Publicado em 05/09/2013 por Urariano Motta [*]
Recife (PE) - "Brasil é o grande alvo dos EUA" foi o título de uma das mais lidas notícias esta semana. Ao lado das manchetes que anunciavam armas químicas usadas pelo regime de Assad, na verdade um claro pretexto para a derrubada do governo sírio, essa notícia da espionagem contra nosso país desnuda a política do governo dos Estados Unidos.
Todos sabemos agora, a partir do belo trabalho do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que o governo brasileiro é o maior alvo da espionagem dos Estados Unidos. "Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos", disse o jornalista, que promete trazer novas denúncias. Mais: Greenwald revelou que o governo dos Estados Unidos espionou até mesmo os emails da presidenta Dilma Roussef e de seus ministros e assessores, conforme arquivos abertos por Edward Snowden, o ex-técnico da CIA.
Essa invasão do que deveria ser soberano, com um filtro de controle absoluto sobre ideias e política, me faz lembrar 1984, o romance de George Orwell onde aparece o deus Big Brother. A ironia profunda dessa lembrança é que o livro de Orwell sempre foi apresentado como uma crítica ao futuro socialista, mas se tem revelado hoje como a profecia realizada do imperialismo. Neste estágio de avanço tecnológico, o império dos Estados Unidos já não se contentam mais com sangue e mortes de países arrasados por bombas. Eles querem também o controle das mentes e da privacidade.
Senão, vejamos no livro 1984 e agora, depois das revelações de Snowden. Logo no começo do romance se escreve:
Era uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o acompanhem sempre que você se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ, dizia o letreiro embaixo.
Ou
Big Brother is watching you.
Notam alguma semelhança entre os abusos avassaladores da espionagem de Obama e o livro publicado em 1948? Observem esta informação:
Qualquer barulho feito, mais alto que um cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no campo de visão da tela, uma pessoa poderia ser vista também. Naturalmente, não havia jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão estava sendo vigiado ou não. Impossível saber com que frequência, ou periodicidade, a Polícia do Pensamento ligava para a casa de qualquer individuo. Era concebível, mesmo, que observasse todo mundo ao mesmo tempo. A realidade é que podia ligar determinada linha, no momento que desejasse.
Isso é do livro, amigos, que o relatório de Snowden copiou, digamos assim. Olhem isto:
GUERRA É PAZ. LIBERDADE É ESCRAVIDÃO.
Vocês watch bem, se eu não houvesse lido, não diria que é do livro. Porque isso é a política externa dos Estados Unidos, hoje. Ou melhor, é a propaganda do modo de ser imperial que corre o mundo. Quando o governo dos Estados Unidos arrasa populações com bombas, está apenas defendendo a paz, não é verdade? Pelo que os filmes de Hollywood nos deformam em dramas eletrizantes, quando escravizam povos, os soldados norte-americanos apenas espalham a liberdade sobre súditos ignorantes.
Espionem se estas linhas do livro são ou não a propaganda do governo dos Estados Unidos:
No alto da pirâmide está o Grande Irmão. O Grande Irmão é onipotente. Cada sucesso, realização, vitória, descobrimento científico, toda sabedoria, sapiência, virtude, felicidade, são atribuídos diretamente à sua liderança e inspiração. Ninguém nunca viu o Grande Irmão. É uma cara nos tapumes, uma voz das telas.
E me digam depois se isto é ou não o Facebook e as redes sociais hoje sob controle absoluto:
Nada do que ele faz é indiferente. Suas amizades, seus divertimentos, sua conduta em relação à esposa e aos filhos, a expressão de seu rosto quando está só, e até os movimentos característicos do seu corpo, tudo é ciosamente analisado. É certo que descobrem não apenas as mais minúsculas infrações, como qualquer excentricidade, por pequena que seja, qualquer modificação de hábitos, qualquer maneirismo nervoso que possa ser o sintoma duma luta íntima. Não tem liberdade de escolha em direção alguma.
De volta ao real, até parece que voltamos à ficção. Pois diante da notícia da espionagem contra a presidenta Dilma, houve quem postasse nos comentários da internet:
Obama, por favor nos invada e nos transforme em país de primeiro mundo. Venham yankees, possuam nossos corpos e mentes.
Os brasileiros à direita que descarregam tais joias apenas falam que, domesticados, passaram a amar o Grande Irmão. Nada mais George Orwell, nada mais 1984 neste 2013.
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Urariano Motta [*] é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas(Recife, Bagaço, 1997). Este ano lançou o romance O filho renegado de Deus (Recife-Bertrand-Brasil, 2013).
Enviado por Direto da Redação
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