Curiosa esta entrevista de Joaquim Barbosa a Roberto D’Avila. O autorretrato que JB faz não condiz com sua prática. Curiosa também a escolha da personalidade política para estrear o programa de entrevistas da Globo.
O ministro afirma que preza a separação dos três poderes e está correto nisso, é gravíssimo quando Judiciário decide intervir no Congresso cassando um mandato, um risco imenso para a Democracia. Mas quando Joaquim Barbosa reduz a política ao moralismo, execra figuras públicas de trajetórias importantes, condena sem provas, amplia o discurso danoso para a conscientização política ele joga por terra seu próprio argumento.
Joaquim também critica o apedrejamento da vida pública, corretíssimo. Mas no início da conversa sobre o mensalão parece que Joaquim Barbosa fala de outra pessoa e não dele próprio, ele diz: foi um processo com uma “carga política intensa”, “turbinado pela mídia”. Usa exatamente essas expressões. Mas, oh! Wait! quem foi o grande maestro do maior apedrejamento de figuras públicas durante o julgamento midiatizado da AP470? Quem foi que contribuiu para que os já despolizados repitam bordões como ‘político é tudo igual, são todos corruptos’? Quem se tornou o queridinho da mídia de uma hora para outra porque estava julgando petistas?
Votei no PT a vida toda, me filiei justamente no julgamento da AP 470 num ato político contra o moralismo na política, reduzindo-a ao que há de mais despolitizador no debate público. Sob a batuta de Barbosa este discurso moralizador foi reverberado pela mídia conservadora que a honestidade é missão última do homem público. Honestidade é ponto de partida para figuras públicas que querem nos representar, ela é obrigação primeira, não é mérito, não é bandeira.
Joaquim Barbosa fala do desgaste físico e mental dele próprio durante o julgamento da AP 470, sobre as longas horas gastas para convencer os demais sobre o que ele sabia mais que os demais. E o desgaste, físico, mental, psicológico dos presos políticos que foram expostos à execração pública pelo relator que, inclusive, riu e fez piadas sobre os réus durante o julgamento? A completa ausência de qualquer respeito pelos réus talvez explique o descaso com que se deu a prisão daquele que sequer deveria ir preso, como Genoino.
O ministro afirma que as penas aplicadas aos condenados na AP 470, vulgo “mensalão”, foram leves e convida os que criticam o rigor dele a examinar as penas aplicadas pelo STF aos cidadãos comuns. Barbosa também critica seus pares por dar habeas corpus para criminosos. Não há como não lembrar dos assassinos de irmã Dorothy, em Daniel Dantas, Roger Abdelmassih que foram soltos pelo STF…
Joaquim Barbosa não se vitimiza quando o foco é sua origem pobre. Ele afirma que as coisas foram acontecendo ‘naturalmente’ com ele: estudar na UNB, na Sorbonne, Columbia e outras universidades de prestígio. Reconhece que raros sãos os que tem esta oportunidade sejam pobres ou ricos e a aproveitam. Quanto ao racismo ele é direto: “racismo se sente sempre“.
A propósito ontem fiz um post sobre isso, afirmando que embora Joaquim Barbosa pertença à classe social mais privilegiada do país, não há como não ser alvo do racismo em país racista. E impressiona como gente ilustrada não consegue perceber o racismo de que ele é alvo. Na entrevista ele cita a ação contra Noblat.
O ministro cita Nabuco com propriedade e complementa: “Mente, é falta de honestidade intelectual dizer que o Brasil se livrou dessas marcas (da escravidão) elas estão presentes nas coisas mais comezinhas da nossa vida social. Basta você dar uma volta nos corredores do Supremo ou de qualquer outra repartição pública, você vai perceber a repartição de papéis (sociais) e o salário corresponde aos negros, os salários mais baixos”.
Barbosa chama a atenção para aquilo que todo racista de qualquer espectro ideológico nega, e por vezes faz uso até de Barbosa, (exemplo de uma completa exceção na realidade brasileira) como exemplo: “À medida que as profissões vão aumentando de importância, os negros vão rareando” e quando é citado como exemplo para anular a sua afirmação ele reforça: “sou exemplo único, uma exceção e jamais permiti que usasse a minha presença aqui como exculpatória para o racismo brasileiro.“
O único ministro negro na história do Supremo tem toda a razão, ele não deve nunca ser usado como desculpas para os que negam o racismo à brasileira. Mas não menciona que mesmo com seu currículo invejável, sua formação nas melhores universidades ele pôde quebrar o teto invisível do racismo também por uma escolha do presidente Lula que, ao meu ver, se mostrou o presidente mais sensível ao combate ao racismo no país.
Ao falar de Lula, Joaquim Barbosa diz que recusou várias vezes convites do presidente para acompanhá-lo em suas viagens à África. Segundo Barbosa isso não era comum no Supremo (talvez porque o Supremo antes do presidente Lula nunca viu o rosto de um negro como Ministro). Outro motivo alegado é por Barbosa para recusar os convites de Lula seria o de que o presidente o usava como estratégia de marketing para as lideranças africanas. Acho que Barbosa aqui faz alusões que não pode provar e desconhece o compromisso de Lula com o combate ao racismo.
A primeira lei sancionada por Lula assim que assumiu seu primeiro mandato foi a 10639/03, fruto de uma luta histórica que passou dez anos no Congresso. O governo Lula estabeleceu 10 políticas públicas voltadas pra educação da população negra e foi o governo que mais se aproximou do continente africano estabelecendo relações positivas entre estados africanos e o Brasil. O governo brasileiro montou fábrica de AZT em Moçambique, tem inúmeros projetos relacionados à saúde e a segurança alimentar em diferentes países do continente com apoio do Ministério da Saúde e Embrapa.
Barbosa se contradiz quando confessa que ficou chateado a não ser convidado por Dilma pra ir ao enterro de Mandela. Por mais que tenha sido deselegante por parte da presidenta Dilma não formular o convite ao ministro, diante de tantas recusas que ele mesmo afirmou ter dado durante o governo Lula e após seu comportamento enviesado durante o julgamento da AP 470, creio eu que Barbosa deu justificativas para o comportamento da presidenta.
Ao final da entrevista, ele diz que se emocionou a ir a África. Não há de fato como não se emocionar. Lembro-me até hoje de como me senti ao desembarcar em Moçambique e ao partir do continente. Barbosa atribui um julgamento às motivações do presidente Lula ao convidá-lo diversas vezes para compor a comitiva nas viagens aos países africanos, reduzindo a marketing e não a possibilidade de o presidente, alvo de constantes preconceitos, saber verdadeiramente da importância que é para qualquer descendente negro pisar pela primeira vez no continente mãe.
É curioso que Barbosa admire Getúlio e Napoleão como estadistas e embora saiba que ambos durante um período governaram em regime de exceção, expressa sua admiração a Napoleão e faz reservas a Getúlio e aos que o admiram por ser ditador! Algo como, o ditador francês é melhor que o “tupiniquim”.
Ao final da entrevista D’Avila volta ao tema do racismo e mais uma vez Joaquim Barbosa explicita didaticamente o racismo à brasileira. Diante de mais um exemplo citado por Barbosa, D’Avila tenta reduzir o problema do racismo no Brasil a uma questão econômica, esquecendo-se que Joaquim Barbosa ocupa hoje o topo da pirâmide social do país e nem por isso deixou de ser alvo do racismo. Na entrevista embora Barbosa pareça concordar com esta análise na edição feita, há cortes e seu pensamento fica incompleto, Barbosa não reduz o racismo a uma questão econômica.
D’Avila insiste ainda no debate racial, entendo um pouco a irritação de Barbosa ao falar do tema, ninguém ao entrevistar Gilmar Mendes questiona-o sobre os privilégios da branquitude por viver em um país racista. De todo modo, a resposta dele é bem interessante. Para ele sua presença no Supremo ajuda a desracializar o Brasil, ele cumpriria um papel pedagógico para mostrar que não é natural os papeis sociais exercidos por brancos e negros:
“Não acho que eu tenha vindo pra cá com essa missão de combate ao racismo. Eu sempre achei que a minha presença assim contribuiria para desracializar o Brasil, desracializar as relações para que as pessoas tivessem a sensação que não há papel predeterminado para A, B ou C. Eu espero que o dia que eu sair daqui os governos, os presidentes da Republica saibam escolher bem as pessoas que vem para cá e escolham os negros com naturalidade”.
D’Avila pergunta se ele acha que entrou por uma cota no STF. Barbosa nega e diz: “Dizer que eu entrei numa cota é uma manifestação racista, porque simplesmente as pessoas que fazem isso não olham meu currículo, aliás pouca gente olha o meu currículo. Não interessa, aliás só veem a cor da pele” E reforça o que disse antes sobre Lula e ao meu ver mais uma vez atribui a Lula um sentimento que não é de Lula e acaba atribuindo a ele um peso histórico de exclusão dos negros:
“Espero que escolham homens e mulheres negras com naturalidade, não façam estardalhaço disso, não tentem levar a pessoa escolhida pra África para esconder uma realidade, a realidade triste de que nós não temos representantes negros na nossa diplomacia, nos negócios. O Brasil não tem como se apresentar de maneira diferente porque não há representantes negros. Como é que pode um país com 50% de população negra não ter embaixadores negros para mandar para a África?
Ele está coberto de razão quando afirma a invisibilidade negra nas instituições de poder e nas posições socialmente valorizadas, mas novamente ele faz críticas duras a Lula e algo me chamou a atenção: a insistência de Barbosa em acusar Lula de querer usá-lo, de fazer “estardalhaço” sobre sua escolha.
Vejamos, é correto que Barbosa exija dos governantes que não usem as pessoas, não façam uso político do que é obrigação do Estado. Mas ele diz e aí ele retoma a acusação que fez anteriormente a Lula (de usá-lo para marketing) “não tentem levar a pessoa escolhida pra África para esconder uma realidade”. Ora, eu só fiquei sabendo que Lula havia convidado várias vezes Barbosa nesta entrevista e me julgo uma pessoa razoavelmente bem informada. Que estardalhaço Lula fez sobre isso? Quando Lula foi espalhafatoso e não agiu com naturalidade diante de ações que o presidente mesmo foi pioneiro no combate ao racismo? Não reconhecer os esforços do único presidente que começou a mexer nisso e ainda atribuir a ele segunda intenções acho bastante injusto.
De todo modo quando explicita o racismo à brasileira Barbosa mostra sua plena consciência racial, mas quando adentra o universo da política suas contradições entre discurso e prática se evidenciam. É inegável a formação sólida de Barbosa, mas ela não foi capaz de evitar nele, uma série de estereótipos sobre o país e o que acho mais danoso em seu discurso e postura: o reducionismo da política ao campo da moralidade.
Vale a pena assisti-la. Vídeo aqui.
Acabo de ver que Flávio Furtado de Farias publicou a transcrição do primeiro bloco, aqui
Joaquim Barbosa descarta candidatura nas eleições de 2014
Presidente do STF admitiu, no entanto, que pode disputar no futuro.
Barbosa foi entrevistado pelo jornalista Roberto D’Avila, da GloboNews.Do G1, em São Paulo
23/03/2014
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa descartou que será candidato nas eleições de 2014, em entrevista ao jornalista Roberto D’Avila, que estreou na madrugada deste domingo (23) um programa semanal na GloboNews.
“Por enquanto, não”, disse o ministro ao entrevistador, acrescentando que deve ficar no Supremo até novembro deste ano.
“Recebo inúmeras manifestações de carinho, pedidos de cidadãos comuns para que me lance nessa briga, mas não me emocionei com essa ideia”, relatou Barbosa.
O ministro, no entanto, admitiu que pode lançar candidatura no futuro. “Eu disse recentemente em uma entrevista que não descartava a hipótese de me lançar na vida política, mas não para essas eleições de 2014”.
A entrevista de 48 minutos foi pontuada ainda pelos mais diversos temas, desde a infância em Paracatu (MG), o dia a dia da época em que morou na França, onde fez seu doutorado, até questões recentes como corrupção, eleições, racismo e mensalão.
A popularidade de Barbosa cresceu após sua atuação no julgamento do mensalão, no qual foi relator. O nome do ministro chegou a aparecer em algumas pesquisas de opinião para as eleições do ano que vem para presidente.
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