Publicado em 16/08/2012 por Mair Pena Neto*
A história da ditadura implantada com o golpe de 1964 no Brasil, com suas conseqüências na vida das pessoas e do país, ainda está sendo contada. No período de uma geração em que se estendeu, afetou milhares de famílias e mudou o curso de existências, cujos detalhes vêm, aos poucos, à tona, através de livros, filmes, e, espera-se agora, com o trabalho da Comissão da Verdade.
O filme Marighella, de Isa Grispun Ferraz, se soma a este esforço com uma característica singular. Sua diretora é sobrinha do ex-inimigo número um da ditadura, e a história que leva à tela tem como ponto de vista original a admiração e a curiosidade de uma menina sobre um tio querido e misterioso, que aparecia e desaparecia de tempos em tempos, mas sempre de uma maneira marcante e afetuosa.
Marighella, o filme de Isa, não é sobre o guerrilheiro e, sim, sobre o homem, o tio Carlos, casado com a tia Clara (Clara Charf, companheira de Marighella e uma das depoentes do filme). O mérito de Isa é humanizar uma figura, publicamente exposta como terrorista pela ditadura, executado em 1969, numa emboscada armada pelo aparato repressivo, e essencialmente conhecido como o líder da ALN, que rompeu com o Partido Comunista e optou pela luta armada.
Isa fala de um tio carinhoso, que punha as crianças para dormir quando não estava em casa, que contava histórias fantásticas de viagens a lugares como a África para justificar os longos tempos de ausência e escrevia poemas. Ao mesmo tempo, o homem disciplinado, que acordava muito cedo e que se exercitava com afinco no jardim, o que a sobrinha descobriu, posteriormente, se tratar de uma maneira de se recuperar do tiro que levou de agentes do Dops que o caçaram em um cinema na Tijuca.
Isa vai saber pelo pai, num dia em que era levada para a escola, que o tio Carlos era o Carlos Marighella. Um segredo de família, que precisava ser mantido em sigilo absoluto. O filme atual é uma maneira de Isa compartilhar esse segredo 40 anos depois, revelando seu envolvimento com a história de um dos protagonistas da resistência à ditadura e apresentando a própria história de um humanista, mulato, filho de imigrante italiano com negra descendente dos haussás, povo famoso por levantes contra a escravidão. Um brasileiro típico, fruto das misturas que nos formaram como povo, amante do Carnaval e indignado com as injustiças de um país em que as crianças tinham que trabalhar para sobreviver.
Extremamente capaz e inteligente – a prova de física do ginásio em formato de poesia que pontua o filme é um primor – Marighella poderia ter se tornado um brilhante engenheiro, mas abandonou a faculdade para lutar pela transformação do país. Sua trajetória política, prática e teórica, vai dos anos 30 á sua execução na alameda Casa Branca, em São Paulo. Um percurso de acertos e erros. Mas como observa um dos depoentes do filme, muitos erros foram cometidos em revoltas importantes, como a dos Alfaiates, na Bahia, e em Canudos, mas elas fizeram história e foram por um motivo justo.
P.S. Quem for ver o filme, não saia antes dos créditos finais para não perder o petardo de Mano Brown armado sobre o manifesto gravado de Marighella e divulgado em 1969 na rádio Nacional por meio de uma ação da ALN.
Mair Pena Neto* é jornalista, carioca, trabalhou em: O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
Enviado por Direto da Redação
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Tem trailer?
ArnaC
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