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O professor da UFV, o Facebook, a notícia falsa, o reacionarismo e a formação jornalística no Brasil

18 de Junho de 2015, 10:42 , por MariaFrô - | No one following this article yet.
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Um caso tomou a atenção mídia ontem:  G1G1O TempoAlagoas em Tempo RealEstadãoEstado de Minas, Fórum, O Dia, Tribuna de Minas,Brasil de Fato,  trata-se de uma postagem no Facebook do professor Joaquim Sucena Lannes, chefe do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Em seu perfil do Facebook, Lannes veiculou uma notícia falsa e ao veiculá-la fez um comentário de apologia à violência.

Ele foi denunciado administrativamente (nº do  registro da sindicância: 007921/2015), afastado da Chefia do Departamento ontem à noite e  e será apresentada ainda hoje contra ele uma denúncia na delegacia civil.

Há tantos equívocos numa única ação deste professor que se agíssemos como ele poderíamos escrever ‘bem feito’! Mas acho que tal postura não ajudaria muito. Não creio que o debate mesmo que discordemos do que diz o professor deva se reduzir ao pensamento expresso no comentário infeliz de Lannes em seu Facebook. Eu ainda acredito na convivência de pensamentos diversos e no respeito às leis. Portanto, não direi caso o processo civil e administrativo leve a sua exoneração algo como ‘está com dó do reacionário, leva pra casa’.

Vamos ao caso:

bemfeito

1) Um professor que é chefe do Departamento de Comunicação Social de uma universidade federal não se dá ao trabalho de investigar se a dada notícia que circula nas redes e que ele reproduz em seu perfil é verdadeira ou falsa. Isso diz muito sobre um certo tipo de jornalismo praticado onde parece que o fato não tem relevância. Mais que a gravidade de um comentário que incita a violência, “o olho por olho, dente por dente“, chama a atenção a ausência de um saber basal de qualquer um que trabalha com comunicação mas, especialmente, um saber que é condição mínima para se chefiar um departamento de Comunicação numa universidade federal: rigor com os fatos, apuração jornalística antes de publicar qualquer notícia.

Sobre a dificuldade do professor que coordena o departamento de Comunicação em distinguir notícias falsas de verdadeiras na rede chama a atenção alguns posts de seu perfil no Facebook. Nestas duas postagens reproduzidas abaixo, compartilhadas por ele do Sensacionalista fico em dúvida pelos seus comentários se ele sabe que se trata de um site de humor:

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2) Segundo dado preocupante neste caso: temos um professor de uma universidade federal que forma novos profissionais da comunicação que parece não fazer a menor ideia de que um juiz não pode desprezar a lei em seus julgamentos.

Se a notícia fosse verdadeira, um jornalista para emitir fazer qualquer opinião sobre o caso, para fazer qualquer juízo de valor sobre o evento, precisaria considerar que uma decisão judicial não pode ignorar os princípios legais. Juiz aplica a lei. Seja um juiz conservador ou um juiz democrático suas decisões judiciais precisam estar embasadas na lei. Nenhum juiz pode julgar um caso baseado em sua decisão pessoal. A Justiça no Brasil não alcança os que não podem pagar por um advogado, se os juízes começarem a julgar todos os processos com base em suas convicções pessoais abrindo mão da lei, voltaremos ao tempo das cavernas, o tempo da ausência do Direito estabelecido.

Boa ou ruim a lei existe para mediar conflitos, punir infratores e assegurar direitos, inclusive aos infratores, ao menos os direitos que estão estabelecidos nos códigos penais e outras leis que regem o país. Por isso repetir frases reacionárias como ‘bandido bom é bandido morto’ é no mínimo ignorar as leis do país.

Bandido deve ser julgado e, se condenado, cumprir a pena que a lei prescreve ao crime cometido, garantindo-lhe o que diz a lei. Por mais hediondo que seja o crime cometido e por mais que desejemos o sofrimento e morte dos bandidos que cometem crimes hediondos, os presídios não deveriam ser infestados de ratazanas, superlotados, um lugar onde presos se matam decapitando uns aos outros. Presídios, em teoria, são lugares para os condenados pagarem por seus crimes e reaprenderem a viver em sociedade.

Voltemos à ação do professor. Antes da repercussão de sua postagem, Lannes justificou sua opinião como sendo ‘apenas uma reflexão‘. Reflexões, especialmente produzidas por acadêmicos, costumavam ser fruto de pesquisa e análise, exigiam tempo de maturação das ideias, mas parece que hoje elas são moldadas pela repetição ad nauseam de frases feitas ditas por figuras como Sheherazade:

“Engraçado, algumas pessoas acharam que meu pensamento é errado. Mas é apenas uma reflexão. A polícia prende meliantes, ladrões, estupradores, etc. Gente que entra em nossas casas e matam, ferem, estupram, entre outras coisas. Depois, um juizinho vem e solta o meliante para fazer mais. Ok, não vamos discutir por isso. Isto é minha opinião. Não gostou? Levem o meliante para casa, deem carinho a ele. O protejam. Sem problemas. O juiz solta e vocês acolhem. E fim de papo”.

Lannes com sua ‘reflexão’ deu margem para que comentaristas fizessem análise de seus conhecimentos gramaticais:  “O protejam”, ele quis dizer: protejam-no. Chefe do departamento de comunicação e não sabe que é vedado iniciar uma frase com pronome do caso oblíquo. Há uma relação intrínseca entre o reacionarismo e a burrice”, diz um comentarista na notícia publicada no portal da Fórum.

Como não queremos incorrer em preconceito linguístico (arma utilizada pela direita conservadora para atacar aqueles que elas acham que não tem capacidade ou mérito para ocupar cargos importantes) não vamos falar da necessidade de professores universitários, de universidades públicas e de prestígio e dos que coordenam departamentos de Comunicação mostrarem o domínio da norma culta na produção de seus textos.

Nos portais li também opiniões de alguns comentaristas adeptos da ‘reflexão’ estilo Sheherazade dizerem que o professor está sendo “censurado”. Há um equívoco, a meu ver, neste argumento que ignora que nossa liberdade de expressão também está condicionada às leis, especialmente à Constituição que veda a apologia à violência. Falar em censura neste caso também não se aplica, porque nenhuma ordem judicial obrigou o referido professor a apagar o seu post. Por que então o referido professor que estava apenas ‘refletindo’ apagou seu próprio post? Talvez porque tardiamente tenha percebido que a liberdade de expressão de cada um de nós está condicionada à responsabilidade do que expressamos.

Este caso permite ainda que reflitamos sobre o falso argumento da direita reacionária no Brasil que quer Paulo Freire expulso das escolas (como se a pedagogia freiriana fosse realidade nas escolas brasileiras). Esse grupo usa o termo ‘ideologia’ como se o seu pensamento não fosse ideológico. Podemos ver na fala deste professor e em várias de suas postagens no Facebook o quanto há de ideologia reacionária em seu pensamento. A questão que me assalta após a breve análise deste caso é: em que estado se encontra a formação jornalística no país? 

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Fonte: http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2015/06/18/o-professor-da-ufv-o-facebook-noticia-falsa-o-reacionarismo-e-formacao-jornalistica-brasil/