Zoroastro Sant’ Anna - jornalista e cineasta
Eu tinha sete anos quando meu tio Paulo, irmão caçula de minha saudosa mãe Adélia, pegou na minha mão e me levou para a sede do Corinthians às margens do Rio Tietê. Ele era remador e nadador do clube. Chegamos antes das oito da manhã. Meu tio me apresentou ao treinador e a outras pessoas que minha pouca memória já não permite identificar. Só lembro que era gente muito boa, afáveis.
Tio Paulo embarcou num daqueles de quatro com patrão e saiu musculando rio acima. Andei no pequeno cais de madeira de lá pra cá até ficar entediado. Ali corria o Tietê e um pouco mais ao longe a precária sede do time de futebol e regatas. Tirei minha roupa, olhei a água plácida e calma que corria para a direita, cheguei na ponta esquerda do cais e mergulhei. Estava nadando no Tietê.
Tempos depois, retorna meu tio e eu ainda nadava, feliz da vida. Quando vi o barco voltar, agarrei nos pilares de madeira do cais, subi, vesti molhado a camisa e o chorte que usava. Tio Paulo desembarcou suado, musculoso e contente. Havia ganho algum tipo de disputa que não entendi bem. Fui com ele até o vestiário, cheio de homens pelados, ele pegou minha mão e voltamos para casa.
Naquele dia me tornei um corintiano e eu nem sabia disso. Morei em muitas cidades, em muitos países, fui Liverpool na Inglaterra e guardo um precioso cachecol até hoje, onde está escrito “proud of Mersey”, orgulho da região do rio Mersey. Torci pelo Barça, na Espanha. Pelo Paris Saint-Germain, de Raí em Paris. Pelo Napoli, de Careca e Maradona, na Itália. Sofri pelo Porto em Portugal, fui Flamengo no Rio e Confiança em Sergipe.
Meu tio Paulo se tornou, não sei porque, um batedor de carteiras, o que era naquela época um perigoso bandido. Acabou levando um tiro na coluna que o deixou tetraplégico. Meu herói nadador e remador jazia inerte numa cama no Hospital das Clínicas e sempre que o visitava pedia que o matasse desligando os equipamentos, um dilema que até hoje não consegui resolver.
Entendo tanto de futebol quanto de energia nuclear. Nunca soube o nome do técnico ou a escalação de qualquer time pelo qual meu coração palpitou, mas sempre fui um torcedor apaixonado e um doentio invejoso de Nelson Rodrigues, gênio da língua, da classe média e do futebol. Embora torcendo por times variados em variadas circunstâncias, aqui dentro sempre bateu um coração corintiano. E, agora, com meu time campeão de tantas batalhas, sorrio de graça quando a vida me tortura.
Tudo vai mal, tudo vai bem, o mundo gira enquanto a Lusitânia roda, minha cabeça dá voltas em busca de uma solução e Obama não consegue sequer fazer com que a oposição entenda que o mundo mudou. A Europa desmorona sobre os princípios que ela mesma criou. A Inglaterra ameaça de não mais querer brincar de Europa unida, Dilma garante que não haverá apagão e o Ministro Lobão abana as orelhas confirmando redução do custo da energia, energia que acaba me faltando, quando olho em volta e vejo um mundo se acabando.
Vai Corinthians!
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