DOCUMENTO MANIFESTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DO SERPRO
15 de Novembro de 2022, 11:18
RECONSTRUIR O SERPRO: MANIFESTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS
A comunidade digital Reconstruir O SERPRO emerge no ciclo das eleições presidenciais com o objetivo de dialogar com os empregados e empregadas do SERPRO, empresa pública federal criada através da Lei nº 4.516 de 1 de dezembro de 1964, vinculada ao Ministério da Fazenda, para executar o processamento de dados e tratamento das informações daquele Ministério, mas que em vista da excelência de seu trabalho passou a fornecer soluções estruturantes e inovadoras para o funcionamento e a transformação digital da máquina pública brasileira, tendo sido premiada em vários segmentos.
O foco da atuação da comunidade era mostrar ao corpo funcional a importância da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, destacando as realizações de seus dois mandatos, atuando contra a desinformação propagada pelo atual governo de “extrema direita” e replicando os conteúdos de comunicação da campanha, cujo resultado foi a forte mobilização de todos e todas para a nossa vitória.
A comunidade digital Reconstruir o SERPRO, foi homologada pela coordenação da campanha Lula e Alckmin, fato que lhe conferiu a chancela para atuar nas temáticas de comunicação e militância digital, que levou adiante através de várias reuniões virtuais realizadas com ampla participação de seus membros, eventos em que foram debatidos temas relevantes como organização/reestruturação da empresa, modelo de negócios, gestão de pessoas, teletrabalho, inclusão, cultura e transformação digitais.
Todos os encaminhamentos da comunidade durante a realização das “lives” tiveram como objetivo produzir um manifesto com os eixos principais dos debates para nortear o diálogo com a coordenação técnica e política do governo de transição.
EIXOS DOS DEBATES
A REESTRUTURAÇÃO DO SERPRO
Nos governos Lula e Dilma o SERPRO recuperou o protagonismo de tecnologia da informação enquanto um grande “player”, do mercado, tanto público quanto privado, com saltos significativos conseguidos através da readequação e qualificação do quadro funcional, realização de concursos públicos, modernização do parque tecnológico, capacitação dos técnicos em novas ferramentas e a reestruturação da empresa, com a ativa participação das regionais e escritórios nos processos produtivos.
Em sentido inverso, a atual direção da empresa reduziu a estrutura organizacional, desativando prédios de regionais e escritórios, usando a COVID como justificativa, mas que, na verdade, visa atender requisitos para a privatização da empresa.
Para o Reconstruir O Serpro é fundamental restabelecer as bases desfeitas da estrutura organizacional da empresa, opondo-se radicalmente ao projeto de desmonte. Assim, a nova direção no SERPRO do governo LULA e ALCKMIN deve ter o compromisso de rever o modelo atual de organização nas projeções regionais e prospectar estudos para viabilizar uma nova gestão organizacional. Essa orientação visa retomar o fortalecimento das regionais, colaborando também com o crescimento dos estados e dando sustentação a novas políticas públicas. Tal reestruturação organizacional deve considerar tanto o SERPRO como a DATAPREV, empresas públicas estratégicas de Tecnologia da Informação(TI), dadas as especificidades e transversalidade de atuação, enquanto empresas gestoras de sistemas estruturadores do governo federal e seu funcionamento.
O MODELO DE NEGÓCIOS DO SERPRO
O modelo de negócios do SERPRO deve se opor ao praticado pela atual gestão da empresa, que reduziu a expertise interna de desenvolvimento de produtos para o governo e sociedade, abandonou projetos de inovação de produtos e serviços que garantiam autonomia e segurança para a nação, por estarem hospedados em Data Center nacional, transformando a empresa num apêndice da Microsoft, Amazon e Oracle, entre outras, maquiando produtos de computação em nuvem, desativando plataformas fundamentais de software livre como o Expresso 3.0, para migrar, sem nenhuma justificativa, para a plataforma 365 da Microsoft.
Para Reconstruir O SERPRO, o governo Lula e Alckmin deve retomar o projeto Brasil TI Maior, nas perspectivas do 5G, atuar nas comunicações no país com a reestruturação da EBC, orçamento participativo e plataforma PARTICIPA.BR, a retomada de integração nos atuais projetos estruturantes do novo governo e manter maior controle sobre a segurança da informação e inteligência dentro do Estado Brasileiro, garantindo assim que sistemas, produtos e soluções de tecnologia estejam sob guarda do Serpro e hospedados em centro de dados nacional e em conformidades com a Lei Geral de Proteção dos Dados(LGPD) .
A GESTÃO DE PESSOAS
Na perspectiva da Gestão de Pessoas o Reconstruir O SERPRO entende que o teletrabalho deva ser uma nova modalidade de trabalho instituída contratualmente nas relações de trabalho, com fóruns permanentes de debates a representação dos trabalhadores e trabalhadoras e com suas premissas integrando a organização corporativa da empresa.
Em função do desmonte realizado mediante planos de demissões voluntárias, é fundamental realizar concursos públicos visando dotar o SERPRO de maior capacidade para atender as demandas do Estado brasileiro.
A implementação de um novo plano de cargos e salários, em construção conjunta com a representação de trabalhadores e trabalhadoras, é peça fundamental para uma boa gestão, pois a empresa convive atualmente com 3(três) planos de cargos, carreiras e salários, todos absolutamente defasados.
POLÍTICA DE DIVERSIDADE E INCLUSÃO
A atual gestão da empresa ignorou a Política de Equidade de Gênero, Raça e Respeito à Diversidade, impedindo a realização de inúmeras atividades referentes às pessoas historicamente expostas a vulnerabilidades. O Reconstruir O Serpro propõe que seja retomado o engajamento da empresa nestas questões, reiteradas vezes mencionadas como prioritárias pelo presidente Lula.
Em consonância com esta perspectiva, reivindicamos que haja proporcionalidade de mulheres na composição da nova diretoria da empresa. O SERPRO tem hoje em seu quadro de pessoal cerca de 30% de mulheres e 70% de homens e nossa solicitação é que essa proporcionalidade deve se expressar também nos cargos de direção.
PROGRAMA DE INCLUSÃO DIGITAL
A atual gestão, em total sincronismo de destruição com o governo que se despede, extinguiu o principal programa de inclusão digital da empresa - Programa Serpro de Inclusão Digital.
Diante deste cruel desmantelamento, o Reconstruir O Serpro propõe que a nova gestão do governo Lula e Alckmin incorpore seu papel político e social, a que qualquer ente público está obrigado, através da retomada dos espaços de inclusão digital com software livre, retomar os eventos de sucesso como o Congresso Serpro de Tecnologia e Gestão aplicadas a Serviços Públicos (CONSERPRO), CONSEGI – Congresso Internacional de Software Livre e Governo Eletrônico, Olimpíadas de Inclusão Digital, e volte a ser protagonista-parceiro de eventos como FISL – Fórum Internacional de Software Livre, LATINOWARE – Congresso Latino-Americano De Software Livre e Tecnologias Abertas e Oficinas de Inclusão Digital.
ESG COMO FOCO DA DIREÇÃO
A atual gestão do SERPRO está introduzindo na empresa a metodologia ESG, que surgiu pela primeira vez em um relatório de 2004 intitulado “Who Cares Wins”, em decorrência de uma iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas – ONU.
Trata-se de um conjunto de padrões e boas práticas que visa definir se a operação de uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada. A sigla reúne os três pilares desse movimento: Environmental (Meio Ambiente), Social, Governance (Governança).
Embora consideremos as melhores práticas de ESG um excelente referencial para expansão das fronteiras tradicionais do mercado corporativo, discordamos da forma e prática utilizadas, que têm como foco estar em conformidade com os padrões do mercado financeiro, razão pela qual o Reconstruir O SERPRO propõe que seja feita uma revisão da ESG adotada, tendo como foco o atendimento das necessidades do governo e do cidadão, pois embora o SERPRO possui muitos produtos facilitadores do dia a dia do cidadão brasileiro, a busca pelo letramento digital do nosso país deve ser um objetivo a ser alcançado. Não há governo digital, se o cidadão não conseguir utilizar e se apropriar das facilidades das tecnologias.
Este manifesto fornece ao governo de transição informações relevantes, bem como evidencia a importância do SERPRO para o desenvolvimento do Brasil. E para que sejam obtidas a integridade, eficiência e fortalecidas a soberania e segurança nacionais, o Reconstruir o Serpro propõe que as estatais de TI - SERPRO e DATAPREV - sejam retiradas do Programa Nacional de Desestatização (PND), providência já em curso na Câmara dos Deputados através do projeto de lei - PL 2270/2021 - do deputado federal André Figueiredo(PDT/CE), já aprovado nas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, e do PL 309/2020 do deputado federal Carlos Veras(PT/PE), que altera o art. 3º da Lei 9.491/97, para fortalecer a soberania e segurança nacionais, em vista das informações estratégicas guardadas e processadas nos Centros de Dados das duas estatais.
Salientamos como fundamental que o Serpro continue sendo o provedor dos serviços estruturantes para o país, a exemplo do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), IRPF (Imposto de Renda), Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior), Renach/Renavam, Portal Gov.br e sistemas fazendários, para o fortalecimento da soberania e segurança nacionais, em virtude das informações estratégicas que são processadas nos seus centros de dados. Para tanto, é vital que o SERPRO seja valorizado para continuar exercendo com excelência o seu papel técnico e social como ocorreu durante os governos Lula e Dilma.
Por fim, ratificamos nosso compromisso e luta no fornecimento de conhecimento, trabalho e disposição para a reestruturação corporativa da empresa, desenvolvimento do modelo de negócios inovadores, aprimoramento dos processos de gestão de pessoas, efetivar o modelo de teletrabalho para todo o corpo funcional, reativar as atividades de inclusão e cultura digitais e melhorar as tarefas 9buscando alcançar excelência na transformação digital do Brasil.
APOIAM E SUBSCREVEM O REFERIDO MANIFESTO:
1 - Dep. Federal Carlos Veras - PT/PE
2 - Senadora Teresa Leitão - PT/PE
3 - Dep. Federal André Figueiredo - PDT/CE
4 - Dep. Federal Erika Kokay - PT/DF
5 -Dep. Federal Chico Alencar -PSOL/RJ
6- Dep. Estadual Danieli Balbi - PCdoB/RJ
7- João Torres de Mello Neto - Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
8- Dep. Estadual Renato Freitas - PT/PR
9- Tânia Mandarino, Advogada, membro do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia
10- Dep. Federal Paulo Teixeira - PT/SP
11- Reinaldo de Melo Soares Presidente do SINDPD-PE - Sindicato Dos Trabalhadores Em Processamento De Dados, Informática e Tecnologia Da Informação Do Estado De Pernambuco
O Jair que há em nós
15 de Novembro de 2022, 10:45Por Ivann Lago
Professor e Doutor em Sociologia Política
“O Brasil levará décadas para compreender o que aconteceu naquele nebuloso ano de 2018, quando seus eleitores escolheram, para presidir o país, Jair Bolsonaro. Capitão do Exército expulso da corporação por organização de ato terrorista; deputado de sete mandatos conhecido não pelos dois projetos de lei que conseguiu aprovar em 28 anos, mas pelas maquinações do submundo que incluem denúncias de “rachadinha”, contratação de parentes e envolvimento com milícias; ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia, da falta de educação e das ofensas de todos os matizes de preconceito que se pode listar.
Embora seu discurso seja de negação da “velha política”, Bolsonaro, na verdade, representa não sua negação, mas o que há de pior nela. Ele é a materialização do lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro. Mas – e esse é o ponto que quero discutir hoje – ele está longe de ser algo surgido do nada ou brotado do chão pisoteado pela negação da política, alimentada nos anos que antecederam as eleições.
Pelo contrário, como pesquisador das relações entre cultura e comportamento político, estou cada vez mais convencido de que Bolsonaro é uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política que caracteriza o típico cidadão do nosso país.
Quando me refiro ao “brasileiro médio”, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e “malandro”. Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista segundo o que minhas pesquisas e minha experiência têm demonstrado.
No “mundo real” o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência... em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.
Os avanços civilizatórios que o mundo viveu, especialmente a partir da segunda metade do século XX, inevitavelmente chegaram ao país. Se materializaram em legislações, em políticas públicas (de inclusão, de combate ao racismo e ao machismo, de criminalização do preconceito), em diretrizes educacionais para escolas e universidades. Mas, quando se trata de valores arraigados, é preciso muito mais para mudar padrões culturais de comportamento.
O machismo foi tornado crime, o que lhe reduz as manifestações públicas e abertas. Mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo.
O mesmo ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos homossexuais. Proibido de se manifestar, ele sobrevive internalizado, reprimido não por convicção decorrente de mudança cultural, mas por medo do flagrante que pode levar a punição. É por isso que o politicamente correto, por aqui, nunca foi expressão de conscientização, mas algo mal visto por “tolher a naturalidade do cotidiano”.
Se houve avanços – e eles são, sim, reais – nas relações de gênero, na inclusão de negros e homossexuais, foi menos por superação cultural do preconceito do que pela pressão exercida pelos instrumentos jurídicos e policiais.
Mas, como sempre ocorre quando um sentimento humano é reprimido, ele é armazenado de algum modo. Ele se acumula, infla e, um dia, encontrará um modo de extravasar. (...)
Foi algo parecido que aconteceu com o “brasileiro médio”, com todos os seus preconceitos reprimidos e, a duras penas, escondidos, que viu em um candidato a Presidência da República essa possibilidade de extravasamento. Eis que ele tinha a possibilidade de escolher, como seu representante e líder máximo do país, alguém que podia ser e dizer tudo o que ele também pensa, mas que não pode expressar por ser um “cidadão comum”.
Agora esse “cidadão comum” tem voz.
Ele de fato se sente representado pelo Presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos. Ele tem a sensação de estar pessoalmente no poder quando vê o líder máximo da nação usar palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas para atacar quem pensa diferente. Ele se sente importante quando seu “mito” enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais, pois eles representam uma forma de ver o mundo que sua própria ignorância não permite compreender.
Esse cidadão se vê empoderado quando as lideranças políticas que ele elegeu negam os problemas ambientais, pois eles são anunciados por cientistas que ele próprio vê como inúteis e contrários às suas crenças religiosas. Sente um prazer profundo quando seu governante maior faz acusações moralistas contra desafetos, e quando prega a morte de “bandidos” e a destruição de todos os opositores.
Ao assistir o show de horrores diário produzido pelo “mito”, esse cidadão não é tocado pela aversão, pela vergonha alheia ou pela rejeição do que vê. Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro.
O “brasileiro médio” não entende patavinas do sistema democrático e de como ele funciona, da independência e autonomia entre os poderes, da necessidade de isonomia do judiciário, da importância dos partidos políticos e do debate de ideias e projetos que é responsabilidade do Congresso Nacional. É essa ignorância política que lhe faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF, instâncias vistas pelo “cidadão comum” como lentas, burocráticas, corrompidas e desnecessárias. Destruí-las, portanto, em sua visão, não é ameaçar todo o sistema democrático, mas condição necessária para fazê-lo funcionar.
Esse brasileiro não vai pra rua para defender um governante lunático e medíocre; ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada, e para sentir-se acolhido por outros lunáticos e medíocres que formam um exército de fantoches cuja força dá sustentação ao governo que o representa.
O “brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes, tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que condena. Vê a pobreza e o desemprego dos outros como falta de fibra moral, mas percebe a própria miséria e falta de dinheiro como culpa dos outros e falta de oportunidade. Exige do governo benefícios de toda ordem que a lei lhe assegura, mas acha absurdo quando outros, principalmente mais pobres, têm o mesmo benefício.
Poucas vezes na nossa história o povo brasileiro esteve tão bem representado por seus governantes. Por isso não basta perguntar como é possível que um Presidente da República consiga ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo?”
Artigo sugerido por Sérgio Barbosa