quase certo que os militares não vão se arriscar novamente numa aventura que comprometeria ainda mais o desenvolvimento do Brasil rumo à civilização, mas é preocupante saber que a instituição vive ainda nos tempos que lembram o faroeste americano, povoado por mocinhos e bandidos, xerifes e foras da lei, entre o 7º de Cavalaria do general Custer e os pérfidos sioux de Cavalo Doido e Touro Sentado.
A cara do Brasil Novo
19 de Setembro de 2017, 10:15Carlos Motta
O Brasil se transformou num Estado kafkiano.
A impressão é de que estamos presos num pesadelo surrealista.
Não há mais lógica, nem regras ou leis no funcionamento das instituições.
O salve-se quem puder e o locuplete-se enquanto dá tempo dominam as ações das "autoridades".
O governo central é comandado por uma quadrilha.
No Congresso instalou-se um imenso bazar de negócios.
Judiciário e Ministério Público atuam despudoradamente apenas em defesa dos interesses da oligarquia.
A imprensa virou uma incansável máquina de propaganda reacionária.
Uma grande parcela da população vive em permanente estado de histeria, atacando tudo o que tem cheiro de civilização.
Outra parte do povo age movida a mentalidade infantil, moldada por mensagens que substituem o raciocínio crítico por uma visão mágica do mundo, como se vivêssemos no alvorecer dos tempos.
Sobram alguns poucos gritos, alguns fracos alertas de que, a caminhar nesse passo, muito em breve estaremos queimando bruxas, perseguindo grupos minoritários e prendendo quem discordar da ideologia dominante.
É um contexto mais que favorável ao surgimento de um messias, um "duce", um "führer", um salvador da pátria e condutor das massas ignorantes rumo ao paraíso.
O deputado fascista que promete levar o mar até Minas Gerais e conceder licença para a polícia matar quem quiser é o produto pronto e acabado deste Brasil Novo surgido das entranhas de um golpe que afastou da presidência da República uma mulher honesta, eleita com mais de 54 milhões de votos.
A cada discurso que faz, a cada entrevista que dá, fica mais evidente que ele é a cara de um país que perdeu o passo que poderia fazê-lo menos desigual social e economicamente, e mais democrático - que poderia, enfim, levá-lo ao século 21.
Nem o Conselheiro Acácio discursaria melhor
18 de Setembro de 2017, 10:52A nova procuradora-geral da República disse, em seu discurso de posse, que o povo brasileiro "não tolera a corrupção".
Disse ainda que é dever do Ministério Público defender a Justiça e garantir que ninguém esteja acima da lei, mas que também ninguém esteja abaixo da lei.
E mais: que o devido processo legal é um direito de todos os cidadãos e que a harmonia entre os Poderes é requisito para a estabilidade do Brasil.
“O país passa por um momento de depuração. Os órgãos do sistema de administração de Justiça têm no respeito e harmonia entre as instituições a pedra angular que equilibra a relação necessária para se fazer justiça em cada caso concreto”, afirmou.
Já o Dr. Mesóclise, líder da quadrilha que tomou de assalto o Palácio do Planalto, afirmou, na mesma solenidade, que a autoridade suprema não está nas autoridades constituídas, mas na lei, e que toda vez que se ultrapassa os limites da Constituição há um abuso de autoridade.
Também falou sobre a importância da harmonia entre os poderes, ao comentar o discurso da procuradora empossada. “Não é sem razão que a ouvi dizer, solenemente, da necessidade da harmonia entre os poderes e nesse capítulo entra o Ministério Público”.
E completou: “As características do Ministério Público são as mesmas dos demais poderes de Estado."
Impressionante.
Se juntarmos os dois, não dá meio Conselheiro Acácio, mestre da obviedade, imortal e genial criação de Eça de Queiroz.
O Brasil Novo, com o exemplo dado por autoridades, continua a sua caminhada desenfreada rumo ao precipício. (Carlos Motta)
"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação"
16 de Setembro de 2017, 10:11Carlos Motta
E, pior, muitas vezes contam com o respaldo de integrantes do Judiciário, como o ocorrido em Jundiaí, onde um juiz proibiu a apresentação de uma peça teatral com temática LGBT.
A onda pseudomoralista e ultraconservadora cresce no país, é fato notório.
Portanto, é importante, neste momento, lembrar a todas as autoridades que ainda existe uma Constituição que rege a todos nós, cidadãos brasileiros, e que seria interessante obedecê-la, se quisermos viver fora da leis das selvas.
Para refrescar a memória desses magistrados que alicerçam os delírios ditatoriais desses bandos de idiotas que vivem na Idade Média, vai aí um pequeno trecho da Constituição, que eles têm a obrigação de defender e cumprir:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Juiz proíbe peça teatral em Jundiaí
15 de Setembro de 2017, 23:02Notícia do site OA Jundiaí relata mais um caso de censura em obra de arte por causa da intolerância religiosa.
Desta vez a vítima foi a peça teatral "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu".
O Brasil corre celeremente rumo à Idade Média - se é que já não a alcançou.
Aí vai a reportagem, na íntegra:
A escalada fascista na cidade atinge agora o Sesc, o principal centro difusor de cultura da cidade. Um grupo de manifestantes religiosos, segundo informações de pessoas que chegavam para o espetáculo, munidos de uma liminar conseguiu cancelar a apresentação da peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu que seria encenada nesta sexta-feira, às 20 horas dentro do projeto “(há) diversidades?”
O número do processo é 1016422.86.2017.8.26.0309 da Comarca de Jundiaí.
A liminar foi requerida pela advogada Virginia Bossonaro Rampin Paiva e concedida pelo juiz Luiz Antonio de Campos Junior, da primeira Vara Cível.
No texto da liminar o juiz justifica sua decisão da seguinte maneira: “Cuida-se na verdade de impedir um ato desrespeitoso e de extremo mau gosto, que certamente maculará o sentimento do cidadão comum, avesso à esse estado de coisa. Lado outro, irrelevante para o Juízo o fato de esta peça teatral ser gratuita ou onerosa. A consequência jurídica é idêntica em ambas as situações. Vale dizer, não se pode produzir uma peça teatral de um nível tão agressivo, ainda que a entrada seja franqueada ao público”.
“Não se olvida a liberdade de expressão, em referência no caso específico, a arte, mas o que não pode ser tolerado é o desrespeito a uma crença, a uma religião, enfim, a uma figura venerada no mundo inteiro”.
“Nessa esteira, levando-se em conta que a liberdade de expressão não se confunde com agressão e falta de respeito e, malgrado a inexistência da censura prévia, não se pode admitir a exibição de uma peça com um baixíssimo nível intelectual que chega até mesmo a invadir a existência do senso comum, que deve sempre permear por toda a sociedade”.
A Constituição Brasileira, no entanto, em seu Artigo 19 estabelece o Estado Laico (não religioso).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; O grupo fez uma manifestação na porta do Sesc e entregou a liminar. Depois da proibição da peça, a atriz Renata Coelho conversou com o público no saguão do Sesc.









