Na véspera de minha partida para o Festival de Locarno, meu colega e colaborador do Direto da Redação Apóllo Natali me contatou por email, me pediu indiretamente para publicar um texto enviado há três anos e, logo depois, morreu. Publiquei o texto, porém vou além, vou publicar os textos publicados em sua homenagem no site Náufrago da Utopia, por seu protegido e grande amigo de trinta anos, o Celso Lungaretti. Ambos, Apóllo e Celso, não parecem ser deste mundo, pela fé com que manifestam suas ideias. Nota do Editor, Rui Martins.
Por Celso Lungaretti, de São Paulo:
Apóllo Natali nosso colunista colaboradorComo diria o Caetano Veloso, em 1936 o Apollo Natali nasceu, bem na barriga da miséria (o bairro da mãe do seu pai, a vovó do Bixiga), conforme contou numa crônica:
Subestação da Light no Bixiga, em 1934 |
“Convivi com a italianada de um punhado de cortiços na fronteira entre o Brás e a Mooca, em São Paulo, nas ruas Coronel Cintra, rua da Mooca, Caetano Pinto, Carneiro Leão.
Eu mesmo vivi 33 anos, desde bebê, num cortiço na Mooca, na rua Coronel Cintra, 129, habitado por 20 famílias de ruidosos italianos e suas briguentas crianças. Minha meninice lá foi marcada pela música Marechiare, pelo rádio de Tzi Terê e vozerio de Gino Bechi”.
“Vila Ré é o nome do bairro de subúrbio onde moro, na zona Leste paulistana…
Quando eu era menino, tinha trem de verdade, puxado pela Maria Fumaça. Ia gente no telhado e em cima da lenha da locomotiva. Tempos livres aqueles. Viajava-se de janelas abertas nos vagões de madeira e muitos iam no trem sem pagar. O preço da passagem não aumentava nunca…
Era tudo mato. Uma casinha aqui outra ali, alguns índios, tanto tempo faz. Árvores para seis homens abraçar, tanto cheiro de capim. Às cinco horas da tarde todo mundo se recolhia. Dava medo o escurecer sem ninguém”.
Maria Fumaça? Sem dúvida… |
A família, imensa. “O vovô e a vovó do Bixiga tiveram 24 filhos. O vovô e a vovó do mato tiveram 17.”
Naquele tempo os pais botavam os meninos para trabalhar desde muito cedo. E o Apollo, nas suas andanças pela cidade (se bem me lembro, fazia entregas de pequenos volumes), certa vez conheceu a velha redação de O Estado de S. Paulo na rua Major Quedinho.
Ficou fascinado, até porque havia vendido jornais pelas ruas durante muito tempo (também fora engraxate). Com talento precoce para a escrita, decidiu que era aquilo que queria ser na vida.
A sede antiga do Estadão |
Era singela sua reação, um homem vivido, 15 anos mais velho do que eu, que se fascinava com aquilo que para mim virara rotina há muito tempo. Tal encantamento de menino, fui percebendo, era uma característica sua, daí ser um homem que estava quase sempre de bem com a vida, espalhando boas vibrações ao seu redor.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.