Coluna Econômica - 22/02/2013
A extensão do RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas) para as obras portuárias não é uma boa medida. Como não foi boa medida estendê-la para obras de educação e saúde.
Aliás, está na hora da Presidente da República conter a ansiedade, dar uma freada de arrumação e redefinir os papéis dos Ministros e presidentes de instituições públicas.
A vontade da Presidente é maior do que a capacidade atual do Estado brasileiro de responder às suas demandas. A ansiedade acaba levando à pior das alternativas, o voluntarismo. E a complexidade do país torna praticamente impossível a qualquer pessoa o domínio sobre todos os temas e seus desdobramentos.
Por isso mesmo, há a necessidade de se abrir o debate sobre princípios definidores da administração e, a partir daí, definir os projetos e delegar para um exército de generais a incumbência de colocá-los em prática.
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Tome-se o caso do RDC. É evidente que a Lei das Licitações é anacrônica, extraordinariamente burocrática. Mas está inserida em um modelo de atuação do Estado que precisa ser devidamente compreendido, para poder ser aprimorada.
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Historicamente, há dois modelos de atuação de serviços públicos, ambos seculares.
Nos Estados Unidos vigora o modelo de “public utility”, propriedades de um particular que presta serviços públicos. O Estado intervém como mero regulador, através das agências reguladoras. Não existe sequer a cadeira de direito público nas Universidades locais.
A Europa tem o modelo de serviço público, no qual o Estado é dono do serviço e pode, no máximo, concedê-lo ao setor privado, mas sem abrir mão de intervir sempre que necessário.
Historicamente o Brasil adotou o modelo europeu, no qual prevalece o conceito do interesse público.
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Quando sobreveio a grande onda liberalizante dos anos 90, houve radicalização nas duas pontas. Nos Estados Unidos reduziu-se o espaço de regulação. Na Europa, caminhou-se para o modelo norte-americano de “public utility”.
No modelo norte-americano, um caso clássico dos problemas da não regulação foi o de um incêndio em uma cidade norte-americana, que o Corpo de Bombeiros recusou-se a apagar porque o dono do imóvel não estava com sua taxa em dia.
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O modelo brasileiro teve dois momentos. Na fase áurea do neoliberalismo, implantou-se o modelo de regulação nas telecomunicações. Pegou-se a Lei das Concessões e tirou dela os poderes clássicos, de mais de cem anos, das chamadas “cláusulas exorbitantes” – do poder público manter para si a possibilidade de unilateralmente mudar contratos, sempre que não se adequarem aos serviços prestados.
Depois, os erros – principalmente no setor elétrico – provocaram um refluxo. E aí criou-se um monstrengo brasileiro: manteve-se o conceito do “public utility” mas com o Estado pretendendo ter um controle maior.
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Lula e Dilma mantiveram o modelo de FHC. Não fortaleceram a ideia do serviço público. Agora, com o RDC, expande o padrão para os contratos. E aí entra-se em um terreno pantanoso.
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O RDC tem avanços. Como, por exemplo, a inversão de fase. Por ela, exigem-se todos os documentos e analisa-se a habilitação apenas dos três primeiros classificados.
O grande nó na RDC é o instituto da contratação integrada. Por ela, o licitante faz tudo, do projeto básico ao projeto executivo, definição de tecnologias etc.
As relações promíscuas
De um lado, mata-se qualquer ideia de concorrência. Em Mato Grosso havia um projeto de trem de dois andares – que exigia túneis mais altos e um conjunto de mudanças. Como comparar com um projeto de trem de um andar? Sem condições objetivas de comparação, favorecem-se as chamadas relações promíscuas entre contratado e contratante. Até nos EUA existe o risco de apropriação das agências reguladoras pelos regulados.
Os projetos incontroláveis
O que impedirá o contratante de definir tecnologias excessivamente onerosas, de não se valer da melhor relação custo-benefício se todos os instrumentos de controle – projeto executivo, escolha de tecnologias etc. – estão em suas mãos? A ONU diz que tem que se privilegiar iniciativas que beneficiem o meio ambiente. Com a radicalização da ideia de privatização, como o Estado implementará essas recomendações
Como regular o longo prazo
Contratos de concessão são de longuíssimo prazo, de até 30 anos. O Estado não terá condições, no futuro, de exigir nenhuma mudança substantiva no contrato, para atender a novas demandas, novas situações. No modelo original, garantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o Estado tinha espaço para exigir modificações sem passar por pendências jurídicas. Agora, não.
Os que não sabem dizer não
Há dois problemas de fundo nessa história. O primeiro, um Advogado Geral da União que não sabe dizer não. O segundo ponto é que decisão dessa natureza – que mexe com a essência do Estado brasileiro – não pode ser decidido em sala fechada, ouvidos poucos técnicos. É mais fácil empreiteiros convenceram meia dúzia de técnicos de uma agência do que 500 congressistas. Tem que se abrir uma discussão pública
Ajustes necessários
Os dois modelos – público e privado – comportam melhorias. Do primeiro há que se expurgar os vícios do burocratismo, das exigências irracionais; e definir garantias aos concessionários, mas que não impeçam a definição de políticas públicas. Do segundo, a falta de controles e o fato de se colocar o ganho do agente acima dos interesses do público. Não dá para o modelo centauro, metade gente, metade cavalo.
Pressa e perfeição
Há que se superar a síndrome do pibinho. Mas há que se evitar a ansiedade provocada por obstáculos do dia a dia. Vai-se colher nos próximos anos o que se plantar agora. De nada adiantará acelerar a semeadura antes do solo estar preparado. Caso contrário, se colherá insucessos e até escândalos. Mais que isso: a definição desse modelo não pode vir por Medida Provisória, mas através de uma ampla discussão no Congresso.
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