Um país informal
September 5, 2017 16:39Ronnie Aldrin Silva
O aumento da informalidade deu um salto no último trimestre analisado, uma vez que tinha crescido 0,6% no país do segundo trimestre de 2016 ao primeiro de 2017, ou seja, em apenas três meses cresceu seis vezes mais do que nos três trimestres anteriores somados.
Tal crescimento vai na contramão das estatísticas de retomada de crescimento que o governo apresenta. Além do setor público, a tímida retomada da inserção de trabalhadores no mercado de trabalho está se dando por empregos sem carteira assinada e trabalho autônomo. Dos empregos gerados no último trimestre, 65,1% se deram por estas duas modalidades de inserção. Se somar o percentual dos novos empregos públicos (33,1%), chega-se em 98,2% dos empregos gerados. As categorias de empregados no setor privado com carteira assinada e trabalhadores domésticos com carteira assinada passaram por uma redução no número de seus trabalhadores de 5,8% e 3,3%, respectivamente.
Ao olhar regionalmente, percebe-se que a região Sul foi onde a informalidade menos cresceu (1,8%). Nas demais regiões o crescimento foi similar e acima da média brasileira, variando de um crescimento da informalidade de 3,9% no Nordeste a 4,4% no Norte, sendo esta última a região que mais sofreu com a inserção precária no mercado de trabalho.
Se no período do segundo trimestre de 2016 ao primeiro de 2017, treze estados tinham apresentado aumento da informalidade, no segundo trimestre de 2017 este número ampliou para 22 estados da federação. Os Estados onde a informalidade mais cresceu neste último trimestre foram Sergipe (16,1%), Amapá (15,8%), Espírito Santo (13,5%), Distrito Federal (10,6%) e Amazonas (9%). Apenas os estados de Santa Catarina (-4,2%), Tocantins (-3,9%), Rio de Janeiro (-3,0%), Mato Grosso do Sul (-2,0%) e Piauí (-1,1%) apresentaram redução no número de trabalhadores sem carteira de trabalho assinada. (Fundação Perseu Abramo)
Todo poder ao alcaguete!
September 5, 2017 11:18Carlos Motta
Mais que o presidente da República, mais que qualquer um que se julgue autoridade, o poder real está com o alcaguete, que até outro dia era uma figura execrável, repudiada por todos - e até mesmo pela marginalidade.
"Fecharam o paletó do dedo duro
Pra nunca mais apontar
A lei do morro é barra pesada
Vacilou levou rajada na ideia de pensar
A lei do morro é barra pesada
Vacilou levou rajada na ideia de pensar
A lei do morro é ver ouvir e calar
Ele sabia, quem mandou ele falar
Falou demais e por isso ele dançou
Favela quando é favela, não deixa morar delator"
Assim cantou Bezerra da Silva ("Dedo Duro"), num dos inúmeros sambas que gravou abordando esse detestável personagem.
E Bezerra sabia das coisas da malandragem e do povo, conhecia a alma profunda das periferias.
Hoje, para espanto quase geral, o delator é aclamado como herói, não importa se ele, antes de ser um X-9, era um ladrão que passou a vida toda roubando os cofres públicos, corrupto ou corruptor, e que para se livrar da cana pesada, entregou os comparsas, ou pior, falou aquilo que a meganhagem, suas excelências, os doutores - seja lá quem for -, queriam que ele falasse.
Apodrecendo numa prisão imunda, sem ter sido julgado, sem perspectiva de ser libertado, com seus carcereiros todos os dias passando a ele o roteiro do que deve dizer para o "meritíssimo", o sujeito entrega a própria mãe, é capaz de dizer que fulano de tal incendiou Roma ou que sicrano bolou o plano de derrubada das Torres Gêmeas.
Da mesma forma, são poucos os que resistem a uma oferta de ver sua pena de 40 anos de prisão ser reduzida a uns dois, três anos, para serem cumpridos em sua mansão, com o único inconveniente de ter de usar um aparelho eletrônico em seu tornozelo, se disserem que beltrano, apesar de sua aparência de coroinha de missa dominical, é na verdade um vilão mais terrível que o professor Moriarty dos livros de Sherlock Holmes.
Afinal, nestes tempos de Brasil Novo, palavra de cagueta é lei.
Há uma fila de candidatos a Silvério dos Reis ou Judas Iscariotes.
Portanto, todos nós devemos ter muito cuidado com tudo o que fizermos no dia a dia, mesmo as coisas mais triviais.
Se for atravessar uma rua, dê preferência aos carros.
Trate os policiais como se fossem a encarnação dos reis Luíses da França.
Não ria nem fale alto em locais públicos.
Não dirija devagar nas estradas e sempre ultrapasse na contramão na faixa contínua.
Em resumo: não chame a atenção, seja anônimo, não se destaque em nada, não tenha opinião sobre coisa nenhuma e, se for forçado a dar algum palpite, que seja o mais idiota possível, revelador de sua notável ignorância e mediocridade.
Lembre-se sempre: em cada esquina, em cada canto, em cada mesa do bar, do restaurante, do trabalho, atrás de cada porta, num banco da praça, ou no volante do carro que parou ao lado do seu no semáforo, pode estar um dedo-duro.
E, a apoiá-lo em suas delações, a transformá-las em "colaborações" para o bem da Justiça, para o combate do câncer da corrupção, para a salvação do páis, está um doutor daqueles tão distintos e bem apessoados que dá a impressão que suas camisas e seu terno foram comprados em Miami, coisa fina, nada comparável a qualquer um desses tantos que se veem por aí em lojas de shopping centers .
Delatores e doutores, um time imbatível!
Com eles, não há perigo de a saúva acabar com o Brasil.
Um quadro de grave estagnação
September 4, 2017 9:57Marcelo P. F. Manzano
Mas ao contrário do que pode sugerir à primeira vista, em realidade os números divulgados pelo IBGE revelam um quadro bastante preocupante que aponta para elevada contração do principal componente da demanda agregada: os investimentos (FBCF) caíram 0,7% no trimestre, fazendo a taxa de investimento declinar para o menor nível desde o ano 2000 (15,5%).
Outra constatação nada alentadora e que em grande medida explica a baixíssima taxa de investimento é o desempenho da produção industrial, que registrou queda tanto na comparação com o primeiro trimestre de 2017 (-0,5%) quanto naquela que considera o mesmo trimestre de 2016 (-2,1%). Ainda pela óptica da oferta, na passagem do primeiro para o segundo trimestre do ano, nem mesmo a agricultura ajudou (0,0%) e apenas o setor de serviços, com crescimento de 0,6% foi capaz de garantir um mínimo impulso à economia.
No cômputo geral, portanto, o que se deve ter em mente é que a economia brasileira não apenas permanece estagnada, “sobrevivendo por aparelhos” – notadamente a injeção de recursos do FGTS e a demanda externa favorável –, mas que persistem algumas indicações qualitativas muito preocupantes, visto que os componentes cruciais da economia (a indústria, pela óptica da oferta, e o investimento, pela óptica da despesa) seguem em trajetória cadente. (Fundação Perseu Abramo)
Investimentos despencam no Brasil Novo
September 1, 2017 10:18Os golpistas vão soltar fogos de artifício com a divulgação do PIB, o Produto Interno Bruto, que mede toda a riqueza do país, do segundo trimestre: a alta foi de 0,2 % entre abril e junho em relação aos três meses anteriores, segundo informou o IBGE. Na comparação com o segundo trimestre de 2016 o crescimento foi de 0,3%, o primeiro resultado anual positivo desde o primeiro trimestre de 2014 (+3,5%).
Mas cuidado com o andor.
O investimento continuou em contração no trimestre passado.
Segundo o IBGE, a Formação Bruta de Capital Fixo, que mede o investimento, recuou 0,7% na comparação com janeiro a março, 6,5% sobre o segundo trimestre do ano passado, e 6,1% nos quatro trimestres anteriores em relação ao mesmo período do ano anterior.
No acumulado do ano, em relação ao mesmo período de 2016, a expansão do PIB foi nula, e nos últimos quatro trimestres anterior houve queda de 1,4%.
Vale lembrar que a pequena recuperação do PIB se dá em cima de uma base fraquíssima: é como alguém comemorar o pagamento de R$ 1 mil de uma dívida de R$ 1 milhão.
No primeiro trimestre deste ano, o PIB brasileiro havia crescido 1% sobre o período imediatamente anterior, devido à forte expansão do setor agropecuário, mas com os investimentos produtivos ainda em queda.
Entre abril e junho passado, o consumo das famílias aumentou 1,4% sobre o primeiro trimestre, primeiro crescimento após nove trimestres. Sobre o mesmo período de 2016 a alta foi de 0,7%.
O setor de serviços também foi destaque positivo, com expansão de 0,6% na comparação com o trimestre imediatamente anterior, mas na variação anual mostrou queda de 0,3%.
No geral, se existem alguns indícios de que se ensaia uma melhora do cenário econômico, há outros que mostram que a recuperação ainda está distante.
Ainda é cedo para se abrir garrafas de champanhe.
Baques, golpes, e a morte das almas
August 31, 2017 10:23Carlos Motta
Todos nós, humanos, sofremos, em algum período de nossas vidas, baques que machucam, desesperam, nos fazem perder a esperança, são capazes de arrancar lágrimas e soluços, ou, ao contrário, despertam a ira, o ódio, a violência.
Pode ser a morte de um parente, a perda de um emprego, a descoberta de uma traição, a derrota do time do coração, pode ser tanta coisa, pode ser apenas uma sensação indescritível de desconforto sem causa definida.
Cada um de nós é diferente do outro.
Cada um tem valores diversos, reage de modo distinto às situações que defronta no cotidiano.
Há pessoas que só pensam nelas próprias; há as que dedicam seus esforços em ajudar o próximo e desejam que todos sejam felizes.
Como as pessoas, uma nação, formada por elas, tem seus altos e baixos, seus momentos de glória e danação.
É o caso do Brasil, que hoje vive um inferno, do qual ninguém sabe de como vai se livrar.
O golpe que trocou uma presidenta honesta por uma quadrilha, que trocou uma democracia por uma cleptocracia, em um ano arrasou o país e destruiu seus sonhos de se tornar, ao menos em médio prazo, uma nação desenvolvida, com menos desigualdade e mais justiça para seus cidadãos.
Este novo golpe não segue igual àquele outro, de 53 anos atrás, mas da mesma maneira que seu antecessor, vai espalhando a incerteza e o desânimo, que vão corroendo o ânimo, o humor e a alma.
Em 1964 eu tinha dez anos e morava em Jundiaí. Minha lembrança do que ocorreu é apenas de alguma movimentação inusitada na cidade. Ou talvez eu tenha sonhado com isso. Não importa, pois ainda sinto os danos causados pela ditadura militar. Não, não sofri nenhum tipo de violência física, não participei de nenhum movimento contra o regime.
O mal foi de outra ordem.
Meu pai era militar. Na época, com cerca de 50 anos, estava na reserva, ou reformado, não me lembro. O capitão Accioly havia escolhido Jundiaí para viver com sua família - minha mãe, eu e minha irmã. Autodidata, lia muito, gostava imensamente de política, e como o partido de seu coração estava na clandestinidade, militava no PSB. Foi até secretário do diretório municipal.
Mas seu ídolo era outro militar de rígidas convicções ideológicas, que depois de percorrer o país com seus companheiros numa empreitada épica, foi chamado de Cavaleiro da Esperança.
Não sei exatamente o que levou o capitão Accioly a ser comunista, mas acho que foi o fato de ele não suportar injustiças, de procurar fazer sempre as coisas certas, de não transigir no que achava correto.
Sua escolha ideológica foi natural. Naqueles tempos de guerra fria muitas pessoas acreditaram sinceramente que o marxismo-leninismo poderia redimir a humanidade.
O capitão Accioly era calmo, metódico, disciplinado e caseiro. Pelo menos aparentava ser. Mas interiormente creio que carregava a inquietação daqueles tempos de forma silenciosa, mas intensa. Procurava acompanhar tudo o que ocorria no mundo. Comprava o Estadão pelo volume do noticiário, mas ignorava seus editoriais. Votou no marechal Lott contra Jânio, era admirador de Jango e Brizola, detestava Lacerda e a UDN.
O golpe militar foi uma surpresa para ele. Mas não me recordo de vê-lo nem agitado nem preocupado. Mantinha, pelo menos para a sua família, a calma dos que nada devem. Não foi incomodado por ninguém. Naquela Jundiaí, os comunistas eram notórios e inofensivos aos olhos da autoridades de plantão.
O capitão Accioly aparentemente seguiu sua vida de maneira normal. Porém, com o fortalecimento da ditadura, algo foi mudando nele. Passou a se interessar menos por política, a discutir menos intensamente com os amigos, a mostrar um amargor que não exibia antes. Era como se, lenta e inexoravelmente, a chama que fazia brilhar os olhos daquele homem quieto fosse se apagando.
Poucos anos antes de sua morte, o capitão Accioly já não mais existia.
Pelo menos a pessoa com a qual vivi minha juventude e com quem aprendi os valores que mais prezo e que me transformaram em quem sou.
Hoje, muito depois do fim da ditadura, ainda penso nos anos em que vi o capitão Accioly definhar física e intelectualmente. Não consigo separar essas coisas. Para mim, sempre, aquele será um tempo que aniquilou a esperança de um país, os sonhos de gerações e a grandeza de muitos homens.
Não sei o que o Brasil poderia ter sido se não tivesse passado pela ditadura.
Sei apenas que o capitão Accioly teria vivido mais e melhor.
E isso já é motivo suficiente para que eu despreze imensamente todos os responsáveis por essa tragédia que mancha a história brasileira.
Agora, a história se repete.
Meu medo é que, como o capitão Accioly, muitos sucumbam ao pessimismo e deixem as suas vidas se esvair num cotidiano de frustrações, desesperança e desespero.









