ALEXANDRE GARCIA E AS COTAS
Lelê Teles
ontem, quarta-feira 21, um amigo me chamou para jogar sinuca num boteco estranho, na Orla de Aracaju, chamado Academia Sergipana dos Iletrados, reduto preferencial dos analfabetos políticos de todos os matizes.
o amigo me convenceu a ir dizendo que a vantagem do lugar é que a cerveja está sempre gelada e o preço é bom.
como recomenda o papa, fui jogar e beber com o amigo, tomado de curiosidade.
no copo sujo, há sempre duas TVs ligadas: uma na Globo e outra na Globo News – veja que beleza – e nas mesas do butiquim sempre tem uns exemplares do jornal O Globo que o dono da peixaria rejeita e os cachaceiros levam pro bar.
até aí tudo bem.
eu passava giz no meu taco, garbosamente, quando aparece na tela da TV, no meio desse povo, o indefectível moralista sem moral Alexandre Garcia; aquele que foi porta-voz do ditador Figueiredo, o general que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo.
enfim, um jumento.
e da tela plana de 50 e tantas polegadas, em imagem digital, Garcia relincha um dos mais equídeos de todos os relinchos, tape o nariz, nobilíssimo leitor: “o país não era racista até criarem as cotas.” disse isso e desferiu um coice ao vento.
olhei para o meu amigo, ele deu uma golada na cerva geladíssima e arregalou os olhos para a TV.
Garcia, veja que gracinha, disse que o racismo no Brasil é um subproduto do sistema de cotas criado para tirar negros da invisibilidade econômica, social e intelectual.
pela lógica ásnica, cínica e ilógica do jornalista irascível, a lei das cotas para negros ingressarem na universidade federal e no serviço público federal criou o racismo.
tá serto, escreveu um analfabeto no forro da mesa de bilhar.
e digo mais, disse o nosso ilustre iletrado com o jornal O Globo nas mãos, no Brasil nunca houve fome, até esses vagabundos criarem o maldito Bolsa Família.
nós, esbravejou o ágrafo – batendo com o jornal enrolado no fundo de uma panela – nunca tivemos déficit habitacional neste país, todo mundo morava bem e onde bem quisesse, aí chegaram os petralhas e vieram com essa porcaria de Minha Casa, Minha Vida.
inririririri, relincharam os colegas aprovando-o.
com o cotovelo no balcão, dando uma bicadinha no rabo-de-galo, outro bebum com cara de leitor da revistaveja, que mascava um chumaço de feno como tira-gosto, completou o raciocínio do amigo:
e tem mais, meu imortal acadêmico, no Brasil os pobres sempre foram às universidades, que são públicas e livres, ou iam a faculdades particulares porque podiam pagar, até que os comunistas criaram esse tal de FIES, ENEM, PROUNI e olha aí, não tem mais pobre estudando.
todos bateram os casacos no chão, deram pequenos pinotes e morderam sua barra de açúcar.
com mil diabos, eu pensei, como eu vim parar aqui neste estábulo?
aí entrou em cena um quadrúpede, sem sela, também em defesa de Alexandre, o grande embusteiro. no sertão, disse ele, a água nunca foi um problema, mas Lula queria levar uns pixulecos e fazer lobby para os empresários da indústria da seca e inventou lá umas cisternas que armazenam água da chuva, tem cabimento uma burrice dessas? beber água da chuva?
e agora com essa transposição do São Francisco é que o povo morre de sede de uma vez, completou. Lula criou a sede no sertão.
falava isso e abanava o rabo para se livrar dos insetos.
nunca se viu falar em corrupção no Brasil, disse o dono do bar, do lado de dentro do balcão, aí veio o PT e olha o peteco que virou este país. só se fala em ladroagem, é dólar na cueca, na calcinha, nas meias, no soutien…
não me contive. senhores, disse eu com o taco em punho, vocês estão a inverter a história. o sistema de cotas está aí para que os negros enfrentem o racismo, contra a negação conta a negra ação.
e as cisternas foram feitas para matar a sede, o Bolsa Família…
o garçon deu um coice na mesa de sinuca, comunista, gritou.
seu negro de merda, racista vagabundo, ladrão comunista, esbravejou o dono do boteco.
os dois analfabetos que relinchavam em favor do jornalista filhote da ditadura quebram suas garrafas e vieram em nossa direção.
vai pra Cuba, fora PT, somos milhões de Cunhas…
saquei do bolso um patuá que trouxe da China, joguei no chão, ele explodiu e levantou fumaça.
eu e meu amigo desaparecemos do bar, ninjicamente.
palavra da salvação.
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