Capa do El País (com a foto falsa) e Tommaso De Benedetti
Publicado em 29/01/2013 por Mário Augusto Jakobskind*
O jornal El País realmente bateu o recorde em matéria de barriga (termo utilizado por jornalistas para designar divulgação de notícias erradas) ao publicar uma foto de um suposto presidente Hugo Chávez entubado na cama de um hospital. Os primeiros exemplares impressos foram rodados e distribuídos, bem como a foto divulgada no site ficou no ar algum tempo.
Tudo começou quando o jornalista italiano Tommaso De Benedetti enviou a foto, capturada do YouTube, para três agências de notícias, que não divulgaram nada. Estranhamente, a imagem acabou aparecendo no jornal El País, cujos editores, sem nenhum tipo de checagem, publicaram.
De Benedetti alega que ao divulgar a falsa foto de Chávez queria apenas testar o jornalismo que vem sendo exercido atualmente. Será? Então, por que ao enviar a imagem se fez passar pelo Ministro venezuelano da Cultura, Pedro Calzadilla?
O jornalista italiano não é confiável. Tem antecedentes negativos como autor dos rumores sobre a morte do líder da Revolução cubana Fidel Castro, do escritor colombiano Gabriel García Márquez e se apresentou no Facebook e Twitter como personagens famosos, entre os quais Mário Vargas Llosa, Umberto Eco e até o Papa Bento XVI.
Na verdade, não é de hoje que a mídia de mercado tem publicado falsas informações sobre a saúde do presidente venezuelano. Aqui neste espaço já se comentou o desejo de algumas publicações em ver Chávez morto. A Rede Globo que o diga, bem como colunistas vinculados ao famigerado Instituto Millenium, já conhecidos e cujos nomes nem vale a pena citar.
O El País pediu desculpas aos seus leitores e teve de admitir publicamente o erro grosseiro. Se não o fizesse perderia de vez a credibilidade até mesmo entre os leitores que o consideram o melhor dos melhores.
Mas o governo venezuelano entendeu que não bastam as desculpas e decidiu entrar com uma ação judicial contra o jornal espanhol, conforme anunciou o Ministro da Comunicação e Informação, Ernesto Villegas.
Há muitos mitos sobre os meios de comunicação pelo mundo a fora. O El País, por exemplo, é citado por outros jornais, como “o consagrado jornal espanhol”. A BBC de Londres é considerada pelos acadêmicos de plantão como o exemplo de mídia pública a ser seguido. Mas nem todos pensam assim.
Dias desses, ativistas sociais fizeram manifestação em frente a sede da emissora britânica denunciando a parcialidade na cobertura dos acontecimentos no Oriente Médio. Os palestinos, segundo os manifestantes, são tratados de forma discriminada.
Na época da invasão e ocupação do Iraque pelos Estados Unidos e com o apoio do Reino Unido, a BBC foi acusada de apenas defender os interesses do Estado britânico, ou seja, estadunidenses, nas coberturas sobre os acontecimentos.
Se analisarmos as coberturas jornalísticas de outras mídias eletrônicas no Brasil, não há como silenciar diante das barbaridades que estão sendo cometidas.
Para ficarmos em um exemplo mais recente, já comentado na reflexão da semana passada, a intervenção francesa no Mali teve a unanimidade favorável ao que determinou o presidente François Hollande.
Em décadas passadas, por exemplo, antes da derrota dos franceses no Vietnã, substituídos em seguida pelos estadunidenses, vale uma consulta aos meios de comunicação para constatar a unanimidade em torno da defesa da ação colonial contra os “bárbaros nacionalistas comunistas” comandados pelo General Giap. Era um tempo em que comunistas eram acusados de “comer criancinhas” .
Na África de décadas passadas, o esquema era semelhante. Para se ter uma ideia, há 52 anos a CIA e os serviços de inteligência belga assassinaram Patrice Lumumba, líder da luta de libertação nacional no Congo.
Vale também uma consulta sobre o noticiário da mídia de mercado. Aliás, praticamente nenhum meio de comunicação brasileiro concedeu agora espaço para analisar a figura de Lumumba, assassinado em 17 de janeiro de 1960.
Nem é preciso recuar muito no tempo para constatar a parcialidade da mídia de mercado em relação a fatos históricos recentes. Meios de comunicação que hoje posam de democratas desde sempre, apoiaram a ditadura chilena de Augusto Pinochet. Silenciaram sobre as atrocidades que ocorriam no Uruguai depois de 1973 e assim sucessivamente. Alguns chegaram a defender a invasão do Uruguai pelos “democratas” militares brasileiros para coibir os tupamaros. E assim sucessivamente.
Para citar um caso mais recente, já lembrado neste espaço, o atual presidente da CBF e do Comitê Organizador para a Copa do Mundo, José Maria Marin, um dos responsáveis pelo assassinato de Valdimir Herzog, ao discursar como deputado estadual da Arena pedindo “rigor das autoridades para enfrentar a infiltração na TV Cultura”, nunca foi questionado pelos grandes veículos de comunicação.
Tem aparecido muito em função dos cargos que ocupa, mas poucos foram informados sobre o seu passado de extrema direita e até defensor do famigerado delegado Sergio Fleury.
A exceção fica por conta de O Estado de S. Paulo que na semana passada, pelo menos, editou declaração de Igor Herzog pedindo a exoneração de Marin por considerá-lo um dos responsáveis pelo que aconteceu com o seu pai, Vladimir Herzog em outubro de 1975.
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Mário Augusto Jakobskind* é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE.
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