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3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.
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Sun, 27 Oct 2013 13:53:59 +0000

27 de Outubro de 2013, 9:53, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

Leia também: 

Pablo Ortellado: Os protestos de junho entre o processo e o resultado

A revolta contra a inclusão, entrevista de Bruno Cava

Por Bruno Cava / Gigi Roggero, UniNômade Brasil

19/09/2013

Entrevista de Bruno Cava por Gigi Roggero (presencial), 14/7/2013, para Commonware (em italiano) | Trad. UniNômade Brasil

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Qual é a genealogia e as formas de desenvolvimento do movimento no Brasil?

Devemos começar por dois pontos importantes. O primeiro diz respeito ao fator global: perderemos qualquer coisa de decisivo se não olharmos ao contexto. Tiveram lutas na Turquia e no Egito, teve um inteiro ciclo de lutas começado em 2011: é impossível não ver algumas características em comum. Por exemplo, antes da revolução árabe, existiam ditaduras, um consenso sólido como rocha por uma governança muito verticalizada, e coisa de duas ou três semanas a rocha ruiu. Os movimentos romperam o consenso e a percepção política mudou. No Egito, as redes sociais trabalharam com os movimentos de rua, os sindicatos, as bases. No Brasil, se pode ver algo parecido: não se tem uma ditadura, obviamente, mas também um forte consenso ao redor de um tipo de governança. Este consenso era tão sólido que se colocava como indiscutível, seria fantasia qualquer alternativa. De repente, foi colocado no centro da discussão, e por fora dos canais institucionais da representação. Se pensarmos também no 15-M europeu, havia um consenso consolidado ao redor de um governo financeiro da Europa, com o poder concentrado em grandes bancos, grupos de investimento, onde os próprios estados-nações e a União Europeia não passam de filiais do sistema financeiro. De repente, imprevisivelmente, e de maneira bem material, rasgou um dissenso na inteira lógica de funcionamento da política nesses países. Também nos Estados Unidos. Se olharmos pro movimento Occupy, ele abriu uma alternativa real a um debate bipartidário completamente pacificado sobre o capitalismo, um tipo de pressuposto invisível, mas que voltou à cena pública desde sabe-se lá quando.

Nas revoluções árabes, no 15-M e no Occupy, as pessoas saíram às ruas, ocuparam praças, multiplicaram encontros, criaram novas formas de organização e novos discursos, e colocaram radicalmente em discussão o fundamento de uma governança que, até pouco tempo, era invisível e mesmo intocável. A produção de subjetividade chacoalhou as coordenadas da política. Penso que no Brasil, vimos alguma coisa de semelhante. As pessoas não apenas foram às ruas e praças para se manifestar contra os governos, mas também deixando claro que estavam em êxodo em relação às bandeiras dos partidos, sindicatos e todas as instituições da representação, inclusive os grandes veículos de imprensa, que se colocam como representantes da opinião e moralidade públicas. Acredito que a conexão global é verdadeiramente importante e que o movimento brasileiro esteja inscrito no mesmo ciclo de lutas.

Obviamente, e aqui entramos no segundo ponto, no Brasil existem muitas especificidades que não podem ser esquecidas. Não estamos vivendo um momento de crise ou recessão e, além disso, não se dá uma fase de rebaixamento social da classe média, nem um governo que esteja aplicando medidas de austeridade. É mais ou menos o oposto: vivemos num tempo de crescimento econômico estável, do início até o fim do governo Lula, de 2002 a 2010, continuando num ritmo constante no governo Dilma. Lembremos que Lula e Dilma são do mesmo partido, ela era o principal ministro de Lula, e é a sucessora por ele indicada. Nesse período Lula/Dilma, vivemos uma fase de inclusão social: em uma década vimos milhões de brasileiros atingirem um nível inédito de renda e acesso ao consumo, um nível relativamente digno. No país sempre houve uma elite branca muito rica, uma delgada camada média e uma ampla base de pobres sem a possibilidade sequer de construir um futuro, sem a possibilidade de estudar ou trabalhar senão em condições extremamente precárias, sem renda garantida e com reduzido acesso ao mercado de consumo. Na última década, teve uma forte distribuição da riqueza social e um número verdadeiramente impressionante de pessoas tem, hoje, condições de pensar prospectivamente e organizar um futuro. Em termos de subjetividade, vimos uma transformação social drástica e profunda, que mudou a sociedade brasileira. Os pobres agora podem entrar em lugares que sequer sonhavam atravessar a porta. Por exemplo, a universidade: em 2003, menos de 10% da população completava uma graduação e, atualmente, o número aproximadamente é o dobro. Mas isso se vê também no cotidiano por toda a cidade. Os pobres agora compram produtos no supermercado, fazem turismo, vão a pet shops ou salões de beleza, chegando a mercadorias e serviços antes impensáveis.

Portanto, não tivemos rebaixamento, mas o oposto. Tivemos uma nova composição social nascida do crescimento econômico. Não tem como dizer, agora, que as revoltas no Brasil sejam contra a exclusão, porque o que vimos foi a inclusão na sociedade. A insatisfação, assim, vivida na pele e gritada na rua, é contra um projeto de inclusão.

Podemos e devemos entrar no campo das hipóteses, e muitos estão já refletindo sobre as revoltas de grande escala no Brasil. Eu penso que um bom ponto de apoio para essa reflexão, pensando do ponto de vista da composição social e de classe, que é o ponto de vista de um materialismo consequente, é o livro do sociólogo Jessé Souza: Os batalhadores do Brasil. É uma pesquisa empírica em que o autor se propõe a descrever os dramas, as angústias e o sofrimento dessa nova composição social, aparecida na última década, e que tenta de todas as formas vencer no novo Brasil. As histórias de vida mostram como é difícil conseguir o sucesso, o tamanho da montanha de exigências, cobranças e expectativas carregadas sobre cada um. Porque na medida em que as pessoas agora têm o acesso ao sucesso, também podem fracassar. O fracasso vem a reboque como contrapartida ao futuro. A sociedade brasileira, afinal, não é uma sociedade clássica de bem estar social. Longe disso, do paradigma que encontramos nos livros e que sempre se refere à Europa do pós-guerra, os Trinta Gloriosos etc. Aqui, temos uma sociedade ultracompetitiva, submersa na precariedade, flexível, um mundo do trabalho marcado por uma cobrança intensiva e individualizada. Para vencer, não é preciso apenas estar qualificado para trabalhar, mas estar preparado emocionalmente, ter um perfil empreendedor, ser polivalente em qualidades e virtudes, ser bonito, arrojado, simpático, estar bem dotado de capital cultural e intelectual. Isso tudo carrega a subjetividade de uma enorme pressão.

Antes, a maioria dos pobres vivia na lei da sobrevivência, na labuta diária pelas necessidades básicas, sozinho num mundo inacessível, fechado, áspero, essencialmente injusto, onde a telenovela parece outro planeta. Só que, agora, com a abertura do mercado de trabalho e consumo, com a inclusão de milhões, a sobrevivência está projetada para o futuro como um item que você pode conquistar ou não, e que depende de você. O controle da subjetividade é diferente, mas nem por isso menos tenso. Você passa a ser responsável individualmente pelo seu sucesso, e tem de fazer mil coisas difíceis e diversas, para chegar lá.

Nesta perspectiva, outra linha de pesquisa que me parece útil para compreender as manifestações brasileiras está, por exemplo, no importante livro de Maurizio Lazzarato, A fábrica do homem endividado [sem tradução ao português]. É um livro que se aplica também ao Sul, mesmo fora das condições da crise do Norte. Aqui se vive outro tipo de crise, do ponto de vista da subjetividade. A dívida, aqui, não é financeira. É uma dívida subjetiva que empurra você a vencer, para ser uma pessoa bem sucedida, para avançar, superar os obstáculos, adaptar-se. Em suma, a “nova classe média” é mais um contradispositivo da subjetividade, uma espécie de fardo, que mobiliza os “emergentes” entre certo sucesso e certo fracasso, quer dizer, um modelo de inclusão que vai muito além do plano econômico ou sociológico. Nesse esforço sempre inglório para vencer no novo “capitalismo brasileiro”, se explicam — pelo menos em parte — vários arranjos “de sucesso”, como a ascensão das igrejas neopentecostais, a retomada de esquemas familiares, autoempreendedorismo.

Portanto, esta é a situação no Brasil: há uma nova composição social, há uma pressão subjetiva cortando-a por dentro, e ao mesmo tempo não existem bons sistemas de transporte, saúde, segurança pública, educação. Os ônibus, trens e metrôs, em especial, são lugares de sofrimento, sufocantes na hora do rush, superlotados e extremamente lentos. Apesar de tudo isso, nesta construção antropológica de subjetividade do novo mundo do trabalho brasileiro, aparentemente não existia uma insatisfação de grande escala, disseminada, além de revoltas, tumultos e pautas mais pontuais e circunscritas a temas específicos. Parcialmente, isto se deve porque o próprio modelo de inclusão mobiliza a culpa individual: são as pessoas que, no final das contas, estão devendo, nasceram devendo, e devem responsabilizar-se por isso.

Pode dar exemplos de como isso ocorre concretamente? Como se vê o novo Brasil e os brasileiros?

Por exemplo. Se estou no ônibus prensado na carne alheia por mais de uma hora para voltar pra casa não culpo a organização do transporte coletivo, mas a mim mesmo, por não ter sido bem sucedido o suficiente para comprar o conforto de um automóvel. Se minha filha está penando na fila de um hospital por atendimento, me culpo por não ter sido capaz de vencer a ponto de pagar um bom plano de saúde. Se tenho de colocá-la na escola pública, igualmente lamento não ter obtido o sucesso necessário para matriculá-la numa escola da classe média. E assim por diante, a culpa é sempre do indivíduo que não conseguiu realizar o que deveria, não se esforçou, não se adaptou o suficiente. Tudo nos leva a crer que só temos deveres e não direitos. Agora, imagine se parte desse gigantesco esforço de adaptação e trabalho, que precisamos investir para obter boa educação, transporte e atendimento de saúde, fosse investido em uma luta política pela reinvenção, reforma e melhoria dos sistemas de educação, transporte e saúde? Quero dizer, em vez de se culpar individualmente por não vencer no sistema, por que não questionar o próprio sistema. Parece abstrato culpar o sistema e é exatamente isso que tenta fazer parecer o grande consenso em vigor. Mas não é. Existem caixas pretas, acordões e conchavos bastante reais, envolvendo muito dinheiro, ao redor da organização urbana do transporte, dos planos de saúde, da lógica de funcionamento da educação.

Tudo isso é, na verdade, um arranjo material de interesses e esquemas: a maioria discutidos em gabinetes e campanhas eleitorais, inacessíveis à população que, no final, é quem paga tudo. Essa situação esdrúxula, onde temos culpa por tudo e estamos endividados por tudo, na minha análise, foi um fator desencadeador da escala massiva dos protestos brasileiros. As pessoas perceberam que a culpa não era delas, especialmente quando o Movimento Passe Livre questionou a lógica do transporte público e, mais importante, os governantes tiveram de recuar e fazer o “impossível”: cancelar o aumento. É que além das planilhas e cálculos objetivos de especialistas, com que tentam nos convencer que não dá mais, existe uma margem bastante palpável que é a margem de lucratividade, compromisso político-eleitoral e exploração, margem sistêmica, numa monstruosa e insaciável extração de tempo, vida e energia das pessoas incluídas no novo Brasil e suas cidades. O problema, enfim, é de organização, é sistêmico porque transcende a esfera meramente individual, a consciência e o mérito de cada um, incidindo diretamente sobre o plano político. O preço das tarifas é um tema político, jamais econômico.

A situação explodiu com um acontecimento contingente, a Copa das Confederações. Existe esse estereótipo do Brasil como pátria das chuteiras, lugar de alienação onde o futebol não passa de ópio de povo. Mas coincidentemente os maiores protestos da história do país se deram em meio a um megaevento do futebol. Mais do que isso, foi na mídia esportiva e seus jornalistas que apareceram as opiniões mais críticas à realização dos megaeventos, contrastando com a absoluta cumplicidade e até ufanismo por parte dos jornalistas convencionais. Isso faz parte da estratégia de capitalizar o Brasil atraindo investimentos, uma espécie de marketing político pela sua inserção no mercado global, na nova ordem mundial. Essa plastificação soa como uma ofensa.

O fato é que os brasileiros quando veem a imagem que se está vendendo do país no estrangeiro, só podem ficar indignados. Quem vê de fora a propaganda oficial parece que o país é maravilhoso, primeiromundista, quando há deficiências graves e humilhações em setores essenciais, como saneamento, saúde, educação, cultura, segurança pública. É preciso mostrar os pés de barro do colosso, diante de uma publicidade tão enganosa.

Podemos não viver uma crise recessiva, mas sucede uma crise do crescimento, uma crise da nova sociedade brasileira e sua composição social profundamente ambivalente. Muitas pessoas uma hora se indignam e se revoltam contra o modelo molar de inclusão. Nas revoltas, existe uma positividade, as manifestações estão assentadas numa vontade de viver e expandir diferente, uma construção comum de alternativas constituintes. Nada disso é entendido pelo governo federal, que insiste nos slogans do Brasil Maior e do Brasil Rico, sem prestar atenção (e até desprezando) em qual riqueza e grandeza as pessoas têm sonhado.

Tem-se então no Brasil uma revolta contra a inclusão. Também sublinhaste como não se pode falar em rebaixamento, mas ao mesmo tempo é falacioso o argumento da “nova classe média”. Podemos dizer que, no Brasil, essa camada média já nasce rebaixada e precarizada? Ou seja, já é imediatamente proletariado cognitivo?

Concordo. Penso que no Brasil historicamente saltamos a casa do welfare state; é que a nossa história, ao contrário do que teorizam intelectuais colonizados, não é um jogo da amarelinha onde o “céu” é o primeiro mundo. Aqui talvez sequer seja caso de andar pra frente, quem sabe pros lados, como o caranguejo.  Os sociaisdemocratas europeus dos anos 1960 e 1970 sonhavam com o “pleno emprego” e os nossos, colonizados, com a Suécia. Quanto complexo de inferioridade! Paradoxalmente, já nascemos numa situação pós-moderna. O pós-estruturalismo foi inventado pelos índios e não por acaso Levi-Strauss levou para o outro lado do oceano e deu no Anti-Édipo

Há cerca de 10 anos, quando a polícia subia o morro tinha um só objetivo: extermínio, controle violento dos negros. Era chacina o tempo todo. Agora, embora a forma-caveira persevere, sobem também os bancos, a formalização dos serviços. A lógica agora é de pacificação e não extermínio. Essa paz obviamente é do medo, que permita uma relação de força favorável para explorar o território de maneira ordenada. O que significa: expandir a franja do capitalismo, concentrar a exploração e incluir a população no mercado de trabalho e consumo. Isso, como toda franja capitalista, tem dois lados. Por um lado, aumenta em molecularidade o controle, transmudado de sua forma mais disciplinar. Por outro, mobiliza capacidades e ferramentas da população, que passa a exigir mais e aumentar a sua esfera de direitos, a sua posição como sujeito. O pacote “pacificação” é signo de uma ambivalência, o que se pode condenar, contudo, é estabelecer a unidade dessa pacificação como tarefa de polícia — civil ou militar, não importa, são igualmente brutais e racistas. Por que não uma unidade de políticas públicas, ou políticas do comum (UPC)?

Contrastando com teorias catastrofistas da esquerda, que só veem o pobre e a favela como vítimas, como lugar infernal, Giuseppe Cocco trabalha há muito tempo sobre esse conceito de “mobilização produtiva dos pobres”. É uma retomada da favela como usina, como fábrica de desejos, franja de subjetividade. Isso tem um lado ético e estético muito forte, e vai além de interpretações paternalistas para instalar nas comunidades e suas tradições de luta uma qualidade constituinte. Isso está acontecendo no Rio e em outras grandes cidades. Essas pessoas não aceitam mais quaisquer empregos subalternos, condições humilhantes, e estão se “proletarizando”, ou melhor, socializando noutros termos, se organizando de outras maneiras, novos coletivos e movimentos político-culturais.

Uma boa pesquisa seria identificar não só os novos circuitos de valorização e formas difusas de exploração do novo “proletariado”, mas também as bacias de trabalho vivo, os modos inovadores de cooperação social, viver junto, de criar.

Antes, você acenou sobre o papel dos jovens, a juventude como categoria política e não exclusivamente anagráfica. Pelo que você diz, os jovens estão imediatamente socializados dentro de um “novo modelo” de inclusão social do Brasil Maior. Quanto e em que formas a questão geracional pesa na composição de classe?

O movimento do Passe Livre, que afinal disparou as revoltas em junho, é composto por pessoas na faixa dos 20 anos. É realmente incrível. Nas manifestações, os grupos de ação direta são milhares e milhares de garotas e garotos com 16, 17, 18 anos, estudantes do ensino médio, além de muitos universitários. Eu vi vários com uniformes da escola pública. Este é um elemento incontestável. Vimos por outro lado os “antigões”, eu incluso, em vários momentos tímidos, hesitantes, e alguns inclusive com uma atitude de desprezo e até repulsiva. Consideram-se militantes de sétimo dan e estão perplexos, porque os protestos também são contra as bandeiras vermelhas da esquerda, dos partidos, e também contra o governo federal do PT e de Dilma. Houve hostilizações contra isso e nós estávamos ali, sem saber para onde ir, em meio a uma juventude positivamente “selvagem” que, todavia, estava muito bem organizada, com pautas muito consistentes e uma percepção agudíssima sobre a realidade bloqueada.

Temos que levar em consideração que essa “nova geração” já cresceu num outro Brasil, na nova sociedade profundamente ambivalente de que eu falava. Não viveram politicamente os tempos de FHC, a terra arrasada dos anos 1990, e não compreendem como a gente compreendia a luta antineoliberal, que às privatizações e ao mercado dizia vivas ao estado. Já nasceram politicamente no governo Lula e não vão se contentar com explicações que o PSDB é pior. Isso não convence, é uma chantagenzinha de velho. Tudo isso, para eles, não faz sentido. E é bom que seja assim. Estão livres desses vícios que nos tornam hesitantes, ranzinzas e até nojentinhos. Porque Belo Monte, a resistência da Aldeia Maracanã, a luta por renda, mídia e cultura, isso para eles é vivido como um imediato contra o estado, e não só um problema do mercado. Está tudo misturado, é como se tivessem contornado a guilhotina da modernidade entre público e privado. Na minha opinião, e espero não estar enquadrando demais essa carga selvagem, o discurso do comum é imediatamente consistente com essa febre geracional.

Eles dizem: “ok, esta é minha possibilidade de existir, de viver sem seguir o que já estava preparado para mim, é minha chance de dizer não à montanha de expectativas e culpas, do mercado, do estado, da família, então eu vou lá e faço meu caminho”.Tem, sim, um componente geracional.

Você citou algumas vezes o conceito de comum: além do que existe nos léxicos políticos, em que modo é concretamente importante nas lutas e qual a sua relação com o público?

Como eu disse, nos anos 90 no Brasil, parecia claro a muita gente que a direita era pelo mercado, a privatização e a globalização financeira, enquanto a esquerda defendia o estado, o público e a proteção dos países pobres contra a globalização. Éramos pelos serviços integralmente públicos e de qualidade, por uma sociedade com um estado forte, que pudesse confrontar o poder econômico e os arcaísmos regionais e, de cima a baixo, realizar a justiça social. Quando eu tinha 16 anos, eu acreditava piamente nisso. O iluminismo não ilumina a gente… ele ilude, não é?

Veio a esquerda ao poder, Lula foi eleito em 2002. As receitas neoliberais foram dando lugar para uma matriz mais sincrética, misturando algumas políticas do tempo do FHC (ortodoxia financeira, algumas privatizações), com o nacional-desenvolvimentismo na linha furtadiana. Mas também inovações, de fato tímidas, embora importantes, seja em termos programáticos, como a massificação das políticas sociais, os pontos de cultura, seja de abertura para os movimentos, como forma de governança. Dilma sucedeu Lula, e fortaleceu no discurso o lado gestor, da eficiência e modernização do estado. A minha impressão é que ela pensa efetivamente como a esquerda pensava nos anos 1970. Isso toca, por vezes, nas estratégias desenvolvimentistas de certo setor formulador e intelectual das ditaduras militares, a exemplo da equipe do ex-presidente Geisel. O signo máximo, sem dúvida, é a barragem de Belo Monte, que vai ser a terceira do mundo e servir essencialmente para fortalecer a primarização da economia no norte do país (grande indústria mineradora).

Por isso, as manifestações estão se revoltando também contra o estado. Contra um estado muito distante da composição social, incapaz de comunicar-se, de ser perpassado desde baixo. O Grande Projeto está surdo e mudo, resume-se a viver de publicidade, gabinetes fechados, e pesquisas desde o alto de opinião e popularidade. O governo pretende colher o apoio a jusante, sem fazer o dever de casa de uma democracia. Esse descompasso se abriu nas ruas, onde é preciso reformular tudo, voltar à prancheta.

É aí, nessa necessidade de positividade, que eu vejo o comum como uma resposta em movimento. Existe, sim, um desejo de organização que não passa pelas formas representativas, que não quer mais saber dos mil conchavos e lobbies envolvidos na governança. Que não querem fazer megabarragens e megaobras para capitalizar a imagem do Brasil ou auferir divisas pela exportação de commodities. Porque os representantes dizem que não tem outro jeito. Mostram planilhas, infográficos, leem as tendências internacionais. Mas tem que ter outro jeito. As pessoas estão construindo isso, quando, em grande êxodo, recusam os partidos, bandeiras e movimentos de esquerda ou direita. Esse comum está espessando graças a novas redes, formas de comunicação, formas de controle democrático e deliberação. Daí podem surgir outros modelos de governança no nível dos serviços, da saúde, cultura, educação, transporte.

No Brasil, o “comum” não é tanto uma questão de inovação teórica, mas uma alternativa constituinte que se impõe pelo próprio impasse oferecido pelos representantes, na camisa-de-força entre “público” e “privado”.

Nas revoltas brasileiras, como é a relação entre o movimento e a esquerda, que costuma ser o portador do discurso histórico da defesa do “público” e do estado?

A esquerda tradicional no Brasil, — estou falando do PT, PCdoB, PDT, PCB, PSOL, PSTU, movimentos sociais, centrais sindicais, UNE, UBES e alguns outros, — foram pegos totalmente de surpresa pela magnitude que a coisa galgou em pouquíssimo tempo. A reação foi de assombro generalizado. E daí começaram a surgir discursos de primeira hora. Tiveram os que frisaram não ter nada a ver com isso, e fizeram questão de marcar atos e passeatas “separados” do movimento selvagem. Tiveram outros que, no governo, na situação, julgaram que os maiores prejudicados seriam eles mesmos, que tinham as eleições de 2014 já calculadas e definidas, e aí partiram para estratégias de desqualificação e, os mais pelegos, de criminalização. Tiveram os que ficaram repelidos pela presença de pautas incomuns à esquerda, e alguns minúsculos grupos da direita, sem representatividade nos protestos, mas que foram suficientes para ativar um medo totalmente irracional e mecanismos de defesa, com abundante abuso da palavra “fascismo”. A tese da manipulação é típica da mentalidade colonial. O esquerdista pensa como o colonizador: o “outro” é incapaz de autodeterminar-se, é incapaz de querer o melhor para si, e que quem tem a razão é ele mesmo, o conscientizador, e que essa razão precisa ser encarnada no estado socialista. Essa é a “construção do socialismo”: eles mesmos encarnados no poder para civilizar as massas bárbaras. É quase uma constância histórica serem atropelados pelas revoluções que só conseguem elogiar nos livros.

E tiveram, claro, intelectuais orgânicos muito bem orientados pelos dirigentes que não tiveram qualquer pudor em usar seu “capital acadêmico” (medido pelo sistema Lattes) para engrossar o caldo da repressão violenta. O caso mais grave, na minha opinião, foi da filósofa Marilena Chauí, que palestrou na academia da polícia militar que fascistas eram os manifestantes.

Enquanto muita gente se mobilizou na alegria de ver algo diferente finalmente acontecer num país onde sempre se falou em “alienação” e “desmobilização”, a esquerda tradicional fez o papelão de se diferenciar ela mesma da multidão, que provou conhecer somente na teoria ou através de pesquisas de opinião e eleitorais. Muitas máscaras caíram, da esquerda na situação e na oposição, e eu não tenho dúvida que as pessoas que se revoltaram e foram às ruas vão se lembrar disso. Tem muita gente de esquerda, aliás, que tem medo que realmente ocorram grandes manifestações. Isso ameaça a sua “reserva de mercado”, mexe com sua identidade querida, no final das contas é só mais uma zona de conforto burguesa onde podem estabelecer relações de amizade, produção ou amorosas com alguma segurança e autocomplacência. É realmente triste o grau de impotência de parte de nossa esquerda, é um complexo colonizado.

Voltemos à genealogia do movimento no Brasil. Em que grau pode recompor e transformar lutas precedentes, e em que grau pode criar perspectivas comuns?

Não vejo, hoje, a esquerda tradicional, sejam partidos, sindicatos ou movimentos sociais, capazes de unificar e dar direção à intensa mobilização da sociedade brasileira, na dimensão política e produtiva. Acredito que a massificação dos tumultos e lutas pode acontecer, outra vez, através de ações táticas feitas no momento certo, a exemplo do que o MPL conseguiu ser o estopim, em junho. Essas ações estão conjugadas com uma indignação difusa que se manifesta onde a vida é mais tensa: no transporte coletivo, na saúde, na educação e outros âmbitos cheios de pólvora. Obviamente, a iminência e a realização da Copa do Mundo vão tensionar ainda mais a situação, além das eleições de 2014, onde serão votados presidente, governador e parlamentares federais e estaduais.

Se uma recomposição de classe no nível organizativo é possível, se dá com outro tipo de movimento, e outro tipo de comunicação. Está em construção, talvez seja difícil enxergá-la, e prefiro não fazer postulações que pareçam abstratas ou metafísicas. Que sei eu de utopias? Sei que a luta continua e só ela ensina, como gosta de dizer uma companheira tradutora da Vila Vudu. Grupos como o Favela não se cala promovem arranjos inéditos, com capilaridade nas favelas, mas também no asfalto. Outras mídias, como o jornal Nova Democracia, ou esses maratonistas com câmera na cabeça fazendo streaming, contam-nos outras histórias diretamente dos acontecimentos. Tem muita coisa de bastidor, matilhas amorosas de preto, grupos estético-políticos, outra produção cultural, como por exemplo o Norte Comum, no Rio. Os camelôs, os sem tetos, os artistas de rua, os hackers, as vadias, os precários, todos continuam na sua construção diuturna de outra cidade, e atravessam as manifestações na medida de seu desejo e sua raiva.

Estamos, nós da UniNômade brasileira, pesquisando as formas embrionárias e produzindo conhecimento nas lutas e para as lutas, isso é certo e para mim gratificante. A esquerda se perdeu num “compromisso histórico” em que a juventude e todos nós revoltados e indignados não nos sentimos comprometidos. Não posso deixar de estar otimista.

—–

Bruno Cava é militante e blogueiro, publica o Quadrado dos loucos e participa da rede UniNômade

Gigi Roggero é pesquisador precário das lutas na Europa, autor de Fábrica do saber vivo, participa do projeto Commonware



Pablo Ortellado: Os protestos de junho entre o processo e o resultado

27 de Outubro de 2013, 9:24, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

CartaCapital publica o artigo de Pablo Ortellado (ativista e professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP), parte do livro “Vinte Centavos: A Luta Contra o Aumento”

Os protestos de junho entre o processo e o resultado

Por Pablo Ortellado, Carta Capital

27/10/2013 09:37

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Tânia Rêgo / Agência Brasil. Manifestantes em protesto no centro do Rio de Janeiro do dia 13 de junho, uma das datas retratada no livro “Vinte Centavos: A Luta Contra o Aumento”

Vergnügungs-Reisende. – Sie steigen wie Tiere den Berg hinauf, dumm und schwitzend; man hatte ihnen zu sagen vergessen, daß es unterwegs schöne Aussichten gebe.

[Turistas - sobem a montanha como animais, estúpidos e suados. Esqueceram de lhes dizer que há uma bela vista no caminho.]

F. Nietzsche. Der Wanderer und sein Schatten, 202.

Durante muitos anos, os novos movimentos viveram sob uma tensão entre processo e resultado. A experiência dos protestos de junho deixa dois legados opostos: o da mais extrema dispersão processual e o da fértil conjugação de processo e resultado na luta contra o aumento.

Temos assistido nas últimas décadas ao nascimento de movimentos horizontais na forma de organização e autônomos em relação a partidos e instituições. Esses movimentos frequentemente valorizam mais o processo do que o resultado: é o meio pelo qual atuam, a horizontalidade, a democracia direta, assim como a criatividade das suas ações, que dão a eles sabor e sentido. As lutas são ao mesmo tempo experiências vivas de uma democracia comunitária e espaço de autoexpressão contracultural. Algumas vezes, essa dimensão processual é sobrevalorizada e mesmo contraposta aos resultados práticos da ação política.

Há quase 40 anos Mario Tronti propôs a inversão da máxima leninista de que o movimento agia no curto prazo e o partido no longo. Para Lenin, os trabalhadores deixados à própria sorte se perderiam em inócuas lutas sindicais por aumento de salários que, caso fossem vitoriosas, seriam pouco a pouco revertidas pelo aumento do custo de vida. Era preciso um partido que subordinasse essa luta de curto prazo a um programa de transformação de longo prazo, orientado por um entendimento científico da sociedade. Tronti inverte essa máxima, notando que é o movimento que faz a mudança de longo prazo, ao modificar estruturalmente as relações sociais, e que ao partido político (na sua acepção parlamentar) cabe apenas a luta por conquistas pontuais.

Mais ou menos no mesmo período, Carl Boggs entendia que os novos movimentos caracterizavam-se por um comunismo prefigurativo que tinha como antecedente e modelo os conselhos operários. Nos conselhos operários, a forma de organização assembleísta prenunciava e antecipava a democracia radical que se pretendia – ele a prefigurava. Não se tratava mais apenas de perseguir a meta de uma sociedade livre e igualitária, mas de ver as estruturas internas do movimento como a gênese do futuro socialista. Era o próprio processo de luta que precisava antecipar o novo mundo que se buscava. Os meios prefiguravam os fins.

Em nenhum outro lugar como na assembleia dos novos movimentos as tensões entre processo e resultado são vistas com tanta clareza. Não se trata mais apenas de tomar uma decisão que contemple a pluralidade das perspectivas constitutivas da coletividade, mas também de participar de uma experiência comunitária. A tomada da palavra não busca unicamente contribuir para aprimorar a decisão – busca a autoexpressão e a participação. Tudo o que já foi dito precisa ser dito outra vez por quem ainda não falou. Como observou Cornelius Castoriadis, nenhum dos novos democratas do direito irrestrito à palavra conseguiria sustentar um discurso redundante ou vazio sem receber uma sonora vaia da multidão na Atenas clássica.

A sobrevalorização do processo em detrimento do resultado não é uma característica apenas dos movimentos. A cobertura da grande imprensa (e mesmo a da alternativa – que em geral apenas inverte os sinais do discurso dominante) também só se concentra no processo: é na forma de luta, tanto a da “violência” do vandalismo como a da criatividade da intervenção contracultural, que o olhar se detém. Sobre a reivindicação política à qual supostamente tudo está orientado, pouco se diz.

 II

A tensão entre processo e resultado tem como marco simbólico a Marcha do Pentágono em Washington, em outubro de 1967, quando os modos de ação dos novos e dos velhos movimentos explicitamente divergiram. De um lado, o ato tradicional com oradores pelo fim da guerra contra o Vietnã, organizado pelo Comitê nacional de mobilização; de outro, a tentativa de fazer o Pentágono levitar com milhares de pessoas entoando o mantra “Om”, organizada por Jerry Rubin, Abbie Hoffman e Allen Ginsberg. Os debates sobre a tentativa de fazer o Pentágono levitar opunham, de um lado, os que achavam que se tratava de incompreensível futilidade, algo como desperdiçar anos de trabalho de conscientização contra a guerra e, do outro, aqueles que elogiavam a capacidade mobilizadora da performance contracultural, além da sua potência processual de pura e simples diversão.

A autocompreensão do movimento contra a liberalização econômica (“antiglobalização”) era a de que tinha reunificado o movimento social que se cindira nos anos 1970. Naquela década, as lutas dos negros, das mulheres e dos estudantes tinham se fragmentado, emancipando-se da força unificadora do movimento operário. O neoliberalismo afetava simultaneamente as mulheres, que trabalhavam em más condições nas sweatshops; os trabalhadores, que perdiam direitos para que Estados nacionais pudessem atrair investimentos; e o meio ambiente, que perdia instrumentos legais de proteção para permitir a expansão de empreendimentos econômicos. Esse amplo espectro de efeitos permitia que fosse forjada sobre eles uma unidade de luta que tinha por objetivo barrar o neoliberalismo. No entanto, os instrumentos práticos para atingir esse objetivo eram obscuros porque o processo de liberalização econômica era transnacional e, assim, iniciativas nacionais antineoliberais eram simplesmente minadas pelo deslocamento do capital financeiro para outros mercados. A ausência de uma estratégia clara colaborou para a grande ênfase depositada nos processos.

O movimento contra a liberalização econômica discutiu como nunca antes os seus processos. Explicitamente apoiado na ideologia da política prefigurativa, os debates sobre democracia interna e estratégia de luta foram mais centrais do que as críticas contra os efeitos nefastos da desregulamentação dos mercados. “A decisão deixa a desejar, mas o processo foi perfeito”, ironizava com frequência uma influente ativista do Direct Action Network, após assembleias inócuas. Quando os movimentos se reuniram em Seattle para um bloqueio “não violento” da Rodada do Milênio da Organização Mundial do Comércio e um grupo dissidente questionou a estratégia da não violência, tudo passou a girar em torno do Black Bloc. “A violência do Black Bloc faz parte do mundo que queremos?”, “A violência da resistência deve ser julgada da mesma maneira que a violência da opressão?”, “Afinal, destruir propriedade é mesmo violento?” Como resultado do debate, emergiu meses depois a doutrina da diversidade de táticas, na qual as formas de luta são todas acolhidas no espírito zapatista do mundo onde cabem muitos mundos. A reunião da OMC foi malograda, muito mais por divergências entre países centrais e periféricos do que pela ação do Direct Action Network e do Black Bloc. Apesar disso, os muros da cidade foram grafitados: “Estamos vencendo!”

Em 2011, a revista canadense Adbusters divulgou um cartaz no qual uma bailarina dançava sobre o touro que simboliza a bolsa de valores de Nova York, convocando ativistas a ocuparem Wall Street. No alto do cartaz, lia-se a instigante pergunta: “Qual é nossa única demanda?” O objetivo da provocação era estimular os futuros ocupantes a mimetizar a mobilização egípcia que tinha tomado a praça Tahir com uma demanda única clara: a saída de Mubarak. Será que a objetividade de propósito dos egípcios poderia inspirar os ativistas dos novos movimentos? As discussões iniciais sobre qual seria a demanda única do Occupy Wall Street giraram em torno da taxa Tobin e da criação de uma comissão presidencial para tratar da dominação do poder econômico sobre o sistema político. Mas nenhuma das sugestões parecia contentar as insatisfações. No quinto comunicado, o movimento anuncia sua única demanda: “Acabar com a pena de morte é nossa única demanda … Acabar com a desigualdade de renda é nossa única demanda … Acabar com a pobreza é nossa única demanda … Acabar com a guerra é nossa única demanda”. Os sonhos dos ocupantes não cabiam em uma demanda única. O movimento decidiu que não queria os seus 20 centavos.

 III

Uma das razões que fazem com que os novos movimentos se concentrem em processos é que a orientação a resultados exige confrontar nosso desconforto com a política – desconforto consolidado por uma exclusão secular da participação na vida pública.

Maquiavel assombrou o seu tempo quando explicitou e defendeu o uso da razão de Estado pelos Médici para realizar a patriótica tarefa de submeter a um só poder o território da península itálica. As observações que recolheu no exercício da vida diplomática indicavam duas lições complementares: o reconhecimento de uma legalidade própria dos negócios de Estado e a compreensão de que o povo miúdo não era capaz de entendê-la. É por esse motivo que o príncipe maquiaveliano deve, simultaneamente, na política, desprender-se das restrições normativas características da vida privada, mas sempre fazer parecer que vive por elas.

Na famosa conferência aos estudantes de Munique, Max Weber quer ressaltar a lição fundamental de Maquiavel para aqueles jovens que ascendiam à responsabilidade política por meio da luta social na revolução alemã. A contraposição didática entre o principismo da moralidade privada e a lógica de resultados da política buscava preparar esse novos atores para os difíceis dilemas que enfrentariam.

Quando, no ciclo de lutas dos anos 1970, a democracia interna dos novos movimentos dá um salto, vem com ela a flagrante incapacidade de fazer política. Não se trata apenas dos difíceis dilemas das mãos sujas que sempre fizeram hesitar até mesmo os homens e mulheres de Estado. Tarefas triviais que podem comprometer um radicalismo de princípios passam a ser sistematicamente evitadas. Falar com a grande imprensa, receber doações ou negociar com o poder público aparecem não como opções táticas a serem julgadas com respeito aos resultados práticos da luta, mas como comprometimento dos ideais anticapitalistas incompatíveis com a imprensa empresarial, o mercado e o Estado. O radicalismo não se define mais pela capacidade ou pelo esforço de atingir uma transformação social profunda, mas pela integridade do idealismo. Entre a imobilidade do respeito aos princípios e o risco da ação política, prevalece a imobilidade. O radicalismo se torna apático.

A ascensão dos novos movimentos indicava um potencial de transformação que permanecia inatualizado pelo principismo daqueles que sempre estiveram afastados da política. Tentativas de enfrentar abertamente esse principismo normalmente resultaram em acusações de pragmatismo leninista. Curiosamente, a história secreta de cada uma das novas lutas é a de lideranças pragmáticas cumprindo, nas costas do movimento, as tarefas necessárias que ninguém quis enfrentar ou discutir. O resultado é paradoxal: movimentos que, por um lado, valorizam e zelam pelo seu processo democrático e que, por outro, arriscam essa democracia por conta da incapacidade que têm de lidar com táticas e estratégias orientadas a resultados.

Se o processo de desenvolvimento das lutas no capitalismo é um processo de aprofundamento da democracia – ou seja, se a luta de alguma maneira prepara o advento de uma sociedade livre e igualitária, então esse processo deve incorporar uma crescente capacidade de fazer política. A valorização da criatividade e da democracia no processo de luta precisa ser combinada com a incorporação de um entendimento maduro de que a política se mede por resultados. A lógica imanente à ação política desvelada por Maquiavel precisa ser dissolvida num processo democrático no qual a dominação e o logro se convertem em estratégia emancipatória transparente. Precisamos de um maquiavelismo difuso, uma filosofia moral para a multidão em antagonismo.

IV

Os protestos de junho deixam dois legados opostos: de um lado, a explosão de manifestações com pautas difusas e sem qualquer orientação a resultados; de outro, a luta contra o aumento conduzida pelo MPL com profundo sentido de tática e estratégia.

Durante os momentos finais da campanha contra o aumento das passagens, a luta foi tomada de assalto pela difusão de pauta. Quando o aumento foi revogado, a agitação permaneceu órfã e a difusão de pauta se apoderou de vez do processo. Estabeleceu-se um ativismo processual muito pouco orientado a resultados. Em relação a fenômenos semelhantes em outros países ele foi mais extremo: não se tratava apenas da dificuldade de encontrar um objetivo exequível comum, como se viu no Occupy Wall Street ou no 15M espanhol, mas da incapacidade de encontrar um horizonte ideológico comum, mesmo que vago. Na ausência de orientação política, o movimento se consumiu em questões processuais, principalmente a respeito dos modos de luta. Não é por acaso que os debates que se viram no final dos anos 1990 em torno do Black Bloc ressurgiram com toda a força, agora na forma de debates sobre os limites entre uma respeitável e cívica mobilização cidadã e uma criminosa ação de vândalos. Sem objetivos claros, os processos foram discutidos numa chave principista e sem referência aos resultados. Sob esse aspecto, junho foi o mês no qual explodiu uma indignação difusa, um enigma a ser decifrado pela grande imprensa e seus analistas.

A estratégia do Movimento Passe Livre é um acúmulo de aprendizados de lutas sociais pregressas. Em 2003, os estudantes de Salvador bloquearam as vias da cidade para protestar contra o aumento das passagens de ônibus. A mobilização foi espontânea e horizontal, mas carecia de pessoas ou grupos de referência legitimados pelo movimento para fazer a mediação com o poder público. Na ausência dessas referências, a UNE ocupou o papel e subordinou, de maneira leninista, a pauta dos estudantes pela redução das passagens à sua agenda partidária. O MPL aprendeu com essa experiência que era preciso que o movimento tivesse uma expressão política própria ao mesmo tempo horizontal e contrária ao aumento – em outras palavras, que estivesse de acordo com seu processo e sua meta.

O MPL apreendeu e desenvolveu a lógica imanente às lutas dos jovens e dos estudantes contra o custo das passagens. A evolução da luta pela meia passagem dos anos 1980 para a luta pelo passe livre estudantil dos anos 1990 e dessa para a luta contra o aumento das passagens dos anos 2000 revela uma lógica de luta voltada para a ampliação de direitos que, devidamente desdobrada, remete  à tarifa zero e à desmercantilização do transporte para todos. Esse entendimento não foi imposto por um programa leninista externo, mas foi extraído da própria luta autônoma dos estudantes.

Os aprendizados adquiridos em quase dez anos de movimento social permitiram ao MPL uma notável combinação de valorização de processo e orientação a resultados. Por um lado, ele soube preservar e cultivar a lógica horizontal e contracultural que extraiu tanto da luta dos estudantes contra o aumento como do movimento contra a liberalização econômica, de onde vieram muitos dos primeiros militantes. Por outro, soube estabelecer de maneira tática uma meta objetiva exequível: a revogação do aumento. Essa meta “curta”, no entanto, estava diretamente ligada à meta mais ambiciosa de transformar um serviço mercantil em direito social universal.

A revogação do aumento criou o precedente de reduzir o preço da passagem pela primeira vez – foi assim em Florianópolis em 2004 e em São Paulo em 2013. A redução redirecionou a lógica da tarifa, da ampliação para a redução crescente, até o limite lógico da tarifa zero. Ao conquistar a revogação do aumento, a tarifa zero foi imediatamente lançada no coração do debate político. A dupla vitória de reduzir o custo das passagens e trazer para a centralidade do debate político a tarifa zero por meio de uma ação autônoma com uma estratégica clara é o mais importante legado dos protestos de junho. Ele não é apenas um novo paradigma para as lutas sociais no Brasil, mas um modelo de ação que combina a política horizontalista e contracultural dos novos movimentos com um maduro sentido de estratégia. Esse livro é uma celebração desse legado.

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O artigo de Pablo Ortellado faz parte do livro “Vinte Centavos: A Luta Contra o Aumento” da editora Veneta, que já está nas livrarias. O livro tem como autores ainda Marcelo Pomar (cofundador do MPL e historiador), Luciana Lima (mestre em Estudos Culturais pela USP) e a socióloga Elena Judensnaider. A obra é uma narrativa detalhada dos 11 dias de junho que sacudiram a cena política e social do país, e foi escrito por quem acompanhou todo esse processo de perto.



Boaventura: Apesar de Dilma demonstrar “insensibilidade social”, Marina não é uma alternativa à esquerda

26 de Outubro de 2013, 21:31, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

Nessa questão dos direitos humanos, em que posição o senhor situa o Brasil hoje?
É uma leitura muito complexa. Há áreas e domínios dos direitos humanos em que tivemos conquistas extraordinárias desde o governo Lula. Eu considero [positiva] toda política de ações afirmativas, do reconhecimento de que há racismo na sociedade brasileira e de que é preciso tomar medidas para que afrodescendentes e indígenas possam ter acesso à educação, numa tradição que vinha desde há muito tempo com Abadias do Nascimento, mas que nunca teve êxito. Também o fato de criar um Brasil mais inclusivo, mais diverso, mais colorido, com mais consciência de sua diversidade étnico cultural. Penso que tudo isso foi um grande avanço.
Onde eu vejo que há retrocesso é em toda a área dos direitos humanos que trouxeram também no seu bojo aquilo que, para um desenvolvimentista, pode ser considerado um obstáculo. (…)

O senhor considera o governo Dilma de direita?
Eu venho da Bolívia, estive no Equador, conheço os outros países [da região]. Alguns deles são muito mais à direita no governo, é o caso do México. E lá estamos assistindo a uma grande vitória de um povo indígena que lutou contra uma barragem, La Parota, e conseguiu efetivamente parar essa barragem.
Eu colocaria a presidente Dilma no mesmo pé em que coloco o presidente da Bolívia [Evo Morales] e o governo do Equador. São governos que eu considero progressistas. Não os considero de direita. Eles, de alguma maneira, fazem muito do que sempre fez a direita: têm o mesmo modelo de acumulação, o mesmo modelo capitalista, o mesmo neoliberalismo, aproveitaram a mesma onda de extrativismo, com a reprimarização da economia.
Mas o que esses governos fazem e que a direita nunca fez na América Latina foi redistribuir esses rendimentos de alguma maneira. Distribuem muito mais que os outros governos. Para muitos grupos sociais, isso não é suficiente. Até porque essa forma de redistribuição é relativamente precária, não é com direitos universais, é algo que pode parar de um momento para outro. Mas há problemas. Os ambientais são extraordinários.

‘Dilma tem grande insensibilidade social’, diz guru da esquerda

RICARDO MENDONÇA, DE SÃO PAULO, Folha

26/10/2013

Referência de militantes de esquerda em todo o mundo, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos diz que há retrocessos em segmentos dos direitos humanos no Brasil e critica a presidente Dilma por demonstrar “insensibilidade social”.

Segundo ele, isso fica “ainda mais evidente por conta [...] do estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais”.

Para Boaventura, no entanto, Marina Silva (PSB) não representa uma alternativa para a esquerda. Ele diz que sua eleição fortaleceria correntes religiosas conservadoras. Além disso, entende que, na economia, Marina seria um retorno ao que havia antes de de Lula. “Ela é uma cara nova para a direita”, afirma.

Boaventura veio ao Brasil para o lançamento de dois livros: “Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos” e “Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento”, o segundo em coautoria com a filósofa Marilena Chaui.


Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Fabio Braga/Folhapress

Folha – “Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos” é um título provocador. Sugere que o senhor acredita em Deus. E sugere que Deus poderia dar mais importância para os direitos humanos. É isso?
Boaventura de Sousa Santos – De fato, não. O título é provocador. Eu não me comprometo com a existência de Deus. Sou como Pascal [filósofo francês, 1623-1662]: diria que não temos meios racionais para poder afirmar com segurança se Deus existe ou não. O que podemos é fazer uma aposta: apostar se existe ou se não existe. Como sociólogo, o que penso é que há muita gente que aposta na existência de Deus e que organiza sua vida ao redor disso.
Estamos num momento de fortes movimentos sociais em todo o mundo, com protestos, muita indignação, muita revolta. Alguns desses movimentos trazem no seu interior pessoas e grupos que seguem diferentes religiões. Ou que transformam a religião e a existência de Deus no motivo da ação ou num impulso para a ação. Portanto, eu tive curiosidade de analisar. Esse fenômeno é extremamente ambíguo.

Quando surgiu a curiosidade?
Eu já tinha notado desde o Fórum Social Mundial de 2001, onde vi que havia movimentos sociais e organizações de diferentes partes do mundo com vivências religiosas, como a Teologia da Libertação e outros. Tinham uma dinâmica de grupo onde o elemento religioso, espiritual, era forte. Havia movimentos indígenas, para quem o elemento da religiosidade é sempre forte. Essa dimensão do transcendente é que me fascinou, pois eu venho de uma cultura eurocêntrica, que há muito tempo tenho criticado, mas sou filho dela, por assim dizer. Essa cultura tinha resolvido o problema através do que chamamos de secularismo, que é expulsar a religião do espaço público.

A presença da religião na política está crescendo?
A religião nunca saiu verdadeiramente da política. Temos sociedades que são laicas, mas cujos estados não são. É o caso da Inglaterra, por exemplo. E temos sociedades onde a convivência é mais laica do que outras. Tanto assim que hoje a gente faz distinção entre o secularismo e a secularidade. Secularismo é uma atitude mais radical, de deixar que a religião fique exclusivamente no espaço privado, na família, na vida. Secularidade é aquela que permite que haja expressões [religiosas] no espaço público como afirmação da própria liberdade de todos os cidadãos.
Mas é evidente, a gente sabe, a maneira com que a Europa resolveu a questão da separação da igreja e do Estado no século 17, depois de uma guerra enorme, nunca foi uma separação total. A igreja continuou a ter uma grande influência. Foi assim no esforço da colonização. Continuou com grande influência, ainda tem, nas agendas que o papa Francisco disse recentemente que são as agendas da cintura para baixo (risos), acerca das orientações sexuais, aborto, divórcio. Obviamente são questões de interesse público.
O que parece é que a crise do Estado secular trouxe uma maior presença da religião no espaço público. No mundo árabe, no mundo indiano e também no mundo ocidental. Começou a emergir nas televisões religiosas, cada vez mais e sobretudo com as correntes evangélicas e pentecostais. É uma presença pública muito mais forte, mas também um interesse em influenciar a vida pública, a vida dos Congressos, dos parlamentos. É o que acontece hoje no Brasil.

No Brasil isso parece mais evidente a partir da eleição de 2010, quando o assunto chegou a dominar o debate eleitoral. Como tem sido no resto do mundo?
Na Europa não é tão forte quanto aqui ou nos Estados Unidos. Mas encontramos no próprio mundo islâmico, por outro lado, diferentes formas de afirmação religiosa que não são todas fundamentalistas. Algumas são bastante moderadas. Mas que também se recusam a pensar que sua dimensão espiritual e religiosa não têm nada a ver com suas lutas.
Então o mundo hoje é mais diverso, e dessa diversidade, no meu entender, faz parte uma maneira muito diversa de ver a religião na vida pública. Isso está surgindo por todo lado, com formações bem distintas.
Algumas continuam na base da sociedade, como acontecia com a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Mas temos nos últimos anos, no Brasil muito claramente, a influência [religiosa] na própria cúpula do Estado, na estrutura política do Estado. Isso é novo.
Era uma corrente que já vinha dos anos 80 dos Estados Unidos. Uma corrente muito conservadora. Um dos grandes líderes dessa corrente nos Estados Unidos fez uma previsão que praticamente se confirmou. Ele disse assim: “quando um dia não houver uma grande diferença entre democratas e republicanos, e se forem todos mais ou menos conservadores, podemos começar a jogar golfe tranquilamente, pois significa que cumprimos a nossa missão”.

E a esquerda com isso? Seu livro é uma espécie de ajuste?
O pensamento crítico da esquerda, de uma sociologia crítica, sempre foi muito renitente em analisar o fenômeno religioso. Pois qualquer análise que não seja simplesmente dizer que religião é o ópio do povo fica como suspeita.
Minha experiência no Fórum Social Mundial fez-me crer que, se eu mantivesse essa atitude pouco complexa, eu deixaria fora da minha análise muita gente que genuinamente luta contra a desigualdade, a injustiça, a discriminação, a opressão. Não é gente alienada. É gente que realmente luta por um mundo melhor e que, no entanto, tem uma referência religiosa. Eu não posso considerar que isso é alienante. Então escrevi esse livro também para fazer as contas comigo mesmo.

Qual é a sua conclusão?
Termino dizendo que não há um Deus. Há dois: o Deus dos oprimidos e o Deus dos opressores. Enquanto a sociedade for dividida e houver tanta desigualdade social, penso que o Deus que estiver do lado dos oprimidos não se reconhece num Deus que esteja do lado dos opressores.

O outro livro é sobre direitos humanos, que parece refluir na medida em que aumenta a influência religiosa. Alguns políticos têm como principal plataforma o ataque aos direitos humanos. Quais são as relações entre as duas coisas?
É obviamente uma estratégia religiosa. É uma dimensão de todas as correntes conservadoras, de direita, que existiram ao longo do tempo. Houve, de fato, uma igreja progressista, de esquerda, que achou que sua missão era a missão evangélica do sermão da montanha, de estar com os pobres. Os pobres não estão no parlamento, estão nos bairros, nas favelas. E é para aí que os missionários devem ir. Mas há toda uma outra corrente que nunca aceitou que igreja ficasse fora do governo. Alguns deles entendem que a Bíblia, literalmente, dita o direito para os Estados e que, portanto, os direitos humanos não pertencem a esse direito bíblico. É como no mundo islâmico, onde há conceitos muito hostis aos direitos humanos.
Então, de vários lados, estamos a assistir a um ataque aos direitos humanos. Esse é o tema do meu outro livro, escrito por um sociólogo que se considera um cidadão ativista dos direitos humanos.
Eu também faço uma crítica aos direitos humanos. Mas uma crítica progressista: os direitos humanos são pouco. Então eles são criticados por mim por serem poucos. E a direita critica por serem muito. Eu digo pouco porque acho que a grande maioria dos cidadãos do mundo não são sujeitos de direitos humanos, são objeto de discurso de direitos humanos. São violados constantemente.
Agora, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em que as narrativas socialistas caíram em desuso, pelo menos até agora, o que ficou de luta por uma sociedade melhor foram os direitos humanos. Se o socialismo estivesse na agenda política, eu tenho certeza que essa direita religiosa incidiria completamente contra o socialismo.

Nessa questão dos direitos humanos, em que posição o senhor situa o Brasil hoje?
É uma leitura muito complexa. Há áreas e domínios dos direitos humanos em que tivemos conquistas extraordinárias desde o governo Lula. Eu considero [positiva] toda política de ações afirmativas, do reconhecimento de que há racismo na sociedade brasileira e de que é preciso tomar medidas para que afrodescendentes e indígenas possam ter acesso à educação, numa tradição que vinha desde há muito tempo com Abadias do Nascimento, mas que nunca teve êxito. Também o fato de criar um Brasil mais inclusivo, mais diverso, mais colorido, com mais consciência de sua diversidade étnico cultural. Penso que tudo isso foi um grande avanço.
Onde eu vejo que há retrocesso é em toda a área dos direitos humanos que trouxeram também no seu bojo aquilo que, para um desenvolvimentista, pode ser considerado um obstáculo.
Os direitos humanos trouxeram consigo o reconhecimento dos direitos coletivos. E os direitos coletivos do povos indígenas estão protegidos, internacionalmente, por convenções, aliás, que o Brasil assinou, sobretudo o convênio 169 [da Organização Internacional do Trabalho], que obriga consulta prévia, livre, informada e de boa fé. E de boa fé! E que, hoje em dia, depois da declaração das Nações Unidas de 2007 sobre os direitos dos povos indígenas, firma-se na jurisprudência da Corte Internacional de Direitos Humanos que sempre que estejam em causa a própria sobrevivência de um povo, seja uma barragem, seja um projeto de mineração, a consulta deve ser vinculante. Bem, nesse caso, eu tenho que dizer que tem havido retrocesso.
Não é só na demarcação de terras. Tem ainda a questão de saber se a concessão de novas terras são atribuição do parlamento e não do Executivo, o que seria a mesma coisa que dizer que nunca mais haverá qualquer concessão.
Então eu acho que a presidente Dilma está a perder uma batalha, está realmente com uma grande insensibilidade ao movimento indígena camponês, que foi uma grande forma de transformação em toda América Latina.

O senhor considera o governo Dilma de direita?
Eu venho da Bolívia, estive no Equador, conheço os outros países [da região]. Alguns deles são muito mais à direita no governo, é o caso do México. E lá estamos assistindo a uma grande vitória de um povo indígena que lutou contra uma barragem, La Parota, e conseguiu efetivamente parar essa barragem.
Eu colocaria a presidente Dilma no mesmo pé em que coloco o presidente da Bolívia [Evo Morales] e o governo do Equador. São governos que eu considero progressistas. Não os considero de direita. Eles, de alguma maneira, fazem muito do que sempre fez a direita: têm o mesmo modelo de acumulação, o mesmo modelo capitalista, o mesmo neoliberalismo, aproveitaram a mesma onda de extrativismo, com a reprimarização da economia.
Mas o que esses governos fazem e que a direita nunca fez na América Latina foi redistribuir esses rendimentos de alguma maneira. Distribuem muito mais que os outros governos. Para muitos grupos sociais, isso não é suficiente. Até porque essa forma de redistribuição é relativamente precária, não é com direitos universais, é algo que pode parar de um momento para outro. Mas há problemas. Os ambientais são extraordinários.

Qual o senhor citaria?
É certo que o Congresso é outra coisa. Mas eu fico espantado como é que é possível, estando a frente do país alguém como Dilma Rousseff, como é possível abrir uma discussão sobre a semente Terminator no Congresso. É a semente que fica estéril, a suicida. Isso está suspenso. É ilegal para o mundo inteiro. É um escândalo, se aprovar. Ela foi suspensa no âmbito da convenção de biodiversidade exatamente porque coloca os camponeses nas mãos da Monsanto e das outras três ou quatro empresas que têm a patente. Isso é o fim da agricultura camponesa.
Em muitos países é a agricultura camponesa que alimenta as populações, pois a grande indústria produz soja e outros produtos de exportação. A diversidade da produção agrícola é feita por pequenas propriedades, a agricultura familiar, a camponesa. Portanto isso significa arrogância dessas empresas transnacionais que têm acesso ao parlamento para ditar sua lei. E se você olhar bem, há uma aliança entre os religiosos evangélicos e os ruralistas. Então aqui há uma convergência de forças, uns que vêm da tradição ruralista, outros que vêm de uma tradição religiosa de direita, que se armou contra o comunismo e contra a revolução na América Latina.
Então não considero a presidente Dilma um governo de direita por sua capacidade de distribuição, agora há uma grande insensibilidade, que não vem de agora.

Onde mais há problemas?
Basta ver quantas vezes foram recebidas a CUT e outras entidades antes desses protestos: zero. Portanto significa que a presidente Dilma tem uma grande insensibilidade social, que se tornou ainda mais evidente por conta da posição do Lula, ao estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais. Isso perdeu-se. Eu considero uma perda muito grave.

A ex-ministra Marina Silva tem um discurso mais próximo desses segmentos que o senhor mencionou, meio ambiente, indígenas. Ela serve para a esquerda?
Eu penso que não. Sou amigo da Marina Silva, estive em vários painéis com ela e comungo com ela muitas causas ambientalistas. Mas acho que não porque a influência religiosa no país iria nitidamente continuar a desequilibrar. A dimensão religiosa que está por trás dela é uma dimensão que, no meu entender, tem mais um potencial conservador do que um potencial da Teologia da Libertação. Portanto é um potencializador de uma interferência conservadora na sociedade.
Isso pode ter outras dimensões para os direitos das mulheres, dos homossexuais, para as diversidades sexuais.
Por outro lado, sua política econômica, por aquilo que tenho visto e pelos apoios que ela recorre, é realmente uma tentativa de, com uma cara nova, uma mulher, repor o sistema que estava antes. Seria desacelerar ainda mais as políticas de redistribuição social que foram aquelas que, no meu entender, mais caracterizaram o período Lula.
Não penso que a Marina Silva esteja muito sensível a isso tudo. Então eu penso que ela é uma cara nova para a direita. Não é uma cara para a esquerda, no meu entender.

Milhares de pessoas foram às ruas no Brasil para protestar por diversas causas. Tudo muito rápido e inédito. O senhor tem alguma reflexão sobre o que ocorreu no país?
Analiso os diversos movimentos que surgiram no mundo desde 2011: a primavera árabe, o ocuppy [Wall Street, nos EUA], o dos indignados no sul da Europa e na Grécia, o movimento “Yo soy 132″, que é contra a fraude eleitoral no México, o movimento estudantil do Chile em 2012 e também os protestos no Brasil.
Considero que 2011-2013 é um daqueles momentos no mundo como nós tivemos em 1968, 1917, 1848. São momentos de movimentos revolucionários.
O que os caracterizam fundamentalmente hoje? São sinais de que, em muitos países, estamos a entrar num processo de guerra civil de baixa intensidade: uma grande agitação social porque as instituições não funcionam propriamente. Na Europa, a rua é o único espaço público que não está colonizado pelo capital financeiro. Nos EUA, a mesma coisa. Há uma deterioração das instituições, uma ideia de que a democracia foi derrotada pelo capitalismo. No sul da Europa isso parece muito claro, e as ruas e as praças são os únicos espaços onde o cidadão pode se manifestar.

Quem é esse cidadão?
É um cidadão diferente dos [cidadãos dos] processos anteriores. Um erro do pensamento político foi pensar em cidadãos organizados que fazem essas revoltas. De fato, não é assim. Essas revoltas são feitas, normalmente, por jovens que nunca participaram de movimento social, de partidos, que nunca votaram, nunca estiveram em nenhuma ONG. E de repente estão na rua. Isso não foi só aqui. Foi no Egito, na Europa, nos EUA. São movimentos que surgem a partir de momentos em que as instituições parecem não dar respostas às aspirações populares. Obviamente são diferentes. Não se pode pôr a primavera árabe ao lado do Brasil ou do occupy. São coisas distintas.
O movimento do Brasil tem uma genealogia, uma história, semelhante ao movimento dos indignados de Portugal, da Espanha e da Grécia. São jovens democracias onde houve uma expectativa de uma social-democracia, uma democracia com fortes direitos sociais, de educação, saúde, transporte. Havia uma expectativa de uma sociedade mais inclusiva. Essa era a promessa. A democracia não é simplesmente mero voto e a representação política, mas se traduz em direitos sociais e econômicos. Portanto nesses casos [Brasil e indignados], os movimentos surgem da ruína dessas aspirações. Democracias suficientemente jovens para ainda acreditar que eles têm esses direitos.
Os occupy já nem têm sequer essa ilusão, pois a democracia americana é cada vez mais restringida e eu nem acho mais que é uma democracia a sério nos EUA; eu vivo lá metade do ano, como você sabe, e conheço o país.

Uma crise da democracia?
Aqui [no Brasil], a juventude se dá conta que aquela democracia que ela acreditou não funciona, está sendo derrotada pelo capitalismo. Os países dão mais atenção aos mercados internacionais, aos grandes grupos transnacionais, do que dão aos seus cidadãos. Na Europa isso é muito claro. O meu governo [Portugal] está mais atento à agência de classificação Standard & Poor’s, sobre o que ela dirá amanhã sobre a taxa de rating do crédito português, do que as demandas dos portugueses, as reivindicações. E quanto mais as pessoas vão para as ruas, mais abaixa a nota do crédito internacional. Ou seja: a democracia está sendo usada contra os cidadãos. A democracia é exercida hoje contra o bem estar. Tinha-se a ideia que caminhávamos para um estado de bem estar. De alguma maneira, hoje, o Estado é um Estado de mal estar. O que aconteceu no Brasil, no meu entender, é essa frustração.
Compartilha com os outros movimentos essa espontaneidade. E o fato de não ser ideologicamente unitária, é o mais diverso possível. E com demandas contraditórias. E com uma característica também comum em todos eles: prevalece o negativo sobre o positivo. Esses grupos, que eu nem chamo de movimentos sociais, chamo de presenças coletivas, sabem o que não querer, mas não sabem bem o que querem. Podem ter uma demanda, como foi o caso do Movimento Passe Livre, mas essa é uma demanda que rapidamente pode ser superada por grandes demandas de superação do Estado. Como aconteceu na Tunísia. O moço que se imolou na Tunísia queria apenas que legalizassem o seu comércio de rua, e de repente aquilo era uma luta contra a ditadura.
O que todos estão a dizer? Estão a dizer que o mundo está escandalosamente desigual. Essa não é uma questão da pobreza. É que nos países, internamente, a diferença entre ricos e pobres nunca foi tão grande. Em meio aos maiores sacrifícios da sociedade portuguesa, com cerca de 50% dos jovens até 25 anos sem emprego, o número de ricos aumentou em Portugal nos últimos anos. E os ricos ficaram ainda mais ricos.

Essa descrição não coincide exatamente com o que ocorreu no Brasil. A distribuição de renda brasileira medida pelo índice Gini ainda é uma das piores do mundo, mas melhorou.
Sim, está reduzindo [a desigualdade de renda], nunca tinha acontecido antes, isso é preciso reconhecer. O que nós temos que ver, isso é minha leitura, é que as políticas que foram criadas para essa redução ocorrer –e por isso que eu digo que [Dilma] não é um governo de direita– são as que eu chamo de políticas de primeira geração. A segunda geração é que essa gente que agora come bem, agora que tem algum apoio, quer evoluir, quer ir para a universidade, quer outra qualidade dos serviços públicos. E aí estancou.

O senhor disse que esses grupos sabem dizer o que não querem, mas não sabem dizer bem o que querem. No Brasil, entre as coisas que eles diziam não querer estavam os partidos políticos. Teve até hostilidade, violência. O senhor vê isso com preocupação?
Sim, evidentemente. Mas ao mesmo tempo compreendo o que está ocorrendo. É aquilo que eu disse, que a democracia representativa liberal foi dominada e vencida pelo capitalismo, pela corrupção, pela presença do dinheiro nas eleições, nas campanhas eleitorais. Isso faz com que os representantes estejam cada vez mais distantes dos representados. É aquilo que a gente chama de patologia da representação: os representados não se sentem representados por seus representantes.
É um processo conhecido, pois há anos discute-se no Brasil a necessidade de se fazer uma reforma política, uma reforma do sistema eleitoral, do financiamento dos partidos. E todas essas reformas têm sido bloqueadas. Então essa negação não é propriamente a negação da democracia representativa. São duas ligações importantes: esta democracia participativa não serve, o dinheiro não pode ter o poder que tem hoje nas eleições; e a democracia representativa nas sociedades complexas não chega, ela precisa ser complementada pela democracia participativa.
Eu acho extraordinário que, no caso da primavera árabe –jovens de vários países que não tiveram democracia propriamente– a grande bandeira é a democracia real. Portanto quando dizem que há luta contra os partidos, não é que eles estejam dizendo que, em princípio, eles não têm nenhuma validade. É esta forma de democracia, a do poder do dinheiro, que está derrotada. E se ela não se alterar, temos altos riscos para a sociedade. É por isso que eu digo, escrevi dois artigos sobre isso, que há uma grande oportunidade: a oportunidade de uma reforma política. Esse é grande tema com o qual o PT chegou ao poder, não podemos esquecer.

Mas nos protestos ninguém levantou uma plaquinha sequer pedindo reforma política.
(risos) É por isso que eu digo: as pessoas não sabem o que querem, sabem o que não querem. Como é que se faz formulação política? Para sair daquilo que elas não querem, é preciso uma reforma política. Obviamente. E é por isso que temos partidos.

Eu acho que cabe à classe política encontrar as soluções. Os jovens não têm que saber [como fazer]. Nem dá para exigir que eles saibam. Como é que vai fazer um serviço unificado de saúde suficientemente robusto? Não têm que saber. Há técnicos e há políticos que vão fazer isso. A reforma política é a mesma coisa. E a presidente Dilma deu uma certa esperança quando falou nas cinco medidas que seriam tomadas e incluiu a reforma política, mas, infelizmente, os poderes conservadores do Congresso…

Foi nesse contexto que surgiram os grupos “black blocs”, com a tática de causar danos materiais para fazer suas denúncias. Eles aparecem em tudo, da greve de professores à ação para libertar cachorros de um laboratório de pesquisa médica. Qual é a opinião do senhor sobre esses grupos?
Esses grupos nasceram nos anos 70 na Alemanha, na luta contra a energia nuclear. Na década de 80, adquiriram uma ideologia autonomista. A ideia de que “temos que criar na sociedade espaços de autonomia que não dependem do capitalismo e que, portanto, podem oferecer outra maneira de viver”. Tiveram muita repercussão.
No momento em que começam os protestos contra a globalização, Seatle (EUA) é o marco, eles começaram a assumir duas características de sua tática: de um lado a ideia de violência contra propriedades símbolos do capitalismo, que pode ser um McDonald’s, um banco; de outro lado, a defesa dos manifestantes. Eles assumiram isso. Em muitas mobilizações, foram eles que, diante da violência policial, defenderam mais eficazmente os manifestantes pacíficos. Então a violência policial, no meu entender, é uma das grandes responsáveis pelo protagonismo “black bloc”. Eles enfrentavam. E a notícia muitas vezes passava a ser o enfrentamento entre os “black blocs” e da polícia.
Um terceiro fator que complica, principalmente a partir do ano 2000, isso está documentado, é que a polícia infiltra o “black bloc” para depois justificar sua violência. Isso está demonstrado em vários países. E este é o contexto em que nós estamos.

Mas como entender o “black bloc”?
Não são grupos de extrema-direita. Eu penso que, acima de tudo, temos que entender por que surgem esses movimentos. E encontrarmos, através do diálogo, formas de ver se estas são as melhores formas de luta. No meu entendimento, como já disse, estamos num momento político daquilo que chamo de guerra civil de baixa intensidade. Numa guerra assim, queremos que cada vez mais gente venha para a rua. No meu entender, para fazer pressão pacífica sobre os Estados.
Quando o capital financeiro será cada vez mais influentes, quando as Monsantos conseguem pôr no Congresso a [semente] Terminator, quando os evangélicos dominam a agenda política, quando os ruralistas dominam a agenda política, os governos, mesmo que tenham uma orientação de esquerda, precisam ser pressionados de baixo. A partir de baixo. E essa pressão tem de ser pacífica. E tem de ser inclusiva. E para ser inclusiva tem de trazer para a rua as pessoas que nunca foram para a rua, os chamados despolitizados, as avós, os netos.
Ora bem, se é esse o objetivo, o “black bloc” é uma força contraproducente. As pessoas querem ir para a manifestação, mas com medo que haja violência, com medo da brutalidade e violência policial, dizem ao final “não vamos”. Penso, portanto, que o “black bloc” deve analisar em que contexto nós estamos.

O ex-presidente Lula fez uma crítica direta ao uso das máscaras. Disse que participou de muita manifestação de rua, mas que nunca usou máscara porque não tinha vergonha do que fazia.
Eu acho que é uma posição legítima, mas não sei se é a única resposta que se pode dar. As pessoas têm suas formas de representação. Exemplo disso é o governo do Peña Nieto, o [partido] PRI, no México, que eu considero de direita. Nas últimas manifestações, o protesto de professores no México, teve a presença dos “black blocs” com as máscaras negras. E chegou ao ponto também em que o governo está para promulgar uma lei que proíbe as máscaras. Sabe qual foi a reação? Os homossexuais começaram a usar máscaras pink. Foram para os protestos com máscaras cor-de-rosa, máscara homossexual. Então a polícia vai prender? Eles não praticam nenhuma violência, usam máscara agora para afirmar a diversidade sexual.
Isso é para ver como a coisa é complicada. Criou-se uma solidariedade entre os homossexuais e o “black bloc”. Então, por vezes, as autoridades se excedem na forma. Eu penso que essa não é a forma. Penso que a forma é de dialogar, de trazer para uma mesa de conversa. Obviamente é uma discussão muito difícil, mas é uma discussão que é preciso ter.

*BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS Sociólogo português, 72 anos. Doutor pela Universidade de Yale (EUA), professor da Universidade de Coimbra (Portugal) e da Universidade de Wisconsin (EUA). LIVRO RECENTE “Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos” (Cortez Editora)



Foucher: Pré-sal brasileiro: batida na porta de um grande futuro

26 de Outubro de 2013, 14:54, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

Pré-sal brasileiro: batida na porta de um grande futuro

 Por Marilza de Melo Foucher,  Correio do Brasil, via Página 13

25/10/ 2013 

O petróleo do pré-sal, por pouco não fica com as empresas norte-americanas.

O petróleo do pré-sal, por pouco não fica com as empresas norte-americanas.

A matéria a seguir, não expressa sobre vários temas nossa posição, mas publicamos por entender que contribui com o debate. 

A presidenta Dilma Rousseff demonstrou em seu discurso sobre o pré-sal brasileiro e na sua ação governamental, uma visão pragmática ao encarar o futuro do Brasil. Em geral, a maioria dos governantes não planeja o futuro, governam em função do presente e dos jogos políticos.

Dilma antecipa desta forma o futuro e demonstra uma visão moderna na gestão do papel do Estado. Ou seja, quando o Estado estabelece uma parceria com empresas multinacionais européias e chinesas, esta parceria se estabelece através de um contrato de objetivos bem definidos. Isto significa uma mudança considerável de governabilidade, onde o Estado assume a defesa da soberania da Nação na gestão das riquezas naturais, ao mesmo tempo que define regras de parcerias com empresas multinacionais de larga experiência no domínio.

A presidenta, que é economista, desenvolve uma visão Keynesiana melhorada do papel do Estado na Economia. Faz lembrar a abordagem que fez o economista Keynes sobre a socialização do investimento, quando ele explica que o Estado deve estar sempre presente na coordenação das relações entre o investimento público e privado. (Ver a entrevista que fiz com o economista e analista político Luiz Gonzaga De Mello Belluzzo, no Correio do Brasil ).

O Estado junto com Petrobras deterão a maioria da produção e dos recursos gerados. Além disso, o Estado vai estimular paralelamente o desenvolvimento tecnológico de infra-estruturais necessárias à exploração do pré-sal. Além de estimular a indústria brasileira na inovação necessária para enfrentar este grande desafio. A área industrial diante de tamanho desafio, terá que realçar seu espírito inventivo; além de melhorar a qualidade e a durabilidade dos equipamentos futuros. Terá, ainda, que formar quadros altamente especializados. Para enfrentar este desafio podem também contar com o apoio da União.  Trata-se, aí, de uma relação baseada na reciprocidade e responsabilidade onde todos saem ganhando.

O destaque maior deste investimento nacional é que grande parte dos benefícios gerados na extração de produtos naturais, serão repartidos de modo a garantir o futuro da geração dos jovens brasileiros, isto é traduzido na prioridade dada à educação e pesquisa. Esta é uma das iniciativas mais importante na história do Brasil, onde a educação passa a ser motor de um futuro melhor. Além disso, a saúde é também um setor priorizado, este setor até então nunca foi prioritário para a população de baixa renda.

Vale, porém, chamar atenção do governo brasileiro para não se esquecer dos riscos ambientais que podem representar este Mega investimento, tendo em vista sua inovação cientifica – tecnológica suis generis. Dai é importante que o governo brasileiro tenha o poder de antecipação no domínio dos riscos ambientais, e possa desde agora contribuir na formação de profissionais, além de reforçar a área da pesquisa cientifica ambiental. Para desta forma começar a estudar todos os riscos possíveis e analisar todos os impactos que tal investimento pode provocar. Tratando-se de algo que é novo, o Brasil pode dar exemplo de gestão ambiental dos riscos, para evitar a improvisação que sempre ocorre quando acontece qualquer catástrofe natural.

Outro risco, estar ligado mais na concorrência internacional quanto a propriedade intelectual. Como por exemplo, garantir que as empresas chinesas e européias não se apropriem desta propriedade intelectual da Petrobras.  Na certa os Estados Unidos que não estão diretamente implicados na exploração, já espionaram suficientemente a Petrobras para se apropriar de certos conhecimentos… Não se trata de paranóia, mas hoje os serviços de espionagem industrial, tecnológica é mais importante que as espionagens políticas na época da guerra fria.

Quanto a oposição cega, sectária, que pensa somente nos resultados eleitoreiros a curto prazo, ela é logicamente contra este grande investimento. Pelo menos, ela poderia ter mostrado certo senso de responsabilidade, se ela tivesse sido mais propositiva ao estudar os objetivos do grande projeto. Por exemplo, verificando se existem certas falhas, dando-lhe sugestões para melhorá-lo. A critica irracional foi sempre a arma dos políticos medíocres.

Um bom político é aquele que mergulha nas falhas encontradas no projeto do adversário, não somente para denunciar junto a grande imprensa, mas, para esclarecer seus próprios eleitores e o povo brasileiro as razoes de sua oposição. Se ele é um político que defende o interesse coletivo, ele vai demonstrar certo discernimento face ao desafio que representa o Pré-Sal no desenvolvimento do Brasil, apontando o que falta para que este projeto seja mais viável e o mais eficaz e ecologicamente compatível.

A respeito dos leilões, ao contrário do que foi feito na época do governo de Fernando Henrique, estes foram amplamente discutido e bem pensado. O governo Fernando Henrique decidiu de modo monárquico ao fazer licitações para privatizar varias empresas estatais e nacionais. As licitações foram feitas sem explicar para a população as razoes das privatizações. A única imagem que o governo queria construir junto à opinião publica era a da falência do Estado como regulador econômico e social. Esta era a mensagem ditada pela governança mundial, o FMI, Banco Mundial, União Européia do qual o Presidente Sociólogo Fernando Henrique e seus aliados aderiram e obedeciam sem reclamar. A ideologia neoliberal ditava a conduta do Estado, que deveria ser um Estado Empresarial e não um Estado Protetor. Basta, se o leitor quiser refrescar a memória, buscar as recomendações do FMI para o Brasil, e sua concepção sobre o ajustamento estrutural no final dos anos 80/90.

Viu-se como foi feita a privatização da Vale do Rio Doce e da própria Petrobras. Esta ultima, se não fosse a pressão popular estaria hoje completamente privatizada. Imaginem senhores e senhoras críticos da ação do governo Dilma, se a Petrobras estivesse hoje privatizada como seria administrado o Pré-Sal brasileiro? Como agiria o Estado brasileiro diante desta grande descoberta? Na certa, estaria completamente desarmado para negociar um projeto de tamanha envergadura como o PRE SAL.

*Marilza de Melo Foucheré doutora em Economia, jornalista, correspondente em Paris.

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Mesas de Pondé e Magnoli na FLICA canceladas

26 de Outubro de 2013, 14:33, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

Agora a dupla Pondé-Magnoli escreverão um monte de artigos sobre a “Intolerância”.

Da Página Oficial da FLICA

26/10/2013

Devido à manifestação que aconteceu durante a 1ª mesa deste sábado, “Donos da Terra? – Os Neoíndios, Velhos Bons Selvagens”, com Demétrio Magnoli e Maria Hilda Baqueiro Paraíso, foi preciso fazer algumas alterações na programação do evento. Foram canceladas a mesa citada e a de 20h, “As Imposições do Amor ao Indivíduo”, com Jean-Claude Kaufmann (França) e Luiz Felipe Pondé. Os organizadores da festa não conseguiriam garantir a integridade física dos autores alvos do protesto, Demétrio Magnoli e Luis Felipe Pondé.

A programação vespertina segue normalmente e a peça Alvoroço foi transferida para às 20h com transmissão on-line: www.ibahia.com/flica

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