Marcha à ré em Brasília
Por Wagner Iglecias*, especial para o Maria Frô
17/06/2015
Prezado(a) leitor(a), se alguém me dissesse em 2003, logo que Lula assumiu a presidência, que o PT faria quatro mandatos presidenciais sucessivos, eu apostaria que o Congresso Nacional em 2015 estaria repleto de representantes dos trabalhadores (do campo e da cidade), de mulheres, de jovens, de afro-descendentes, de indígenas, de representantes do movimento LGBT, de gente das mais variadas fés religiosas etc. Seria inclusive uma conclusão óbvia. Afinal o que era o PT, na sua origem, se não uma grande frente de forças políticas progressistas e movimentos sociais ascendentes, e que desde os anos 1980 vinham dando uma lufada de ar fresco no cenário político brasileiro?
Ok, tudo bem, o petismo em 2003 já era bem mais pragmático que duas décadas antes. Mas o que se vê na realidade do Parlamento brasileiro hoje é bem o contrário do que se podia supor após uma década e meia do partido no poder. Câmara e Senado estão dominados por homens adultos brancos, em sua maioria conservadores em termos políticos e morais, em sua maioria cristãos e em sua ampla maioria financiados por grandes grupos econômicos. De duas uma: ou a direita, consciente de sua inviabilidade eleitoral na disputa pela presidência da república, resolveu priorizar o Legislativo, ou o petismo vacilou muito em sua estratégia conciliadora e agora vê um Congresso Nacional dominado por seus adversários.
Muita gente tem saudado o ativismo desta atual legislatura, mas fato é que a Câmara tem votado diversas propostas que alteram a Constituição Federal sem que uma assembleia nacional constituinte fosse instalada. E sem diálogo com a maioria da sociedade. A recente votação, a toque de caixa, da reforma política conseguiu piorar um sistema eleitoral e partidário que já é muito ruim. Do jeito que ficou só se favorecerão as oligarquias partidárias e seus sócios e financiadores do mundo empresarial. Agora a Casa prepara-se para aprovar a redução da maioridade penal e em breve o Senado deverá alterar o regime de exploração do pré-sal, desmontando a regra da partilha e na prática reinserindo o sistema de concessão das jazidas, altamente favorável às petroleiras estrangeiras.
Mais do que uma birra contra um governo notadamente fraco, ou mais que o resultado de uma articulação política malfeita entre os dois Poderes, o que o Parlamento brasileiro está perpetrando neste momento é um profundo contra-ataque aos avanços sociais e políticos que o país conheceu nos últimos anos. E por últimos anos entenda-se não só aqueles dos governos petistas, mas sim o que conseguiu-se construir, a duras penas, desde a volta da democracia, em meados da década de 1980.
*Wagner Iglecias é sociólogo, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.
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