Uma Guerra para Liquidar a Síria
24 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaRobert Fisk alerta: no xadrez do Oriente Médio, talvez haja potências interessadas em levar alguns países árabes ao colapso
25/07/2012 -Entrevista aTony Jones, doZnet| Tradução:Hugo Albuquerque
Enviado por Antonio Martins (Outras Palavras)
Tudo cheira mal, na cobertura dos jornais brasileiros sobre o conflito interno sírio. Denunciam-se, de um lado, crimes reais: as tiranias do governo e os massacres cometidos pelo exército. Fala-se no avanço ora de “rebeldes”, ora de “oposicionistas”. Sabe-se, por fatos e imagens, que estão militarizados. Aparecem sempre armados de metralhadoras. Promovem atentados e assassinatos seletivos.
Mas quem são? É como se não importasse, bastando sabermos que enfrentam um regime próximo ao do Irã e, portanto, contrário aos Estados Unidos. Combatem, portanto, um “mal”, sugere a mídia; logo, são “bons”… E estão mergulhados, segundo o mesmo raciocínio, no universo estranho e atrasado de uma religião declarada inimiga. Portanto, serão sempre bons, ainda que matem e pratiquem outros atos condenáveis…
Corrrespondente do Oriente Médio há três décadas (do “Independent” de Londres e do alternativo “ZNet”, de Boston, entre outras publicações), o jornalista veterano Robert Fisk acostumou-se a desconfiar deste raciocínio binário. Ele cobriu, no início dos anos 1990, a guerra civil argelina. As duas partes conflagradas — governo tecnocrático e oposição fundamentalista islâmica — cometiam atrocidades equivalentes. Porém, algumas eram omitidas e, portanto, perdoadas: as de um governo que havia anulado eleições democráticas, mas… defendia os interesses das potências e empresas ocidentais.
Na Síria, Fisk evita fazer previsões. Destaca fatos incômodos. Lembra que, embora interessados no fim da ditadura chefiada por Bashar al- Assad, os EUA evitam apoiar explicitamente a oposição. Sabem que é um aglomerado caótico, integrado inclusive, tudo indica, pela al-Qaeda.
Fisk acredita que o regime despótico cairá. Mas teme: não surgirá em seu lugar um governo libertário, ao contrário do que gostariam muitos dos que torcem pelo fim da ditadura. Nas atuais condições, o país está arriscado a mergulhar numa sequência de conflitos entre etnias e seitas, podendo entrar em colapso como nação.
Haverá, no Oriente Médio, poderes interessados em que este tipo de desfecho se torne comum? É uma dúvida legítima, que vale expressar e que pode guiar a leitura dos próximos acontecimentos. Talvez a entrevista que Robert Fisk concedeu a Znet, no início de julho, ajude a precisá-la.
O diálogo vem a seguir (Antonio .Martins)
Depois do massacre em Houla, você afirmou que estamos diante de um ponto de inflexão no horror da Síria. Qual é a sua conclusão sobre o que aconteceu?
Robert Fisk: Eu acho a palavra “ponto de inflexão” de forma um pouco cínica, porque jornalistas e acadêmicos gostam de usá-la. Eu não estou certo — devido à quantidade e ao alcance dos tentáculos que o Partido Baath, do presidente Bashar Al Assad, têm em solo sírio — que vejamos seu regime cair tão rápido quanto Obama, Hillary Clinton e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, desejariam. Penso que esse processo ainda vai continuar por um bom tempo. Há uma grande quantidade de apoiadores do regime do Partido Baath, não apenas entre os membros da comunidade xiita alauíta, os cristãos ou os druzos, mas também, e particularmente, entre a burguesia síria e as classes médias. Creio que será uma guerra terrível e muito sangrenta. Subitamente Hillary Clinton disse que o confronto é terrível e Obama falou em algo horrendo. Isso sugere que não estamos caminhando para o fim da guerra, infelizmente.
Você escreveu que há precedentes históricos sombrios, no Oriente Médio, de regimes repressivos que tentam manter-se às custas da morte de centenas de milhares de pessoas. É isso que pode acontecer na Síria?
Robert Fist: Sim. Como você sabe, cobri a guerra da Argélia de 1991 a 1998, quando foram realizadas eleições livres por lá. Os fundamentalistas islâmicos iriam, claramente, vencer o segundo turno das eleições. Elas foram, então, interrompidas pelo “governo”, com o apoio do Ocidente. E começou uma guerra civil terrível, com vilarejos destruídos, crianças e mulheres tendo suas gargantas cortadas, homens fuzilados, tropas do “governo” sitiando cidades, numa intensidade muito maior do que está acontecendo na Síria hoje. E tudo isso com o Ocidente plenamente satisfeito com o fato de o “governo” ter impedido os islamistas de tomar o poder. Hoje, nem mesmo pensamos mais sobre aquilo.
É um precedente muito terrível e creio que Bashar al Assad vai levá-lo em consideração, porque seu pai, Hafez, destruiu mais de 20 mil vidas, quando liquidou Hama em 1982. E depois daquela batalha, quando os argelinos ainda tentavam descobrir como vencer sua própria guerra contra seus fundamentalistas, enviaram uma delegação militar a Damasco, com intuito de descobrir como os sirios o fizeram. Aplicaram as lições que aprenderam contra seus próprios inimigos, na Argélia. Enfim, há toda uma série de causas-consequências e precedentes por conta dos quais creio que a guerra na Síria não vai terminar agora; que al Assad não vai cair tão logo.
No precedente argelino, ambos os lados, militares e fundamentalistas, massacraram um número monstruoso de civis, de maneiras terríveis. Você teme que o mesmo tipo de coisa ocorra na Síria, onde nós sabemos muito pouco sobre as milícias e forças rebeldes que estão emergindo?
Robert Fisk: Bem, é o que já está acontecendo na Síria. Estive num subúrbio de Argel chamado Bentalha, onde houve um ataque de fundamentalistas contra moradores que eram, eles mesmos, muçulmanos. Centenas de pessoas foram mortas, inclusive bebês que tiveram suas gargantas cortadas. Vi os corpos desses bebês e de seus pais. E do telhado de suas casas, eu conseguia enxergar tremulando a bandeira argelina, em barracas do exército próximas. É o tipo da situação que estamos assistindo na Síria, em lugares como Houla, Hama e suponho, com pesar, também em Aleppo.
O que sabemos sobre o “Exército Livre da Síria”, cujo comandante, o coronel Riad al Assad, está tentando retomar os ataques?
Robert Fisk: Eu não levaria a sério qualquer coisa que ele diz. porque todas as vezes fui à fronteira e tentei ver seu exército, ouvi três ou quatro versões diferentes a respeito. O fato de relevo é que a oposição síria, a oposição armada a Bashar al Assad, é tão dividida que não pode ser considerada uma única única facção. O precisamos compreender — e aqui está uma das razões pelas quais Obama e Hillary, além de todos os outros fanfarrões e mentirosos, estão dizendo o que dizem — é que não sabemos quem é essa oposição.
E como não sabemos, o único que podemos — e por “nós”, leia-se o Ocidente — é expressar ultraje contra Bashar al Assad e seu regime. Não podemos dar apoio a essa oposição, porque ela pode incluir até mesmo membros da Al Qaeda em suas fileiras e ter envolvimento no massacre de Houla. Não sabemos ainda. Não estou dizendo, com isso, que Assad seja um mocinho. Ele não é.
Mas os Estados sunitas do Golfo Pérsico têm armado os rebeldes anti-governo e presumivelmente vão continuar a fazê-lo.
Robert Fisk: Claro que sim!
O que seria necessário para eles realmente derrubarem o regime?
Robert Fisk: Seria preciso que, nas forças blindadas sírias — ou seja, as divisões de tanques e as unidades anti-aéreas — houvesse um número suficiente de oficiais dispostos a enfrentar o regime. Mas isso ainda não aconteceu, nem creio que veremos em um futuro próximo. A hierarquia militar síria tem permanecido leal à Presidência. E enquanto isso perdurar em uma cidade estratégica como Damasco, e em outra mais ou menos estratégica como Aleppo, Assad não cairá, por mais que Obama, Hillary Clinton ou David Cameron queiram o contrário.
Há alguma possibilidade de aplicação, na Síria, de uma doutrina como a da “responsabilidade de proteger”, usada na Líbia?
Robert Fisk: Bem, estou certo que muitos líbios pediriam: “Por favor, Deus, não use isso contra nós ou contra neles”. Como você deve saber, a “responsabilidade para proteção” é um clichê midiático que matou um número assustador de pessoas inocentes. Acho que o número de pessoas assassinadas na Síria, particularmente pelo regime, já é suficiente. A ajuda da OTAN pode ser dispensada.
O que precisaríamos ver é uma nova Síria emergindo daquilo tudo que compõem seu povo — isto é, sunitas, xiitas, alauítas hoje no comando, cristãos, druzos e assim por diante. Mas, infelizmente, é mais fácil dizê-lo na TV australiana do que fazê-lo.
Você vê alguma possibilidade de isso acontecer? Porque muitas das pessoas-chave da Primavera Árabe sentem-se traídas. Suas revoluções pacíficas foram traídas pelo armamento das forças de oposição, e quando você os vê sendo mortos pelo regime, dá vontade de lhes encher de armas.
Robert Fisk: Bem, eu vivo no Líbano e em Beirute, de onde falo agora, este argumento é muito repetido. Meu entendimento — e fui à Síria dezenas e dezenas de vezes — é que lá há armas demais. As famílias, tribos e organizações têm um monte de armas. Se eles realmente precisassem ter o que você e eu chamamos de guerra civil, ela teria começado — e haverá quem nos diga que ela já começou.
Mas a única coisa que eu poderia dizer, pois muitos sírios vivem no Líbano, é que os poderes ocidentais decidiram lá atrás, há quase cem anos, que sírios e líbaneses eram povos diferentes. São o mesmo povo. Meus amigos daqui, a quem aconteceu de nascerem sírios, poderiam ser libaneses. Eles têm um país e querem ser leais a ele, mas não desejam viver sob uma ditadura. No final das contas, acho que haverá uma revolução na Síria. A questão é: será do tipo que você, eu e todos nós, pessoas legais do Ocidente, gostariam que fosse? Uma revolução de caráter, ideias e pensamentos libertários? Ou será uma revolução corrompida e, suponho, terrivelmente pintada com as cores do sectarismo e das diferenças religiosas?
Não posso deixar de notar tristeza em sua voz. Há sinais preocupantes de que a guerra na Sìria poderia se espalhar pela fronteira com o Líbano, onde você armou sua tenda. Eu quero dizer, você está realmente preocupado com isso, não?
Robert Fisk: Sim, estou preocupado com isso. Durante a guerra civil no Líbano, entre 1975 e 1995, na qual morreram entre 150 mil e 200 mil pessoas, no mínimo, muitos libaneses enviaram suas crianças para a Europa, Canadá, Austrália, América, para serem educados. Eles voltaram e não quiseram viver sob um estado marcado pelo sectarismo. E uma das razões pelas quais a “guerra civil” não se espalhou da Síria para o Líbano é porque os jovens do Líbano não querem viver numa sociedade sectária e dizem isso a seus pais isto. Sejamos justos, eles estão certos. Eu creio que esta é uma sociedade mais bem-formada e diplomática — digo isso no sentido mais interessante e não-ocidental da palavra. Ela ensina que você não nem deve dirigir seu país de acordo com as maiorias, seja a maior religião, a maioria xiita, muçulmana, alauíta, druza, o que quer seja. Creio que essa é a razão pela qual o Líbano ainda não se tornou parte da guerra síria. Mas a guerra síria, como todo conflito entre seitas é algo que pode ser projetado além-fronteiras. Temo que o governo de Damasco, infeliz e vergonhosamente, poderá fazer uso disso.
[Minha Mosca] Notícias do Dia 25/07/2012
24 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
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O Renascimento das Agências Reguladoras
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Uma Aula com Samuel Pinheiro Guimarães
24 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
Publicado em 24/7/2012 por Vinicius Mansur em Carta Maior
Para analisar a conjuntura da América Latina, um dos principais ideólogos da política internacional do governo Lula resgata a história da política estadunidense para a região antes de situar o golpe no Paraguai, a entrada da Venezuela no MERCOSUL e os desafios do Brasil em suas relações internacionais. Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que renunciou à a alta representação do MERCOSUL por uma limitação institucional do posto. “Eu fiz um relatório com um diagnóstico do MERCOSUL e propostas, mas não houve maior atenção”, afirma.
Vinicius Mansur
Brasília - Convidado pela Comissão Brasileira Justiça e Paz, CBJP, organismo da CNBB, para falar sobre a conjuntura política da América Latina, especialmente da América do Sul pós-golpe no Paraguai, o embaixador e alto representante geral do MERCOSUL até junho deste ano, Samuel Pinheiro Guimarães, expandiu o recorte territorial e histórico para introduzir sua análise. “Para compreender essa situação é preciso compreender a política dos EUA para região e para o mundo”.
Segundo o embaixador, o objetivo estratégico permanente dos EUA é integrar todos os países da região numa única área econômica e uma de suas primeiras manifestações neste sentido aconteceu em 1889 na 1ª Conferência Internacional Americana, em Washington, quando propuseram um acordo de livre comércio nas Américas e a adoção do dólar por todos os países. “Um projeto perfeito: de um lado a maior potência industrial do mundo, do outro um grupo de países agrícolas, mineradores, muito pobres, com grandes concentrações de renda”, ironizou.
Durante a conferência houve a proclamação da República no Brasil e a nova delegação brasileira aceitou a proposta estadunidense. “Isto porque uma das características da República era a idéia do panamericanismo e o Brasil queria afastar o estigma do Império, muito ligado à Europa, aos ingleses, uma ameaça aos países vizinhos independentes”, explicou, acrescentando que a área de livre comércio não foi criada por oposição da Argentina. “O antagonismo que existe nos EUA contra a Argentina já vem de longa data”, salientou.
É no pós-Segunda Guerra Mundial, entretanto, que as ações estadunidenses se intensificam rumo aos vizinhos do sul, ainda que antes disto os EUA já tivessem se apropriado de dois terços do território do México, se imiscuído na Nicarágua, República Dominicana, Haiti e Cuba e criado um país, ao separar o Panamá da Colômbia. “A América do Sul era mais distante”, brincou o diplomata, mas “aproximou-se” com as condições criadas após o triunfo em 1945: a Europa e os impérios coloniais destruídos abriram campo para a expansão de seu poderio e a União Soviética, o seu mais novo inimigo número 1, era o sinal de que a tarefa deveria ser cumprida rapidamente. Com a Revolução Cubana, em 1959, os EUA intensificaram a atuação em seu “quintal”.
De um lado, programas de cooperação com a Aliança para o Progresso, de outro, o apoio às violentas ditaduras civis-militares. “Enfatizo o termo civil. Hoje diz-se só militares, mas elas foram apoiadas em grande medida por elites de diferentes setores e meios de comunicação”, destacou. Ao passo em que estes regimes perdiam força – e Guimarães aponta o fato da repressão ter chegado aos setores médios e altos da sociedade como determinantes nesse processo – os EUA passaram a defender a sua substituição, emplacando uma nova plataforma política em prol dos direitos humanos, da democracia e do apoio a partidos políticos no contexto de início do neoliberalismo e de queda da União Soviética.
Dominação pelo mercado
Com a redemocratização da América do Sul a partir da década de 1970 e 1980 e com a ascensão da China no mercado mundial, o objetivo histórico dos EUA aponta cada vez mais para a celebração de acordos econômicos bilaterais, estratégia desenvolvida também em nível multilateral na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 1994, os planos dos EUA dão um salto com a incorporação do México, por iniciativa de seu então presidente Salinas de Gortari, no Tratado Norte Americano de Livre Comércio (NAFTA), que contava também com o Canadá. “Causou certa perplexidade porque o México era um tradicional defensor das teses dos países em desenvolvimento, do tratamento preferencial. Aquilo teria um impacto muito grande sobre toda a política dos EUA de relacionamento com os países em desenvolvimento, porque o México era um grande líder com uma mudança de posição tão radical. No mesmo ano os EUA topou a negociação da ALCA [Área de Livre Comércio das Américas]”, resgata Guimarães.
O projeto da ALCA foi definitivamente arquivado em 2005, na Cúpula de Mar del Plata, Argentina, por atitude coordenada dos presidentes argentino, Nestor Kirchner, e brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva, segundo Guimarães. Mas os EUA lograram acordos bilaterais com Chile, Peru e Colômbia depois disto. As negociações com o Equador avançaram bastante, mas foram interrompidas com a vitória de Rafael Correia, assim como Hugo Chávez havia feito em 1999 na Venezuela.
O problema desses acordos, aponta o embaixador, é “estabelecer as mesmas normas econômicas sob uma pretensão de reciprocidade, como se houvessem grandes investimentos de um país menor em outro maior”, impedindo assim o desenvolvimento autônomo das economias mais fracas e levando, quase que automaticamente, a um alinhamento político com os EUA nas grandes questões internacionais. “O Uruguai, que celebrou um acordo desses com os EUA, está sendo processado por uma empresa de cigarros que alega que legislação de controle do fumo do país prejudica seus lucros”, exemplificou.
O problema trágico para os estadunidenses, destaca Guimarães, é que com regimes democráticos na América do Sul, com liberdade de expressão e eleições razoáveis, os presidentes eleitos tendem a ter programas progressistas, ainda que alguns não pretendam executá-los, ressalta. Porém, as elites tradicionais seguem com muita força para eleger seus representantes aos poderes legislativos, formando uma forte barreira de contenção, ao lado de veículos de comunicação, às políticas sociais e de desenvolvimento alternativo. “No Paraguai o presidente progressista sem nenhum apoio no Congresso não conseguiu fazer a sua política, perdendo prestígio junto à população por não executar as promessas de campanha e o próprio Congresso montou um golpe”, elucidou. Quando há maioria legislativa pró-governo progressistas, como na Argentina, onde mesmo os partidos de oposição aprovaram a suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela no MERCOSUL, por exemplo, o discurso é de que “não há democracia, eles controlam o Congresso”.
O golpe no Paraguai
Samuel Pinheiro Guimarães não hesita em qualificar a destituição de Fernando Lugo como golpe grosseiro. “Se fosse mais longo [o processo de impeachment] seria mais difícil contestá-lo e acabariam condenando do mesmo jeito. Eles foram receosos da reação dos vizinhos”.
O diplomata considerou a postura brasileira no episódio firme e prudente, discordando daqueles que qualificaram a posição do Brasil como “branda” em comparação com o ocorrido durante o golpe no presidente Manoel Zelaya em Honduras. “Lá em Honduras foi um golpe praticamente militar, tiraram o presidente do poder, colocaram em um avião e mandaram embora, morreram muitos jornalistas, a repressão foi muito forte. Por outro lado, a admissão da Venezuela era tudo que os paraguaios não queriam. Foi de certa forma uma punição. De outro lado, nossos interesses no Paraguai são muito reais. Há um número muito grande de descendentes brasileiros que moram no Paraguai, há a represa de Itaipu”, disse.
Porém, Guimarães salienta que os interesses do Paraguai nos países do MERCOSUL é de tamanha magnitude que dificilmente serão compensados com qualquer outro acordo internacional, nem mesmo pelos EUA. E caso o regime paraguaio recrudesça, o diplomata sinaliza que uma série de medidas podem ser tomadas de maneira gradativa, como a não aprovações de projetos do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM) que estão em análise e, numa etapa seguinte, a suspensão de projetos que já estão em curso. “O Brasil é o principal contribuinte deste fundo com 70%, Argentina com 27%, Paraguai com 1% e Uruguai com 2%. E há importantes projetos para o sistema de transporte deles”, afirmou.
Venezuela
Mais do que o Paraguai perdeu os EUA com a entrada da Venezuela no MERCOSUL. Por definição, um país membro do bloco está impedido de celebrar um acordo de livre comércio pretendidos por Washington. “Isso é grave pros EUA. Apesar de estarem mudando suas fontes de abastecimento, explorando suas reservas internas, continuam muito dependentes do petróleo importado, em grande parte, do Oriente, uma área delicada. E eles tem a Venezuela, a maior reserva do mundo, aqui pertinho deles”, detalha.
A entrada da Venezuela no bloco consolida um determinado tipo de visão econômica, também é importante por dificultar um golpe de Estado que não raro é sondado no país.
Em um país relativamente rico, de grande mercado, com 20 milhões de habitantes, com recursos naturais preciosos, que está procurando construir sua infraestrutura e se industrializar e cujo comércio com o MERCOSUL cresceu volumosamente na última década. “Além de ser um país altamente consumidor de produtos agrícolas, o que é uma oportunidade para outros países do bloco”, acrescenta o embaixador.
Imperialismo à brasileira?
Questionado sobre um crescente sentimento contra o Brasil devido à atuação do capital nacional em países vizinhos, levando até mesmo a formação de uma articulação dos Atingidos pelo BNDES, Guimarães ratificou que é este o grande desafio da diplomacia e do governo de um país tão assimétrico como o Brasil é em relação aos seus vizinhos. “O Brasil é mais da metade do PIB da América do Sul, é quatro ou cinco vezes o PIB da Argentina, que é o segundo maior.
Um PIB muito grande significa empresas muito grandes. Imagina se as empresas estrangeiras aqui fossem brasileiras, o que já teria acontecido?”, indaga para, em seguida, recordar que o problema da desnacionalização também afeta o Brasil, citando como emblemática a recente transferência do controle da maior rede varejista do país, o grupo Pão de Açúcar, ao capital estrangeiro.
Para o diplomata, o Brasil deveria ter uma política que em hipótese alguma financiasse a aquisição de empreendimentos estrangeiros por brasileiros e que estimulasse a associação dos capitais locais. Porém, ressaltou que há uma diferença entre a atuação independente das empresas e o financiamento do Estado. “O governo não pode impedir que as empresas façam investimento no exterior, a legislação não permite. Mas, a legislação daquele país pode, reservando setores para empresas nacionais”, esclareceu, acrescentando que o Brasil, em geral, financiou empreiteiras para participarem de licitações internacionais de obras de infraestrutura. “E essas empresas não ficam no país”.
Um caso qualificado por ele como grave está na Argentina, onde empresas brasileiras compraram um grande número de frigoríficos, atividade tradicional e importante daquele país. “Isso ainda não leva a grandes dificuldades, mas levará. As empresas estrangeiras, em geral tendem a recorrer aos seus países para fazer pressão ao governo local, o que cria grandes atritos”, alertou.
Exército no Haiti
No que tange a atuação militar brasileira no Haiti, Guimarães descarta que o Brasil tenha uma ação imperialista. “Se houvesse caso de morte, de agressão de brasileiros a haitianos sairia todo dia aqui no jornal”, retruca e completa: “Na questão dos refugiados haitianos a posição tem sido correta, apesar de não divulgada.”
O diplomata recorda que foi o Conselho de Segurança da ONU quem criou da força de paz para o Haiti, sem a participação do Brasil, que posteriormente foi convidado a integrá-la, tal como já fez em países como Congo, Timor Leste e Angola. “Antes de aceitar, foram mandadas duas missões aos países do Caribe próximos para saber o que eles achavam e eles aprovaram. O Brasil comandou as forças nos dois primeiros anos e deveria ter rodízio, mas a própria ONU pediu que o Brasil continuasse e tem pedido até hoje. Se não fosse o Brasil seria outro país”, defendeu.
Política externa alternativa
Se por um lado o papel crescente do Brasil no cenário internacional o leva a questionamentos quanto a reprodução de relações de tipo imperialista, Guimarães salienta que há iniciativas concretas visando um modelo de integração de novo tipo, para além dos posicionamentos políticos progressistas. Ele destaca os bancos de leite materno e os programas contra a febre aftosa impulsionados em vários países, o aumento da presença de entidades brasileiras no mundo visando a cooperação sul-sul, tais como a Embrapa - com unidades de pesquisa em Gana e na Venezuela, a Fiocruz – com uma unidade de produção de medicamentos retrovirais em Moçambique, a Caixa Econômica Federal – com projetos de habitação na Venezuela e o Ipea, que deverá abrir um escritório em cada país do MERCOSUL.
Também entram na lista a criação da Universidade Federal Latino Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu (PR), e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), com dois campi no Ceará e a cooperação na área da educação com o Timor Leste. “É preciso de mais recursos para a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), mas houve corte de dotação orçamentária”, cobrou o diplomata.
Saída do MERCOSUL
Por fim, Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que renunciou à a alta representação do MERCOSUL por uma limitação institucional do posto. O cargo foi criado no final do governo Lula com a ideia de iniciar uma gestão do MERCOSUL acima dos governos, uma vez que o bloco não possui uma estrutura supranacional, como a União Europeia, que dinamize seu funcionamento. Mas, Guimarães não se sentiu respaldado, talvez por ser brasileiro, sugeriu: “O Brasil é um país tão assimétrico que gera sempre uma idéia de que o cargo não podia fazer propostas. Eu fiz um Relatório com um diagnóstico do MERCOSUL e propostas. Mas não houve maior atenção, se não tem atenção não tem apoio, se não tem apoio não vale a pena”.
A Blogofobia de José Serra
23 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaEnviado por Beatrice e extraído do Blog do Leandro Fortes em 24/7/2012
A blogosfera e as redes sociais são o calcanhar de Aquiles de José Serra, e não é de agora.
Na campanha eleitoral de 2010, o tucano experimentou, pela primeira vez, o gosto amargo da quebra da hegemonia da mídia que o apóia – toda a velha mídia, incluindo os jornalões, as Organizações Globo e afins.
O marco zero desse processo foi a desconstrução imediata, online, da farsa da bolinha de papel na careca do tucano, naquele mesmo ano, talvez a ação mais vexatória da relação imprensa/política desde a edição do debate Collor x Lula, em 1989, pela TV Globo.
Aliás, não houvesse a internet, o que restaria do episódio do “atentado” ao candidato tucano seria a versão risível e jornalisticamente degradante do ataque do rolo de fita crepe montado às pressas pelo Jornal Nacional, à custa da inesquecível performance do perito Ricardo Molina.
A repercussão desse desmonte midiático na rede mundial de computadores acendeu o sinal amarelo nas campanhas de marketing do PSDB, mas não o suficiente para se bolar uma solução competente nas hostes tucanas.
Desmascarado em 2010, Serra reagiu mal, chamou os blogueiros que lhe faziam oposição de “sujos”, o que, como tudo o mais na internet, virou motivo de piada e gerou um efeito reverso.
Ser “sujo” passou a ser um mérito na blogosfera em contraposição aos blogueiros “limpinhos” instalados nos conglomerados de mídia, a replicar como papagaios o discurso e as diatribes dos patrões, todos, aliás, alinhados à campanha de Serra.
Ainda em 2010, Serra tentou montar uma tropa de trolls na internet comandada pelo tucano Eduardo Graeff, ex-secretário-geral do governo Fernando Henrique Cardoso.
Este exército de brucutus, organizado de forma primária na rede, foi facilmente desarticulado, primeiro, por uma reportagem de CartaCapital, depois, por uma investigação do Tijolaço.com, blog noticioso, atualmente desativado, do ministro Brizola Neto, do Trabalho.
Desde então, a única estratégia possível para José Serra foi a de desqualificar a atuação da blogosfera a partir da acusação, iniciada por alguns acólitos ainda mantidos por ele nas redações, de que os blogueiros “sujos” são financiados pelo governo do PT para injuriá-lo.
Tenta, assim, generalizar para todo o movimento de blogs uma realidade de poucos, pouquíssimos blogueiros que conseguiram montar um esquema comercial minimamente viável e, é preciso que se diga, absolutamente legítimo.
Nos encontros nacionais e regionais de blogueiros dos quais participo, há pelo menos três anos, costumo dar boas risadas com a rapaziada da blogosfera que enfrenta sozinha coronéis da política e o Poder Judiciário sobre essa acusação de financiamento estatal.
Como 99% dos chamados blogueiros progressistas (de esquerda, os “sujos”) se bancam pelo próprio bolso, e com muita dificuldade, essa discussão soa não somente surreal, mas intelectualmente desonesta. Isso porque nada é mais financiado por propaganda governamental e estatal do que a velha mídia nacional, esta mesma que perfila incondicionalmente com Serra e para ele produz, não raramente, óbvias reportagens manipuladas.
Sem a propaganda oficial do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobras, todos esses gigantes que se unem para defender a liberdade de imprensa e expressão nos convescotes do Instituto Millenium estariam mendigando patrocínio de açougues e padarias de bairro para sobreviver.
Como nunca conseguiu quebrar a espinha dorsal da blogosfera e é um fiasco quando atua nas redes sociais, a turma de Serra tenta emplacar, agora, a pecha de “nazista” naqueles que antes chamou de “sujo”. É uma estratégia tão primária que às vezes duvido que tenha sido bolada por adultos.
Um candidato de direita, apoiado pelos setores mais reacionários, homofóbicos, racistas e conservadores da sociedade brasileira a chamar seus opositores de nazistas. Antes fosse só uma piada de mau gosto.