REFLEXÃO: QUEM MERECE SER A MULHER DO ANO? ANITA OU A PROFESSORA QUE MORREU SALVANDO OS ALUNOS EM MINAS GERAIS?
28 de Novembro de 2017, 21:06A reforma trabalhista que os Trabalhadores não querem ver
25 de Novembro de 2017, 9:46
Por Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do DIEESE
A Lei 13.467/2017, que altera o sistema de relações de trabalho brasileiro, entrou em vigor em novembro. Com a nova legislação, várias formas de contrato, jornada e condições de trabalho são criadas, permitindo alta flexibilidade e ajuste do custo salarial. A proteção coletiva promovida pelas entidades sindicais fica fragilizada. O trabalhador estará mais exposto e submisso ao empregador. Os sindicatos são atacados na representação, no poder de negociação e no financiamento. A Justiça do Trabalho terá a atuação limitada. As empresas ganham regras que as protegem e evitam passivos trabalhistas.
O sistema de relações laborais combina leis, regras, normas e define procedimentos para regular as condições de trabalho dos processos produtivos, custos e formas de repartição de resultados entre lucros e salários. Ao funcionar, cria, ao longo do tempo, uma cultura que dá previsibilidade aos agentes, trata dos conflitos e estabelece os canais e o campo para o diálogo entre as partes.
Alterar unilateralmente, sem nenhum diálogo e de maneira tão profunda e extensa o sistema de relações de trabalho, como fizeram o Congresso Nacional e o governo, trará severos impactos sobre o ambiente da produção econômica e a vida social, o que exigirá renovada capacidade de enfrentamento e a construção de novo patamar de relacionamento no campo trabalhista.
O desafio para os trabalhadores e o movimento sindical será enfrentar as adversidades que surgirão com as novas regras e criar capacidades organizativas e estratégias para resistir e avançar. Será necessário apostar que, diante das adversidades, o movimento será capaz de aumentar a representatividade e ampliar a capacidade de luta. Para isso, é preciso mudar.
O grande jogo
Há um complexo processo econômico, social, político e cultural que aprofunda e expande a acumulação de riqueza em escala global e acirra a concorrência entre as empresas, por meio da combinação entre flexibilidade para alocar a força de trabalho e tecnologia.
O sistema produtivo está subordinado à lógica da acumulação da riqueza financeira e rentista. Os ganhos daqueles que vivem exclusivamente de renda se sobrepõem à estratégia de investimento das empresas. A alocação das plantas empresariais busca o menor custo, com altos investimentos em tecnologia e economia ou exclusão quase total do trabalho humano. As corporações engendram força política para enquadrar os estados e governos e conseguir reformas institucionais que reduzam impostos; imponham garantias de que o direito privado não será ameaçado pelas formas coletivas de deliberação e pelo voto universal; assegurem o avanço da desregulamentação do sistema financeiro; protejam a transmissão de heranças e a valorização de patrimônios; simplifiquem as restrições para a apropriação privada da riqueza natural (minério, terra, água, floresta etc.); acalentem a virtude da privatização de empresas estatais e a aquisição e fusão de empresas; e protejam o pagamento das dívidas públicas.
O desenvolvimento - como resultado da relação entre o Estado e os sistemas produtivos nacionais, geradores da capacidade manufatureira do país, criadores de emprego, e os salários, de crescimento do mercado interno de consumo de massa - perde encanto econômico e político. O Estado regulador da distribuição do produto social, que visa minimizar a desigualdade e gerar coesão social, está em desuso. O comando agora é feito por uma grande concentração do sistema financeiro, pela ampliação da centralização da propriedade e a reorganização da estrutura produtiva. As democracias devem ser suportadas e, para isso, precisam ser controladas.
Reforma trabalhista no mundo
As reestruturações institucionais avançam nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, com destaque para a reforma da legislação e do sistema de relações de trabalho, com o objetivo de: reduzir o custo do trabalho; criar a máxima flexibilidade de alocação da mão de obra, com as mais diversas formas de contrato e ajustes da jornada; reduzir ao máximo a rigidez para demitir e minimizar os custos de demissão, sem acumular passivos trabalhistas; restringir ao limite mínimo as negociações e inibir contratos ou convenções gerais em detrimento de acordos locais realizados com representações laborais controladas; além de quebrar os sindicatos.
As reformas das instituições dos sistemas de relações de trabalho e da legislação trabalhista foram realizadas por mais de uma centena de países depois da crise internacional. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou um estudo (Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium), produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, sobre reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho em 110 países, promovidas no período de 2008 a 2014. A pesquisa atualiza investigações anteriores, bem como faz comparações com estudos do FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Nos países desenvolvidos, predominam iniciativas para reformar a legislação do mercado de trabalho, no que se refere aos contratos permanentes. Já nos países em desenvolvimento, a ênfase foi maior em reformas das instituições da negociação coletiva. As duas dimensões estão presentes, com maior ou menor intensidade, em grande parte dos projetos de reforma implementados. Outra observação geral indica que a maioria das remodelagens diminuiu o nível de regulamentação existente e teve caráter definitivo. Foram analisadas 642 mudanças nos sistemas laborais nos 110 países. Em 55% dos casos, o objetivo foi diminuir a proteção ao emprego, o que atingiu toda a população, e tiveram caráter permanente, produzindo uma mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho no mundo.
Do total de reformas, destacam-se aquelas que diminuem os níveis de regulação: 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego.
Alguns desafios sindicais
As mudanças trabalhistas aqui no Brasil fazem parte dessa estratégia global do capital e da oportunidade que agentes econômicos e políticos encontraram para fragilizar o movimento sindical e a força dos trabalhadores.
É preciso superar a perplexidade e não acreditar em milagres. Se não forem enfrentados, com determinação e inteligência, os efeitos da mudança poderão ser nefastos. A construção da resposta se coloca como oportunidade para promover transformações na organização sindical e no sistema de relações de trabalho. O diálogo sindical entre os trabalhadores pode abrir possibilidades para renovadas formas de organização, desde a base e em toda a estrutura. Da mesma maneira, as negociações com os empresários podem abrir canais para efetivar um sistema de relações de trabalho que invista no fortalecimento da negociação - com capacidade de dar solução efetiva aos conflitos, com o direito de organização desde o local de trabalho - realizada entre organizações altamente representativas.
O movimento sindical deve investir na reorganização das campanhas salarias e das negociações coletivas. De um lado, tratando de incorporar nas convenções coletivas a resposta às centenas de mudanças normativas que buscam fragilizar e desproteger os trabalhadores. De outro, desenvolvendo formas de organização das campanhas salariais, unindo na ação sindical aquilo que a fragmentação das categorias divide no local de trabalho. As negociações e campanhas poderão se tornar uma oportunidade para se repensar profundamente o conceito original de categoria profissional como instrumento de unidade e não de fragmentação.
A organização sindical será desafiada pelas novas formas de contratação que, em um mercado de trabalho muito desestruturado e com alta informalidade, afastará ainda mais o trabalhador das condições reais de identidade sindical a partir do local de trabalho. Os sindicatos poderão descobrir o local de moradia como espaço de encontro sindical para amplo trabalho de base.
Os bairros poderão suscitar a oportunidade de uma atuação unitária e intersindical de diálogo e filiação, assim como de investimento em atividades culturais e esportivas capazes de promover interação para a formação crítica da classe trabalhadora. Poderão também representar para o movimento sindical um desafio de interação com outros movimentos sociais e populares, permitindo a ampliação da luta e o enfrentamento de questões que afetam dramaticamente a vida dos trabalhadores, como transporte coletivo, creche, saúde, educação, saneamento, entre outros, e abrir possibilidades de intervenção unitária em torno de políticas públicas.
A representação no local de trabalho poderá ser retomada em outro patamar. Há no Brasil, hoje, cerca de 24 mil empresas com mais de 200 trabalhadores. O movimento sindical pode construir uma estratégia para um processo de mobilização visando à constituição de representação sindical efetiva, que atue no sentido da formação de jovens militantes e dirigentes, especialmente mulheres, com investimento para o aumento da representatividade, a renovação e o fortalecimento da organização sindical desde o chão da empresa.
Há exemplos, aqui no Brasil e no mundo, de coordenação do trabalho sindical desde o local de trabalho, com esse tipo de representação fazendo parte da organização e estrutura sindical. Existem também processos articulados e simultâneos de eleição dos representantes de todas as comissões, momento privilegiado para os sindicatos marcarem presença na vida coletiva da sociedade.
A estrutura sindical poderá ser profundamente renovada, seja com muitas fusões entre sindicatos ou redesenho da relação entre eles, federações e confederações e organizações no local de trabalho. Poderá ser construído um novo conceito de sindicato que materialize valores presentes na nossa cultura.
Se o conceito de categoria for usado como instrumento para orientar a organização da força social dos trabalhadores a partir a produção, poderá ser criado um ambiente no qual a identidade de classe se expresse na própria organização.
O financiamento sindical é um desafio estratégico. Sem recursos, a capacidade de atuação fica fragilizada e pode até ser destruída. Considerando que os empregadores querem que os efeitos normativos das convenções e dos acordos tenham validade universal para os trabalhadores, pois isso cria um sentido organizativo para as relações de trabalho, é necessário implantar regras de deliberação coletiva para aporte das contribuições negociais, decididas em assembleias gerais da base sindical (sócios e não sócios). Deve-se também buscar uma regulamentação geral, em lei, que dê segurança a todos.
Como forma de melhorar a capacidade de financiamento, a base patrimonial da estrutura sindical poderá ser reorganizada, visando, de um lado, alocar parte dos recursos para gerar receita e, de outro, investir para melhorar a eficiência e compartilhar usos de estrutura e equipamento, bem como permitir e promover usos coletivos de colônias e serviços como meio de oferecer lazer de qualidade e baixo custo aos trabalhadores.
Ainda: uma das formas de melhorar a capacidade de financiamento é constituir capacidade coletiva, em termos de serviços de comunicação, formação, pesquisa e assessoria. Isso poderá ampliar a capacidade cognitiva coletiva para criar, desenvolver e estender o alcance das políticas e iniciativas sindicais.
É necessário criar meios nacionais de comunicação capazes de difundir uma visão de mundo do trabalhador e do movimento sindical, com o uso de instrumentos que possam disputar a hegemonia da grande mídia, que difunde uma perspectiva individualista que se contrapõe aos valores da igualdade, da solidariedade e de visão crítica e plural.
Um renovado diálogo sindical poderá emergir, com capacidade de construir um pacto intersindical de autorregulação e governança, que busque orientar o sentido que nos une em um campo de relações democráticas e respeitosas, que compreende que as diferenças nos tornam grandes, se tratadas com tolerância e fraternidade política.
Na relação com o empresariado, é preciso apostar que eles não querem o caos nas relações laborais. Por isso, é possível abrir novos canais de diálogo que coloquem o sistema de relações de trabalho como parte essencial de um projeto de desenvolvimento nacional, tratando de acordos e compromissos.
Por fim, toda lei só ganha efetividade se ganhar legitimidade. Haverá, por uma década, disputas sobre a legalidade, sobre as interpretações e muita resistência. Tudo isso pode ser usado como oportunidade para resistir e avançar, mas será necessário coordenação e articulação.
O jogo social não acaba. Não existe apito final. A história das conquistas sociais e políticas, impulsionadas pela utopia da justiça, da liberdade e da igualdade, indica que não há outra alternativa a não ser lutar, depois, lutar e, por fim, lutar! E se a esperança estiver se esvaindo, o cansaço se sobressaindo, as costas doídas de tantos embates, será preciso olhar para o lado, reconhecer os companheiros e companheiras, pedir ajuda e, na solidariedade que há séculos une os trabalhadores como classe, cerrar as fileiras que nos tornam imbatíveis.
Estatísticas que iluminam
25 de Novembro de 2017, 9:46Por Clemente Ganz Lucio, diretor tecnico do DIEESE
Intensas transformações estão em curso na organização da produção econômica, com severos e múltiplos impactos sobre o mundo do trabalho. As empresas multinacionais ampliam sua presença nos países; as novas tecnologias – da robótica à comunicação – transformam processos produtivos, eliminam empregos e criam novas ocupações; mudanças legislativas alteram o padrão regulatório das relações de trabalho, criam novas formas de contratação, flexibilizam jornada e salário, definem novos papéis para os Sindicatos e conferem outras finalidades às negociações coletivas; o papel do Estado e as políticas públicas são objeto de disputa e estão em reconfiguração.
A compreensão da realidade passa pela capacidade de observar e descrever seus movimentos, pela competência em interpretar os fenômenos históricos e pela crítica para prospectar as possibilidades de futuro. Para aqueles que lutam para intervir sobre essa realidade e por buscar alternativas, é preciso muito mais: as escolhas e decisões exigem um conhecimento profundo ao ponto de permitir estimar os impactos presentes e futuros das medidas que se pretende defender, além de, posteriormente, acompanhar seus efeitos e resultados. As estatísticas e os números devem, portanto, iluminar a capacidade de análise da realidade e os indicadores devem permitir observar tendências e mensurar impactos.
É com essa concepção que o Dieese investe há mais de 60 anos na produção de indicadores socioeconômicos, com especialização e foco nas questões do mundo do trabalho, realizando pesquisas primárias, compilando e consolidando estatísticas, construindo indicadores, produzindo estudos e análises e divulgando informações da maior relevância para o movimento sindical e para toda a sociedade.
Nesta semana cumprimos mais uma vez essa tarefa ao divulgar o Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2016, por meio do qual são disponibilizadas milhares de informações que tratam das características e dinâmicas do mercado de trabalho brasileiro (ocupação, emprego, renda, jornada) e da abrangência e impacto das políticas públicas de emprego, trabalho e renda (intermediação de mão de obra, seguro-desemprego, qualificação profissional e aprendizagem, microcrédito e Proger); além de registrar dados sobre saúde do trabalhador.
Nesse período que antecede a entrada em vigor da reforma trabalhista que pretende alterar centenas de aspectos do sistema de relações de trabalho, o Dieese reúne informações que compõem um quadro referencial para a observação das mudanças e impactos impostos por esse novo ambiente institucional e normativo sobre o mundo do trabalho.
O Anuário é composto por sete cadernos. No primeiro, apresenta-se uma análise de indicadores selecionados, que são apresentados, por tema específico, em outros seis cadernos. As informações referem-se aos anos de 2015 e 2016 e serão, em breve, complementadas por dados relativos ao ano de 2017.
Essa publicação foi, mais uma vez, produzida no âmbito de cooperação com o Ministério do Trabalho e está disponível no site do Dieese (www.dieese.org.br).
Itiberê, 50 anos na estrada da música universal
24 de Novembro de 2017, 13:46
Cinquenta anos atrás, Itiberê Zwarg começou a tocar contrabaixo no grupo de Hermeto Pascoal. A banda do "Campeão", como o genial multi-instrumentista alagoano é conhecido pelos amigos, mudou de formação várias vezes. Itiberê, porém, continua nela até hoje, ao mesmo tempo que desenvolve seu trabalho de compositor, arranjador, professor e líder de seu septeto e da Itiberê Orquestra Família, formada por alunos das oficinas de música que ministra pelo Brasil afora - uma prova de sua coerência artística.
Itiberê faz a música que gosta, essa que foi batizada por Hermeto de "música universal", que é, como explica o baixista, nada mais, nada menos, que "a síntese de todas as manifestações musicais que existem".
E se essa música não toca tanto no rádio o quanto deveria, pela sua qualidade, ela tem sido capaz de, segundo Itiberê, "lotar nossos concertos" e fazer com que as pessoas saiam deles "flutuando numa atmosfera de viagem que não precisa de estímulo de droga nenhuma".
O mais recente exemplo disso que Itiberê fala é o seu novo CD, “Universal Music Orchestra - Itiberê Zwarg & UMO Feat Hermeto Paschoal”, lançado pelo selo Biscoito Fino e disponível em lojas físicas e plataformas digitais.
O disco, que comemora os 50 anos de carreira do músico, é um registro de um projeto especial em 2015, com a Universal Music Orchestra, uma das mais importantes big bands da Finlândia. Itiberê ficou dez dias na capital do país, Helsinque, convivendo com os músicos de lá. O resultado é esse novo trabalho, com 13 músicas, 12 suas - a exceção é o clássico "Autumm Leaves" -, gravadas em apenas três dias, com a participação especial de Hermeto.
"Nem bem foi lançado nas plataformas digitais, recebi muitos elogios, curtidas e compartilhamentos", diz Itiberê na entrevista que deu ao blog. "Está sendo a vitrine que eu precisava para mostrar meu trabalho com essa linguagem de forma universal."
"Eu sou muito otimista e tenho certeza de que apesar de convivermos com essa estrutura comercial, que com suas garras tenta dominar tudo, mais ou menos como os traficantes fazem com as pessoas, a música se impõe sobre todas as dificuldades, porque o público, que é nossa razão de existir, cada vez mais quer separar o que é do que não é arte verdadeira", diz Itiberê.
Que assim seja.
Com a palavra, Itiberê:
Segundo Clichê - Como você vê o cenário da música popular instrumental no Brasil?
Itiberê Zwarg - Primeiramente, acho que tenho que falar que o termo “popular instrumental” não retrata o que acontece na nossa cultura musical, e explico por quê: no século XX, a música no mundo evoluiu muito sob o ponto de vista harmônico, rítmico, melódico e técnico, num nível que não fica atrás daquela que é chamada “música erudita”, e algumas das vezes a suplantou nos quatro quesitos citados. Acho que temos que acabar com essas divisões, como se fossem os partidos políticos de hoje, ou seja se você é de um, não pode trafegar pelo outro e vice-versa. Daí surge o campeoníssimo Hermeto Pascoal com sua genialidade e nos apresenta a “música universal”, que é a síntese de todas as manifestações musicais que existem. Agora, isso tudo não tem nada a ver com a música que é veiculada nas rádios, televisões etc. Essa reage aos estímulos da grana que os produtores querem ganhar, e muito poucos trabalhos desses podemos chamar de arte, pois visam tão e somente a grana fácil. Por outro lado, te digo que nossos concertos estão sempre lotados e as pessoas costumam sair deles flutuando numa atmosfera de viagem que não precisa de estímulo de droga nenhuma. O Brasil é um celeiro de grandes talentos, e nesse sentido o cenário da música aqui no Brasil está muito bem. Também existem alguns bons produtores, que fazem o público ter a oportunidade de assistir (e nós de tocar) a grandes concertos, como por exemplo o SESC, Sesi, festivais de jazz e alguns clubes de jazz, onde se pode apresentar trabalhos de qualidade.
Eu sou muito otimista e tenho certeza de que apesar de convivermos com essa estrutura comercial, que com suas garras tenta dominar tudo, mais ou menos como os traficantes fazem com as pessoas, a música se impõe sobre todas as dificuldades, porque o público, que é nossa razão de existir, cada vez mais quer separar o que é do que não é arte verdadeira. Sempre existirão os incautos e ainda não conectados que a gente com paciência e carinho vai catequizando com o som. Viva a música universal!
Segundo Clichê - O que seria preciso para que a música instrumental alcançasse um público maior?
Itiberê - Que mais irmãos em som acreditem que só a nossa resiliência em fazer arte poderá desenvolver esse nicho cultural que orgulha a todos nós brasileiros, por sua excelência, e que é aplaudida em todo o mundo.
Segundo Clichê - Por que, na sua opinião, em muitos casos, a música brasileira é mais apreciada no exterior do que no seu próprio país?
Itiberê - Ainda por culpa desse mercado cruel para com a arte e para com o público. Em tudo o mundo existe esse mercado, mas como eu tive a oportunidade de estar em vários países mundo afora, pude constatar que aqui ele é muito cruel - com raras exceções.
Segundo Clichê - Como tem sido o trabalho com as suas oficinas?
Itiberê - As “Oficinas da Música Universal” são uma das alegrias que tenho, pois elas são a base de tudo o que fiz e faço. Em 1999 comecei a fazê-las, primeiro na escola Villa Lobos, depois na Pro-Arte Maracatu Brasil e agora na Escola de Música da Praia de Botafogo - EMPB, e de forma itinerante, por todo o mundo, como Nova York, Paris, Bogotá, duas vezes, Santa fé, na Argentina, Buenos Aires, Punta Ballena, no Uruguai, Tóquio, e por todo o Brasil. Tenho podido direcionar muitos jovens talentos que dignificam nossa arte musical. Eu tenho uma "máxima" que é: “Eu não formo ninguém para o mercado de trabalho, eu os tiro de lá.” Atualmente, tenho feito inovações que são muito boas: trata-se de fazer um trabalho - composição, arranjo, que componho ao vivo na presença dos alunos, que assim vivenciam o processo de criação -, e depois de tocado e amadurecido, entramos no estúdio e gravamos o que foi produzido. O resultado é espetacular, com todos tendo a oportunidade de olhar o que ficou bonito e o que não ficou bom, também, e onde se pode melhorar, assim fazendo uma bem-vinda autocrítica, que sempre será a mola do desenvolvimento.
Segundo Clichê - Fale um pouco sobre como foi a sua agenda neste ano, os projetos futuros, sobre o seu novo disco.
Itiberê - Este ano tem sido um ano de ricas colheitas do que foi plantado já há muito tempo e estou muito feliz com isso. Dentre o que aconteceu, destaco minha viagem ao Japão com o Hermeto Pascoal & Grupo, onde fizemos quatro lindos concertos e onde tive a oportunidade de fazer cinco oficinas, sendo uma delas com crianças, que foi um lindo aprendizado para mim. Consegui fazer uma interação muito rica com as crianças tocando livremente, assim como estamos acostumados a ver as crianças rabiscando desenhos no papel. Elas tiravam sons dos instrumentos que tinham disponíveis. Ao final respondi a algumas perguntas das mães e uma em especial foi marcante. A mãe me perguntou: "Será que minha filha tem que ter aulas regulares em escolas aos cinco anos?" No que lhe respondi que não, pois nessa idade a música tem que ser lúdica e sem cobranças de resultados, somente o brincar com os sons. Ela me agradeceu aliviada, e eu entendi que na cultura deles isso é comum. Começa-se muito cedo a aprender a técnica e outras coisas. Logo chegando de volta ao Brasil, gravamos o CD “No Mundo Dos Sons”, com o Hermeto Pascoal & Grupo, pelo selo SESC, que está sendo uma linda realização. O Ajurinã Zwarg, que está presente desde a primeira oficina, que se tornou a Itiberê Orquestra Família em 1999, fez também nesse CD sua estréia como baterista e saxofonista. Neste ano meu grupo ganhou um novo integrante, que é o jovem e talentoso Raphael Santos, de 18 anos, que toca violão, piano, sax tenor e flauta, e que irá estrear em CD no próximo trabalho que faremos, em fevereiro de 2018, pelo selo SESC. No momento preparamos o repertório com carinho e alegria. Este ano recebi proposta do produtor Joe Jotle, de Londres, que já foi aceita, de relançar o primeiro CD da Itiberê Orquestra Família, “Pedra do Espia” em dois formatos, CD e LP. O Ruy Pereira está fazendo a capa e logo mais estará sendo lançado. Também neste ano minha filha Mariana Zwarg, que já toca comigo desde o CD “Calendário do Som”, da Orquestra Família, teve um lindo convite para atuar com um sexteto em alguns festivais europeus, onde homenageou os 80 anos de seu padrinho, Hermeto Pascoal, com um supersucesso, tanto que foi convidada a voltar no próximo verão. Isso com meus filhos é para mim uma das alegrias da vida, ou seja: papai do céu me deu essa responsabilidade não só como pai, mas como quem produz oportunidades de desenvolvimento musical. Agora tenho que falar do CD “Universal Music Orchestra - Itiberê Zwarg & UMO Feat Hermeto Paschoal”, que fecha o ano das minhas colheitas. Foram dias memoráveis os que passei em Helsinque, na Finlândia, ensaiando, me apresentando no festival, e em seguida gravando em apenas três dias todo o repertório, com a participação do mestre Hermeto, da minha filha tocando flauta piccolo. Está sendo a vitrine que eu precisava para mostrar meu trabalho com essa linguagem de forma universal, contando com o leve sotaque de quem está acostumado a tocar jazz, mas podendo levar uma infinidade de matizes que eles nunca imaginaram tocar. O resultado foi excelente. Esse trabalho foi mixado em Amsterdã pelo Paul Pouwer e por mim. Está sendo lançado pela gravadora Biscoito Fino, que abraçou o projeto. Tenho recebido depois lançamento virtual pelas plataformas digitais inúmeros elogios ao trabalho, o que me deixa muito feliz. Quanto ao futuro, primeiramente tenho que plantá-lo para depois colher o que foi trabalhado. Parte grande de tudo o que tenho recebido se volta para o plantio, no dia a dia dos ensaios, composições e arranjos, com meu septeto e minhas oficinas.
Segundo Clichê - E a internet, ajuda ou não a difusão do trabalho do músico?
Itiberê - Sim, ela ajuda e muito. Na internet, todos têm oportunidades de se colocar, o que a torna um veículo de comunicação verdadeiramente democrático, mas é claro que iremos ouvir de tudo. À medida em que as pessoas aprendem a peneirar suas escolhas do que ouvir, poderão ter o que mais gostam sempre, e a qualidade artística vai sobrar.
Antes da internet, a maioria das gravadoras produzia e dava atenção ao que lhes daria resultados imediatos, e um músico “alternativo”, se é que podemos chamar assim, não era cotado por não oferecer perfil de sucesso imediato, e então era muito mais difícil se colocar naquele contexto. Agora, poucos dias depois do lançamento do “Itiberê Zwarg & UMO”, recebi 500 curtidas e não sei quantos compartilhamentos nas mídias sociais. Através delas meu trabalho está chegando para todos em todos os lugares do planeta, e isso é bom, não é? Também por causa da rapidez que os e-mails correm, podemos agendar com antecedência e segurança os futuros concertos. Os e-mails servem como documento válido.
Ouça o novo disco de Itiberê Zwarg:
iTunes: http://apple.co/2jpDwfm
Spotify: http://spoti.fi/2zEFLS2
Apple Music: http://apple.co/2zHa22J
Deezer: http://bit.ly/2AHTnJr
Google Play: https://goo.gl/VD48oz
Napster: http://bit.ly/2zHnDqN
Edvaldo Santana e a receita para adonirar o blues
24 de Novembro de 2017, 13:46
O Brasil é um país tão rico musicalmente que se dá ao luxo de esconder da maioria das pessoas um artista como Edvaldo Santana, que há mais de 40 anos vem fazendo um trabalho único pela sua originalidade, criatividade, coerência, liberdade e coragem - muita coragem.
Edvaldo, filho de nordestinos nascido e criado no bairro de São Miguel Paulista, periferia de São Paulo, é uma verdadeira antena musical: nos oito discos que lançou ele canta de tudo, samba, reggae, funk, blues, rock, country, baião, choro...
Se há alguém que compreendeu, na música popular brasileira, a importância de universalizar a aldeia, é ele. Os versos de sua canção "Variante" explicam esse seu esforço artístico: "Se eu pudesse aproximava os tempos/Adonirava o blues..."
Edvaldo trabalha, sem nenhum preconceito, com temas que são frutos de sua observação, de sua vivência.
E se, literariamente, se constitui num cronista da vida da metrópole - e até mesmo dos fundões deste imenso país -, com seus tipos e situações, seus amores e temores, desprezados pelo chamado "mainstream", o seu caldeirão musical, temperado por ervas de aromas diversos, é uma lição para todo artista que pretenda ser contemporâneo e queira expressar, com a sua sensibilidade, a época em que vive.
Cada disco seu é melhor que o outro, com sacadas que levam o ouvinte mais atento a se perguntar por que essas músicas não tocam no rádio ou por que os meios de comunicação, os críticos musicais, os achistas em geral, simplesmente colocam e esquecem um talento desses numa gaveta com o rótulo de "maldito", ou, os mais complacentes, de "independente".
Nesta entrevista ao blog, Edvaldo Santana lava a alma daqueles que não se prendem a modismos e não classificam os artistas por gênero musical, como se eles fossem frutos de uma programação implacável, burocrática e que se repete ao infinito.
"Não produzo pensando no tempo, não marco cartão", diz ele. "Sou um paulistano filho de nordestinos, um bicho urbano com características rurais e minha obra reflete o que estou sentindo", continua, para em seguida fazer a si mesmo uma pergunta que responde com uma sinceridade rara hoje em dia: "Minha música é contemporânea? Nunca pensei nisso, pode ser, por ousar nas misturas e criar um novo campo de sonoridade através da canção, por não encontrar nenhum obstáculo entre o samba e o blues, por ter grande amigos músicos, identificados com uma estética onde a arte de executar um instrumento está acima de qualquer modalidade de plugins."
Fala, Edvaldo!
Segundo Clichê - Como é ser um músico "independente" no Brasil? Desde quando você percebeu que ficaria fora do chamado "mainstream"?
Edvaldo Santana - Liberdade significa muito em aspectos diversos. Quando você não se identifica com um tipo de relação, o bom senso indica que você procure outros caminhos, se você quer de fato se envolver com a arte, o negócio da grana passa a ficar em segundo plano. A contradição é que você quando ganha a independência tem também que tratar de negócios, afinal eu gosto de cantar e tocar, mas também de comer, de morar, de sonhar, de viver, de criar. A pressão da indústria cultural, baseada na competição, onde o artista que vende mais é mais cortejado, faz com que artistas inventivos se afastem desse tipo de atuação. Eu nunca fui interessado em fazer música para vender no mercado. Desde o rompimento da banda Matéria Prima com a CBS, em 1977, que tenho percorrido o caminho de ser livre, não acredito que o "mainstream" tenha esse poder de definir minha vida, reflito que eu é que não consegui me adaptar. Tenho muita sorte de ter encontrado pessoas talentosas como o grande músico Luiz Waack, que sempre acreditou e acredita nessa história.
Segundo Clichê - Dá para você situar o seu trabalho em relação à produção musical brasileira contemporânea?
Edvaldo - A arte é atemporal, a música brasileira então nem se fale. Não produzo pensando no tempo, não marco cartão. Sou um paulistano filho de nordestinos, um bicho urbano com características rurais. Minha obra reflete o que estou sentindo. Se ela é contemporânea? Nunca pensei nisso, pode ser, por ousar nas misturas e criar um novo campo de sonoridade através da canção, por não encontrar nenhum obstáculo entre o samba e o blues, por ter grande amigos músicos, identificados com uma estética onde a arte de executar um instrumento está acima de qualquer modalidade de plugins. Como não me interesso pela futilidade, os deuses da arte me trazem sensibilidade e perspicácia, para compreender melhor sua diversidade. Tem muita gente fazendo música, isso é bom, pois a arte depura e faz a gente se aprofundar nos nossos dilemas, nas nossas virtudes.
Segundo Clichê - Você, pelo que se percebe em suas músicas, recebeu muitas influências. Quais as mais fortes? Que peso tem o fato de você ter sido criado num bairro da periferia paulistana em sua obra?
Edvaldo - Sou totalmente influenciado pela novidade, pelo que aguça meus sentidos, porém tem muita gente que me ajudou a perceber o mundo. Primeiramente, sou filho de um pai piauiense, Felix, canhoteiro que tocava violão e cantava canções de suas andanças pelo Brasil, além de gostar de Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha. Por ter nascido num bairro povoado por nordestinos, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro eram constantes, também adorava quando Manezinho Araújo cantava na TV uma embolada, onde a gente assistia desde os festivais, aos programas da Elis Regina, do Roberto Carlos, dos tropicalistas, dos cearenses, e o nosso grande ídolo artista do bairro, Antonio Marcos. Minha mãe Judite tinha uma pensão e me incumbia às vezes de levar bebida nas casas de viração, uma espécie de avião de cachaça. Acho que o meu gosto por boleros vem desse tempo - Altemar Dutra, Carlos Alberto. Já semiprofissional, tive o prazer de trabalhar com Tom Zé, em 1974, que é uma referência vivida na prática. O rock como atitude se condensa em alguns festivais e chega para a gente: Jimi Hendrix, Janis Joplin, Carlos Santana, Joe Cocker e tantos outros. Os mestres Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Luiz Melodia, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, Belchior, João Nogueira, sempre me acompanharam pelos lugares onde andei. Nos anos 80 me aproximei mais da música negra, o jazz, o blues o reggae, a salsa, a morna, Charlie Parker, Miles Davis, Tom Waits, Bola de Nieve, João Bosco, Itamar Assumpção, Bob Marley, Cesária Évora. Nunca poderia negar o aprendizado que tive e que tenho, da minha aldeia de Ururaí, que virou São Miguel Paulista, terra de Mané Gafieira, Macumbinha, um dos caras que inventaram o Jequibau [ritmo musical lançado pela primeira vez em disco pelo pianista Mario Albanese e maestro Cyro Pereira em 1965], e Waldir Aguiar. Ali é a base que sustenta o amor, a amizade, o respeito e a dignidade.
Segundo Clichê - Suas letras são bem construídas, verdadeiros poemas, muitas com forte conotação social. Isso veio naturalmente, você gosta de escrever outras coisas, o que o influenciou literariamente?
Edvaldo - Estou na terra de mestres da literatura, da poesia, da letra de música, é muita responsa, desde cedo tive literatura de cordel, mas também tive Baudelaire, quem gostava de outra coisa dava um jeito para conseguir, de um primo comunista, o livro do Chico Buarque, de um bedel da escola os gibis do Fantasma e o "catecismo"... Na poesia sempre fui agraciado, nos tempos de MPA [Movimento Popular de Arte, criado no fim da década de 70 do século passado, do qual Edvaldo fez parte], Akira Yamasaki sempre foi um farol, Severino do Ramo me apresentou a Glauco Mattoso, e depois Ademir Assunção me apresentou a Paulo Leminski, que abriu minha cabeça com sua síntese avassaladora, me aproximando de Haroldo e Augusto de Campos, de Arnaldo Antunes. Escrevo o que me toca, às vezes o que me alegra, às vezes o que me deixa triste, gosto muito de observar jeitos, sotaques, costumes. Em cada época me interesso mais por uma dessas características. Deixo que o sentimento profundo me absorva. O nascimento de minha filha me trouxe uma canção trazida pelo coração emocionado, já "Jataí" compus pesquisando meu país, usando um pouco mais o conhecimento da mente. Em outras canções a emoção e a razão se encontram e juntas dão sentido para nossas ideias. Nesse novo disco tem uma música chamada "Fazendo pra Aprender", que é fruto de uma conversa por telefone de um fã apaixonado por uma argentina. Não tem manual, toda hora é hora, a arte é um alimento muito nutritivo.
Segundo Clichê - Conte um pouco da sua história: você é autodidata ou estudou música?
Edvaldo - Sim, autodidata, quebrando as cordas de aço do violão de meu pai, vendo os caras tocarem no bar, no baile, na rua, em casa, sonhando com essa coisa lúdica que a arte produz na gente. Deveria ter insistido em estudar música, mas era complicado, trampo e colégio, tinha que ajudar a família, os tempos nunca foram fáceis. Sou o filho mais velho de oito sobreviventes, nascidos na periferia, estudei até o colegial, fui operário, jogador de várzea, virei artista quando entendi o caminho da arte, torto e privilegiado, ando livre no cerrado, na caatinga, na quebrada. Falar de mim não sou bom não, tenho dificuldades, mas posso dizer que consigo fazer o que gosto quase sempre e isso é uma dádiva, exige coragem e ousadia. Não temer o conflito e nunca se sentir derrotado... Sempre haverá um próximo passo.
Segundo Clichê - Quais os seus próximos projetos? Como têm sido os últimos anos de sua carreira, tem feito muitos shows, como tem sido a receptividade de seu último CD?
Edvaldo - Estamos preparando para lançar nas plataformas digitais a gravação ao vivo realizada em 16 canais, pela Colmeia no Carvalho, do show de lançamento do álbum mais recente ["Só Vou Chegar mais Tarde", lançado em 2016] no Sesc Pompéia. Também está em fase de finalização um videoclipe da música "Predicado", gravado na Cidade Tiradentes, no Instituto Pombas Urbanas, produzido por Lentes Periféricas, DMK Art Studio e Casa Amarela. Tenho um livro inacabado que estou querendo publicar, fala de São Miguel e da minha vivência no bairro, um projeto que vivo adiando, mas que uma hora tem que sair, para desenrolar. Continuo fazendo música, isso é o que me salva, criar é a melhor parte da vida, tenho cumprido com desenvoltura meu ofício, cantando em variados lugares, espaços, ruas, praças, teatros, casas, rádios, TVs, salões, saraus, galpões, tenho saído mais para a estrada, para divulgar o novo álbum que está sendo bem aceito onde chega. Com a possibilidade de tocar violão e cantar, faço show com mais facilidade de ser viabilizado, não posso ficar esperando o mecenas aparecer, isso é só no filme e olhe lá!
Segundo Clichê - Na sua opinião, a internet atrapalha ou ajuda o músico?
Edvaldo - A internet ajuda a divulgar e isso é muito bom, mas também facilita o acesso de muito picareta, querendo apenas aparecer a qualquer custo, muitas vezes com pouco conteúdo. Claro que é um invento muito rico de informações para serem estudadas, é uma ferramenta admirável, que tem me ajudado na exposição da obra, outras gerações estão tendo a possibilidade de ouvir meus discos, o interesse tem crescido. É evidente que quem paga mais vai ser mais exposto, é um grande negócio, os direitos autorais poderiam ser regularizados. A internet é um oásis para os artistas que não estão ligados às grandes corporações, que dominam a comunicação de massa.
OIT: desemprego entre jovens brasileiros deve atingir 30% em 2017, maior taxa desde 1991
21 de Novembro de 2017, 20:24Desemprego entre jovens no Brasil tem maior taxa em 27 anos, diz OIT. Foto: EBC
A região da América Latina e Caribe deve registrar o maior aumento das taxas de desemprego entre jovens no mundo, segundo relatório divulgado na segunda-feira (20) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A taxa de desemprego jovem latino-americana e caribenha deve subir quase 1 ponto percentual entre 2016 e 2017, para 19,6%, maior nível desde 2004 e bem acima do índice de 14,5% registrado em 2013. Isso significa que mais 500 mil jovens ficarão desempregados na região este ano.
Em 2018, a previsão é de que a taxa de desemprego juvenil nos países latino-americanos e caribenhos permaneça estável.
As perspectivas regionais para este ano estão sendo negativamente afetadas pelo fraco desempenho econômico do Brasil, onde a taxa de desemprego entre jovens deve atingir 30%, o maior índice desde 1991, segundo o documento “Tendências Globais de Emprego para a Juventude 2017”.
O desempenho ruim no Brasil será apenas parcialmente compensado pela expectativa de queda das taxas de desemprego juvenil na Argentina e no México, de acordo com a OIT.
Os índices brasileiros e latino-americanos de desemprego entre jovens estão acima das taxas globais. Enquanto em 2016 a taxa global de desemprego juvenil ficou estável em 13%, a expectativa é que ela aumente levemente para 13,1% este ano.
Clique aqui para acessar o relatório completo.
Léa Freire e a difícil arte de se viver dos sonhos
21 de Novembro de 2017, 20:24Carlos Motta
Afinal, Léa tem atuado, já por um bom tempo, nas duas pontas do balcão, como uma produtiva musicista, vivendo as dificuldades impostas por um mercado que, raras exceções, trata a arte como mero entretenimento, e como empresária, à frente do selo Maritaca, que comemora, neste ano, duas décadas de bons serviços prestados à música brasileira.
Ela lançou seu primeiro CD, “Ninhal”, em 1997, com participações especiais da Banda Mantiqueira, Quarteto Livre, Joyce, Filó Machado e outros músicos de primeira linha, num total de 51 pessoas entre instrumentistas, arranjadores e compositores.
Em 1998 integrou-se ao grupo do saxofonista e flautista Teco Cardoso, com o qual fez várias apresentações, inclusive na Universidade de Miami e no Blue Note de Nova York, montando com ele um repertório que gerou o CD “Quinteto”, gravado em Nova York.
Em 2005 lançou dois CDs, o “Antologia da Canção Brasileira – Vol. 1” e “Vol. 2”, em parceria com o trombonista Bocato, com os quais recebeu cinco indicações pela imprensa como melhor disco do ano e também como melhor show.
Em 2006 realizou turnê pela Europa e no Brasil com o pianista dinamarquês Thomas Clausen e Teco Cardoso, tendo gravado o CD "Water Bikes", lançado no Brasil e na Europa. No ano seguinte foi a vez do CD “Cartas Brasileiras”, com a participação especial do maestro Gil Jardim.
Em 2011 e 2013 lançou os CDs "Vento em Madeira" e "Brasiliana", com o Quinteto Vento em Madeira e participação especial de Monica Salmaso. O quinteto é formado, além dela, por Teco Cardoso, Tiago Costa, Fernando Demarco e Edu Ribeiro.
Ainda em 2013 houve o lançamento, em Curitiba, do CD "Léa Freire e a Orquestra à Base de Sopro de Curitiba", com arranjos inéditos de suas composições.
Como produtora e editora de música instrumental brasileira, lançou, pela Maritaca, mais de 45 CDs e dois livros. Ela tem ainda parcerias com Joyce, que gravou músicas da dupla no Japão, Alemanha, Inglaterra e Brasil.
Nesta entrevista ao blog, Léa fala sobre o mercado da música instrumental no Brasil ("imagino que se formou uma rede alternativa que dá vazão a essa produção"), sobre o seu trabalho e o do Vento em Madeira ("tocamos em projetos sociais e escolas de música"), sobre o seu lado empresarial ("a indústria de hardware é hoje também dona da mídia") e, é claro, sobre a música brasileira instrumental contemporânea.
Léa Freire - Temos mais músicos e mais gravações a cada ano, cada vez com melhor qualidade, feitas por apaixonados pela música que estão espalhados pelo mundo inteiro e que por sua vez espalham essa paixão. Imagino que se formou uma rede alternativa que dá vazão à essa produção. As oficinas estão sempre lotadas de novos talentos e de nomes consagrados também.
Léa - O Vento, este ano, além de lançar o CD "Arraial", se dedicou a tocar nos projetos Guri, da cidade e do Estado de São Paulo, além de escolas de música públicas e privadas, voluntariamente, visando a formação de plateia e o contato com estudantes de música.
Léa - Muitos, inúmeros! Choro, choro Jazz, uns com pegada mais jazzística, outros mais regionais, coisas com uma cara erudita, outras com um pé no contemporâneo... Tem de tudo.
Léa - Países com educação musical nas escolas tendem a ter plateias mais acostumadas com a música sem letra. Aqui existe uma pré-indisposição criada artificialmente, que desaparece quando as pessoas têm oportunidade de conhecer essa música.
Léa - A maior dificuldade é a difusão: a indústria do hardware hoje também é dona da mídia, das gravadoras. A Maritaca hoje é muito mais mecenas do que empresa. Nosso maior sucesso foi o "Antologia da Canção Brasileira Vol. 1". Só gravei música instrumental, mas aqui voz é instrumento e poesia também é música. Não sou muito afeita a rótulos.
Léa - Seria bom ter uma política cultural que revisse a Lei Rouanet, que criasse programas de incentivo ao artista como os que existem na Europa e Estados Unidos, que pagasse direito autoral, que conectasse seus muitos órgãos, que não fosse somente um cabide de empregos, que fosse fiscalizado, enfim, falta fazer tudo. O Sesc parece fazer muito mais pela cultura do que todo o aparato estatal...
As manobras para distrair a militância de esquerda
21 de Novembro de 2017, 8:57Brasil ocupa 66o lugar em ranking da ONU de tecnologia de informação e comunicação
17 de Novembro de 2017, 20:23Na aldeia de Takalafiya-Lapai, no estado de Niger, na Nigéria, menino fala ao celular; ele é um dos beneficiários de um projeto do Banco Mundial. Foto: Arne Hoel/Banco Mundial
A nona edição do relatório anual ‘Medindo a Sociedade da Informação’ foi lançada nesta semana pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), a agência das Nações Unidas especializada na área das tecnologias da informação e comunicação.
O documento deste ano conclui que avanços na internet, análise de ‘big data’, computação em nuvem e inteligência artificial vão permitir “enormes inovações” e transformar “de forma fundamental” negócios, governos e sociedades, servindo para melhorar os meios de subsistência em todo o mundo.
Segundo o relatório, essa “revolução vai se desenrolar nas próximas décadas com oportunidades, desafios e implicações ainda não plenamente conhecidos”.
Para colher esses benefícios, o documento defende que os países terão que “adotar políticas que sejam propícias à experimentação e inovação, ao mesmo tempo que mitiguem possíveis riscos à segurança, privacidade e emprego”.
Índice global
A Islândia lidera o Índice de Desenvolvimento de Tecnologia da Informação e Comunicação (IDI) da UIT em 2017. O país ocupava a segunda posição no ano passado. Coreia do Sul, Suíça, Dinamarca e Reino Unido completam as primeiras colocações da lista este ano.
O país lusófono melhor colocado no IDI 2017 é Portugal, na 44ª posição, a mesma do ano passado, seguido do Brasil em 66º e Cabo Verde em 93º. Em 122º lugar está Timor-Leste. São Tomé e Príncipe aparece em 132º, Moçambique em 150º, Angola em 160º e a Guiné-Bissau na 173ª posição. A região de Macau, na China, aparece em 26º no índice.
Há “diferenças consideráveis” entre as regiões do mundo no que diz respeito aos índices de desenvolvimento na área de tecnologia da informação e comunicação.
Segundo o documento da UIT, há também grandes diferenças entre os países de cada região e estas são associadas principalmente aos níveis de desenvolvimento econômico.
Américas
Os Estados Unidos e o Canadá lideram o Índice de Desenvolvimento de tecnologia da informação e comunicação na região das Américas.
No ranking regional das Américas, o Brasil está apenas em décimo lugar, atrás de países como Barbados, Bahamas, Argentina e Chile.
Segundo o relatório, no entanto, o Brasil é um dos maiores mercados de telecomunicações da região. A expectativa é que a qualidade e a cobertura dos serviços melhorem “significativamente” nos próximos anos.
África e Europa
Entre as regiões do mundo, a Europa tem a média mais alta no IDI 2017. As maiores melhorias no índice foram registradas em Chipre e na Turquia. Segundo o documento, o mercado de telecomunicação em Portugal tem visto um “desenvolvimento positivo”.
Na 72ª posição, as Ilhas Maurício são o país africano melhor colocado no índice. O continente também abriga dois dos países com as “melhoras mais dinâmicas” nos valores de seus IDI durante o ano: Namíbia e Gabão.
O chefe da UIT, Houlin Zhao, afirmou que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm o “potencial de fazer do mundo um lugar melhor e contribuir imensamente para o desenvolvimento sustentável”. No entanto, ele afirmou que, apesar do progresso alcançado em geral, a “desigualdade digital permanece um desafio que precisa ser abordado”.
Acesse o documento clicando aqui. A parte sobre o Brasil está na página 29 deste trecho do relatório.
(Com informações da ONU News em Nova Iorque)
Um banquinho, uma voz, um violão, e a nossa suprema vergonha
17 de Novembro de 2017, 20:23
Escuto muita música. Desde os meus 12, 13 anos, ou seja, há mais de meio século.
Ouço quase tudo com quase nenhum preconceito - está bem, axé é demais, esse tal de sertanejo universitário é de lascar, aquele batidão que dizem que é funk, então é dose, e até fico sem palavras para expressar o que sinto pelo "rock" nacional da década de 80 e por essas cantoras de hoje com voz de menininhas de 7 anos ...
Minha discoteca tem lá uns 1.500 LPs - alguém sabe o que é um "Long Play"? -, a maioria comprada no fim da década de 60 e na seguinte na saudosa Casa Carlos Gomes, em Jundiaí, onde o Paulinho Copelli me dizia, todo mês, "quanto você quer pagar agora", quando eu largava uma pilha de discos em sua mesa, para depois, ao escutar a minha resposta, marcar numa santa caderneta - alguém sabe o que é isso? - o que restava de minha dívida, interminável dívida.
Eram outros tempos, nos quais a palavra inflação ainda era desconhecida por grande parte de nós - não é que ela não existisse, a palavra e o que ela significava, mas convenhamos, o aumento do custo de vida não fazia parte da propaganda do Brasil que ia para a frente moldado pelos militares.
Tenho também algumas centenas de CDs, perto de mil, calculo, espalhados pelo apartamento, numa desordem que nem eu entendo.
Me considero um entendedor nível 4, uma escala de 10, da música em geral, pelo menos daquela que é mais difundida por estas terras: além, é claro, dos nossos ritmos, vamos dizer, mais consolidados, samba e seus subgêneros, choro, baião, xote, forró, frevo, marchinhas e marchas, conheço um pouco dos ritmos alienígenas, principalmente os americanos, como o jazz e suas milhares de variações, o rock e as suas também milhares de variações, idem o blues, ibidem o country, etc etc. Música erudita, a mesma coisa: já escutei e ainda escuto desde Boccherini, Vivaldi, Mozart, os três BBBs, os românticos do século XIX, as grandes árias das grandes óperas, o teatral Wagner, até essa turma mais moderna que acha que melodia não é essencial.
Ah, e o genial Villa-Lobos - sem patriotismo.
É isso, não só sou um ouvinte meio compulsivo, como acho que a música é uma das expressões culturais mais importantes da civilização - qualquer civilização.
Bem, lá se foram umas 400 palavras e uns 2 mil caracteres e ainda não disse o que queria dizer nesta crônica ordinária.
Falei de música, falei da minha paixão pela música, e ainda não cheguei ao essencial, que é seguinte:
que lixo de país é este que deixa um dos maiores músicos de sua história virar notícia de jornal porque está, aos 86 anos de idade, em estado de penúria?
Que porcaria de país é este que permite que um artista reconhecido como um gênio em todo o planeta, que é, junto com alguns outros poucos brasileiros, aclamado quase como unanimidade, aqui e lá no badalado "Primeiro Mundo", lá no invejado States, virar notícia porque não tem nem onde morar?
Dá uma tristeza infinita constatar que este país - e quando digo país quero me referir a não só às autoridades, mas ao todo poderoso mercado, aos meios de comunicação, à toda a engrenagem que faz a sociedade funcionar - chegou a este ponto.
Não bastava o vexame de ter como presidente um anão moral e ético, de vermos as instituições serem usadas para perseguir os "inimigos" da classe dominante, de nos assustarmos com a onda fascista que se aproveita da ignorância - e burrice, extrema burrice - da maioria do povo para crescer e intimidar quem ainda tem cérebro...
Não, não bastava perceber que o Brasil retrocede à Idade Média e das trevas, da caça às bruxas - "lincha, lincha que ele é comunista, ele é petista" -, da Inquisição, da pré-civilização...
Agora nos agarra essa vergonha, de chutarmos para o noticiário de escândalos a biografia desse que, fosse este um país não dominado pelo complexo de vira-lata, seria, há muito tempo, louvado como um gigante, um herói, o sujeito que com um violão e uma voz pouco potente, simplesmente definiu os rumos da Bossa Nova, esse gênero que é um dos mais fortes produtos brasileiros de exportação, e foi mestre indiscutível de milhares de artistas de todos os cantos da Terra.
Conheço pessoas que não gostam dele, não suportam seu jeito de cantar, porque talvez não percebam a sutileza com que ele, durante décadas, mostrou ao mundo um país de sonhos, gentil, cujos artistas, de qualquer cor, de qualquer condição social, eram respeitados justamente porque eram artistas, pessoas especiais, de sensibilidade exacerbada, capazes de tocar o coração mais empedernido.
A alma dói ainda mais quando, a poucas palavras de terminar este texto, tenho a certeza de que existem nestes 8 milhões e tantos quilômetros quadrados de solo, muitos músicos, cantores e compositores que se entregam à arte por puro amor, sem concessões a modismos, ao comércio, e ao vil metal.
Exatamente como este baiano João Gilberto.