14 de março: Dia Internacional de luta contra as barragens, em defesa dos rios e da vida
14 de Março de 2019, 10:03Celebrada por mais de duas décadas nesta data, a luta internacional dos atingidos ocorre neste ano em um triste contexto, logo após o rompimento de mais uma barragem, desta vez foram mais de trezentas vidas ceifadas pelo rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), além de milhares de atingidos no leito do Rio Paraopeba.
O 14 de março é uma data de luta dos atingidos por barragens em todo país. É um dia de luta em defesa da vida, em defesa dos direitos e para que exista uma justa reparação a todas as famílias vítimas de crimes de empresas como a Vale e a Samarco. Com ações em diversos estados e também em outros países via MAR (Movimiento de Afectados por Represas en latinoamerica), os atingidos por barragens buscam denunciar a impunidade das empresas criminosas e cobram solução para a problemática no país – que não possui uma legislação específica para tratar do tema.Esta é uma data em que os atingidos por barragens também lutam em defesa da água e dos rios.
Bacias hidrográficas inteiras, como a do rio Doce e do rio Paraopeba, estão contaminadas e o ecossistema destruído pela ação de empresas que colocam o lucro acima da vida. Nesta data de luta, o Movimento dos Atingidos por Barragens busca denunciar o crime da Vale em Brumadinho e em Mariana nacional e internacionalmente.
Cobramos segurança em áreas com barragens que estão notoriamente ameaçadas de rompimento e, para evitar o rompimento de novas barragens, o MAB exige a construção de Planos de Segurança de Barragens que sejam adequados, eficientes e contem com a plena participação dos atingidos.
Chega de impunidade
O assassinato da vereadora carioca e ativista dos Direitos Humanos, Marielle Franco, completa um ano. Marielle foi covardemente assassinada por sua luta e até hoje a sociedade brasileira quer saber: “quem mandou matar Marielle?”. Infelizmente, esse cenário revoltante se estende também a outras lutadoras do povo como a líder comunitária hondurenha Berta Cárceres, que lutava contra a construção de uma barragem em território indígena e foi assassinada por sua liderança em defesa das comunidades atingidas; e Nilce de Souza Magalhães, a nossa Nicinha, brutalmente assassinada em Rondônia, na região da hidrelétrica de Jirau. Nossa jornada de luta é pelo direito à vida.
Águas para vida, não para morte!
Fonte: MAB Nacional
Festas comemoram três anos de acampamentos do MST em Quedas do Iguaçu
13 de Março de 2019, 17:41Almoços foram distribuídos gratuitamente; 600kg de carne servidos no almoço foram frutos da produção dos próprios acampados
Por Jaine Amorin
Da Página do MST
Sábado (9/03) foi dia de comemorar a resistência nos acampamentos Fernando de Lara e Vilmar Bordin, ambos localizados no município de Quedas do Iguaçu, centro do Paraná. A região possui a maior concentração de acampamentos e assentamentos de reforma agrária do Brasil organizados pelo MST.
As festas foram iniciadas com místicas que retrataram a história dos acampamentos desde a ocupação, trazendo todas as conquistas, como saúde, educação, cultura, produção e comercialização de alimentos, dentre outras. Os almoços, servidos de forma gratuita, reafirmaram a capacidade a produção de alimentos dos acampamentos e tudo o que foi servido era da produção locais, desde saladas e massas até os 600kg de carne.
A área foi ocupada em 9 de março de 2016 por cerca de 200 famílias, com o objetivo de servir à classe trabalhadora. Nesses três anos de ocupação as famílias já resistiram à reintegração de posse e a uma emboscada da polícia que resultou no assassinato de dois integrantes do MST. Mesmo com sinais claros de execução de Leonir Orback e Vilmar Bordin (nome dado a uma das ocupações), nenhum policial foi indiciado até hoje pelos crimes.
Mas o companheirismo e a união das famílias não permitiram que os crimes abalassem os demais acampados e nem impediu que as famílias permanecessem. Elas se organizaram e produzem até hoje alimentos para sua subsistência, além de gerar de renda e seguem organizadas em coletivos e setores.
Para Jiceli Maria Ferreira, integrante do acampamento Vilmar Bordin, “o sentimento de fazer parte da história dessa ocupação é um sonho (…). Se as pessoas conhecessem o MST não falariam mal de nós. Pelo contrário, nos ajudariam”. Ela está desde o início desta ocupação e atualmente contribui na secretaria do acampamento.
Organização coletiva
A organização dos acampamentos conta com um Coletivo de Mulheres, que incentiva o empoderamento feminino em formações, produção de artesanatos e na organização das cozinhas coletivas dos espaços. Na Setor de Educação, os acampados transformaram as casas que haviam na fazenda em salas de aula da escola itinerante Vagner Lopes, onde atualmente 80 crianças estudam.
Destacam-se ainda a organização do Grupo de Orgânicos no Acampamento Fernando de Lara e a certificação pela Rede Ecovida na área do acampamento Vilmar Bordin, que produz e comercializa uma diversidade de alimentos, desde hortaliças, raízes, sementes, frutas e etc.
Mesmo com o atual Governo e suas ameaças, a luta dos trabalhadores e trabalhadoras continua. Para a estudante Jiceli, o MST está pronto para resistir. “Surgimos no tempo ditadura, estamos até hoje organizados e prontos pra tudo”. E afirma: “Não importa o que o governo fale de nós, sempre estaremos prontos pra enfrentar (…), lutaremos e mostraremos para o povo brasileiro o erro que fizeram colocando aquele cara na presidência”, conta a jovem, que é estudante da Escola Vagner Lopes.
A ocupação da terra é apenas o primeiro passo para a conquista da reforma agrária popular, seguida da resistência para a conquista efetiva da terra ocupada. Mesmo depois da conquista efetiva, a luta ainda não para, pois todos os direitos humanos, sociais, de produção e consumação de alimentos saudáveis devem ser garantidos a toda sociedade.
Assim, a luta é contínua. A reforma agrária popular não somente dá certo como também é o caminho para o desenvolvimento de uma nação que está com 200 anos de atraso no que tange a distribuição de terra no Brasil.
*Editado por Fernanda Alcântara
UFPR e Escola Latinoamericana de Agroecologia formam 1ª turma de Licenciatura em Educação
13 de Março de 2019, 14:37Estudantes de cinco estados brasileiros se formaram esta semana, na Lapa-PR
Por Antônio Kanova
Foto: Wellington Lenon
Da Página do MST
A Universidade Federal do Paraná (UFPR) concretizou a conquista de trabalhadores e trabalhadoras que lutaram coletivamente por uma educação do campo. Aqueles e aquelas que sempre tiveram o direito ao acesso a universidade historicamente negado tornam-se educadores e educadoras do campo.
Nesta terça (12/03), aconteceu no Casarão histórico do assentamento Contestado, na Lapa (PR), a formatura da primeira turma de Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza e Agroecologia. O curso é uma parceria entre a UFPR Setor Litoral e a Escola Latinoamericana de Agroecologia (ELAA) – localizada no assentamento.
Com início em 2014, a licenciatura teve como objetivo formar educadores e educadoras para as áreas de assentamento e comunidades camponesas. São 19 formandos e formandas, oriundos de cinco estados brasileiros, que através da pedagogia da alternância puderam realizar uma formação de nível superior. A metodologia consiste em organizar o ensino em “tempo escola” e “tempo comunidade”, com a finalidade de combinar as diferentes experiências formativas no local de estudo e também na comunidade dos educandos.
O curso é fruto da Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, que reúne movimentos sociais, universidade, sindicatos e entidade rurais e é um marco importante na história da educação do campo. A longo prazo a articulação pretende construir ações coletivas contra o fechamento de escola do campo e à favor da organização de escola do campo.
De acordo com a coordenadora pedagógica da ELAA, Simone Resende, a formatura foi o momento de colher os frutos plantados. “Nessa disputa constante de uma universidade popular e por uma educação do campo, a licenciatura vai além de formar educadores e educadoras e cumpre o momento de partilha do conhecimento científico camponês nessa batalha do conhecimento” afirmou.
Já o formando e educador Vinicius Oliveira defendeu que, como a universidade sempre foi um espaço de disputa de projeto, nesse momento é importante formar educadores populares que fincam dentro da universidade um conhecimento científico camponês. “O curso trouxe estudantes para a realidade os desafios e as potencialidade que eu, como educador de escola itinerante, vinha enfrentando no cotidiano de sala de aula”, explicou.
A formação incluiu pessoas que venham de áreas de assentamento, comunidades camponesas, faxinais e atingidos por barragens. O ato cerimonial de formatura contou com a participação do diretor da UFPR Setor Litoral, Renato Bochicchio, lideranças dos Movimentos Sociais e familiares dos formandos.
*Editado por Fernanda Alcântara
Rondadas pelo perigo: as condições de trabalho das mulheres nos presídios do Paraná
8 de Março de 2019, 13:36Sempre que há uma situação de perigo agudo no sistema carcerário, o Departamento Penitenciário do Paraná determina a suspensão das movimentações nas unidades penais, para evitar o contato dos agentes com os presos e reduzir a possibilidade de eventuais rebeliões com os servidores reféns. A determinação vale para todas as unidades do Paraná. Ou quase todas. Há uma onde as movimentações nunca podem deixar de acontecer, a Penitenciária Feminina de Piraquara (PFP).
O motivo se deve a um histórico descaso: até hoje não há chuveiros nas celas da unidade. A situação obriga que as agentes que lá trabalham façam pessoalmente a movimentação diária de 420 presas para banho. “Aqui estamos sempre expostas ao pior mesmo quando o DEPEN determina que é preciso parar. Nossas condições de trabalho são tão precárias, que não conseguimos, se quer, cumprir uma determinação de segurança do Departamento Penitenciário diante de um risco iminente de rebelião”, lamenta uma agente da PFP que pediu para não ser identificada.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em setembro passado, quando membros de uma facção criminosa explodiram muros da Penitenciária Estadual de Piraquara I, vizinha à PFP, para regatar líderes do grupo presos na unidade. “Todas as unidades do Paraná suspenderam as movimentações, menos nós. Mesmo ouvindo as presas dizendo que se a facção determinasse, elas virariam a cadeia, a gente continuou abrindo e fechando cubículo porque não tem como deixar as presas 3 dias sem tomar banho. Mas e se elas virassem, alguma dúvida de que a gente seria as primeiras vítimas da rebelião?”, relembra a servidora.
Na avaliação da diretora para Assuntos da Mulher do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, Silvana Moreira, essa exposição das agentes penitenciárias é resultado de uma ideia preconceituosa e distorcida de que mulheres presas não representam perigo, aliada ao fato do sistema penitenciário sempre ter sido pensado por e para homens. “O DEPEN precisa melhorar o olhar sobre os presídios femininos. O caderno de segurança é pouco aplicado ali porque o Estado subestima o potencial de violência das presas”, argumenta a dirigente. “Na PFP, por exemplo, há situações de um único agente fazer a movimentação para o canteiro de trabalho de até 30 presas sem algema, uma situação que ninguém se arriscaria fazer com presos homens e que acaba colocando a vida de todo mundo em risco”, relata.
Insegurança latente
Em pesquisa realizada pelo SINDARSPEN em agosto passado, por ocasião do I Encontro Estadual das Agentes Penitenciárias do Paraná, 85% das servidoras disseram estar insatisfeitas com a segurança no trabalho.
Nem mesmo na unidade onde a proposta é de que haja apenas presas próximas à progressão de regime, as agentes penitenciárias conseguem trabalhar dentro dos protocolos de segurança.
Em outubro do ano passado, a governadora Cida Borghetti realizou uma solenidade para a inauguração da Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu – Unidade de Progressão (PFF-UP), que até então era o Centro de Ressocialização Feminino (CRESF), prédio anexo à Cadeia Pública Laudemir Neves. Uma mudança que até o momento ficou apenas no nome, já que o grau de periculosidade das detentas segue o mesmo, embora teoricamente se trate de uma unidade de progressão de regime. “O governo quer que a gente faça as movimentações e haja como se todas as presas ali fossem ressocializadas e estivessem prontas pra liberdade, quando quem está lá dentro vê que isso é uma utopia. A maioria delas é batizada em facção e elas cantam a oração da facção pra quem quiser ouvir. Só mudaram mesmo o nome da unidade”, relata uma agente sob a condição de anonimato por temer represálias de criminosos.
Na PFF-UF, existem cerca de 230 presas e apenas 7 agentes por plantão para todos os postos de trabalho e movimentações. Uma proporção de 32 presas pra cada agente, quando o preconizado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça é de 5 presos para cada agente. Na PFP, a média é de 12 agentes por plantão para 420 presas.
A falta de servidores é um dos maiores problemas do sistema penitenciário do Paraná. Atualmente há um déficit de cerca de 1.000 agentes em todo o Estado, além da necessidade de ampliação de mais 1.900 vagas para dar conta de uma massa carcerária que subiu de 14 mil para 21 mil presos nos últimos 8 anos.
Problemas vão além das unidades femininas
Além das unidades femininas, as agentes penitenciárias também ocupam postos de trabalho nas unidades masculinas, onde exercem funções como controle do circuito TV, vistoria de sacolas das famílias e revista nos visitantes. Atividades nem sempre exercidas dentro de condições salubres de trabalho.
Um exemplo é revista das visitas. Em todo o Paraná existem apenas 5 aparelhos body scan, que atendem a 10 unidades penais. Nas outras 23, a revista é feita com o velho agachamento e sobre um espelho. Situação vexatória para as famílias dos presos e para as agentes.
Em algumas unidades, como na Colônia Penal Agroindustrial, não há nem mesmo lugar para esse procedimento, obrigando as agentes a fazerem a revista na sala convívio das servidoras.
Outra reclamação frequente das mulheres que trabalham em unidades masculinas é quanto ao assédio moral. 48% das agentes já se sentiram diminuídas pelas suas chefias exclusivamente por serem mulheres.
Organizadas para lutar por seus direitos
Assim como em outros seguimentos da sociedade, as mulheres que trabalham no sistema penitenciário do Paraná estão cada dia mais organizadas para lutar por seus direitos. Durante o I Encontro Estadual, realizado pelo SINDARSPEN, muitas tiveram coragem de expor a precariedade do sistema e as opressões que ainda sofrem em decorrência do gênero.
Entre as insatisfações apontadas, a pouca representatividade nos espaços de comando do sistema penitenciário: 75% delas consideraram insuficiente a quantidade de mulheres nesses postos. Desde a realização do Encontro, as duas unidades femininas do Paraná passaram por mudança em suas direções e, atualmente, têm agentes penitenciárias em todos os espaços de chefia, inclusive, na direção. A agente Êrica Giordani dirige a PFF-UP e a agente Alessandra Prado a PFP, fato inédito até então.
Em algumas unidades, como na Penitenciária Estadual de Ponta Grossa (PEPG), a direção se reuniu com as agentes para resolver as questões levadas. “A partir do Encontro das Agentes, percebemos que elas têm uma demanda especial que nós, enquanto gestores, não estávamos percebendo e que temos a obrigação de atender, até porque são questões simples de serem resolvidas, mas que no dia a dia não percebíamos que precisava mudar. São questões que tendem a melhorar o funcionamento da unidade”, disse à época o diretor da penitenciária, Luiz Silveira.
As questões apontadas pelas agentes durante o I Encontro Estadual levou o Sindicato da categoria a incluir o respeito às especificidades de gênero na proposta de regulamentação da atividade do agente penitenciário e no plano de carreira que estão em debate com o governo.
Texto: Waleiska Fernandes / Fotos: Joka Madruga
Das escolhas de encarar a vida sob uma perspectiva de gênero
7 de Março de 2019, 10:57Não tem outra forma de celebrar o 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, se não for para nos juntarmos e ocuparmos as ruas
Paula Zarth Padilha*
Foto: Annelize Tozetto
Dia desses eu estava em processo de terminar a escrita da minha dissertação e resolvi encarar os agradecimentos. Achei que era o momento ideal de fazer um registro bem específico de uma entre tantas particularidades da relação com minha orientadora – que também é mãe – e que me mostrou e demonstrou que seguir essa estrada com Carolina ao lado não é nenhuma especificidade que deva ser superada, tampouco impedimento, ou ainda uma escusa para falhar.
Sei bem que muitas pessoas que acompanham a novela da minha vida admiram, pois muitas também verbalizam isso para mim, minha capacidade de lidar com as demandas (ou melhor, o que parece ser um acúmulo): além de mestranda em fim de percurso e mãe solo de uma filha de 6 anos, sou jornalista em dois turnos, atuo num site independente como voluntária, estou dirigente sindical, dedico duas noites por semana para jogar futsal com a mulherada e muitas vezes compareço em atos de militância e reuniões noturnas ou finais de semana. Bom, também tenho três gatos, um lar para me responsabilizar por essas coisas de alimentação, organização, limpeza e gosto (quem nunca) de sair por aí para dançar sempre que possível.
Gosto de pensar em minha vida, desse jeitinho, como possível de ser realizada por um detalhe que muda tudo: decidi viver, atuar, militar, estudar, pagodear, trabalhar, existir pela perspectiva de gênero. Eu não represento, eu não quero representar, não quero que as mulheres, mães ou não, me enxerguem como uma guerreira, uma mulher maravilha, uma mulher foda. Gosto de pensar que represento uma perspectiva possível para mulheres, como eu, que se tornam mães. Que essa escolha (ou não) da vida muda tudo. Mas não necessariamente muda para impedir progressão na carreira, novos objetivos, novas vontades. Para te manter num casamento sem rumo, numa vida sem felicidade, numa existência para criar uma criança.
Ser mãe, em minha existência, representa uma entre tantas possibilidades, dessa outra maior, estruturante, de ser mulher. A mulher de luta, de resistência, de enfrentamento, nesse mundo capitalista, racista, machista, patriarcal. Em que sobrevivemos, respiramos e coletivamente nos reerguemos, diariamente, para seguir em frente.
Não tem outra forma de celebrar o 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, se não for para nos juntarmos, ocuparmos as ruas, resgatarmos nossas memórias de luta, defendermos nossos direitos, que são tão inferiores aos nossos deveres, imposições feitas a nós, por construções sociais, por termos nascido mulher. Em 2019, nossa responsabilidade é ainda maior, para que nossas filhas e filhos tenham acesso a um futuro digno e melhor. Permaneceremos juntas, para que as meninas possam estudar e crescer mulheres com mais direitos do que deveres, para que suas escolhas e sua voz sejam respeitadas e que nenhum ato de violência as impeçam de seguir em frente.
Essa é uma responsabilidade de todos nós que acreditamos que uma mulher, como eu, possa tomar as rédeas da própria vida, e que nunca é tarde para isso. Meu nome é Paula, tenho 36 anos, sou uma jornalista em Curitiba que demorou mais de 15 anos para voltar a estudar, mais de 30 para parir, e a partir disso se transformar. Mas essa não precisa necessariamente ser a história, seu gatilho. Toda mulher pode ser o que quiser.
______
*Paula Zarth Padilha é jornalista em Curitiba, atua no site Terra Sem Males e trabalha para o Instituto Democracia Popular e para a FETEC-CUT-PR. É mestranda no Programa de Estudos de Linguagens da UTFPR e diretora de Ação para a Cidadania do SindijorPR. Texto publicado originalmente no site Porém.net
É o ano do porco no horóscopo chinês
1 de Março de 2019, 8:54Algumas verdades são difíceis de encarar. O pensamento a sério, que depende da verdade – ou da construção de algo que encaramos como a verdade -, é meio que pra deprimir mesmo. Acho que o Slavoj Zizek já disse algo assim. E a maior parte das pessoas não liga pra isso.
Tem o caso dos porquinhos, por exemplo. Dos porquinhos que andam por certos lugares do Rio de Janeiro. É a cidade onde eu moro. No bairro de Santa Teresa. Que é cercado por favelas dominadas por facções diferentes, ou seja, rivais. E que rivalizam com a polícia e com a milícia. Ou não, dependendo do contexto.
Enfim.
Tem uns porquinhos que andam por Santa Teresa.
Eu passo pela rua, olhando os porquinhos, e mostro eles pras crianças. Porque, sim, é legal ver eles por ali. Eles deitam na lama que encontram. Às vezes dizem “óinc”, que não é bem um “óinc”, é mais um “frrrronc”. Não pra gente, especificamente. Apenas dizem. Em geral nos ignoram.
Então, um dia, num daqueles papos dos outros que você escuta sem querer, onde alguém está falando sobre um boato a respeito de um comentário de sabe-se-lá-quem ouvido sem querer de outro alguém, já tão remoto e anônimo, ouvi uma história mais ou menos assim: que certa feita uns fiscais, “da prefeitura”, diga-se, genericamente, foram atrás desses porcos. Porque estavam à solta sujando a rua, e coisa e tal. E foram recebidos à bala pelo tráfico.
Parece que existe a possibilidade de que esses fofos e rosados porquinhos cuti cuti sejam usados pelo tráfico pra eliminação de cadáveres.
Bom, quando eu via os rechonchudos e aparentemente super bem alimentados suínos com as crianças pelas ruas, não é que eles fossem exatamente a família da Peppa Pig. Eles cagam nas ruas. Mas também não imaginava que fossem piores que os porcos do George Orwell. São tipo aqueles bichos que aparecem no Hannibal.
Algumas verdades são difíceis de encarar e achei melhor poupar as crianças disso. Naturalmente.
E é sobre esse lance das verdades dolorosas que um objeto paginado chamado “Nix”, de um gringo chamado Nathan Hill, trata. Objeto aliás com mais de 600 páginas, daqueles que poucos têm tempo de ler, e ainda por cima caro pra caramba, disponível nas prateleiras mais destacadas das livrarias. Eu recomendo esse objeto. Tente achar um pdf dele por aí. Não tente achar um pdf dele por aí, que pirataria é crime. Então, tente achar um amigo rico que o tenha comprado e empreste o exemplar. Porque afinal, uma verdade dolorosa é que procuramos pouco as escassas bibliotecas públicas que fazem empréstimo de livros.
Bom, quanto a esse objeto paginado aí. Ele traz algumas verdades dolorosas. E um monte de personagens não sabendo como lidar com elas. Tanto no campo pessoal como no social. Dá pra dizer que suas páginas contêm muitas reflexões sobre pós-verdade, por exemplo, em sentenças-chave como
Caso ainda não tenha notado, devo lhe dizer que o mundo meio que abandonou o velho projeto iluminista de investigar a verdade por meio da observação direta dos fatos. A realidade é complicada demais, assustadora demais para isso. Em vez disso, é muito mais fácil ignorar os fatos que não se encaixem em nossas ideias preconcebidas e acreditar naqueles que se encaixam. Eu acredito no que eu acredito, e você acredita no que você acredita, e ficamos assim. É o encontro da tolerância liberal com o negacionismo obscurantista. Algo muito na moda hoje em dia. (…) Nunca fomos tão radicais em política, tão fundamentalistas em religião, tão rígidos em nosso pensamento, tão incapazes de empatia. A forma como vemos o mundo é totalizante e irredutível. Estamos evitando completamente os problemas levantados pela diversidade e a comunicação global. Portanto, ninguém mais se importa com ideias antiquadas como a distinção entre verdadeiro e falso.
Além da pós-verdade, que é outro nome pra mentira, o objeto paginado do qual estou falando tem muito de gentrificação, a mulher frente ao patriarcado, escapismo frente a uma realidade de endividamento e trabalhos sem sentido, pragmatismo versus idealismo nos dias de hoje, patriarcado, solidão na era da informação, vergonha dos gordinhos de entrar pela primeira vez na loja de orgânicos, educação institucional no capitalismo tardio, patriarcado.
Eu devo ter mencionado patriarcado. Então. Esse é mais um daqueles objetos – que muita gente já diz ser um “novo clássico”; – que a crítica, e quem sabe a academia, nunca, ou dificilmente, analisa por esse lado. O lado que entende que o patriarcado fode com todo mundo, em todos os sentidos. Não sou especialista, mas “2666”, de Roberto Bolaño, e “O jogo da amarelinha”, de Cortázar, todos escritos por homens, veja só, também têm muito de denúncia do patriarcado, ou melhor, de mostrar o quanto ser mulher significa ser tratada como mulher, no mundo em que a gente meio que vive. E, bem, a não ser que a academia esteja fazendo muito a respeito às escondidas, não se leem muitas reflexões nesse sentido, a respeito desses clássicos, por aí.
É que existem verdades dolorosas, mesmo por parte dos detentores do discurso comumente referendado quanto à inteligência.
Por falar em inteligência, “Nix” desperta algumas situações incômodas. Tipo quando houve aquele protesto contra a Guerra do Vietnã em Chicago, em 1968. O protesto onde, pra cada manifestante sangrado pela polícia, dez ligações de americanos do Meio Oeste a favor do policial chegavam às emissoras de TV. O protesto cheio de boas intenções que, dizem, acabou
ajudando Nixon a se eleger, já que, além dele ser o candidato bélico das bravatas quanto à “segurança” aos valores americanos, deve ter gente que votou nele só por raiva dos hippies,
que certamente eram encarados como ameaça maior à democracia do que a segregação racial, a precarização do trabalho e a lucratividade da indústria armamentista, por exemplo.
Talvez dê pra fazer paralelo dessa situação do Donald anos depois, aquele cara laranja pintado como porco nos xous do Rogério Águas: foi eleito presidente lá daquelas bandas, mesmo depois de todo o Occupy. E talvez também com o desfecho da Primavera Árabe, fora dos EUA.
Ah, sim. Já ia esquecendo. Tem ainda o caso brasileiro em 2013. Onde muita gente, que de início só queria baixar o preço da tarifa de ônibus, acabou dando gás a um processo que culminou em impítima de presidenta eleita, automaticamente dando vez à ascensão de um vice que na verdade era vice disfarçado do candidato derrotado nas urnas em 2010 e, veja bem, culminando na eleição de um continuísmo piorado, piorado pra pior, BEM pior, embrulhado em discurso fascista e legitimado pela população. Boa parte desta agiu como os americanos do Meio Oeste em 1968.
E o que dizer do futuro? Meio que dá pra prever quem os Coletes Amarelos franceses vão acabar elegendo, querendo ou não.
E por aí vai.
Paradoxalmente, em hipótese alguma se deve defender que não se pode defender o direito aos protestos. Se alguém me pergunta se eu sou contra ou a favor de algum deles, é como se me perguntasse se eu sou contra ou a favor do espasmo muscular, no caso de um corpo levando choque.
E isso tudo me faz querer refúgio não só no Uruguai, mas literalmente na casa do Pepe Mujica. Mesmo. Eu dormiria até no fusca, se ele deixasse. Eu só teria que convencer ele de que não
sou daquela galera de 2013. Com o plus de que sei passar chimarrão.
Quando se quer buscar por um mundo melhor, às vezes parece não ser muito interessante sair totalmente da curva. Às vezes é caso de seguir atento, em meio ao cardume dos distraídos.
Triste verdade. Ao cardume ou à vara, que é o coletivo de porcos. Vara, como a palavra que define a jurisdição de um juiz. Triste coincidência.
Outra verdade é que 2019 é o ano do porco no horóscopo chinês.
Por Bruno Brasil, jornalista curitibano radicado no Rio de Janeiro, escreve para o Terra Sem Males na coluna “entre aspas”
Acesse aqui a coluna
Qual será o futuro da juventude com a Reforma da Previdência?
28 de Fevereiro de 2019, 11:10Jovens entram no mercado de trabalho como estagiários, aprendizes, estudantes bolsistas em universidades: modelos de contrato que não há recolhimento previdenciário
Por Paula Zarth Padilha
Para a FETEC-CUT-PR
Foto: Gibran Mendes/CUT Paraná
O novo modelo de previdência vislumbrado pelo governo de Jair Bolsonaro estipula regras mais duras de acesso a aposentadoria e demais benefícios, como pensão por morte ou auxílios sociais, para todos os trabalhadores, até mesmo nas regras de transição. A vinculação de idade mínima para solicitar aposentadoria (62 para mulheres e 65 para homens) com tempo mínimo de contribuição por 20 anos (ou 40 anos para aposentadoria integral) vai também prolongar a idade de chegar lá.
Numa conta simples, de jovens chegando ao mercado de trabalho com carteira assinada a partir dos 18 anos, por exemplo, se considerarmos emprego formal ininterrupto, uma situação hipotética, esse jovem teria seus 40 anos de contribuição aos 58 anos de idade. E aí teria outros sete anos para trabalhar mais para atingir o mínimo. Em 2019. Porque a idade mínima tem previsão de subir a cada reavaliação da expectativa de vida do brasileiro.
O ciclo de contribuição à previdência parece eternizado na busca por esse dia do descanso. E na prática será mais ainda. Para o bancário Ademir Vidolin, diretor da secretaria de Saúde da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Paraná (FETEC-CUT-PR), os jovens serão os mais afetados pela Reforma da Previdência. “Esses trabalhadores começam como estagiário, como menor aprendiz. Duas formas de contratos que não recolhem INSS. Os jovens, atualmente, chegam a ficar seis anos no mercado de trabalho sem ser beneficiário da Previdência Social. Se é bolsista na universidade, não recolhe”, explica.
Na conjuntura atual, outros fatores dificultam a inserção dos jovens trabalhadores num contrato de trabalho formal que resulte em contribuições para fins de aposentadoria. “Depois dessa fase, entra como terceirizado. Uma série de dificuldades observadas num cenário de novas tecnologias, que impõem novas formas de trabalho, legitimadas pela Reforma Trabalhista: home office, teletrabalho como PJ, recebe em casa o trabalho, ganha pelo serviço, com remuneração baixa, precisa recolher por conta ao INSS. Em 20 anos são 240 contribuições mensais. Essas alterações na forma de prestação de serviço, diária, a ideia é flexibilizar e desonerar. Os patrões não vão fazer mais recolhimento e o trabalhador não vai mais recolher para seu futuro”, acredita o dirigente.
Os jovens também são o público-alvo de um projeto de governo, um dos poucos anunciados já durante a campanha, o da implantação da carteira de trabalho verde e amarela. Em entrevista ao Portal CUT, o professor do Centro dos Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), Dari Krein, afirmou que o governo, ao criar um regime diferenciado da CLT para quem entrar no mercado de trabalho, deixará os futuros trabalhadores sem escolha: sem direitos ou sem trabalho.
Esse regime diferenciado seria complementado pela implantação de uma previdência privada oferecida aos trabalhadores. Ocorre que a Proposta de Emenda à Constituição 06/2019, entregue no último dia 20 de fevereiro pelo presidente Bolsonaro para tramitação na Câmara (acesse aqui o inteiro teor), deixa diversos vácuos, com menções a definição futura por lei complementar, e estabelece mais claramente as regras de transição para quem está na ativa.
O entendimento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), é que a Reforma da Previdência servirá para empobrecer a população, conforme declarou a dirigente Maria das Graças Costa, secretária de Relações de Trabalho da CUT: “Temos ainda uma juventude abandonada sem trabalho e sem perspectiva de um futuro melhor. Esses trabalhadores não terão a menor condição de contribuir com a previdência pública, muito menos de comprar uma previdência privada. A reforma Trabalhista e a reforma da Previdência como estão sendo propostas se completam para jogar a classe trabalhadora na pobreza e enriquecer ainda mais os grandes empresários”.
Resistência
As centrais sindicais deliberaram conjuntamente um dia nacional de lutas contra a Reforma da Previdênciaque será realizado no dia 22 de março, como preparatório para uma greve geral dos trabalhadores.
As mulheres cutistas também estão articuladas na organização dos atos do Dia Internacional da Mulher, em 8 de Março, para que as ruas sejam ocupadas em defesa da aposentadoria.
O que muda com a Reforma da Previdência se aprovada no Congresso
– Fixa idade mínima para aposentadoria em 62 anos para mulheres e 65 anos para homens;
– Aumenta o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, dificultando o acesso à aposentadoria;
– Piora a fórmula de cálculo das aposentadorias, substituindo a média das 80% maiores contribuições por todos os valores a partir de julho de 1994;
– Modificações na concessão de pensão por morte, que não poderá mais ser acumulada com aposentadoria;
– Diminui de um salário mínimo para R$ 400 o valor do benefício de prestação continuada pago a idosos pobres a partir de 60 anos, igualando ao salário mínimo somente aos 70 anos (para renda familiar menor que ¼ do s.m.);
– Acaba com a aposentadoria especial de professores e iguala idade entre homens e mulheres na profissão;
– Dificulta acesso à aposentadoria rural.
Ação popular adia reajuste da tarifa do transporte coletivo de Curitiba e região
27 de Fevereiro de 2019, 16:00Decisão judicial determina que novo valor de R$ 4,50 comece a ser cobrado dia 25 de março e Plenária Popular do Transporte defende enfrentamento nas ruas, mantendo novo ato contra o reajuste nesta quinta (28). Foto: Ana Santos.
Por Paula Zarth Padilha
Instituto Democracia Popular
O enfrentamento popular contra o aumento da tarifa do transporte coletivo em Curitiba e região metropolitana teve uma vitória parcial nesta quarta-feira, 27 de fevereiro, véspera da data marcada para início da cobrança do novo valor, que foi reajustado de R$ 4,25 para R$ 4,50. O juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba concedeu liminar em Ação Popular adiando o reajuste para o dia 25 de março.
A Ação Popular contra o reajuste veio a público um dia após a população de Curitiba realizar uma manifestação contra o aumento da tarifa (foto), ocupando em marcha as ruas do Centro da cidade para denunciar o valor abusivo da passagem do transporte coletivo e a falta de transparência nos processos licitatórios com as empresas de ônibus e nos cálculos do valor da passagem. Ela foi protocolada pelos mandatos do deputado estadual Goura e da vereadora Professora Josete, um procedimento não muito comum da parte de parlamentares.
A vereadora Professora Josete explica que a solicitação, via Ação Popular, considera três pontos: uma outra ação judicial que questiona esses contratos licitatórios; o descompasso do reajuste aplicado neste momento com a inflação do período, até mesmo no comparativo com os reajustes anteriores na tarifa; e o curto espaço de tempo entre o anúncio do novo valor e o início da cobrança. “Se levarmos em conta o reajuste anterior, de R$ 3,70 para R$ 4,25, eles estão muito acima da inflação em comparação ao reajuste que os trabalhadores tiveram em seus salários. O juiz concedeu uma liminar parcial, mas consideramos uma grande vitória. Será mais um período para aumentarmos a pressão, levantar esse debate junto à população sobre esse preço abusivo da passagem e esse contrato cheio de vícios”, explica a vereadora.
Na decisão liminar, o juiz nega o questionamento de contratos de licitação fraudulentos judicializados e também o comparativo dos reajustes anteriores, que somam 66,66%, com a inflação no período correspondente, de 24%, argumentos citados na ação popular. O enfoque da sua decisão foi na definição de tempo razoável para aplicação do reajuste: “O gasto com transporte, que é indispensável à mobilidade de significativa parcela da população, tem relevante impacto no orçamento do usuário, sobretudo daquele de baixa renda”.
Determinou, portanto, o adiamento do início da cobrança, do dia 28 de fevereiro, para o dia 25 de março, considerando que se “o trabalhador ordinário recebe remuneração à periodicidade mensal, razoável que se respeite espaço mínimo de 30 (trinta) dias entre o ato que publicou o reajuste e a sua efetiva implantação”.
Para André Machado, da Plenária Popular do Transporte Coletivo, somente o enfrentamento com pressão popular nas ruas pode inibir o poder público de beneficiar somente empresários, em detrimento da população. “Essa liminar se mostra muito frágil, sustentada na publicidade, alegando mais tempo para a população se organizar, mas não questiona as questões de mérito do reajuste, da tarifa técnica ser muita acima da inflação e não admite o argumento da judicialização das concessões”, afirma. André acredita que o Tribunal de Justiça possa reverter essa decisão, pois “tende a julgar muito em defesa dos empresários”.
A Plenária Popular do Transporte manteve a convocação do 2º ato contra o aumento da tarifa, marcado para esta quinta-feira, a partir das 17h30, com concentração na praça Rui Barbosa. “Para que a gente possa fazer um enfrentamento contra esse aumento abusivo, tanto para o usuário, quanto o valor do aumento da tarifa técnica, que pode chegar a R$ 5,20, conforme o próprio prefeito, fazendo com que os cofres públicos sejam lesados em R$ 200 milhões, o enfrentamento a tudo isso tem que ser nas ruas”, convoca, referindo-se aos valores de R$ 50 milhões e de R$ 150 milhões que a Prefeitura e o Governo do Paraná, respectivamente, anunciaram como subsídio aos empresários do transporte coletivo para que o valor da passagem seja R$ 4,50.
Relato de uma moradora de Brumadinho sobre o rompimento
27 de Fevereiro de 2019, 14:14“Eu tenho medo da noite”
25 de janeiro de 2019, por volta do meio dia e meio, ouviu-se um forte estrondo em Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho em Minas Gerais. Para Conceição Leonides de Assis, 69, era o transformador da companhia de energia elétrica que havia estourado. Sem alarme e nenhum aviso das mineradoras que têm na região ela foi descobrir o que aconteceu por causa de uma vizinha aos prantos na rua tentando falar no celular: “Oh meu Deus! Dona Conceição, me acode. A barragem estourou. Minha mãe está lá. Socorro, me ajuda”, gritava a amiga cuja mãe era terceirizada da Vale, segundo dona Conceição. O barulho de mais de 10 minutos a ajudou a compreender realmente o que estava acontecendo.
Dona Conceição no ato ecumenico de um mês do rompimento da barragem no distrito Córrego do Feijão em Brumadinho-MG. Foto: Joka Madruga/MABEla já havia tomado banho e fazia escova no cabelo, pois tinha uma consulta com o fisioterapeuta em Brumadinho-MG. Sua rotina foi brutalmente alterada. A levaram para o refeitório da Mineradora Ibirité Ltda – MIB, junto com os vizinhos. Foi distribuído para eles suco e copinhos com gelatina, mas muitos não quiseram nada devido ao estado emocional que se encontravam. Uma pessoa da empresa apareceu e comunicou que não podiam alojar todos naquele espaço e eles seriam levados para Casa Branca, outro povoado da cidade. Alguns dos atingidos não queriam ir para lá, queriam voltar para suas casas. Enquanto outros diziam que para o lar não poderiam voltar.
“Nunca vi um terror tão grande. Um filme de terror que vivemos e ainda estamos. É muita dor. É um luto que nunca vai sair da gente”, relata dona Conceição que perdeu uma nora. “Quando é de noite vem na cabeça tudo que aconteceu. Eu quero ficar acordada. Eu tenho medo da noite. Eu não tinha medo da noite, era um silêncio, mas agora eu prefiro o dia porque vem gente conversar comigo e se acontecer algo dá tempo de correr”, desabafa com medo de um novo rompimento.
A conversa com Dona Conceição foi após ela terminar de fazer um doce de goiaba numa clara tentativa de continuar com a vida, mas com marcas na alma que provavelmente nunca mais sairão.
Conceição Leonides de Assis atingida pelo rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão em Brumadinho-MG, faz doce de goiaba para a família. Foto: Joka Madruga/MABFotos: Joka Madruga/MAB/Terra Sem Males
“Foi um crime pesado”, desabafa morador de Brumadinho que salvou uma criança da lama
23 de Fevereiro de 2019, 20:18Na próxima segunda-feira (25) completará um mês do rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão, que pertence à mineradora Vale em Brumadinho-MG. Centenas de pessoas perderam a vida e outras centenas estão desaparecidas. O distrito do município que dá nome e onde está a mina teve sua rotina alterada e afetada, inclusive emocionalmente. Em meio a tudo isto está Sebastião Feliz Camilo, de 63 anos, que sempre trabalhou na roça.
Seu Sebastião, como é conhecido, vivenciou toda a descida da lama tóxica da Vale. Teve noites de insônia por causa do que viu e, principalmente, do que fez. Ele salvou uma mulher e o sobrinho dela do meio da lama, com a ajuda de um vizinho. Ele estava na varanda quando ouviu o estrondo do rompimento e desceu para a beira de um barranco na propriedade onde vive. “Sentei aqui e fiquei olhando os ‘trem’ descendo. Não era laminha pouca não, era lama mesmo. Mais de dois metros de altura”, comenta. O trem não é só uma expressão mineira, realmente havia um com vagões no local e que foi levado pela enxurrada.
Ele voltou para sua casa, uns 200 metros de onde ele presenciou o ocorrido. Nisto ele houve os gritos na vizinha e desce para ver o que era. Ao chegar ele depara com o pé de uma criança para fora da lama. “Achei um pezinho e depois achei o outro, me agarrei num fio de arame e o puxei. Ele estava embaixo da tia”, relata. Tanto a mulher como a criança se limparam em sua casa.
É visível o tamanho da sua indignação. Desde o fato de não poder consumir os alimentos de sua horta até com as vidas que foram ceifadas. “Foi um crime pesado. É muita família. Meus filhos trabalhavam ali, mas saíram da empresa alguns meses antes”, desabafa.
Fotos: Joka Madruga/Terra Sem Males