O recente escândalo da manipulação da taxa libor (a taxa básica do Banco da Inglaterra) é mais um capítulo terrível na desmontagem do sistema financeiro internacional.
A taxa básica (libor, na Inglaterra, prime, nos Estados Unidos, Selic, no Brasil) serve de parâmetro para a articulação de todo o sistema de empréstimos de longo prazo.
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Tais taxas servem de parâmetro para a troca de reservas entre bancos no chamado mercado interbancário. No final do dia, o banco com saldo em caixa empresta para o banco com déficit pagando a taxa do interbancário. São descartadas os dois lances mais altos e os mais baixos e tira-se uma média do restante. Além de afetar todo o mercado de crédito, essas taxas são alvo de enormes apostas no mercado futuro de juros.
No caso da libor, as jogadas envolveram 20 grandes bancos internacionais.
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Esse mesmo movimento se observa nos Estados Unidos, com jogadas em torno da prime, como se observa em artigo recente de Paul Craig Roberts, que acaba de lançar livro prevendo o colapso financeiro dos EUA (http://migre.me/9Pdpr), tradução de Argemiro Ferreira.
Para combater a crise bancária, EUA e União Europa inundaram os bancos de liquidez, jogando as taxas básicas para perto de zero. Mas a cada ano são US$ 1,5 trilhão de déficit público sendo financiado com novas emissões.
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Há inúmeros jogos com títulos públicos. O resgate desses títulos é pelo chamado valor de face – por exemplo, 100. Se um título tem um prazo de, digamos, 10 anos a uma taxa de 1,5% ao ano, no lançamento será vendido a 85 (100 – 1,5 x 10). Suponha que a taxa caia para 1%. Imediatamente o valor dos títulos sobe para 90. Multipliquem-se esses 5 pontos por trilhões de dólares e se terá uma pálida noção dos valores envolvidos.
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Esse mesmo jogo ocorre no Brasil com a Selic. Desde que foi introduzida como elemento de política monetária em 1999 (com a criação das metas inflacionárias) criou-se, ali, o mais potente processo de enriquecimento que o país conheceu, fora de período de crises cambiais.
A cada definição da Selic, movimentavam-se apostas extraordinárias nos mercados futuros. E o Banco Central, de qualquer tempo, mantinha um contato cúmplice com consultorias de mercado, antecipando tendências. No período Henrique Meirelles, era comum uma reunião fechada com traders do mercado, antes de cada reunião do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central).
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Rompeu-se esse cumplicidade em agosto do ano passado, quando o BC derrubou a Selic – provocando enorme estardalhaço de consultores e jornalistas membros da confraria da Selic. Depois, o BC continuou derrubando as taxas com resistência cada vez menor, porque suas apostas já estavam novamente alinhadas com as do BC.
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No mercado de apostas, pode-se ganhar tanto na alta quanto na baixa, seja com libor, prime ou Selic. Se as taxas de juros aumentam, o preço do título cai. Digamos que caia de 85 para 82. O apostador vende um contrato futuro a 85. Quando o preço à vista cai para 82, ele lucra os 3 de diferença.
E aí se entra em uma espiral de descrédito perigosa para a regulação frouxa do mercado financeiro internacional.
O comércio de alta frequência - 1
Lembra Craig que a baixa taxa de juros nos EUA, inferior à taxa de inflação, significa perdas para poupadores e fundos de pensão. Mais cedo ou mais tarde haverá aumentos, derrubando o preço dos títulos públicos, impondo perdas de capital a seus portadores. Parte dessa liquidez vai para o mercado de ações, que continua altamente volátil. Com as transações eletrônicas, criou-se o chamado comércio de alta frequência.
O mercado de alta frequência - 2
Nesse mercado, as transações obedecem a modelos matemáticos que tomam decisões, valendo-se de brechas de arbitragem. Fundos de investimento entram em uma corrida louca, obtendo ganhos de frações de centavos, fechando posição ao final de cada dia, em uma ciranda infernal. Com isso, deixa-se o investidor tradicional inseguro tanto em relação ao mercado de títulos quanto o de ações. Essa instabilidade ameaça diretamente o dólar como moeda referencial.
O mercado de alta frequência – 3
Remunerando abaixo da inflação, os títulos do Tesouro não afetam os grandes bancos norte-americanos, diz Craig. Eles tomam dinheiro a custo zero do Tesouro e aplicam a taxas baixas nos títulos públicos. A cada queda da prime, sobem os preços dos títulos permitindo grandes ganhos através de operações de vendas de swaps de taxas de juros. O problema é a instabilidade que gera nos tomadores finais.
A disfunção do sistema - 1
Não há como manter essa situação por tempo indeterminado. Gradativamente, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) passarão a trabalhar com moedas próprias nas transações comerciais, deixando o dólar de lado. E não se afasta a possibilidade da criação de um banco central único entre esses países. O problema maior ocorrerá se os fundos soberanos passarem a abrir mão do dólar e dos títulos do Tesouro.
A disfunção do sistema – 2
Com o escândalo da libor, fica sob desconfiança todo o sistema de coordenação de taxas de juros internacionais. A era da auto-regulação, inaugurada por Reagan e Tachter. Na primeira grande crise, de 2008, o modelo esgotou-se mas continuou politicamente influente, exercendo poder de mando sobre diversas economias nacionais, como a Grécia, Itália e Espanha. Mas continuou disfuncional e corrosivo.
A disfunção do sistema - 3
Países inteiros esfrangalharam suas contas para bancar as imprudências do setor financeiro. A velha ordem ruiu, ainda não há outra no seu lugar. E aproveitam-se os últimos estertores para novas mordidas. Até o mais sólido dos bancos de investimento norte-americano, o JP Morgan, responsável pela salvação do sistema financeiro global na crise de 1929, perdeu suas defesas e mergulhou nesse mundo de lambança.
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