A esquerda está dividida entre duas táticas
Por Breno Altman, no Opera Mundi
A oficialização da equipe econômica, ocorrida na última quinta-feira, consolidou o estado de discrepância que vem modulando o ânimo das forças progressistas.
O nome de Joaquim Levy, diretor do Bradesco e renomado economista de orientação liberal, elevou este mal-estar a um patamar superior. Devidamente apimentado, é claro, pela possível indicação da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), notória liderança ruralista, para a pasta da Agricultura.
O coquetel de reações, a grosso modo, expressa o conflito entre duas orientações políticas distintas, diante da situação pós-eleitoral. Claro que há muitas combinações possíveis entre ambas, mas duas táticas diferentes competem para ganhar primazia na esquerda governista.
Os formuladores dos dois lados partem de algumas premissas comuns: piora do quadro econômico, enfraquecimento da esquerda em um Parlamento controlado por grupos conservadores, abalo da imagem pública do PT, redução da base social do oficialismo.
Mas apresentam diferentes soluções.
Nova agenda para o país
A primeira política propõe a continuidade da tática que levou à vitória eleitoral.
Não subestima a necessidade de construir governabilidade institucional, formando maioria congressual, mas só vê saída para o processo de mudanças se houver real empenho para constituir os trabalhadores, os movimentos sociais e a militância de esquerda como destacamento mobilizado para pressionar as instituições de fora para dentro.
Ao contrário do ocorrido nos últimos doze anos, durante os quais a ação de massas foi convocada pelo PT somente em campanhas eleitorais, a partir de agora esse dispositivo deveria ser parte da construção cotidiana do governo.
O objetivo seria aproveitar a energia produzida na campanha eleitoral. Para tanto, aposta em intensificar a polarização programático-ideológica na sociedade.
Este raciocínio leva à proposição de uma nova agenda para o país, vertebrada por reformas estruturais, que sejam capazes de empolgar as ruas, a juventude, os pobres da cidade e do campo, até mesmo fatias das camadas médias e do capital produtivo.
O centro de gravidade deste programa estaria na reforma política através de uma Constituinte convocada por plebiscito popular. A ambição seria acabar com o financiamento empresarial das campanhas, adotar o voto em lista partidária, instituir novos mecanismos de participação popular e democratizar os meios de comunicação.
O entendimento é que as velhas instituições estão bloqueando as mudanças, corrompidas até a medula e contaminando os próprios partidos de esquerda. A retomada do lema da democratização do Estado seria a deixa tanto para recuperar a identidade de esquerda quanto para aprofundar e acelerar as demais reformas.
Outro componente importante desta embocadura é a constatação que o reordenamento orçamentário não resolve mais o financiamento do modelo de desenvolvimento com inclusão social, alavanca da formidável melhoria nas condições de vida e trabalho do povo desde 2003.
A continuidade das mudanças, doravante, passaria a depender de propostas que reduzissem a renda financeira da burguesia e dos demais extratos sociais do topo da pirâmide. A redução da taxa de juros e a reforma tributária de caráter progressivo, gravando mais os mais ricos, seriam as ferramentas fundamentais para recuperar o investimento público e continuar a expansão do mercado interno.
Os defensores desta política de ofensiva não subestimam as dificuldades parlamentares, o monopólio das comunicações e outros obstáculos.
Mas acreditam que enfrentamento e mobilização são imprescindíveis para destravar o bloqueio institucional, inibir a oposição de direita e pressionar os setores centristas.
Esta orientação não se contrapõe à necessidade de alianças ou à constituição de um governo pluripartidário e pluriclassista, mas indica sua reformatação. A nova matriz estaria sedimentada por uma frente estratégica entre partidos progressistas e movimentos sociais, que pudesse atrair grupos centristas a partir de atitude que combinasse disputa programática, pressão social e negociação.
Esforço de aproximação
A segunda politica tem raiz na compreensão que o momento é de defensiva e propõe um recuo estratégico. Ainda não sejam públicos os argumentos de seus postulantes, os paradigmas podem ser delineados com alguma facilidade.
Não apenas a correlação institucional de forças seria desfavorável, com o controle do parlamento pelo conservadorismo, como as possibilidades de mobilização social não passariam de ilusão. Ou insuficientes para deslocar o território da governabilidade, ainda que modestamente, na direção das ruas.
Não seria recomendável, portanto, alterar a atual linha de alianças ou correr o risco de tensão com as correntes centristas, em particular o PMDB. Ao contrário, deveria haver um esforço de aproximação, para evitar que a direita tucana pudesse forjar uma maioria reacionária estável.
O recuo proposto por esta análise teria duplo objetivo: apaziguar o conflito distributivo, entre Estado e mercado, ao mesmo tempo dividindo e atenuando a escalada dos partidos de direita e dos meios de comunicação.
Enquanto os proponentes da ofensiva apostam na redistribuição da renda financeira como um dos fundamentos da política econômica, ainda que de forma relativamente amena, os favoráveis ao recuo pensam que não há outro caminho, por ora, salvo o de oferecer mais prêmios e garantias para recuperar o investimento privado como alavanca de um novo ciclo de crescimento econômico.
Este movimento, de quebra, poderia provocar uma fratura entre frações econômicas e políticas da burguesia, entre os grupos empresariais e os partidos da direita, dificultando a política de sabotagem e desestabilização comandada pelo PSDB desde as eleições.
A nomeação de Joaquim Levy deve ser vista sob esta lógica. Os últimos dias demonstram que, de fato, a perplexidade e a paralisia parecem ter tomado conta da oposição de direita.
Variante da linha defensiva
Os críticos deste caminho, porém, advertem que pode ser superior o dano provocado na credibilidade do governo junto à base político-social que reelegeu a presidente Dilma. Além disso, suspeitam ou estão convencidos que as medidas concretas da acomodação conservadora na economia poderão provocar recessão, desemprego e estagnação salarial: uma mescla eventualmente mortal para o projeto liderado pelo PT.
Há uma variante desta concepção defensiva, que muitos analistas personificam no ex-presidente Lula: ir à direita na economia para poder caminhar à esquerda na política.
A repactuação dos planos de desenvolvimento com o grande capital, aceitando várias de suas demandas, facilitaria enfrentar temas relevantes da democracia, como a reforma política e a democratização dos meios de comunicação.
A ideia é simples: não se deveria abrir duas frentes de batalha ao mesmo tempo. Tudo se complicaria, no entanto, se os encaminhamentos na economia danificassem o estado de ânimo e confiança no campo de esquerda, travando a capacidade de dar combate no plano político.
Pode-se dizer que a linha ofensiva está expressa principalmente na última resolução da Executiva Nacional do PT, aprovada dia 3 de novembro.
A política do recuo, por sua vez, tem epicentro no governo e nas decisões recentes da presidente Dilma Rousseff.
Não é uma discussão simples, pois ambas saídas envolvem riscos altíssimos.
A ofensiva oferece o bônus de um salto adiante nas reformas, se for bem-sucedida. Mas seu fracasso poderia levar a uma derrota histórica.
O recuo, por sua vez, aparenta ser caminho mais seguro, ainda que determinado pela desaceleração das mudanças. Mas pode ser vulnerável à hipótese de definhamento e divisão do campo popular, como já ocorreu em outras épocas, facilitando a vida das forças conservadoras.
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