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3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.
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Utilidade Pública: Mais um mecanismo de comunicação de olho nas ações do Congresso

31 de Outubro de 2015, 11:45, por MariaFrô

No Brasil temos uma cultura de focar o executivo, especialmente as prefeituras e o governo federal. Por vezes, parece que não existe governo estadual (a não ser que sejam governadores petistas). Nunca se foca nas ações do Legislativo. Temos um jornalismo que além de monopolizado, partidarizado sequer contribui para o debate público informando sobre as ações do Legislativo.

Em São Paulo, o estado que vivo, a Assembleia Legislativa parece que não existe. Se fizermos uma pesquisa entre os paulistas, eles não saberão informar quantos deputados existem na ALESP e serão incapazes de relacionar pelo menos 10 nomes de deputados. Experimentem.

Esta legislatura do Congresso Nacional tem sido tão danosa ao país, retrocedendo tanto nos direitos conquistados que talvez provoque nas pessoas mais politizadas, nos movimentos sociais, nas centrais e sindicatos, nas universidades e em outras instituições importantes da sociedade civil uma reação à altura: focar nas próximas eleições quem elegeremos pra ocupar as Câmaras. Não adianta eleger um executivo progressista com câmaras reacionárias.

Neste sentido o LEMEP (Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública do IESP-UERJ) vai prestar um serviço de utilidade pública: mapear semanalmente as ações do Congresso Nacional. Excelente iniciativa, vamos acompanhar e divulgar. Além do link da instituição, agora ela tem uma página no Facebook.

CONGRESSO EM NOTAS - LEMEP 

no.1, 29/10/2015

O Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública do IESP-UERJ passa a divulgar notas sobre o cotidiano do Congresso Nacional. São informações públicas e relevantes, mas pouco noticiadas pela grande imprensa.

Resumo dessa semana: a bancada da Bíblia já havia aprovado na comissão especial o estatuto da família. Com a PEC 215 e o estatuto do desarmamento, a bancada BBB fechou sua conta nas comissões especiais da Câmara.

1. PAUTA INDÍGENA. Depois de dois anos e meio de resistência na comissão especial e de 15 anos tramitando na Câmara, a bancada ruralista conseguiu aprovar na comissão especial a PEC 215. Inicialmente a PEC previa simplesmente a competência do legislativo para demarcar terras – o que já impossibilitaria as futuras demarcações. A versão aprovada é ainda pior. Transforma, na prática, as terras tradicionais em qualquer outra propriedade rural; podem ser arrendadas, divididas, permutadas, receber empreendimentos econômicos. E estende o “marco temporal” (necessidade de se estar sobre a terra tradicional) também às comunidades quilombolas. Agora a PEC vai a Plenário. Alguns avaliam que isso não será votado em Plenário logo, mas essas são as mesmas pessoas que achavam que a comissão especial não aprovaria a proposta nessa semana… Na resistência, Padre Joao, Molon, Erika Kokay, Janete Capiberibe, Edmilson Rodrigues, Glauber Braga, Sarney Filho, Davidson e Nilto Tato.

2. ARMAMENTO. A comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do estatuto do desarmamento. Hoje o porte de armas, restrito a policiais e determinadas autoridades com juízes, a qualquer pessoa com requisitos mínimos. Destaque, na resistência, para Ivan Valente, Alessandro Molon e Glauber Braga.

3. TERRORISMO. Aqui não vale o bordão de que “não passa no Senado”, porque a derrota foi ali mesmo. O PL do Executivo, já aprovado na Câmara, foi aprovado no Senado. Em uma movimentação política surpreendente, o governo (Levy + Cardozo) se aliou a Aloysio Nunes (PSDB) para apoiar a proposta. Na oposição estava o PT, que chegou a emitir uma nota pedindo que sua bancada votasse contra a orientação do Executivo! O projeto criminaliza uma prática que não existe no Brasil, para uma pressão internacional irreal, de uma reunião de um organismo financeiro que já aconteceu na semana passada! Seu sentido verdadeiro é reprimir violentamente os movimentos sociais. A ressalva aos protestos populares, aliás, que estava no texto da Câmara e que já não valia grande coisa, foi retirada no Senado. Por isso, volta agora para a Câmara.

4. CPI DA FUNAI E DO INCRA. Foi criada no dia 28, às 14 horas, a CPI da FUNAI e do INCRA. Por enquanto ruralistas indicaram seus membros. Governo dormindo no ponto. Os líderes, pelo regimento, têm 48 horas para indicar membros. Isso pode ser flexibilizado, mas na atual conjuntura…

5. IMPEACHMENT. O Presidente da Câmara revogou no dia 29 a questão de ordem que o STF suspendeu. Ele provavelmente quer com isso se livrar das liminares do STF. Pelo regimento ele pode receber o pedido de impeachment.

6. CUNHA. A mesa, finalmente, numerou a representação contra o deputado, feita perante o Conselho de Ética. Os próximos passos, segundo o regimento: designação de relator; 10 dias úteis para Cunha apresentar defesa escrita; 15 dias para diligência (prorrogáveis); Conselho aprova parecer, remetido ao Plenário. Plenário da Câmara – maioria absoluta.

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Marcia Lia: A Construção da Intolerância

30 de Outubro de 2015, 12:20, por MariaFrô

A construção da intolerância

Marcia Lia*

Pouco a pouco estamos assistindo, no Brasil, a desconstrução de um elenco de direitos conquistados no período pós-democratização, especialmente nos últimos 13 anos, desde que Lula chegou à Presidência da República. E não tenham dúvidas: a desconstrução da imagem pessoal e institucional da presidenta Dilma serve também a esse propósito, com o agravante de servir a um projeto pessoal de poder e de sobrevida nele, no pós-operação-faxina bancada pelo governo Dilma.

Correlato a isso, avalio que está em curso um processo de ‘construção da intolerância’, onde a ira e a intransigência substituem qualquer possibilidade de diálogo como caminho para a solução de conflitos. É sintomático e preocupante, porque poderemos voltar rapidamente, enquanto Nação, a um desequilíbrio de forças sociais que marcou a própria colonização do país, por centenas de anos, com a já conhecida pilhagem dos nossos recursos naturais e com o boicote à luz que o verdadeiro ensino traz às pessoas permitindo transformar opressão em liberdade; carência em fartura; desrespeito em respeito; e país em Nação.

Está claro, a meu ver, que essa construção passa pela cessação de direitos legais, pela divisão objetiva ou subliminar da sociedade entre os que ‘merecem’ e os que ‘não merecem’, amplamente noticiados pela mídia comercial, e quase sempre sem questionamento. Prestem atenção: muitos dos comentários que lemos e ouvimos são uma homenagem à intolerância. E o pior é que as pessoas começam mesmo a se sentir superiores ou inferiores, onde quer que estejam: no cotidiano, nas instituições, na vida pública ou na vida privada. É como se acostumar com a dor mesmo sabendo que há remédio, mas este ‘não lhe pertence’. É como beber e matar no trânsito e saber que sua condição financeira ou seu sobrenome garantirá que a ‘pena lhe seja leve’.

Portanto, o muro da desigualdade de direitos está sendo erguido travestido de moralidade e de amor à Pátria, afetando diretamente as chamadas minorias: mulheres, crianças e adolescentes, negros, indígenas, população LGBT e quilombolas.

A revisão do Estatuto do Desarmamento atende muito mais aos interesses da indústria bélica do que aos interesses da sociedade em coibir a violência; na mesma toada, há o projeto da redução de maioridade penal, que na prática desobriga os governos a disputarem os jovens com o crime por meio de educação e políticas públicas inclusivas: ‘cadeia neles, ora bolas’. Ou, ressuscitar o projeto 4330/2004 que amplia a possibilidade terceirização da mão de obra. Interesse de quem?

Na pauta recente, a transferência da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas do Governo Central para o Congresso e o projeto que regulariza ativos no exterior, não declarados, são sinais escandalosos dos interesses que pautam as discussões. São sintomas de uma doença que afetará a todos, porque não se iludam: O mal que atinge nosso vizinho nos atinge também, independente se concordamos ou não com ele, ou se gostamos ou não das mesmas coisas que ele.

Por trás da responsabilização e da criminalização de um único partido (que cometeu erros, sim), a impunidade e os interesses nada moralistas campeiam à nossa frente.

*Marcia Lia é Deputada estadual pelo PT em são Paulo

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Cadê a indignação com a corrupção de Cunha dos ‘milhões de Cunha’?

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Luis Felipe Miguel: A criminalização do pensamento crítico

30 de Outubro de 2015, 9:45, por MariaFrô

Há um vídeo circulando nas redes que faz as piores acusações ao ENEM, a Simone de Beauvoir chamada por esses aloprados de ‘nazista, pedófila’ e outras sandices. Ele é tão, mas tão absurdo, que queremos crer que se trata de uma produção realizada no hospício. Mas não nos enganemos, ele é profissional, gestado na mesma forma do fundamentalismo organizado nacionalmente que aprovou em todos os planos de educação municipais e estaduais a saída do debate da questão de gênero nas escolas. Ancorados no argumento falacioso da famigerada ‘ideologia de gênero’ – categoria inexistente em qualquer área do pensamento científico-, os fundamentalistas vem banindo das escolas (ao menos nos documentos legais) temas cruciais para a formação cidadã, como: violência contra a mulher, questão indígena, combate ao racismo entre outros.

Essas ações são apoiadas por vereadores que chamam professoras de ‘vagabundas’, ‘idiotas’ e ‘débeis mentais, por deputados que agridem e ameaçam outros em pleno plenário, por corruptos cujo crimes de corrupção foram denunciados pelo Ministério Público da Suíça e cujo montante de dinheiro evadido do país são apontados pela Procuradoria Geral da República como produtos de crime.

Como comenta o leitor Rodrigo Sanches a respeito do texto de Luis Felipe, há uma “histeria em torno das questões humanistas discutidas pelo ENEM e o avanço de um pensamento autoritário, travestido de “neutro”, mas que na verdade deseja barrar qualquer forma de pensamento crítico, autônomo e libertário. Vide a guerra que esses grupos estão travando na construção dos Planos Municipais de Educação e no Congresso, por meio da apresentação de Projetos de Leis absurdos e retrógrados, baseados numa visão de mundo onde se condena a pluralidade de pensamento, a diversidade (cultural, sexual, social) e ataca os Direitos Humanos, sob a ridícula e obtusa ideia de “doutrinação”, como se a ideologia dominante não fosse igualmente doutrinária. Não vivemos hoje no Brasil somente uma crise politica e econômica, mas uma crise psiquiátrica, não é possível!!”

A luta dos ativistas pelos direitos humanos é hercúlea, acadêmicos, verdadeiros intelectuais precisam se unir a ela para que possamos fazer frente à produção da barbárie. Nenhum intelectual verdadeiramente sério deste país pode se dar ao luxo de não produzir narrativas para se contrapor à maioria dos desqualificados perigosos que ocupam hoje o legislativo desde o âmbito municipal até o federal. Está se tornando crime pensar criticamente e este baixo clero que ocupa as câmaras legislativas retrocedem direitos elementares do povo brasileiro conquistados desde 1940, como o das vítimas de estupro poderem interromper a gravidez fruto de estupro. Não há escolhas, é lutar ou lutar.

A criminalização do pensamento crítico

Por Luis Felipe Miguel, Boitempo

29/10/2015


Luis Felipe Miguel escola sem partido

Entre as múltiplas ameaças de retrocesso que surgem do Congresso Nacional hoje, uma das mais graves é a voltada à educação. O espantalho da “doutrinação” dos alunos por professores esquerdistas é um pretexto para a criminalização do pensamento crítico em sala de aula, frustrando o objetivo pedagógico de produzir cidadãos e cidadãs capazes de reflexão autônoma, respeitosos das diferenças, acostumados ao debate e à dissensão, conscientes de seu papel, individual e coletivo, na reprodução e na transformação do mundo social. Em seu lugar, voltamos à ultrapassada compreensão de uma educação limitada à transmissão de “conteúdos” factuais, dos quais o professor é um mero repetidor e o aluno, receptáculo passivo. O slogan vazio da “escola sem partido” busca passar a ideia de que o ensino acrítico é “neutro”, quando, na verdade, ao naturalizar o mundo existente e inibir a discussão sobre suas contradições internas, é um mecanismo poderoso de reprodução do status quo.

São diversos projetos em tramitação no Congresso, que partem do veredito comum de que haveria um esforço de doutrinamento em curso, seja pelo PT, seja pela esquerda de modo geral, que faria com que as escolas tivessem se tornado centros de difusão do socialismo e/ou do feminismo. É uma reação ao arejamento – na verdade, ainda muito insuficiente – das práticas pedagógicas; uma reação que não vem de hoje, mas que se intensificou com a ofensiva diretista dos últimos anos. Alguns talvez se lembrem que, nos anos finais da ditadura militar, pré-escolas alternativas eram acusadas de adotar cartilhas marxistas. É o mesmo tipo de paranoia, mas agora vendo o pretenso doutrinamento como política de Estado, que está por trás das fantasias do movimento Escola Sem Partido, do repúdio a Paulo Freire nas manifestações públicas da direita ou da reação histérica à recente prova do ENEM.

Cada vez que a escola se desloca, por pouco que seja, de seu papel tradicional de aparelho ideológico reprodutor da ordem social, erguem-se as bandeiras de “doutrinamento”. A manobra argumentativa é evidente. A reprodução transita como “não ideológica” porque a ordem social vigente é naturalizada. É como se ela não fosse o fruto de processos históricos, de conflitos sociais com ganhadores e perdedores, mas um dado da realidade que existe por si só. A “neutralidade” do discurso que não questiona o porquê do mundo social ser como é, nem indica que essa ordenação não é uma necessidade, é falsa: ele é um elemento ativo de perpetuação, uma maneira de bloquear as potencialidades de mudança presentes do mundo em que vivemos.

Na atual ofensiva da direita brasileira, há dois alvos simultâneos. Permanece o ódio ao marxismo e, de modo mais geral, a qualquer forma de questionamento à desigualdade de classe. É sustentado por uma leitura delirante da teoria de Gramsci, difundida pelo astrólogo Olavo de Carvalho, em que a ideia de uma luta pela produção de sentido no mundo social é transformada num plano diabólico de lavagem cerebral em massa.

Mas há uma grande ênfase também na denúncia contra qualquer tentativa de desnaturalizar os papéis estereotipados atribuídos a mulheres e homens. É a “ideologia de gênero”, termo que foi cunhado pelos setores conservadores da Igreja Católica, mas adotado também por denominações protestantes, e colocada em curso em vários países do mundo, entre eles o Brasil, como forma de organizar a oposição aos avanços – mais lentos do que gostaríamos, mas inquestionáveis – na direção de maior igualdade entre os sexos e maior respeito a gays e lésbicas. Ao afirmar que “ideológica” é a luta contra a discriminação de gênero, fica implícito que a desigualdade e a intolerância seriam naturais.

O rótulo “ideologia de gênero” foi rapidamente incorporado à linguagem destes grupos. Sintético, ele permite que se descarte, sem discussão, tudo aquilo que já se sabe sobre a produção social do feminino e do masculino. Quando militantes conservadores reagem à frase de Simone de Beauvoir incluída na prova do ENEM escrevendo coisas como “eu nasci mulher sim, nasci com vagina”, como se viu nas redes sociais, revelam, mais do que apenas uma ignorância brutal e constrangedora, uma impermeabilidade deliberada a qualquer discussão sobre o tema.

Ao lado da ameaça que a emancipação feminina e a conquista dos direitos degays e lésbicas de fato representa aos privilégios de homens e de heterossexuais, e ao lado também do fundamentalismo religioso de alguns, há no destaque dado à “ideologia de gênero” uma demonstração de oportunismo político. Como afirmei em outro lugar, hoje a homofobia é o ópio do povo. Deslocando o eixo do conflito para as questões “morais” (que, na verdade, são questões de direitos individuais), a direita se põe em sintonia com uma parcela do eleitorado que, sobretudo a partir das políticas compensatórias do governo Lula, se movimentava na direção de seus adversários. Também por isso, para as forças da esquerda a luta pela igualdade de gênero e contra a homofobia não pode ser considerada uma pauta secundária.

Entre os projetos em tramitação no Congresso, vários têm o fantasma da “ideologia de gênero” como alvo. O PL 7180/2014 e o PL 7181/2014, ambos de autoria de Erivelton Santana (PSC/BA), determinam a mesma coisa: que “os valores de ordem familiar [têm] precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”. O primeiro projeto visa instituir esta regra na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o outro, redundantemente, quer torná-la obrigatória nos parâmetros curriculares (que já devem obedecer à LDBE).

A intocabilidade da família, como sujeito coletivo com direitos próprios, irredutíveis aos de seus integrantes, é o que fundamenta tal proposta. Muitas vezes, mesmo os grupos mais progressistas têm receio de discutir o statusatribuído à unidade familiar, preferindo deslocar a luta para a necessidade de pluralizar o entendimento do que é família. Claro que que é importante dar a todos que o queiram a possibilidade de buscar formar famílias, no formato que desejem, mas ainda precisamos dessacralizar a “família”. A família é também um lugar de opressão e de violência. A defesa de uma concepção plural de família não pode colocar em segundo plano a ideia de que, em primeiro lugar, estão os direitos individuais dos seus integrantes. E entre estes direitos está o de ter acesso a uma pluralidade de visões de mundo, a fim de ampliar a possibilidade de produção autônoma de suas próprias ideias.

As propostas do deputado baiano impedem a educação sexual e o combate ao preconceito e à intolerância nas escolas, sob o argumento de preservar a soberania da família na formação “moral” dos mais novos. Com isso, retiram da escola a possibilidade de contribuir para disseminar os valores de igualdade e de respeito à diferença, que são cruciais para uma sociedade democrática. E retiram dos jovens o direito de ter acesso a informações que são necessárias para que eles possam refletir sobre sua própria posição nesse mundo e avançar de maneira segura para a vida adulta.

Ainda mais bisonho, o PL 1859/2015, de autoria de Izalci Lucas (PSDB/DF), Givaldo Carimbão (PROS/AL) e outros, propõe que a LDBE inclua dispositivo que proíba as escolas de apresentar conteúdo “que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’”. A política linguística destes deputados incorpora ao vocabulário legislativo o termo “ideologia de gênero”, inventado recentemente pela direita fundamentalista, e veta do vocabulário escolar os termos “gênero” e “orientação sexual”, impedindo assim que vastos setores do conhecimento produzido na sociologia e na psicologia cheguem ao ensino. O objetivo é evitar qualquer questionamento da percepção naturalizada dos papéis sexuais. É por isso que, quase 70 anos depois, Simone de Beauvoir ainda causa arrepios.

Na mesma linha, o PL 2731/2015, de Eros Biondini (PTB/MG), quer incluir, no Plano Nacional de Educação, uma proibição à “utilização de qualquer tipo de ideologia na educação nacional, em especial o uso da ideologia de gênero, orientação sexual, identidade de gênero e seus derivados, sob qualquer pretexto”. Para além do absurdo do texto (uma “ideologia” é “utilizada” na “educação nacional”?), o PL é significativo pelas punições previstas. O profissional de educação que descumprir a norma, isto é, que tematizar a desigualdade de gênero ou a homofobia, ou mesmo que apresente qualquer raciocínio crítico que seja rotulado como “ideológico”, perderá o cargo e estará sujeito às punições previstas, no Estatuto da Criança e do Adolescente, àqueles que submetem “criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento ilegal”: seis meses a dois anos de prisão.

O projeto mais ambicioso, porém, é o PL 867/2015, novamente de Izalci Lucas, que é representante da ala do PSDB mais despreparada intelectualmente e retrógrada politicamente. Seu objetivo é incluir, nas diretrizes e bases da educação nacional, um programa intitulado “Escola sem Partido”. De fato, o deputado simplesmente apõe seu nome à iniciativa do “movimento” de mesmo nome. Assim, a educação deve ser baseada na “neutralidade política” e a escola não pode desenvolver nenhuma atividade que possa “estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. Embora escolas confessionais privadas possam exercer seu proselitismo, desde que contem com a anuência dos pais. O artigo 5º prevê que serão afixados cartazes nas escolas para que os estudantes saibam que podem denunciar seus professores. O programa se aplica ao material didático e a todos os níveis de ensino, incluindo o superior.

Os dois pilares são, portanto, a soberania da família, que se sobrepõe ao direito do estudante de obter elementos para produzir de forma autônoma sua visão de mundo, e uma ideia de “neutralidade” que se baseia na ficção de um conhecimento que não é situado socialmente. Um relato da história do Brasil ou do mundo que se limite a nomes ou datas, como no ensino do regime militar, pode parecer “neutro”, por não assumir expressamente juízos de valor. Mas, ao negar ao aluno as condições de situar os processos históricos e de compreender os interesses em conflito, cumpre um inegável papel conservador.

Se a “neutralidade” não existe, uma vez que toda produção de conhecimento parte de um lugar social específico, qual é o contrário da doutrinação? É o pensamento crítico, aquele que permite que os estudantes sejam não objetos, mas sujeitos da aprendizagem, refletindo sobre os conteúdos e construindo suas próprias percepções, no diálogo com professores e colegas. É esse pensamento crítico que assusta os promotores da “Escola sem Partido”. Seu discurso ensaiado não disfarça o fato de que são eles que desejam uma escola doutrinária, que imponha aos estudantes um pensamento fechado – o conformismo – e os impeça de pensar com as próprias cabeças e, pensando, quem sabe inventar um mundo novo.

***

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde edita a Revista Brasileira de Ciência Política e coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém o Blog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Ambos colaboram com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.

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Não é demais lembrar que são todos homens estes que fazem leis bisonhas contra as mulheres

29 de Outubro de 2015, 21:43, por MariaFrô

O ENEM E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Por Lelê Teles

machismo

no momento em que se acentua a misoginia e a violência contra a mulher, vem o ENEM e nos redime.

é que o Estado brasileiro, infelizmente, está a ser tomado de assalto por um bando de idiotas fundamentalistas que querem impor a ideologia misógina de sua religião a todos os cidadãos, não importando a crença ou a falta de crença dos outros.

querem proibir, por exemplo, a mulher de abortar um filho fruto de estupro e querem também impedi-la de tomar a pílula do dia seguinte, obrigando-a a ter o filho do estuprador, quem sabe?

e querem dizer, ainda, que família é a composição de pai, mãe e filho; talvez querendo obrigar a mulher a se casar com o seu estuprador.

não é demais lembrar que são todos homens estes que fazem leis bisonhas contra as mulheres.

ainda esse mês, uma garota de doze anos, Valentina, que participa de um reality show sobre gastronomia, foi assediada sexualmente nas redes sociais por um bando de marmanjos que não consideram pedofilia a agressão sexual, pública, explícita, contra uma garota de 12 anos.

são diversos tipos de violência às quais as mulheres estão submetidas, econômica, psicológica, física e institucional; mas o grande problema, o maior deles, ainda é a sua banalização. é o deixar por isso mesmo.

há mais de 500 anos é assim.

a miscigenação brasileira é fruto do estupro de escravas e de índias.

escroto

os filhos da Casa Grande levaram a cultura do estupro para os seus lares. o assédio e o abuso sexual de empregadas domésticas – por seus patrões adultos e mirins – é motivo de piada entre adolescentes burgueses.

as secretárias são vítimas de assédios constantes.

há uma hierarquização de gêneros nos ambientes de trabalho em que o macho não só recebe uma maior remuneração, como tem reservado para si os postos de comando das empresas e ainda se arvoram no direito de terem poder sobre os corpos das mulheres.

essa hierarquização de gênero, transportada para o lar, gera a violência doméstica, das quais são vítimas as empregadas, as esposas e as filhas.

nas ruas, assumem a forma do beijo à força, da cantada despudorada e ofensiva e do estupro.

na semana passada, milhares de mulheres, estimuladas por uma hashtag que versava sobre a violência sofrida pela pequena Valentina, decidiram contar – a maioria pela primeira vez – os assédios sexuais que sofreram ainda na infância.

e olha que teve muito misógino infame que tripudiou dessas declarações, fazendo troça das garotas e achando que elas estavam a se vitimizar de forma gratuita.

Roger, o inútil, foi um destes imbecis.

portanto, o ENEM foi uma lufada de vento a espantar esse ar pesado.

pela primeira vez em nossa história, sete milhões de jovens se debruçaram sobre uma prova e se puseram a pensar sobre a violência contra as mulheres, cada um deles teve que parar para pensar sobre isso.

a força simbólica disso é imensurável.

sem falar que logo que foi divulgado o tema da redação, “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, estava o Brasil inteiro a falar sobre isso.

de forma inédita, o país parou para discutir essas formas de violência. e parou para pensar: o que é um homem e o que é uma mulher?

porque se ainda, século XXI, tem gente que não consegue compreender o que quer dizer o trecho de Simone de Beauvoir utilizado no ENEM – “ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino” – eu ajudo.

cara, essa é mole. o que a filósofa disse, em 1949 é bom que se diga, é que o conceito de mulher é definido culturalmente, não é determinado pela biologia.

não é mole essa? pense comigo, a biologia não determina que uma pessoa do sexo feminino deva receber um salário menor que a outra do sexo masculino; quem diz isso é a cultura.

a biologia, veja que coisa simples, não determina que meninas brinquem com bonecas e meninos joguem futebol, é a cultura quem o faz.

logo, é a cultura quem diz o que é mulher, o que deve ser, como deve agir, e como devemos tratá-la.

é a cultura também quem diz quem é homem, o que é um homem, como age um homem etc.

fácil essa, hein?

e a cultura, cara, muda tudo.

lembra que você considera uma violência contra o conceito de mulher, ocidental, quando você vê uma oriental de burqa, chador, niqab ou hijab?

lembra que as freiras e as madres superiores usam vestes similares e isso nunca deixou você revoltado?

é a cultura agindo, cara.

sabe por que você joga cantadas agressivas contra as mulheres que passam desacompanhadas na rua?

por que você acha que elas gostam; mesmo que elas digam que odeiam.

é você abusando do seu direito de ser escroto. isso também é cultural, cara.

porque você jamais vai dar uma cantada nojenta em uma mulher que esteja acompanhada por um amigo, um irmão, um namorado ou um pai.

sabe por quê?

porque há um código cultural que não lhe permite fazer isso: um homem deve respeitar um outro homem; eu não vou fazer com um cara o que eu não gostaria que um cara fizesse comigo.

sacou?

a cultura, cara, te ensina a ter mais respeito por um homem do que por uma mulher.

sacou?

palavra da salvação.

Leia também:

Comissão da Mulher Advogada da OAB dá uma aula a um professor e promotor ignorante sobre gênero

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Comissão da Mulher Advogada da OAB dá uma aula a um professor e promotor ignorante sobre gênero

29 de Outubro de 2015, 15:52, por MariaFrô

NOTA DE REPÚDIO
Considerando o trabalho desenvolvido pelo Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva – CAO – do Ministério Público do Estado de São Paulo, em estrita consonância com o princípio da dignidade humana, nuclear no ordenamento Constitucional Brasileiro, nós, advogadas e advogados defensores dos Direitos da Mulher e Direitos Humanos, e demais membros da sociedade civil sorocabana, vimos manifestar REPÚDIO ao posicionamento público jocoso emanado do DD Promotor de Justiça e Professor Dr. Jorge Alberto de Oliveira Marum em postagem na rede social, desrespeitando a dignidade das mulheres a pretexto de criticar questão veiculada no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).

ABSURDO

Conforme exaustivamente sabido e discutido tanto pelo CAO como pelos órgãos de garantia e defesa dos direitos das mulheres e meninas, os índices de violência e exclusão contra as mulheres nas diversas sociedades são alarmantes e inaceitáveis. Pois diferente de outros tipos de violências, esta não se processa apenas como violência entre pessoas, mas sim como violência de gênero, aplicada pelo fato de uma das partes coisificar e desumanizar a outra, por ter sido socializado por uma cultura que legitima esta violência atribuindo papéis sociais desiguais.

Salientamos que a desigualdade não é o mesmo que a diferença, a diferença/diversidade é positiva, somos diferentes e isso é bom, mas a desigualdade implica injustiça, e nenhuma injustiça deve ser perpetrada contra um ser humano devido a seu gênero.

Cabe aqui outra explicação de conceitos que o referido professor parece não ter conhecimento: gênero não é o mesmo que sexo, o sexo é biológico, nascemos com o sexo, já o gênero é uma construção social. Análise esta, pontuada nos estudos das ciências humanas e da sociedade como a Sociologia, a História por exemplo. Portanto a propositura deste conteúdo em avaliações como o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) mostra consonância com a realidade social brasileira e internacional, sua historicidade e contemporaneidade.

Somos seres sociais, influenciados por padrões de pensamento e comportamento repetidos diariamente, construídos ao longo da história. Desenvolvemos nossa identidade neste processo ao longo da vida e este desenvolvimento é bloqueado pela sociedade machista, o machismo este que afeta não só as mulheres, mas todas as pessoas.

A feminilidade assim como a masculinidade são construções sociais. Os números da violência contra as mulheres e meninas, estão diretamente relacionados a esta perpetuação de pensamento e comportamento sexista/machista que coloca as mulheres como cidadãs/pessoas de segunda classe na sociedade por gerações e gerações.

Assim, consideramos como inaceitável tal comportamento vindo de um Promotor que atua como professor universitário de uma das mais qualificadas e respeitadas Faculdades de Direito do Estado de São Paulo. Posicionamento este que fere, silencia e deslegitima uma luta, que por séculos vem reivindicando e conquistando os direitos humanos das mulheres e meninas, ponto acordado não só na Constituição Federal, mas por tratados internacionais.

Sendo assim, posturas contrárias à Constituição Federal, e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, e manifestações públicas sexistas e discriminatórias contra a mulher proferidas pelo Promotor de Sorocaba em seu perfil em redes sociais (Facebook), mesmo que em tom de ironia, comprometem sua atuação profissional e demostram a ignorância quanto ao tema, tão importante e relevante para a conquista de uma sociedade mais justa para todos e todas. Reiteramos nossa nota de repudio ao mesmo.

Sorocaba, 29 de Outubro de 2015.

Comissão da Mulher Advogada da 24.ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – Sorocaba/SP.

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