Por que os ataques ao PT? A repetição de um velho expediente da direita e de seu braço na mídia.
Ignacio Godinho Delgado*
16/04/2015, especial para o Maria Frô
Em 1945 o então Partido Comunista do Brasil (PCB) surpreendeu a todos, alcançando cerca de 10% dos votos nas eleições presidenciais e elegendo 14 deputados e 2 senadores. Habilitava-se assim a canalizar na cena política e partidária o movimento operário e parcelas expressivas da classe média e do “eleitorado popular” brasileiro. Em 1947, teve seu registro cassado, em deliberação no congresso em que não faltou o empenho do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, criado por Getúlio Vargas exatamente para disputar o eleitorado popular urbano.
O mesmo PTB, entre 1945 e 1964, assumiria de forma cada vez mais expressiva o papel de canalização do eleitorado popular urbano, especialmente as parcelas integrantes do mercado formal de trabalho e o movimento sindical. Com crescimento expressivo em todo o período, segundo pesquisa IBOPE não divulgada à época, em março de 1964, às vésperas do golpe militar, assistia-se a uma afirmação ainda mais contundente do PTB, com o favoritismo de João Goulart nas eleições presidenciais de 1965, caso não houvesse restrições legais à sua candidatura[1]. O golpe de 1964 e, depois, o Ato Institucional Nº 2, que criou o bipartidarismo, interromperam esta trajetória.
Mais à frente, em 1978, a afirmação eleitoral do MDB levou o regime militar a redesenhar o sistema partidário de modo a fugir da armadilha do bipartidarismo, que tornava toda eleição plebiscitária. Registre-se, contudo, que o MDB não foi proscrito, sendo substituído pelo PMDB, não conseguindo firmar-se como uma alternativa capaz de canalizar a participação do eleitorado popular na cena política brasileira. Faltava-lhe a raiz sindical e a identidade trabalhista.
O PT acabou por firmar-se como herdeiro inesperado da tradição trabalhista, embora nascido com uma postura crítica em relação ao PTB e ao PCB. Na década de 1990, diante dos descalabros provocados pelas políticas neoliberais, com seu rosário de desnacionalização, regressão social e perda da capacidade governativa do Estado, reconciliou-se com a herança nacionalista de Vargas. No governo, preservando o controle da inflação e incorporando os segmentos mais pobres da população à política social, através de medidas como o Bolsa Família, forjou uma vigorosa parceria entre os trabalhadores do mercado formal e os demais segmentos do “eleitorado popular” brasileiro.
Por isto o PT é objeto de combate sem tréguas da mídia e da direita. Tal como se fizera com o PTB, o que se quer é, mais uma vez, estigmatizar as forças políticas que conseguiram dar expressão ao eleitorado popular. Se este se comporta com um padrão que Fábio Wanderley Reis denominou a “síndrome do Flamengo”, identificando de forma elementar os polos do universo político entre o “povo” e a “elite”, no caso do PTB e do PT tal inclinação afinou-se resolutamente com a identidade trabalhista[2]. Na medida em que esta passa a abarcar também os setores populares dissociados do mercado formal e do universo sindical, as possibilidades de êxito eleitoral da direita restringem-se enormemente.
O jogo da direita sempre foi, desde a UDN, entupir o debate político com denúncias de corrupção, para ocultar o conteúdo antipopular e antinacional de seu projeto. É indispensável apurar qualquer denúncia de corrupção, julgar quem for acusado e punir os culpados, o que aliás tem sido feito com uma intensidade nunca antes existente no Brasil, a partir da ascensão de Lula ao governo, em virtude da criação de instrumentos como o Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União, bem como do fortalecimento das ações e da autonomia da Polícia Federal e do Ministério Público. Contudo, se a preocupação real da direita e da mídia fosse realmente a corrupção, para ficarmos nos casos recentes, a Lista do HSBC e a Operação Zelotes (que alcançam nomes de peso da mídia e da direita), deveriam receber na imprensa um peso igual ou maior que a Operação Lava Jato, baseada em delações premiadas e seletivamente divulgada, para atingir apenas o PT, embora alcance quase todo o espectro partidário brasileiro. Acontece – almeja a mídia e direita – que a Operação Lava Jato pode ter como subprodutos o enfraquecimento da Petrobrás, a dissolução do regime de partilha na exploração do Pré-Sal e o comprometimento da força eleitoral do PT. Setores mais retrógrados, com forte viés fascista, falam até em cassar o registro do partido.
Nada de novo: trata-se de embaralhar o jogo e diluir a identidade alcançada pelo eleitorado popular na cena política brasileira, com o propósito de alcançar na marra o que não se consegue nas urnas.
*Professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
[1] Sobre o crescimento do PTB no período e a pesquisa IBOPE, ver LAVAREDA, A. (1991) A Democracia nas Urnas. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed. / IUPERJ. O dado sobre a intenção de votos em Goulart, na mesma pesquisa, aparece em MAGALHÃES, M. (2015) “Pesquisa Ibope de março de 1964 mostra que Jango mantinha alta popularidade”. UOL. Blog do Mário Magalhães. Disponível em http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/03/27/ibope-de-marco-de-1964-mostra-que-joao-goulart-mantinha-alta-popularidade/ Acesso em 15/04/2015.
[2] REIS, F. W. (2000) “Identidade, Política e Teoria da Escolha Racional”. In Reis, F.W Mercado e Utopia. São Paulo: Edusp, pp. 63-82. (Publicado pela primeira vez em 1988, na Revista Brasileira de Ciências Sociais, 6 (3), 1988)
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