Publicado em 07/08/2012 por Rui Martins*
Locarno (Suiça) - O Festival de Locarno acolhe dois monstros sagrados do cinema francês – um em carne e osso mas sem filme novo, é o ator Alain Delon (76 anos); o outro é a atriz francesa Jeanne Moreau, ausente, mas presente no tamanho total da tela, no filme “Uma Estoniana em Paris”.
No seu encontro com os jornalistas, Alain Delon foi taxativo, “não tenho medo da velhice mas vocês nunca me verão como velho enfraquecido” e ficava claro, nem pessoalmente nos festivais nem em filmes mostrando o bonitão como um ancião.
Jeanne Moreau (84 anos), que não é menos vaidosa, ganha de Delon por ter feito a opção de ser atriz até quando puder, mesmo se tiver de viver personagens envelhecidos. Como ser a estoniana Frida, de rosto marcado pela idade, mal humorada como costumam ficar todas as mulheres idosas e sob os cuidados de uma governanta.
Ninguém tinha coragem de convidar Jeanne Moreau para o papel da velha mas orgulhosa Frida, até que um produtor francês decidiu enfrentar o desafio. Resultado – o filme com Jeanne Moreau faz sensação em Locarno, uma verdadeira jóia na competição internacional do Festival. Será que Jeanne virá a Locarno, no caso de ganhar o premio de melhor interpretação feminina ? Se isso acontecer, Locarno terá marcado um enorme tento, mesmo se os dois grandes do cinema não se cruzarem nos bastidores. E Jeanne poderá roubar a cena de Delon com sua coragem de filmar idosa no papel de uma personagem enfraquecida.
Será que o diretor do filme, o estoniano Ilmar Raag teve muita dificuldade para dirigir Jeanne Moreau? Ele diz que não, mas deve ser pro-forma, pois confessa, a seguir, que a famosa atriz queria ver, no fim do dia de filmagens, tudo quanto fora feito e dava suas opiniões e orientações, com as quais Ilmar concordava e aceitava.
“Jeanne também fazia observações sobre a atriz estoniana Laine Maegi e outros atores, que eu tomava a sério, pois acho que se fizesse pouco caso, ela poderia se irritar”, conta o realizador.
“Quando o filme terminou” – continua Ilmar – “Jeanne Moreau, que sempre tratou sua colega estoniana (sua governanta no filme) com a expressão “minha pequena” lhe disse, ao saber que a atriz estava lamentando deixar Paris, “não fique triste minha pequena você trabalhou bem”. E Laine Maegi, que no papel de governanta era sempre humilhada por Frida, reagiu “e você também Jeanne!”.
Conversa de atores à parte, o filme conta como Frida, que trocou a Estônia por Paris nos anos 30, época da explosão artística francesa, esperava ali encontrar um lugar como artista. Os estonianos interessados em melhorar de vida iam naquela época para outros países como imigrantes.
Em Paris, Frida logo se adaptou e, ao contrário das estonianas conservadoras e religiosas de sua época, viveu as folias da Belle Époque. Casada com um francês rico e atencioso, isso não lhe impediu de ter um caso com um jovem garçon de café, bem mais novos que ela, e mesmo com homem casado da comunidade estoniana, sendo por isso rejeitada.
O garçon de café se tornou proprietário de um restaurante chic e o amor antigo se tornou impossível por ter se tornado idosa. Mesmo assim Stéphane cuidava da ex-amante que, desiludida por ter envelhecido e ser obrigada a ceder seu lugar a mulheres mais jovens, tentou se suicidar. Para assegurar a Frida uma velhice tranquila, Stéphane contratou Anne como governanta, sabendo que seria uma tarefa difícil para Anne suportar, visto o mau-humor e o caráter ranzinza e autoritário de Frida.
O roteiro de Ilmar Raag, ex-diretor da televisão estatal estoniana, foi inspirado na experiência de sua mãe que, depois de viúva teve a oportunidade de ir a Paris para cuidar de uma senhora idosa da comunidade estoniana, que tentara o suicídio. Depois de alguns anos, sua mãe retornou à Estônia mas não era a mesma. Tinha se transformado numa mulher cheia de vida, alegre, tanto que se casou de novo e ainda hoje vive essa nova personalidade.
Ilmar imaginou, então, Frida, a mulher desejosa de uma outra vida livre, naquela Paris dos anos 30, diferente das outras mulheres estonianas da época, moralistas, religiosas e para as quais uma mulher de 50 anos, já era velha e não podia sair à noite e nem ter amantes.
Rui Martins* é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.
Enviado por Direto da Redação
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