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Um Brasileiro Antiabortivo

8 de Agosto de 2012, 21:00 , por Castor Filho - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Publicado em 09/08/2012 por Rui Martins* – Direto de Locarno

 

Locarno (Suiça) - O filme brasileiro Boa Sorte, Meu Amor é o primeiro longa-metragem de Daniel Aragão e está estreando no Festival de Locarno, na mostra Cineastas do Presente, dedicada ao realizadores de primeiro e segundo-filmes.

 

Ao tratar da paixão de um homem, Dirceu, por uma mulher, Maria, o filme pode ter pisado na bola e provocar debate e controvérsia, principalmente no Brasil, onde o tema do aborto está na atualidade.

 

Daniel diz priorizar no cinema o desejo, e a paixão no seu filme por parte de Dirceu é incompleta por não ser totalmente correspondida por Maria. “A paixão está no filme e nos personagens, mas quero também que ela esteja nos espectadores”, acentua Daniel.

 

Cineasta vidrado nos filmes antológicos dos anos 50, e mesmo anteriores, e influenciado pelo cinema novo de Glauber Rocha, Daniel escolheu o preto e branco e o mesmo ritmo e aspereza dos filmes da época.

 

Christiana Ubach, já participante de telenovela da Globo, é bela atriz principal, cujo sotaque carioca precisou ser adaptado ao recifense, região natal de Daniel, local exclusivo para ele de filmagens desde seus curta-metragens. Um deles, Solidão Pública, esteve aqui em Locarno, competindo na mostra de curtas-metragens.

 

O filme trata do passado e do que a gente abandona na vida e esse amor, essa relação não é completa cem por cento por parte da mulher, que precisa abandoná-la de alguma forma. E aí surgem cenas bem fortes para mostrar ter havido uma quebra, uma ruptura. Mas a questão é também sensorial, quando se vai para o terceiro capítulo, o filme se torna surrealista e todas essas imagens podem ser uma provocaçao. Para mim o não precisa ser linear, o mais importante é tratar das sensações do que a narrativa”.

 

“Como o filme é sobre o passado, e muito forte, e eu queria mostrar minha cidade de maneira mais cinematográfica e ligada à memória, optei pelo preto-e-branco”, explica Daniel sua escolha.

 

Sobre o aborto, Daniel diz que não precisa ter uma opinião sobre esse tema, mas precisa fazer com que as pessoas pensem e reflitam.

 

“O elemento provocação é essencial para se fazer um filme”, acentua. “Para mim o que conta no filme é a maneira como a pessoa abandona uma relação, e o aborto é o máximo do abandono, pois consiste em arrancar uma coisa de dentro de você. A relação que tenho com isso é mais surreal”.

 

Em todo caso, o tratamento visual dado ao aborto, seja pelo ginecologista como após a consumação do ato, poderá ser assimilado, num momento em que o Brasil discute o aborto, como enquadrado dentro da campanha dos ativistas antiaborto.Evidentemente, Buñuel empregava visões cruas nos seus filmes surrealistas, vamos esperar qual será a reação do público em Locarno e das mulheres no Brasil.

 

PIAZZA GRANDE VIBRA CONTRA O DITADOR PINOCHET

 

 

Imagine mais de 8 mil pessoas aplaudindo o filme Não (No), do chileno Pablo Larrain, contando a campanha, em 1988, do referendo contra o ditador Pinochet. Essa é a força do Festival de Locarno, que não tem medo de assumir uma postura de engajamento ao projetar no telão de quase 300 metros quadrados, o desejo de liberdade do povo chileno, depois dos 15 anos da ditadura do golpista Augusto Pinochet.

 

E ao se ver a campanha publicitária de René Saavedra, vivido pelo ator Gael Garcia Bernal, projetada no telão e soando em alto volume pela praça, pode-se reviver a vitória do Nãochileno à ditadura, há 24 anos, como se estivéssemos lá nas ruas de Santiago, cantando com o povo o jingle Chile, Chile...,que votara com maioria absoluta– Ditadura Não Mais, o sinal matemático do “mais” foi o que o povo traçou nas cédulas do referendo.

 

Em outras palavras, a campanha do Não no Chile foi uma versão por voto popular bem sucedida, parecida com a campanha brasileira pelas Diretas Já, que não deu certo por ter dependido do legislativo. René Saavedra lembra o publicitário Carlito Maia, que lutou contra a ditadura e bolou uma campanha publicitária, nas eleições presidenciais brasileiras com o jingle Lula Lá.

 

O filme chileno de Pablo Larraín já tinha sido exibido no Festival de Cannes e nele o ator principal é Gael Garcia Bernal, que não deixa dúvidas quanto às suas convicções políticas de esquerda, desde sua participação no filme Walter Salles, vivendo a figura mítica do Che Guevara.

 

O publicitário René Saavedra, embora filho de exilado de retorno ao Chile, não mostrava nenhum engajamento político, até decidir se encarregar da campanha publicitária do Não a Pinochet. E seu engajamento contra Pinochet foi em favor da democracia, de uma país com liberdade de expressão, não em favor de uma das 13 facções políticas de esquerda de oposição ao ditador.

 

O diretor Pablo Larraín considera Saavedra como um realista, consciente de que a ditadura era um entrave mesmo para a modernização econômica do país. E com sua cultura de publicitário atualizado, Saavedra encontrou no próprio liberalismo chileno de Pinochet, o antídoto para a manutenção do ditador no poder.

 

A força de persuasão de uma campanha publicitária pela televisão pode levar a outras comparações com o Brasil, onde é sabido a grande imprensa e a TV Globo manipulam a opinião pública e, no retorno das eleições presidenciais criaram uma imagem positiva para o caçador de marajás Fernando Collor e lhe deram a vitória para a presidência.

 

Ou seja, se no Chile a publicidade contribuiu para o fim da ditadura, no Brasil, o sistema Globo evitou a campanha das Diretas Já e assegurou uma transição sem mudança de políticos, na fase terminal da ditadura militar brasileira.

 

O quadro do monopólio da informação televisiva está, atualmente, sendo modificado com a criação da TV Brasil e com o crescimento de outros canais.

 

UM THRILLER ESOTÉRICO

 

 

Se esse gênero misterioso, transcendental e metafísico ainda não existe, o cineasta francês Jean-Claude Brisseau acaba de inventar com seu filme La Fille de Nulle Part, filmado em Paris, no seu próprio apartamento, onde alguns fenômenos estranhos - como aparições de fantasmas, barulhos inexplicáveis, levitação de mesa, cadeira furiosa se jogando sozinha contra a estante e quebrando espelho se manifestam - depois de acolher uma jovem espancada pelo amante nas escadas do seu prédio, junto ao seu apartamento.

 

Michel é o personagem principal, vivido pelo enorme e pesado Brisseau, na sua primeira experiência de ator amador num cenário escrito por ele mesmo. Ex-professor, como na vida real, Michel tem o dom do didata e logo interessa sua hóspede, que precisa de cuidados médicos e repousa uma semana em seu apartamento, sobre uma pesquisa envolvendo as crenças e ilusões dos seres humanos.

 

Michel não é um crédulo mas um agnóstico ou ateu curioso na explicação dos mitos que embalam os seguidores das religiões. Pesquisador, baseado em descobertas arqueológicas, ele considera os personagens bíblicos do Velho Testamento como criaturas saídas da imaginação de um Josias.

 

Assim, Moisés nunca teria existido, mas se tivesse existido seria não o menino hebreu achado no curso do rio Nilo, mas um egípcio. E, reunindo num arquivo do seu computador os quadros da Ascensão de Cristo, pintados pelos grandes mestres, lhe surge a convicção de ter sido uma ilusão de seus discípulos, mesmo porque se Cristo tivesse subido aos céus para onde iria – para a Lua, Marte ou no forro de alguma igreja ?

 

A presença da jovem Dora, de 26 anos, quarenta anos mais jovem que ele, mas esperta e inteligente, capaz de ajudá-lo na conclusão dos seu livro sobre as ilusões criadas pelos homens, como uma necessidade existencial. Mas a jovem Dora parece ter levado o sobrenatural para sua casa e um espírito desenha num papel, com o pé de uma mesa em levitação, o rosto de uma mulher. O rosto se parece com sua esposa falecida há mais de vinte anos, perda da qual Michel nunca se refez.

 

Aparece também o fantasma de uma mulher de preto, enquanto ruídos estranhos saem de dentro do armário. E o intelectual empedernido, movido pela ilusão da possibilidade de um reencontro com sua esposa, cai na mesma cilada dos que precisam de algo místico para poder viver – Dora seria a reencarnação de sua esposa. E comete o erro fatal de legar todos seus bens, em caso de morte, para Dora, na verdade sua ex-esposa.

 

O resto nem se precisa contar. Filme indicado para os que vêem fantasmas e mensagens do além por todo lado e que se deixam levar pelo nariz por todos os tipos de crenças e crendices, nutrindo-se de ilusões para viver. Enquanto uns poucos, mais espertos explicarão sinais, vultos, ruídos, levitações, comunicados do além como simples truques de mágica. E ainda outros utilizarão das ilusões e dos crédulos como seu ganha-pão esotérico.

 

Jean-Claude Brisseau quis também provar ser possível fazer um filme com pouco dinheiro e que muitos caros efeitos especiais, usados nas superproduções sequer são percebidos pelos espectadores. Puro luxo desnecessário. Mas sem as ilusões poucos podem sobreviver.

 

Rui Martins* é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.

 

 

Enviado por Direto da Redação

 

 


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