Coluna Econômica - 31/7/2013
O avanço do capitalismo nas últimas décadas, os sistemas de bônus de desempenho e participação em resultados acabaram criando um personagem tipicamente corporativo, o sujeito - em geral sem visão de conjunto - que, nas negociações, toma por objetivo levar vantagem em tudo. É o chamado “comedor de fígado”. E, muitas vezes, acaba comprometendo negociações importantes por falta de visão de conjunto, sensibilidade humana, de não entender que, na outra ponta, há pessoas, não computadores.
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Um dos grandes empresários brasileiros, Walther Moreira Salles, fez carreira como investidor visionário mas, principalmente, pela confiabilidade que passava aos sócios..
Contou-me certa vez que Nelson Rockefeller interessou-se em tornar-se sócio da Fazenda Bodoquena, que ele tinha em Mato Grosso. Acertaram o negócio, percentual e preço, e deixaram para sacramentar em Nova York.
Lá, um exército de advogados esmerou-se em encontrar pelo em ovo, chifre em cabeça de cavalo e dente em bico de galinha. Foram interrompidos por Rockefeller: "Já acertamos o negócio. O papel de vocês é facilitar, não o de dificultar".
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Em parte essa gana do tecnocrata decorre do profundo sentido litigante implantado pela advocacia empresarial norte-americana. Em parte, pelo fim do capitalismo de família norte-americano, período que começa a se esgotar nos anos 1960, com o crescimento das sociedades anônimas e a diluição da herança das primeiras gerações capitalistas.
No modelo anterior, o poder era exercido por uma seleção restrita de famílias, o chamado grande mundo empresarial, um clube fechado ao qual poucos tinham acesso.
Por restrito e baseado em relações pessoais, havia um conjunto de regras tácitas disciplinando as relações de negócio.
Mesmo restrito, as regras de conduta e negociação acabaram se refletindo nos escalões inferiores das próprias empresas, forjando uma ética capitalista - injusta para com os de fora, mas rigorosa para com os de dentro.
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Esse modelo começa a se esgarçar com a era dos grandes CEOs, processo que se acelera com o próprio advento do chamado neoliberalismo - o período que sucede o fim da paridade dólar-ouro, em 1972.
O negociador comedor de fígado torna-se rei, criando uma cultura muitas vezes nociva para os negócios.
Na linha de frente, ele negocia em nome da empresa. Mas seu foco são os centavos que irá ganhar naquela operação específica - centavos em relação aos valores tangíveis e intangíveis que estão em jogo.
Com a enorme complexidade dos tempos modernos, essa prática acaba se espalhando por todos os setores da empresa, nas negociações com fornecedores, parceiros.
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Agora, com o advento da Internet, o modelo passa a ser colocado em xeque. O modelo convencional de negócios é substituído pelo trabalho em rede, por milhares de desenvolvedores, startups, inovando não apenas os produtos, como as formas de parceria.
A grande corporação é obrigada a se civilizar, principalmente porque os novos tempos acabam com a estratificação empresarial do período anterior. E as negociações são feitas com jovens empreendedores, ariscos a toda forma de hierarquização, ao burocratismo das grandes organizações.
O chamado "fio no bigode" torna-se mais relevante que o comedor de fígado.
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