O capital estrangeiro na saúde é venenoso como a laura rosa
Por Fátima Oliveira, OTEMPO
10/02/2015
A belíssima laura rosa (Nerium oleander), conhecida como espirradeira, flor-de-são-josé, loureiro-rosa, loandro-da-índia e oleandro, de flores amarelas, vermelhas, rosas ou brancas, muito comuns em ruas e jardins no Brasil, é considerada a planta mais venenosa do mundo – possui, em todas as partes, várias substâncias tóxicas, sendo mais letais a oleandrina e a aneriantina: uma folha é suficiente para matar!
Se o ministro Chioro afirmou, em reunião com o Movimento da Reforma Sanitária (29.1.2015), que o governo foi “atropelado” na condução das alterações da Medida Provisória 656/2014, o direito à saúde recebeu do governo uma dose do veneno da laura rosa!
Explico-me. É vedada pela Constituição Federal a presença de capital estrangeiro na saúde (artigo 199), o que é reiterado pela Lei 8.080/1990, que regulamenta o SUS. Em 1998, com a regulamentação dos planos de saúde, na Lei 9.656, foi criada uma brecha: permissão para que operadoras de capital internacional adquirissem planos de saúde brasileiros, a exemplo da United Health, que comprou a Amil, e a Bain Capital, a Intermédica, que, como os nacionais, não entregam o que vendem!
Aconteceu o “pulo do gato”: tais empresas possuem hospitais próprios – eis o capital estrangeiro na assistência à saúde! Até o momento, apenas no setor privado. Era pouco para o capital apátrida! De fato, “o capital financeiro não tem pátria”, e, com muita esperteza e paciência, desde a Constituição Federal de 1988, luta para colocar suas garras na assistência à saúde. Conseguiu! Em 20.1.2015, a presidente Dilma sancionou a Lei 13.097, que, no artigo 142, altera a Lei 8.080/1990 e “autoriza a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas de capital estrangeiro na assistência à saúde”.
O “atropelamento” mencionado pelo ministro Chioro é porque a presidente emitiu a Medida Provisória 656, de dezembro de 2014, sobre alterações no Imposto de Renda e “matérias civis tributárias e financeiras”, que na Câmara dos Deputados recebeu diferentes emendas até sobre assuntos alheios ao tema IR, como a autorização do capital estrangeiro na assistência à saúde. A Câmara e o Senado aprovaram “tudo” em 17.12.2014. E o “tudo” foi sancionado pela presidente, apesar do parecer da AGU para o veto no tópico “capital estrangeiro na saúde”!
Necas de atropelamento!
Estamos diante de uma inconstitucionalidade, como disse Lenir Santos, do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), na reunião com o ministro Chioro: “A participação do capital estrangeiro é matéria constitucional, e a alteração da previsão contida na CF teria que ser conduzida por lei específica, e não em meio à miscelânea que caracteriza a MP 656/2014”.
A impressão é que nem o governo Dilma entendeu o inteiro teor de que “saúde é direito de todos e dever do Estado” e nem o SUS. Também não deu sorte com seus ministros da Saúde, o que é lastimável.
Arthur Chioro está “unha e carne” no apoio ao capital estrangeiro – prontinho para dar o bote no grande mercado da saúde no Brasil, incluindo o SUS –, embora ele tenha dito que “não se cogita mudar a lógica de prioridades para contratação de serviços: em primeiro lugar, os públicos, depois, filantrópicos e, por último, serviços privados. Além disso, princípios de universalidade, equidade e integralidade em nenhum momento foram colocados em discussão”.
É impossível defender um governo que não enxerga quando o interesse público (direito à saúde) é “atropelado” pelo interesse privado (negócios).
*Fátima Oliveira é médica, ativista em defesa da saúde pública: e-mail: fatimaoliveira@ig.com.br Twitter: @oliveirafatima_
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