Enviado por Paulo Dantas
"Serra morreu politicamente em 2010. O que vemos agora é o seu melancólico velório. Demorou, mas será feito pelo mesmo eleitorado paulistano que lhe deu nova vida em 2004. Ninguém pode dizer que nosso eleitor não seja generoso, nem que não saiba punir. O eleitorado de São Paulo seguirá os passos já trilhados pelo eleitorado do Nordeste e não vai querer ser governado por esse antigo político tucano. Ambos consideram que a pior forma de solidão é a companhia de Serra, e eles não querem isso"
(Trecho extraído do artigo abaixo reproduzido)
São muito elevadas as chances de derrota do candidato do PT, Humberto Costa, no Recife. O motivo é simples: a avaliação do atual prefeito da cidade, João da Costa, que também é do PT, é muito ruim: somente 24% de "ótimo" e "bom". No caso de derrota do PT, o vencedor tende a ser Geraldo Júlio. Caso isso aconteça, haverá quem diga que Lula foi derrotado por que o candidato dele perdeu. Outros dirão que o grande vencedor terá sido o governador Eduardo Campos, em função da vitória de seu candidato. O fato é que a vitória ou a derrota eleitoral em Recife terá mais a ver com a avaliação da prefeitura do que com os apoios de Lula ou Eduardo Campos. O PT ainda pode reverter a situação se fizer toda sua propaganda eleitoral visando melhorar a avaliação de João da Costa. Essa é a única esperança. Isso significa menos Lula na TV e mais realizações do atual prefeito.
A avaliação dos prefeitos permite fazer várias previsões. Como Gilberto Kassab tem somente 24% de "ótimo" e "bom", seu candidato, José Serra, será derrotado. Em Belo Horizonte, o prefeito Márcio Lacerda será reeleito. Ele tem 59% de "ótimo" e "bom". É praticamente impossível perder uma eleição nessa situação. Dilma e Lula podem ocupar todo o tempo de TV pedindo voto para Patrus Ananias que o eleitorado mineiro, sem deixar de gostar de ambos, vai dar continuidade a um governo que se destaca na avaliação de desempenho. A situação do PT é complicada não somente em Belo Horizonte e Recife, mas também em Fortaleza. Lá, é preciso fazer o mesmo que no Recife: uma propaganda eleitoral inteiramente voltada para melhorar a avaliação da atual prefeita petista, Luizianne Lins.
Em Porto Alegre e Curitiba também é possível fazer uma previsão: os atuais prefeitos tendem a ser reeleitos. A aprovação de ambos está em um patamar que pode resultar em vitória ou derrota. Tradicionalmente, porém, quando se inicia uma campanha com 42% na soma de "ótimo" e "bom" é possível melhorar a marca para 55%, graças ao horário eleitoral gratuito. Os prefeitos dessas duas cidades assumiram o mandato depois que os titulares saíram para se candidatar, em 2010, ao governo estadual. Assim, estão hoje na mesma situação em que Kassab estava em 2008: precisam se tornar mais conhecidos. A campanha fará isso.
No Rio de Janeiro, a previsão eleitoral é facílima. A avaliação do atual prefeito é de 50% de "ótimo" e "bom". É impossível não ser reeleito. Além disso, a propaganda eleitoral de Eduardo Paes, capitaneada por Renato Pereira e sua equipe, é a que apresenta a mais original linguagem já empregada nos últimos tempos no Brasil. Eles precisaram lidar com o fato de terem o maior tempo de TV de todas as campanhas importantes deste ano no Brasil. Muito tempo de TV, como bem mostra a campanha de Serra em São Paulo, é uma faca de dois gumes: se não for bem aproveitado, como está sendo no Rio, volta-se contra o próprio candidato.
São Paulo é um caso à parte. Tudo indica que Serra sequer irá para o segundo turno. Serra foi capaz de unir a rejeição ao seu próprio nome com a rejeição de Kassab, devida à má avaliação de sua prefeitura. Se Kassab estivesse hoje muito bem avaliado - digamos, com 70% de "ótimo" e "bom", ninguém se lembraria de que Serra não concluiu seu mandato de prefeito. Como a avaliação é muito ruim, o eleitor responsabiliza Serra: afinal, foi ele quem, ao deixar a prefeitura, permitiu que Kassab assumisse.
Em 23 de março, na antevéspera das prévias tucanas que escolheram o candidato a prefeito, publiquei nesta coluna um artigo no qual afirmei que a escolha de Serra pelo PSDB teria sido feita junto com o seu lema de campanha: "em time que está perdendo não se mexe". A derrota de Serra agora (novamente acachapante), diria Nelson Rodrigues, estava escrita há 6 mil anos. Os eleitores de São Paulo não confiam nas propostas de Serra por um só motivo: ele deixou a prefeitura da última vez que foi eleito. Deixou a prefeitura e o governo estadual. Serra já foi candidato a presidente duas vezes. Assim, por mais que diga o contrário, sua trajetória mostra que o que ele quer mesmo é ser presidente. Portanto, não faz sentido confiar em Serra quando ele diz que quer ser prefeito. Os eleitores paulistanos estão escolhendo outros candidatos, políticos para os quais o cargo de prefeito se enquadra em seu momento de vida pessoal e profissional. Não é o caso de Serra.
Serra morreu politicamente em 2010. O que vemos agora é o seu melancólico velório. Demorou, mas será feito pelo mesmo eleitorado paulistano que lhe deu nova vida em 2004. Ninguém pode dizer que nosso eleitor não seja generoso, nem que não saiba punir. O eleitorado de São Paulo seguirá os passos já trilhados pelo eleitorado do Nordeste e não vai querer ser governado por esse antigo político tucano. Ambos consideram que a pior forma de solidão é a companhia de Serra, e eles não querem isso.
O PSDB errou ao escolher Serra candidato a presidente em 2010. Aécio Neves teria sido muito mais competitivo e, se tivesse perdido, já estaria com o seu nome nacionalmente consolidado para a próxima eleição. O PSDB errou novamente ao escolher Serra para candidato a prefeito agora em 2012. Vai ser derrotado e não terá permitido a emergência de uma nova liderança. O PSDB errará novamente se escolher Serra candidato ao Senado em 2014. Se o PSDB o lançar em 2014, mais uma vez dará aos adversários a chance de conquistar a vaga de São Paulo.
Em 2002, a campanha de Serra não defendeu o legado de Fernando Henrique. Ele era o candidato de um governo mal avaliado, a proporção de "ótimo" e "bom" não passava de 30% e por isso tentou se afastar o quanto pode daquele que viabilizou sua candidatura. Essa decisão de Serra foi extremamente míope, foi o que abriu para o PT a possibilidade de tratar os oito anos de governo tucanos como "herança maldita". As consequências negativas daquela campanha mal sucedida foram tão grandes para o PSDB que somente agora o partido tem vindo a público de maneira sistemática para defender o que foi feito por Fernando Henrique.
Na atual campanha para a Prefeitura de São Paulo, Serra tem feito o mesmo. Esconde Kassab pelas mesmas razões que o levaram a se afastar de Fernando Henrique. Não quer ficar associado a um governo que tem uma proporção pequena de "ótimo" e "bom". Se o objetivo é ser eleito prefeito, a estratégia fracassará da mesma forma que fracassou em 2002. A carreira política recente de Kassab está umbilicalmente ligada a Serra e o eleitorado sabe disso. Resta à campanha de Serra ter a coragem de defender o governo Kassab, de mostrar e enaltecer o que foi feito e afirmar que ele, Serra, dará continuidade ao legado do prefeito pessedista. Provavelmente, não se fará isso, uma vez que sua equipe de marketing político é muito ruim: pegou um candidato que tinha 30% de votos no início da propaganda na TV e no rádio e em uma semana fez com que ele perdesse dez pontos percentuais.
A eleição de São Paulo contribuirá para derrubar o mito, defendido por alguns tucanos paulistas, de que a suposta falta de empenho de Aécio teria sido responsável pelo péssimo desempenho de Serra em Minas em 2010. O que dizer agora de um desempenho ainda pior em São Paulo? Seria o caso de Aécio ficar na cidade, fazendo campanha em tempo integral para Serra? Obviamente, não se trata disso. O eleitorado paulistano está descobrindo agora o que o eleitorado mineiro já sabia há alguns anos: não vale a pena dar a vitória a Serra quando são oferecidos candidatos mais simpáticos e carismáticos.
Serra não soube e não teve a devida disposição de deixar de disputar eleições a partir da derrota de 2010. Ele não soube escolher a hora certa de parar. Lula não concorrerá novamente a nenhum cargo público. Disputou cinco eleições presidenciais e foi eleito em duas. A decisão do ex-presidente foi de permanecer na política, mas fora de disputas eleitorais. Serra se rebaixou ao ponto de disputar a eleição de um município, ainda que seja o mais importante do Brasil, mesmo querendo ser presidente. Está pagando por isso. Essa decisão revela que Lula tem muito mais estatura política do que Serra.A comparação é até injusta com Lula. É a diferença entre um líder nacional e um político que nunca conseguiu sair de sua própria província e que agora será rotundamente rejeitado por ela.
Reinaldo Azevedo, que já me criticou por desconstruir Serra, há de aprender que jamais fiz isso. Não precisava: Serra desconstruiu a si próprio ao cumprir o papelão de ser candidato a prefeito depois de mostrar para todos que o que ele quer mesmo é ser presidente.
Restou a Serra o eleitorado com 60 anos de idade ou mais. As pesquisas mostram que é somente nessa faixa que ele lidera. Talvez não por muito tempo. Na medida em que ficar claro que Serra será derrotado, tenderão a votar em Russomano ou Chalita. Trata-se de um eleitorado em grande parte mais conservador, que rejeita o PT. Está ficando consolidada a visão de que Serra dificilmente irá para o segundo turno. Se perder esse eleitorado, corre o risco de terminar a disputa em quarto lugar, atrás de Russomano, Haddad e Chalita.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".
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