Coluna Econômica - 19/02/2013
Tenho insistido em um princípio relevante de política pública: não se resolvem problemas históricos no país com soluções convencionais. Existe uma expressão em economia, o “catching up” , que significa cortar caminho, conseguir saltos na inovação que permitam avançar pulando etapas.
Das poucas políticas públicas que se aproximam desse conceito são as políticas sociais enfeixadas na bandeira genérica do Bolsa Família.
De junho de 2011 a 2012, 19,5 milhões de pessoas superaram a extrema pobreza, entendida como renda per capita inferior a R$ 70,00 mensais. O contingente caiu de 22,1 milhões para 2,5 milhões.
Nesta terça-feira, a partir das 11 horas da manhã, a Presidente da República anunciará a próxima etapa dessa política, que visará tirar os 2,5 milhões remanescentes.
Trata-se da decisão de complementar a renda daqueles que, mesmo recebendo auxílio do Bolsa Família, não tem renda suficiente para chegar aos R$ 70 per capita, dentro do programa batizado de Brasil Carinhoso.
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É importante saber o histórico das políticas sociais, para entender os saltos que vêm dando.
Ainda no governo FHC havia uma discussão entre os economistas “focalistas” e os “universalistas”. Os primeiros trabalhavam com indicadores sofisticados, visando focalizar os gastos sociais nas populações mais miseráveis. Recebiam uma crítica severa dos “universalistas” que julgavam – não sem razão – que o “focalismo” visava restringir o alcance das políticas sociais.
Havia também discussões sobre a natureza dos benefícios. Do lado “liberal” – e também do infatigável senador Eduardo Suplicy – a ideia da renda mínima. Do lado mais intervencionista, o receio de que dinheiro na mão significasse cachaça no corpo.
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As eleições de 2002 provocaram os primeiros movimentos de políticas de transferência de renda. Candidatável do PSDB, em março de 2001, o então Ministro da Educação Paulo Renato de Souza aprovou uma Medida Provisória instituindo o Bolsa Escola, que começou a operar em 2002. No final do ano, José Serra lançou o Vale Gás. Para escapar das limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe criar programas em ano eleitoral, a MP foi promulgada no dia 28 de dezembro de 2001. Começou a ser distribuído em fevereiro de 2002.
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A Bolsa Escola tinha a condicionalidade do aluno estudar, mas a única forma de controle, naquele início, era o certificado de matrícula. Ainda não havia mecanismos de avaliação permanente do desempenho escolar.
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O Bolsa Família acabou juntando a experiência anterior. Unificou os bancos de dados, chamou o maior dos “focalistas”, Ricardo Paes de Barros, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), para desenvolver indicadores, definiu formas de avaliação externas, através de grandes universidades. E optou por benefício em dinheiro, mesmo, através de cartões eletrônicos cuja titularidade era da mãe.
Com o tempo, constatou-se que havia uma camada de miséria lá no fundo exigindo ajustes metodológicos para ser devidamente assistida. O aprimoramento dos diversos bancos de dados públicos (do BF, do Ministério da Educação) permitiram os avanços posteriores.
O Brasil sem Miséria
O lançamento do Brasil Sem Miséria visou, inicialmente as crianças. Em maio de 2011 foi concedido um reajuste de 45% nos benefícios para crianças e adolescentes. Em setembro de 2011, ampliou-se o limite de atendimento de 3 para 5 filhos por família, beneficiando 1,3 milhão de pessoas. Em dezembro de 2012, criou-se o benefício para nutrizes e gestantes, incorporando mais 372,7 mil pessoas.
O Brasil Carinhoso
O Brasil Carinhoso visou famílias com filhos de 0 a 3 anos. A um custo fiscal baixo (R$ 1,7 bilhão) foram tiradas 9 milhões de pessoas da faixa da extrema pobreza. No final do ano, houve um segundo movimento, atendendo famílias com crianças até 6 anos. Hoje será anunciado o terceiro movimento, de atender famílias com crianças até 15 anos. Sobraram 2,5 milhões extremamente pobres, com filhos com mais de 16 anos.
Repasses federais
Houve aumento dos recursos federais para estados e municípios investirem em creches e pré-escolas, além daqueles previstos no Fundeb (Fundo de Apoio ao Ensino Básico). 2.744 municípios se cadastraram para atender a 381,5 mil crianças. Aumentou-se o valor em R$ 87,7 milhões, beneficiando em tese 5,5 milhões de crianças. Além disso, houve a antecipação de custeio para novas vagas em creche.
Ajustes de gestão - 1
O ponto central das mudanças, no entanto, deu-se no plano gerencial. Existem muitos programas de distribuição de renda, desde os repasses do MEC, da Saúde até programas como Luz Para Todos. Sem condicionantes mais objetivas, a tendência seria atender os que dispensassem menos trabalho. Ou seja, o pobre mais próximo da linha de transmissão ou a escola menos afastada. Decidiu-se então trabalhar os BDs para poder chegar nos mais pobres.
Ajustes de gestão – 2
Cruzaram-se bancos de dados do Bolsa Família e do MEC, visando localizar aquelas escolas que contivessem o maior percentual de crianças recebendo BF. Chegou-se a 60 mil escolas com mais de 50% dos alunos com BF. O MEC identificou aquelas em condições de oferecer ensino integral. Houve um trabalho de persuasão dos prefeitos. Em um ano triplicaram de 5 mil para 17 mil as escolas em regiões pobres oferecendo período integral.
Ajustes de gestão – 3
O modelo, consolidado, ficou assim, então. O Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) trabalha as bases de dados dos diversos ministérios, em conjunto com os departamentos incumbidos da inclusão. Definem conjuntamente regras e formas de atuação. Depois, chega-se na ponta, através de visitas, questionários e outras formas de identificar as demandas dos usuários. A partir daí, criam-se condicionalidades nos repasses, visando aumentar sua eficácia.
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