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Educação, Uma Tragédia em Andamento

2 de Maio de 2013, 21:00 , por Castor Filho - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Um olhar para a realidade escolar a partir da Sala de Aulas

 

Prof. Dr. José Vieira Camelo Filho (Zuza)*

 

Certamente vários fatores contribuem com a situação desfavorável do nível da educação brasileira. Tanto que à qualidade do ensino e o aumento do acesso ao Ensino Médio no Brasil está na pauta do dia do governo e das empresas.

 

Neste artigo pretendo fazer uma reflexão a partir da escola em que eu trabalho (Escola Estadual Prof. Emygdio de Barros, São Paulo- Capital) que conta com um quadro de professores bem qualificado e com forte demanda por vagas no Ensino Fundamental e Médio, como é o caso de muitas escolas de São Paulo e do Brasil, no seu conjunto.

 

Notamos, entretanto, que o rendimento dos alunos é baixo.

 

De modo geral existe um processo de culpabilidade dos professores em relação aos resultados da qualidade do ensino.

 

A sociedade tem conhecimento das condições de trabalho adversas dos professores, destaque para as elevadas cargas horárias, baixos salários, qualificação docente, lotação das salas de aulas, falta de equipamentos didáticos, bibliotecas, laboratórios; mas pouco se discute fora dos círculos escolares o descompromisso com o estudo e a indisciplina dos alunos.

 

Estudar é preciso, pois somente frequentar a escola não basta para alavancar os níveis de ensino.

 

Em São Paulo, a Secretaria de Estado da Educação distribui material didático (régua, compasso, cadernos e livros de literatura) para todos os alunos, enquanto o Ministério da Educação é responsável pela distribuição dos livros didáticos para todas as disciplinas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Um grande privilégio para quem vive num país pobre, mas este material está sendo subaproveitado.

 

 

Como professor, tive a oportunidade de acompanhar diferentes turmas (6o e 7o anos do Ensino Fundamental) ao longo de 10 anos e verifiquei que cerca de 20% a 50% dos alunos não traz o livro para as aulas. Nas escolas do estado de São Paulo a Secretaria de Educação distribui apostilas para os alunos, mas a porcentagem que deixa o material em casa é espantosa. Em minha escola esse índice está em torno de 50% em algumas matérias. Nos casos mais graves, as páginas dos cadernos e dos livros viram aviõezinhos de papel ou ainda munição em brincadeiras de guerra.

 

E. E. Prof. Emygdio de Barros tem um quadro docente que boa parte das faculdades do País não dispõem (10 professores são doutores ou doutorandos e outros 10 mestres ou mestrandos), sem contar que a maioria do corpo docente é formada em universidades como a USP, PUC/SP, UNESP, Unicamp e Mackenzie, além daqueles que fizeram especialização em várias áreas do conhecimento.

 

Apesar do bom nível dos professores, o resultado apresentado pelos alunos em avaliações fica aquém do esperado. No exame das primeiras e segundas séries do Ensino Médio, realizado por 350 alunos, no 3o bimestre de 2012, com base nos conteúdos de Biologia, Física, Geografia, História, Matemática, Português e Química, as notas de 0 a 2 representaram 44,5% do global, e de 3 e 4 em torno de 26,0%, sendo que as notas de 9 a 10 representaram apenas 3% do total.

 

Com relação aos alunos das terceiras séries do Ensino Médio (cerca de 120), as notas obtidas em Geografia, História, Português e Matemática de 0 a 2 representaram 30,16% do total, enquanto as notas entre 3 e 4 giraram em torno 29,96%, e somente 3% conseguiram tirar 9 ou 10.

 

Nenhum aluno das primeiras e segundas séries obteve nota 10 em matérias como Biologia, Física, Geografia e Matemática.

 

Estes resultados são preocupantes, pois o grau de dificuldade das questões avaliadas situava-se entre médio e baixo, sem contar que em termos quantitativos não são abordados todos os conteúdos estabelecidos nas grades curriculares.

 

Estas notas não diferem das médias do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que foi em torno de 3,7 nos anos de 2009 e 2011. Neste particular, é necessário mais empenho dos alunos, pois são eles que têm de estudar, ainda mais num cenário em que recebem os livros de todas as matérias. Não há conhecimento sem conteúdos, sistematizados, por sua vez, através dos estudos. No mundo do conhecimento só têm um lugar de destaque aqueles que estudam muito.

 

Nos últimos 40 anos, muitas medidas foram tomadas com o objetivo de melhorar o nível do ensino, entre elas a criação dos cursos de Licenciatura Curta e Estudos Sociais (junção de Filosofia, Geografia, História e Sociologia) e de Ciências (junção dos cursos de Biologia, Física, Matemática e Química), através da Lei no 9.394/71, mas o resultado foi um enorme desastre.

 

Outra medida para organizar o ensino fundamental foi à implantação da Progressão Continuada, criada através da resolução no 4/1998, pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Com este mecanismo, de imediato denominado Promoção Automática pelos professores da rede, os alunos são promovidos sem conseguir as notas necessárias.

 

Para os críticos, esta medida contribuiu com o aumento do descompromisso com os estudos, já que os alunos são aprovados, estudando ou não, influenciando negativamente o desempenho escolar. De qualquer forma, a Progressão Continuada não resolve a questão do aprender e da dedicação aos estudos.

 

Leve-se em conta também o fato de que na atualidade os índices de aprovação são elevados artificialmente com a elaboração de projetos.

 

Nos círculos escolares, a questão da elaboração de projetos para amenizar problemas de baixo rendimento está na ordem do dia, assunto amplamente tratado nas reuniões de planejamento. É indiscutível a importância dos projetos, porém quando eles têm papel decisivo na aprovação geral, porque a maioria dos alunos não atinge médias satisfatórias em avaliações de conteúdo, os projetos acabam por maquiar a realidade da falta de estudo por parte dos alunos.

 

O prof. Roberto Lobo (ex-reitor da USP), em artigo publicado na Folha de São Paulo, e 23 de outubro de 2012, destaca o desenvolvimento de práticas extracurriculares (projetos sem conteúdos) nas escolas, lembrando que a França, reduziu estas atividades complementares, já que as autoridades educacionais chegaram à conclusão que as mesmas não contribuíram para melhorar o conhecimento ou o nível de ensino dos alunos.

 

Certamente, que os projetos podem contribuir com o aprendizado, mas estudar os conteúdos continua insubstituível, afinal de contas não se formam técnicos e cientistas sem teoria e uma consistente carga de conteúdos.

 

A distribuição dos livros didáticos é uma medida de grande relevância social em todo o Brasil e, ao mesmo tempo, contempla um enorme conjunto de interesses políticos e econômicos.

 

Trata-se de uma política generosa com um foco correto, sem equivalência em países com o mesmo nível econômico do Brasil, e cujo custo e vantagens exigem uma avaliação global deste programa.

 

Cabe observar que todo o processo de produção de um livro até chegar ao seu destino final tem um custo bilionário, em torno de 1 bilhão e 100 milhões de reais, pago com dinheiro público. Fato que torna necessário uma ampla e rigorosa fiscalização da sociedade para exigir o compromisso dos beneficiários e evitar o desperdiço.

 

Destaque-se a importância política e social deste programa independente de quem esteja no governo, uma vez que a Educação deve ser tratada como uma questão de Estado.

 

Na apresentação dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2011, o prof. e ministro da Educação, Aluisio Mercadante, comentou o número exagerado de disciplinas na grade curricular do Ensino Médio.

 

Na verdade, temos estudo de menos, muito desperdício de energia física, mental e material, associado com uma voraz indisciplina nas escolas, falta de compromisso por parte do governo e da sociedade com a melhoria de nossa educação. Falta, sobretudo, o engajamento da sociedade e de suas instituições, como o Congresso Nacional, todos os níveis de governos, os sindicatos de trabalhadores e de empresários, as forças armadas, as igrejas e as famílias na busca de mudança de tal realidade na qual parcela significativa de nossa educação tornou-se um caso de polícia nas últimas décadas.

 

É imperativo reverter esta situação. De outra forma, perderemos o trem da história, mais uma vez.

 

Em termos quantitativos o acesso à escola é satisfatório, atende 98% das crianças, no entanto a qualidade do ensino é por demais ruim e tem que melhorar. Para isso, as autoridades precisam fazer a sua parte equipando escolas com laboratórios, bibliotecas e quadras esportivas, melhorar a formação e os salários dos professores.

 

Mais importante ainda é informar aos os alunos a imperiosa obrigação de estudar muito, sem a qual não chegaremos em lugar nenhum.

 

É preciso gritar, bem alto e sem medo, com os alunos do Brasil que eles têm que estudar.

 

Precisamos enfrentar, o uso dos celulares e semilares nas classes e concomitantemente combater a indisciplina, doença que paralisa o andamento das aulas. Além de serem proibidos nas escolas, aparelhos sonoros podem provocar danos ao sistema auditivos.

 

Devo ser o único professor da rede pública de todo o País com titulo de Doutorado em Economia. Isso permite manter aguçado o meu tino de pesquisador e assim, analisar com cuidado o dia a dia da escola e da educação.

 

Sendo realista, posso assegurar que é necessário um forte choque no sistema educativo do brasileiro, porque do jeito que está, seguiremos para uma de uma situação desesperadora para o desastre fulminante.

 

Hoje temos o mito de que os computadores equipados para internet, salva a lavoura da educação. São, é claro, de indiscutível importância. Seu uso excessivo, no entanto, provoca Lesão por Esforço Repetitivo-LER, além de ter sua utilização muitas vezes direcionada para brincadeiras.

 

O livro é, e continuará sendo, o melhor equipamento do processo educativo. Os demais materiais, inclusive os computadores, são apenas complementares.

 


 

José Vieira Camelo Filho (Zuza)* é pesquisador do Projeto de Transposição do Rio São Francisco, leciona na Escola Estadual Prof. Emygdio de Barros; Pós-Doutor em Políticas Públicas pelo Instituto Filosofia e Ciências Humanas - IFCH e Doutor em Economia e Especialização em Economia do Trabalho e do Sindicalismo pela Unicamp. Mestre em História, Bacharel em Geografia, Ciências Sociais e Licenciatura em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUCSP.   

 

As ilustrações do texto são capas de livros publicados pelo Zuza


Tags deste artigo: zuza -josé vieira camelo filho educação ensino fundamental ensino médio no brasil rendimento escolar

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