Talvez caso único na história recente do Brasil, o Recife possui uma candidata a vereadora que é poetisa, militante literária e socialista em uma só pessoa.
Por Urariano Motta*
Cida Pedrosa
Quem a vê, quem a escuta, não pode adivinhar que na fragilidade física dos seus um metro e cinquenta e seis, articulados em cinquenta e nove quilos, vive uma escritora em que se misturam três pês: poesia, política e partido. De fala sertaneja, da cidade de Bodocó, Cida Pedrosa vem pelo PC do B para tentar um mandato com as armas da poesia e apoio dos camaradas do partido, além de todas as tendências literárias no Recife.
Ou como ela diz nesta entrevista:
“O meu desafio de candidata, que aceitei, é porque eu acho que a minha figura de poeta, de escritora, é em volta de um processo de encantamento, porque a poesia encanta. Se eu puder levar pra essa discussão política, que nós estamos tendo na minha candidatura, o nível de encantamento para fazer com que pessoas que estejam anestesiadas ou sem querer discutir política, possam refletir um pouco mais, e de que a política é feito beber leite de manhã, e de que a política é tão importante quanto ninar o filho à noite, que o nosso filho não vai dormir acalentado e bem se as questões políticas não estiverem bem, então se eu puder contribuir minimamente possível com a participação, que as pessoas pensem que a participação política é importante, eu já cumpri a missão”.
Mas vamos à entrevista.
Urariano Mota: Cida, como você despertou para a poesia?
Cida Pedrosa: Eu sempre li muito, desde pequena. Em Bodocó, a gente só tinha uma salvação pra poder viajar: era ler. Então eu fui leitora muito assídua de gibi, de livro policial de bolso, e daqueles romances safados de bolso, com aquelas coisas que a gente lê no interior quando é pequena. Daí pra literatura foi um passo, comecei a ler literatura sem dor nenhuma. Porque, quando você é viciado em ler, é normal passar de uma leitura para outra. E o meu colégio municipal tinha uma biblioteca enorme, maravilhosa. Aí li os clássicos lá.
UM: O seu pai era agricultor?
CP: A gente tinha um sítio, meu pai criava gado e plantava. Os meus primeiros irmãos todos trabalharam na roça, pra gente conseguir comprar um pouco mais de terra. Quando meu pai casou com a minha mãe não tinha terra alguma, trabalhava de alugado. Depois foi que teve a primeira terra, e com os filhos mais velhos trabalhando pôde comprar um pedaço de chão. Os meus primeiros quatro irmãos não foram à escola. Uma até foi, depois de adulta. E esses irmãos ajudaram à gente e ajudaram papai, pra gente poder vir estudar no Recife. Vim morar na casa do meu irmão Absolon Pedrosa, porque ele fez um acordo com o meu pai, que se ele viesse estudar, ele se daria bem, e traria todos os outros. E ele fez assim, cumpriu.
UM: Você lembra de algum professor na escola, que tenha influenciado você pra literatura?
CP: Não foi um professor que me influenciou não, de verdade. Foi meu pai e seu Zé Pedro, porque eles eram dois grandes contadores de história. A minha leitura começou antes de eu ir pra escola. A leitura do mundo começou de eu ouvir história de trancoso, da boca do meu pai, e da boca do seu Zé Pedro. Então aprendi a gostar de literatura não foi nem com professor nem com livro. Foi com as contações de história do terreiro na minha casa. Meu pai comprava cordel também, trazia da feira e lia os cordéis, pra gente, de noite.
UM: Vocês tinham energia elétrica?
CP: Não, tinha candeeiro. Só veio ter energia elétrica quando eu tinha 12 anos. Não tinha banheiro também não. A gente fazia xixi e cocô no mato. (Ri)
UM: E a água era de jarra, encanada?
CP: Era encanada nada. A gente pegava de açude, tinha um perto de casa, que tinha água, se o mês fosse de chuva, até agosto. Depois de agosto, tinha que buscar num açude mais fundo, mais longe. Desse açude a gente pegava de lata, pro pote. No mais longe a gente ia com um burrico, com umas jarras.
UM: Você chega ao Recife aos 14 anos, você chega e vai estudar que série?
CP: Primeiro ano científico. No Colégio 2001, que era desse meu irmão, que trouxe todos nós, que veio e se organizou. Ele era formado em Veterinária, mas ensinava Geografia no cursinho. (Hoje em dia não pode mais isso, mas antigamente podia.) Isso foi em 1978. Toda a discussão da abertura, final de ditadura, Cajá é preso aqui no Recife, a gente começa a entregar panfleto. No meu colégio, sempre tinha um policial federal na sala, porque ensinavam lá pessoas muito interessantes, que meu irmão chamava pra trabalhar, que não tinham espaço pra trabalho em outros cantos. Aí fui aluna de Natanael Sarmento, de Nanci, mulher de Zé Arlindo, fui aluna de Biu Vicente, de Pedro América, literatura, então eu tive muitos bons professores nesse colégio. E a movimentação cultural e política lá era muito forte. A gente teve o primeiro grêmio, em 78, uma chapa só de meninas, que ganhou. Valéria Nepomuceno, que hoje coordena o Centro Dom Hélder Câmara, o CENDHEC, era dessa chapa.
UM: No Recife se abrem muitos caminhos pra você. Quais foram as primeiras sementes da tua formação socialista?
CP: Eu acho que, quando li Germinal, de Émile Zola, lá no Sertão, alguma coisa se partiu dentro de mim. Agora, livro de esquerda, marxista, eu tive contato aqui no Recife. Eu tive contato coma fala marxista aqui. Tanto do ponto de vista dos professores da minha escola, quanto do meu irmão. Existia toda uma roda em que se discutiam essas coisas, que falava de marxismo, de comunismo, então me interessei demais e comecei a estudar, a ler. Ele tinha uma biblioteca muito boa, e comecei a ler os existencialistas Camus e Sartre, aí eu comecei a ler Lênin, aí li Mao Tsé Tung, nem gostei do Livro Vermelho, achei um xarope da peste. Aí comecei a ler Marx primeiro por outros, porque o Manifesto é lindo, é um poema, não é? Aquilo é um poema, e um poema válido até hoje. Aí quando você vai ler O Capital, não consegue entender. Nunca li. Eu só li textos soltos, porque é muito difícil. Aí você começa a ler pessoas que fazem a releitura de Marx, não é?
UM: E como você definiu o seu caminho “agora vou fazer poesia”?
CP: Quando eu cheguei aqui eu já escrevia, mas eram aquelas trovinhas, que todo adolescente escreve, aquela coisa singela, não tinha uma definição que eu era uma escritora. Quando eu cheguei no meu colégio, eu fui estudar na mesma sala com algumas pessoas que hoje são poetas. Eu já vim e lá com Cícero Belmar, que é meu amigo desde pequena, e foi estudar no mesmo colégio. E na minha sala eu estudei com Raimundo de Moraes, Ricardo Antunes, Eduardo Martins, tinha um foco de gente que gostava de escrever, Lígia Barros, que hoje é editora do Diário de Pernambuco, ela foi minha colega de turma. Wilson Freire, contemporâneo. E a gente gostava de escrever, e tinha maneira de escrever versos coletivos, um dizia um verso, outro dizia outro. E a professora de literatura da minha escola, do primeiro e segundo ano, era minha irmã Flor Pedrosa, que tinha como grande característica essa história de aglutinar os jovens, de puxar os jovens pra pensar. E ela escrevia poesia, e era mulher de esquerda, e grande professora. Era professora daquelas que vão além da sala de aula. A gente ia pra casa dela, depois da escola, ela revisava os textos, ela arengava, “parem de rimar amor com dor”, e ela cortava, dizia “o poema tá gordo, deixa o poema magro”, “onde é que tá o poema, onde é que tá a essência? Veja se essa palavra cabe”. E dizia: “não tenham medo de escrever boceta, boceta é uma palavra”. Essas coisas assim, que vão dando um norte. Acho que ela deu muito norte pra gente.
UM: Na sua formação, quais são os poetas que definiram ou abriram um caminho pra você?
CP: Acho que eu teria sido muito mais infeliz se eu não tivesse lido tanto Drummond e Ferreira Gullar. Acho que no Poema Sujo a minha definição marxista está ali. Eu me tornei absolutamente de esquerda quando o li. Eu já tinha a sensibilidade social, pra dor do outro, pro humanismo, mas eu acho que me disse eu sou marxista quando li Ferreira Gullar.
UM: E como é que surge a sua relação, que eu sei que é intensa, com a chamada poesia marginal do Recife?
CP: Ah, isso é interessante. Já no colégio, a gente tinha um fanzine, um jornalzinho bem pixotinho, chamado Momento Poético. Quem coordenava, ajudava a gente a fazer era a professora Flor. Saíram 6 números, no ano de 79. O colégio tinha uma gráfica, e a gente tirava numa escala maior que a do colégio. Era um jornalzinho, não era só pra distribuir com os meninos do colégio. E na cidade tinha muita gente querendo fazer essa coisa, de publicar. Onde têm 2 escritores, quer se fazer um jornal, é incrível. Aí outros grupos estavam fazendo a mesma coisa. Fátima Ferreira, Samuca, Geni Vieira, tinha um grupo chamado Banda Voou, que fazia um livrinho bem pequenininho, e também tinha um jornalzinho. E aí eu passei no vestibular de Direito. Quando aconteceu isso, o meu namorado da época, Eduardo Martins, que era poeta, foi estudar Letras na Fafire. E lá ele conheceu Chico Espinhara, que já estava lá, veterano. E aí se meteram juntos no movimento estudantil universitário, e também no literário. E os dois foram juntos com Josualdo, que era do curso de História da Federal, e foram pros encontros nacionais. Eram encontros de Letras, e aí tinham outros poetas, de outros estados. Todo encontro estudantil tem aqueles movimentos paralelos. A esquerda trotskista se reúne num canto, a esquerda leninista se reúne noutro, e aí tinha um pessoal de cultura, que o povo chamava a gente de “maluco beleza”, porque quem era de cultura era “maluco beleza”. E aí os meninos se reuniram à parte com os escritores de outros estados, e cada um veio com essa ideia de criar um movimento. Na época, não se definiu como Independente não, se pensou com o nome underground, periférico, alternativo, a gente é que chegou aqui e viu que o melhor nome era Independente. Independente era porque queria manter uma postura política, diante do que acontecia aqui, que era a política de balcão, todo o mundo que publicava, publicava na Fundação Joaquim Nabuco, sob os auspícios de Gilberto Freyre, ou então sempre aquela coisa do poder do Estado ou do poder da direitona. As pessoas esquecem que Gilberto Freyre era um grande intelectual, mas era um homem de direita.
E a gente tinha isso muito claro. A gente amava a Geração 65 de poetas do Recife, mas achava ela, boa parte dela... a gente dizia assim “tudo que nós conquistamos foi via concurso público, ou ralação, nós não temos nada dado, a minha geração não tem nada dado, nós não temos um cargo que seja de conchavo”. E a gente achava que a geração 65 de poesia do Recife estava bem, muito quieta, a gente tinha essa arenga. Depois, a gente viu que não era bem assim.
UM: Porque o poeta Alberto da Cunha Melo, dessa geração. abriu as portas pra vocês, não é?
CP: (Confirmando) Completamente, Alberto. A gente era muito jovem. Depois a gente reconheceu que a Pirata era um grande movimento, alternativo também, e reconhecemos neles... mas primeiro todo o mundo tem que brigar com o que está anterior, pra depois se firmar. E Alberto, aquilo era um homem santo, um homem bom, então Alberto sempre viu na gente, eu tenho vários livros dedicados por ele, que ele diz assim “musa de uma geração rebelada”, porque a gente era muito rebelde mesmo. E ele acolhia isso com uma delicadeza, com um amor, ele achava que o nosso papel era este, se rebelar. Inclusive contra eles. Contra tudo que estava estabelecido. Ele achava que era o papel da gente. E acolhia, e posicionava. Ele era um homem do bem, demais.
UM: Tem uma tendência de se achar que só a literatura produz literatura. Eu acho que realmente a literatura produz literatura, mas existem coisas que não são essencialmente literárias e que produzem literatura. Que fatos emocionais você acha que determinaram o seu caminho para a poesia?
CP: Eu não tenho dúvida disso não. Eu acho que não tenho uma grande obra por conta disso, porque a vida pra mim é muito mais importante que a literatura. O que é mais fundamental pra mim, o que me decidiu pra essa saga de escrever, que é uma coisa muito doída, porque só sabe a dor de escrever quem é escritor, é muito doloroso. Eu acho que a dor do outro é a dor da humanidade, a divisão de classes, isso pra mim foi o que sempre me moveu. É tanto que a minha literatura inicial ela chega a ser quase panfletária, depois é que tomo o meu rumo. Mas no início eu queria tanto ser braço dessa dor, sabe?...
UM: Mas eu quero observar o seguinte: eu quis me referir a um fato essencialmente biográfico que ocorreu na tua vida e te abalou e te levou para a literatura.
CP: Acho que é a vinda de Bodocó pra cá. Eu acho que a minha chegada aqui ela é um susto muito grande. Ela é um susto. Porque eu não saí de uma cidade para outra cidade. Eu saí de uma cidadezinha, um sítio, eu tinha vivências muito próprias, eu costumo dizer que vivi coisas do século XIX, quando as demais pessoas viviam no século XX. Na minha casa se fazia sabão com sebo de bode. Então tinham práticas na minha casa que eram do século XIX, do ponto de vista de sobreviver, de existir. Então, eu conhecia todos os cegos da minha cidade, todos os mendigos, sabia o nome de cada um, mas quando cheguei no Recife vi montanha de cegos, de mendigos, uma horda na verdade, uma horda de pessoas sem nada. Eu acho que isso rachou minha cuca e meu coração. Eu acho que isso foi fundamental. Aí eu começo a escrever pra não enlouquecer.
UM: Tem aquela canção, linda, de Mercedes Sosa, Volver a los 17, voltar aos 17. Pra você, seria volver a que idade? Aos 17, aos 14, aos 15, aos 10?
CP: Se eu pudesse voltar? (Suspira) Olha, eu voltaria com a mais absoluta certeza aos 6 anos. Diante de uma fogueira acesa com seu Zé Pedro e meu pai (a palavra “pai” sai com a voz embargada). Quando seu Zé Pedro ia lá para o sítio, a gente esperava ele como se espera tudo (a melhor coisa) no mundo. Porque ele vinha contar história também. A gente juntava madeira durante o dia, fazia fogueira, e quando era de noite que ele terminava todo o serviço, ele ia tomar banho, botava roupa limpa, era uma expectativa, arrumava um banco, a gente acendia a fogueira de 6 horas, ele sentava no banco. E ali era o teatro. Eu conheço a obra de Leandro de Barros a partir da voz de seu Zé Pedro. Eu conheço alguns contos italianos, clássicos, a partir da voz dele. Então era a magia, era a possibilidade de você viajar de verdade, no reino da baleia e Júlio Verne a partir da voz de um homem que tinha a capacidade enorme de contar histórias. Ele virava bicho, ele virava princesa, ele virava o que quisesse, diante daquela fogueira e diante de nós.
UM: Os poetas independentes, que vêm de sua geração, incorporam a poesia escrita à poesia de recitais. A tradição dos poetas de antes era de serem lidos. Mas os independentes sabem de cor os próprios poemas. Que poema seu você recita agora?
CP: Este:
“Não te direi o simples convite
Pois o meu corpo é dúvida
Cavalga em mim as incertezas
É dessa matéria a minh’alma
Há muitos anos curvas e círculos me habitam
Não te direi poesias de amor
Nem cantarei canções desesperadas
Mas se quiseres trago no peito o cheiro das estações
Na língua a infâmia dos oprimidos
Enfim, eu tenho o colo em chamas
Para fazer morada.” *
UM: Por que você parte de uma trajetória de poesia para uma candidatura eleitoral?
CP: Eu tive muita dificuldade de entender e aceitar essa tarefa. Primeiro eu achava que a minha identidade pública de poeta já era mais do que suficiente, já era muito difícil trabalhar do ponto de vista privado essa identidade pública. Não é simples, porque você é cobrado como uma personagem, você se transforma em personagem da cidade. Isso já era muito complexo pra mim. Eu faço terapia uma vez por semana. E eu sou uma mulher de partido. Eu sou filiada há quase 15 anos ao PC do B. Sempre fui muito chamada pra exercer essa tarefa, mas eu nunca quis, porque eu sempre quis apoiar os companheiros e companheiras. Sempre estive na luta, mas nunca quis estar na frente. E eu vinha tratando isso até há pouco tempo, de entender por que tinha topado (enfrentado). Porque eu tenho que ter missão, não sou missionária, mas eu sempre acho que eu tenho que ter missões. As tarefas, quando eu digo tarefa, é uma palavra marxista. Mas do ponto de vista religioso, e eu sou uma comunista de sacristia, é missão também, aquilo que você pega para tocar como principal na sua vida, ou como para fazer o coletivo. Então, nós estamos num momento de muito desencanto, um dos maiores males que a democracia sofre hoje é o desencanto. É a incapacidade de participar que o ser humano hoje no Brasil tem. Essa impossibilidade que as pessoas têm de ver que a política é importante, que os políticos são importantes, que a gente não pode balizar por baixo, pelos maus políticos. E de que a democracia sempre foi e será feita por políticos. Quando a gente joga numa mesma vala todos os políticos, e diz que político não presta, a gente está jogando na vala a democracia. E só sabe a importância de democracia quem viveu os anos de chumbo. Eu tenho visto um discurso muito reacionário com relação aos políticos, a gente tem que fazer a crítica às práticas, não à instituição, ao congresso nacional, à assembleia legislativa, câmara de vereadores. A gente tem que discutir é a reforma partidária, a reforma política. A gente tem que discutir talvez até a reforma das estruturas, mas não dizer que as estruturas não servem pra nada. A existência independente dessas estruturas é a existência da própria democracia. Então, o meu desafio, que aceitei, é porque eu acho que a minha figura de poeta, de escritora, ela é em volta de um processo de encantamento porque a poesia encanta. Se eu puder levar pra essa discussão política, que nós estamos tendo nessa candidatura, o nível de encantamento para fazer com que pessoas que estejam anestesiadas ou sem querer discutir política, possam refletir um pouco mais, de que a política é feito beber leite de manhã, e de que a política é tão importante quanto ninar o filho à noite, que o nosso filho não vai dormir acalentado e bem, se as questões políticas não estiverem bem, o futuro dele não estará bem, então se eu puder contribuir minimamente possível com a participação, que as pessoas pensem que a participação política é importante, eu já cumpri a missão.
UM: Quais são as suas bandeiras para a sua candidatura a vereadora do Recife?
CP: Por conta do perfil da candidatura, nós temos o caminho da cultura, porque eu sou escritora, e a gente está agregando um povo muito legal, gente muito boa nisso, e nós temos toda uma proposta desde fortalecer o sistema municipal de cultura, com o seu conselho, fortalecer e reformular, porque o conselho na forma é ruim, o fundo de empresas tem que ser financiamento público direto. Reformulação dos editais, porque eles são obscuros, a questão da política municipal, até a coisa da gestão. Você tem uma Fundação de Cultura que nunca fez um concurso público, você não tem um iluminador, um montador de palco, tudo isso é terceirizado... Eu acho que o mandato que se preze é ser voz das vozes.
O outro perfil, porque sou advogada de direitos humanos, é a agregação dos direitos humanos, e a cultura é um direito humano, não consigo separar isso, cultura é um direito tão importante quanto nascer, quanto estar vivo, quanto a saúde. Então a cultura enquanto direito humano na sua forma mais larga. Aí vem o direito à comunicação democrática. Um dos grandes problemas do país hoje, que a gente nunca pensa, é essa coisa da comunicação. Nós temos uma comunicação na mão de 7 famílias, a gente vê com o olhar que o outro quer que a gente veja. As pessoas não têm discernimento do que estão vendo. A gente engole os pratos feitos e frios. Isso não nos dá poder político, então eu acho que a comunicação como direito humano é uma bandeira importante. Aí vêm todas aquelas outras coisas que chamam direitos sociais: saúde, educação, moradia, saneamento. Uma coisa que eu tenho muito discutido é o direito de ir e vir, que a gente pensa que conquistou desde a Constituição de 88, pra mim ele é cerceado o tempo inteiro. Quem está preso na sua casa, porque tem medo de sair, porque tem medo de levar uma bala, não tem direito de ir e vir.
UM: Você vê como unidas cultura e educação, o tipo de educação que temos em nossas escolas?
CP: Eu acho que a escola trata muito mal a questão da cultura, que é vista como entretenimento. A maioria dos professores que dão arte não são pessoas que tiveram formação artística. É dada de forma chata, de forma pouco intelectualizada. No máximo dão um bocado de lápis de cor pros meninos pintarem. Então eu acho que duas coisas inseparáveis são educação e cultura, mas infelizmente nem a nossa escola está preparada pra absorver, e nem o MEC eu acho que esteja pensando nisso, faz um discurso, mas na prática não resolve. Por exemplo, tem uma lei que diz ser obrigatório o ensino de educação musical. Essa lei devia ter sido implementada há dois anos. Eu não acho que esse tema venha sendo tratada de forma correta. E tenho uma coisa mais pra dizer: eu acho que quem deve dar aula de cultura é quem faz cultura. Então se vai dar aula de poesia, quem tem que dar essa aula é o poeta, não pode ser professor que estudou Letras. Quem tem que dar aula de prosa é escritor que escreve prosa. Quem tem que dar aula de artes plásticas é pintor. Quem tem que dar aula é quem aprendeu o ofício, é quem recebeu o dom, seja de Deus ou do Diabo. A gente não pode botar uma pessoa que apenas aprendeu técnica pra dar aula do que ela não sente e nem sabe.
UM: Você tem bandeira específica para a mulher?
CP: A gente vive um momento muito especial no país. Essa questão de empoderamento feminino, a partir da eleição de Dilma, cria um novo parâmetro. Nós temos no poder legislativo em torno de 10 a 11 por cento de representação de mulheres. E dessa representação feminina muito poucas mulheres tratam de verdade a luta de gênero nas câmaras e assembleias. São mulheres, mas muitas são filhas do político tal, não têm nenhuma história ligada à luta política, então elas nem tratam a luta política do ponto de vista tradicional nem da luta de gênero. O que é que está precisando? Nós temos em nosso partido a maior representação feminina dos partidos no Brasil e no congresso. Quarenta por cento da nossa representação no congresso é de mulheres. E todas elas, do partido, no congresso, tratam essa questão da luta de gênero, porque nós entendemos que não podem existir independência, soberania, se existir diferença de gênero. Se o homem e a mulher não estiverem juntos, não existe soberania se não existir a voz da mulher.
UM: Pergunta de advogado do diabo: você não teme que, com a sua formação poética, literária, vá se decepcionar com a prática cotidiana de uma câmara de vereadores?
CP: Temo, me apavoro, e já estou tratando da terapia. (Risos.) E quero dizer mais uma coisa: o que mais me surpreende na minha candidatura é a quantidade de respostas afetivas que eu tenho dos amigos, dos artistas. Eu posso até não ganhar, mas já ganhei. Eu já sou uma outra pessoa. Luciano Siqueira dizia pra mim, quando eu não queria me candidatar, que não era mistério, que só era a trajetória de vida das pessoas. Eu não concordo com ele porque tem mistério pra caramba. Ainda estou cheia de mistério. Mas do ponto de vista do que você agrega, você não é um factoide, você agrega o que você agregou a vida inteira. É só isso.
*Urariano Motta é jornalista, escritor e colunista do Vermelho, entre outros veículos
Entrevista publicada originalmente no Vermelho
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