Tenho ouvido de forma generalizada dentro e fora das fileiras partidárias, o termo “classe trabalhadora”. Muitas vezes penso que os marxistas-leninistas perdemos esta batalha. E nada me convence que usa-se o termo “classe trabalhadora” por ele ser mais compreensível para as massas do que o termo “proletariado”.
Por Lejeune Mirhan [*]
Os comunistas conviveram 15 anos seguidos em uma central sindical de ideologia social-democrata. Ouvir petistas e cutistas usarem e abusarem dessa terminologia posso compreender. Mas os comunistas? De meu ponto de vista tanto nossos sindicalistas quanto nossos dirigentes partidários que usam essa terminologia ambos erram em profundidade.
Nosso Partido, em seu artigo 1º dos estatutos deixa claro que somos o Partido da classe operária e das massas trabalhadoras e “vanguarda consciente do proletariado”. Mas, deixemos os aspectos estatutários e formais de lado. Interessa-nos a teoria de marxista na forma como foi formulada.
Marx não nos deixou uma definição precisa sobre classe social. No entanto, nunca lhe passou pela cabeça que “todos os que trabalham pertenceriam à classe”. Quando ele menciona de forma clara a existência de uma classe que está chamada a levar adiante o processo revolucionário que porá fim ao sistema capitalista, ele se dirigia a um tipo especial de trabalhador.
Quando falamos que Marx sofreu influência de Smith é verdade. No entanto, ele despreza os aspectos idealistas da teoria econômica desse economista inglês. Quando Smith diz que “todo trabalho produz riqueza”, Marx diz que não é verdade. Nem todo trabalho produz riqueza. Só um tipo de trabalho é capaz disso: o trabalho “produtivo”. Na concepção marxista, esse sim um trabalho que acumula, que produz “mais-valia” ou “mais-valor”.
Dito de outra forma: nem todo trabalho enriquece os proprietários dos meios de produção. Uma costureira quando faz um vestido para si não enriquece a si própria com seu trabalho. Mesmo quando faz e vende para ganhar dinheiro com isso, mas sem tomar trabalho de terceiros, é trabalhadora de si própria e explora a si própria como exemplifica Marx (o capítulo onde muitos exemplos esclarecedores podem ser obtidos em “Produtividade do capital. Trabalho produtivo e improdutivo”, no Livro IV d’O Capital, Editora Bertrand do Brasil, páginas 384-406).
Para os marxistas é claro que o trabalho improdutivo é aquele que não agrega valor, não faz acumular capital para os burgueses capitalistas, estes sim pertencentes a outra classe social que vivem do lucro e são proprietários do capital. Marx estabelece uma identidade entre classe com fonte de renda. Capitalistas vivem do lucro e proletários do seu salário (Livro 3 d’O Capital).
No entanto, é preciso combinar um outro fator determinante para integrar a classe, pois não basta receber salário: é preciso enriquecer outrem com sua força de trabalho. Uma pessoa que tem uma empregada mensalista em sua casa não torna nem ela proletária, nem o seu empregador um membro da “burguesia capitalista”. A fonte de renda com que o empregador paga o salário da empregada é seu salário. E o trabalho dela não o enriquece todos os meses. Ao contrário. O seu gasto está na esfera das despesas e ele na prática fica sempre “mais pobre” com o gasto mensal e nunca mais rico.
Já ouvi muitas vezes que desempregados são proletários. Ora, a condição de um trabalhador “ser” proletário é produzir riqueza. Mas, desempregado, como ele faria a proeza de produzí-la? Quem não trabalha não pode produzir riqueza alguma. Temos ainda o trabalhador rural, camponês, dono de sua terra, pequenas glebas, agricultura familiar etc. A terra é seu próprio instrumento de trabalho e sua força de trabalho não acumula riqueza para nenhum burguês. Simples assim. Por fim, os servidores públicos. Basta que perguntemos a que classe social o seu trabalho enriquece? Podem ser assalariados, mesmo terem jornadas estafantes, receberem pouco, mas isso jamais os tornarão trabalhadores produtivos, produtores de “mais-valor”.
A generalidade com que sindicalistas e dirigentes partidários usam o termo “classe trabalhadora” é impressionante. Chega a ser smithiniana essa concepção. Pertenceriam à “classe” todos os que trabalham e são assalariados. Um erro crasso, neste caso, tanto para sindicalistas, em especial dirigentes de centrais sindicais, quanto para dirigentes partidários.
Quando um dirigente de central sindical fala genericamente “classe trabalhadora”, ele erra na verdade porque ele deve se dirigir a todos os trabalhadores e não somente “à classe”. E erram mais profundamente nossos dirigentes partidários que usam “classe trabalhadora”, porque estes sim devem se dirigir não a todos trabalhadores, mas à classe do proletariado. Vejam este discurso: “a classe trabalhadora brasileira é atualmente explorada e trabalha demais”. Que erro teria se escrevêssemos: “os trabalhadores brasileiros são explorados e trabalham demais”. A segunda frase é absolutamente precisa, pois todos trabalham demais e são explorados. Não só os “que pertencem à classe”.
É claro que nosso Partido deve estar de braços abertos a todos os trabalhadores, sejam eles proletários ou não proletários, trabalhadores produtivos ou improdutivos. No entanto, a prioridade absoluta do Partido do Proletariado deve ser a classe, aqueles operários produtivos e proletários do setor de serviços, como metalúrgicos; químicos; trabalhadores da alimentação; construção civil; têxteis; urbanitários; condutores; trabalhadores em comunicação; trabalhadores em saúde (privada); trabalhadores em hotelaria; trabalhadores em telecomunicação; trabalhadores em educação (privada); trabalhadores em bares e restaurantes.
As contradições centrais nas relações de trabalho seguem cada dia mais claras, visíveis. A produção é coletiva e a apropriação do lucro do trabalho é privada. Foi a forma como Marx mostrou as contradições do sistema capitalista.
Se o PCdoB acredita nisso – e não tenho dúvida que continua a acreditar – é preciso que alteremos nossa ação política e sindical e cresçamos de forma vigorosa e consistente no proletariado brasileiro. Que voltemos a usar de forma orgulhosa e com todo o convencimento, o termo “proletário” e não mais “classe trabalhadora”. Estou seguro que isso não é apenas uma questão semântica ou “de facilitar a comunicação com as massas” (sic).
[*]Lejeune Mirhan é membro do Comitê Municipal do PCdoB de Campinas.
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