Ontem publiquei aqui no blog algo realmente inédito na TV Brasileira, um jornalista, âncora do principal telejornal da TV Gazeta fazendo autocrítica da mídia e explicando que a notícia sobre a ‘maior alta do dólar em 12 anos’ era falsa. Além disso ele teceu comentários sobre a dificuldade dos meios de comunicação reconhecerem que erram por ignorância, incompetência, soberba ou em casos mais graves por má fé.
Por isso o texto de Lalo Filho de 2012 que reproduzo a seguir é bem interessante. Ele nos mostra que nos países onde o monopólio dos meios de comunicação teve fim, a tv ganhou novas vozes dissonantes, críticas, que enriquecem o debate. Ninguém foi silenciado na Argentina, ao contrário, vozes que antes nunca eram ouvidas na tv passaram a ter espaço e público para assisti-las. A democracia só tem a ganhar com isso.
A TV Brasil tem muito a aprender com as tvs públicas argentinas, conhecê-las tornaria a TV Brasil menos refém de suas irmãs monopolizadoras das concessões públicas que criminalizam a tv pública. Elas assim agem, porque sabem que se a comunicação pública resolvesse ser de fato pública criaria outras referências aos padrões pobres e emburrecedores da tv comercial no Brasil.
Para conhecer o programa a que Lalo se refere em seu artigo, acesse: 678
Crítica da mídia é sucesso na TV argentina
Laurindo Lalo Leal Filho, na Carta Maior
31/01/2012
Criticar a mídia não é tarefa fácil. Primeiro pela falta de espaço. Salvo a internet são raros os canais abertos para a discussão do papel dos meios de comunicação na sociedade atual. Contam-se nos dedos os veículos que fazem algum tipo de autorreflexão. O padrão geral é o da arrogância pura e simples.
Lembro da Ong TVer, no final dos anos 1990, encaminhando reclamações recebidas de telespectadores sobre uma menina, exposta no Fantástico, tendo que decidir se ficava com a mãe biológica pobre ou com a adotiva rica. A resposta da emissora foi de uma soberba a toda prova. Não entrava no mérito limitando-se a dizer que sabia o que o público queria, mais ou menos isso.
Ouvidorias na mídia brasileira existem apenas em dois jornais diários e nas emissoras públicas de rádio e TV da EBC. Programas de crítica da mídia são raros. Acostumada a se apresentar como quarto poder, ela não admite qualquer debate público sobre o seu trabalho. Coloca-se acima do bem e do mal, não faltando teóricos a ela alinhados para arrumar justificativas positivistas para esse papel quase divino.
A internet tem sido um instrumento importante para quebrar essas barreiras. Quase diariamente os meios convencionais têm seus erros e omissões denunciados em sites e blogues. Mas ainda atingem parcela restrita da população. Daí a importância de se discutir a mídia nos meios de largo alcance.
Na Argentina a televisão pública vem surpreendendo o telespectador com um debate até então inédito, levado ao ar pelo programa 6 7 8. Com bom humor, ironia e documentação consistente, os grandes jornais e as emissoras comerciais de rádio e TV são analisados e criticados diariamente em horário nobre.
A estreia ocorreu em 9 de março de 2009 e seu nome 6 7 8 refere-se à presença de seis debatedores, no canal sete, às oito da noite. Mudou de horário (passou para as 21 horas) e ampliou o número de participantes mas não alterou o nome.
O uso do arquivo é uma das armas mais poderosas do programa. Selecionam previsões de analistas de política ou economia dos grandes meios, feitas algum tempo atrás, e as confrontam com a realidade atual, sempre diferente. É como se aqui fossemos buscar nos arquivos as previsões catastróficas de comentaristas como Miriam Leitão ou Carlos Sardenberg e mostrássemos como elas estavam furadas. É, no mínimo, divertido.
O sucesso do programa é tal que já há até um livro sobre ele: ¿6 7 8 La creación de otra realidade¿ (Editorial Paidós). Trata-se de uma longa conversa entre uma ex-apresentadora do programa Maria Julia Olivan e o sociólogo Pablo Alabarces, além de depoimentos do criador do 6 7 8 Diego Gvirtz e do jornalista, especializado em TV, Pablo Sirvén.
O objetivo central do programa é explicitado no livro: contradizer a realidade construída pelos grande meios. Para isso procuram mostrar os mecanismos de construção da realidade no jornalismo que ¿se apresenta como real, como verdade, quando é antes de tudo uma narração sobre essa realidade¿.
Maria Julia deixa isso mais claro ao dizer que ¿como produto televisivo, 6 7 8 nos conta a sua verdade ou a sua maneira de ver a realidade. Clarín, ao contrário, faz circular a sua opinião dizendo que essa opinião é a realidade¿.
Esse debate, levado diariamente à casa do telespectador, é inédito. Chega ao grande público uma prática que, até então, estava restrita ao mundo acadêmico e a alguns militantes políticos: a chamada leitura critica dos meios de comunicação.
As conseqüências são palpáveis. Acompanhar o 6 7 8 tornou-se uma forma de ação política ou ¿um ato de militância, de adesão¿ segundo Maria Julia. No Facebook há mais de 450 mil seguidores. O sociólogo Pablo Alabarces diz que o programa é uma espécie de semiologia para a classe média que ¿os estudantes de comunicação têm no ciclo básico comum e aqui se transforma em vulgarização televisiva¿.
Talvez seja por isso que a mãe de Maria Julia tenha dito que ¿até começar a ver o programa, eu acreditava que todas as notícias eram realidade mas depois me dei conta que a informação é construída; que não é o mesmo se te dizem as coisas de uma maneira ou de outra¿.
6 7 8 não esconde seu alinhamento com o governo. No entanto revela, ao mesmo tempo, a existência de um público que apóia o governo e não era contemplado pelos demais meios de comunicação. Nesse sentido o livro ressalta a existência, pela primeira vez na história da Argentina, de uma política oficial de comunicação. Entre seus objetivos está o de contradizer os meios de comunicação tradicionais, papel desempenhado com desenvoltura pelo programa 6 7 8.
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