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Impasse paralisa resistência ao golpe que avança no Congresso e na sociedade

24 de Agosto de 2016, 23:09 , por Feed RSS do(a) News - | No one following this article yet.
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No primeiro embate sério contra o fiel da balança (o PMDB), as legendas progressistas perceberam que a armadilha se fechara, o golpe seguia seu curso e estava estabelecido o impasse

Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro

Concluídas as Olimpíadas, apagada a tocha do espírito olímpico no Rio de Janeiro, no Brasil, o que nos aguarda é um terrível impasse. No país onde pessoas quase civilizadas, principalmente nos grandes centros e nas cidades de médio porte das regiões Sul e Sudeste, em sua maioria, vão às ruas pedir pela volta da ditadura e da intervenção militar, com cartazes de apoio ao deputado afastado Eduardo Cunha — réu no Supremo Tribunal Federal (STF) — aos brados de impeachment à presidenta Dilma Rousseff, para que assuma os destinos do país este ser chamado Michel Temer, temos que parar, feito numa partida de vôlei, e pedir tempo. Mas isso é impossível.

A Pira Olímpica, minutos antes de ser apagada no Brasil, simbolizava o fogo da democracia que se extingue no país

A Pira Olímpica, minutos antes de ser apagada no Brasil, simbolizava o fogo da democracia que se extingue no país, diante do golpe

Uma distorção de tamanha envergadura nos pilares da democracia em que o Brasil constrói o seu futuro, produzida ao longo de décadas de submissão a este modelo de sociedade, identificado com roteiro de novelas e jornalismo avassalado; um fenômeno assim não passa despercebido. No segundo seguinte após cessar o ponto de luz do espírito mais alto, na chama olímpica, e descer a escuridão dos próximos anos, com direitos trabalhistas cassados, uma completa insegurança quanto ao calendário eleitoral e o cumprimento estrito ao resultado das urnas, se eleições houver, fica claro que política não é esporte. É luta por poder.

Quando a Câmara dos Deputados vota, naquela noite de terror em 13 de Maio, a abertura do processo de impeachment contra a mulher que simboliza a vontade política de uma nação, escancara a irresponsabilidade dos eleitores, de quem elegeu aqueles mesmos brasileiros e brasileiras que, investidos de um mandato popular, compactuam com um golpe de Estado. Esse mesmo golpe se alonga até o Senado, onde os ponteiros das corporações mundiais do petróleo, das telecomunicações, das montadoras, das farmacêuticas e do setor financeiro esperam pela presidenta Dilma com os dentes escancarados até o estômago. Está pronta para ser devorada. Com ela, será triturada qualquer chance de seguir adiante no projeto de país mais justo, igualitário e democrático.

Dia após dia, principalmente no Estado de São Paulo, mas da mesma forma por esse Brasil afora, as forças de repressão têm deixado impresso o peso do porrete e a força das balas de borracha no corpo dos manifestantes que integram a resistência popular. Para qualquer eventualidade o Judiciário está aí, pronto a culpar o fotógrafo que ficou cego de um olho pela estupidez do policial que disparou o tiro. Está instalado o Estado policial, tão competente quanto aquele outro, estruturado ao longo de 20 anos de ditadura civil-militar. Parece que se esqueceram da tortura, dos porões. Os atuais limites foram empurrados ao ponto em que se confunde segurança com truculência.

Na repressão à imprensa independente, os poucos jornais, revistas e blogs que ainda restam nesse deserto — e o Correio do Brasil resiste — entram para a lista de inimigos do Estado. Trata-se da etapa anterior à eliminação física de seus editores, redatores, correspondentes e repórteres, como ocorre agora na Turquia. A independência de um jornal é a arma mais perigosa que existe contra os regimes de exceção, tipo esse que se instala no Brasil. Em um passado recente, ou o jornal, como a Folha de S. Paulo, recebia milhões de dólares enquanto emprestava seus carros para o transporte de prisioneiros da ditadura entre o pau-de-arara e a máquina de choques, instalados em pontos diferentes da capital paulista, ou era desidratado em um cerco econômico até morrer de absoluta inanição financeira, como o Última Hora, no Rio de Janeiro.

O golpe em curso

Na falta de prisioneiros políticos para serem transportados, por enquanto, aqueles mesmos donos da mídia que prosperaram ao longo da ditadura passada agora emprestam os próprios veículos de comunicação aos algozes da democracia, na tentativa de tornar palatável o veneno com o qual a assassinam. As traições se multiplicam. A ditadura se aproxima, pé ante pé. Sem alarde. Enquanto as meninas e meninos pulavam de um lado para o outro, corriam, nadavam, velejavam, atiravam com armas laser e jogavam os Jogos Olímpicos de 2016, os velhos ricos em seus escritórios silenciosos calculavam o quanto haviam explorado o semelhante. As diretrizes dos donos do dinheiro são levadas a cabo no voto dos parlamentares comprados, nas ações negociadas com o potentado, os governadores das províncias, os alcaides e até o mais humilde dos vereadores. Serviço completo.

A “Ordem”, estabelecida no slogan provisório do período golpista, é a censura imposta sem-cerimônia. Se não há mais qualquer barreira capaz de deter o regime de exceção, a não ser o voto popular, tratam de influenciar o sufrágio e, assim, travestir o golpe com a capa de legalidade oferecida pelas urnas. O plano é diabólico mas, ao mesmo tempo, rocambolesco. Não enganam uma criança sequer. Enquanto o eleitor puder exercer o seu direito e o sistema legal brasileiro garantir a força desse voto, não há Temer que se segure no Planalto. E é aí que mora o perigo. Para impedir que a democracia floresça após a última pancada, inventaram o aparato ditatorial que consiste, didaticamente, na supressão dos direitos humanos e na proliferação da violência, em todos os seus matizes.

Daí o impasse. Mais de 54 milhões de eleitores votaram em quem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou votar, de novo. No caso, Dilma Rousseff. Reeleita. Recebeu o apoio maciço da esquerda brasileira. Foi salva pelo gongo, no último assalto, pela ação da mesma imprensa independente que, em um lampejo de solidariedade e espírito de união para enfrentar as forças conservadoras, partiu para luta e desmontou os ardis da mídia golpista naquele momento. Fez o mesmo em 2010 — e o Correio do Brasil também esteve presente — na eleição do ‘poste’ chamado Dilma. E chega. O volume de erros cometidos, ao longo dos cinco anos e meio no comando da Nação levou a ‘base aliada’ a um ponto cego.

No primeiro embate sério contra o fiel da balança (o PMDB), as legendas progressistas perceberam que a armadilha se fechara. Se o PT votasse pela absolvição de Eduardo Cunha, na Comissão de Ética. Repito. Ética. Se Dilma houvesse concordado em assegurar o mandato do deputado. Se passasse uma borracha sobre os milhões dos quais é acusado de desviar da Petrobras para o seu bolso, alegria da mulher, Claudia Cruz, nada disso teria acontecido. A cleptocracia seguiria embutida na hipocrisia geral, o governo amamentaria os lobos de sempre e a caravana da imoralidade passaria, incólume, até 2018 e adiante. Dilma, mulher honesta e de fibra, resiliente, jogou todo o seu cacife na certeza de que uns poucos votos bastariam para encerrar o processo de impeachment no nascedouro, cassar Eduardo Cunha e passar com sua caravana rumo ao futuro. Foi aquilo a que se assistiu, na noite dos horrores do dia 13 de Maio.

No Senado, então, o espetáculo tem sido dantesco. O pequeno grupo de parlamentares que saiu em defesa de Dilma mostrou as fraturas expostas da resistência, apunhalada mil vezes nas ações da Operação Lava Jato — concebida e executada com precisão milimétrica para encontrar um dispositivo de áudio lotado de músicas bregas, na cela do ex-ministro José Dirceu, mas desconhecer o endereço da mulher do Cunha, que mora no condomínio Park Palace, na Barra da Tijuca. Quem quiser saber o número da casa, basta perguntar na portaria. Apesar dos esforços heróicos dos senadores de esquerda na tentativa de provar o óbvio, que Dilma não cometera crime algum, o governo golpista nada de braçadas nas negociações para afastar, definitivamente, qualquer tentativa de se restaurar a seriedade à coisa pública.

E o impasse permanece, pois os líderes progressistas que asseguraram a vitória de Dilma, nas urnas, parecem agora dispostos a deixar que o mal aconteça, em sua plenitude, para chegar a 2018 feito chuva alvissareira que salva lavoura. Até lá, porém, não é garantido que haja algum verde para aguar. O deserto avança. Os meios de comunicação independentes já não se entendem mais entre o #ForaTemer e o #VoltaQuerida. Todos, sim, mantêm a disposição de derrotar o regime ora instalado, mas dividem-se entre apoiar o plebiscito sugerido na carta de Dilma ao Senado ou deixar para trás o ‘poste’ e apostar no original para as próximas eleições. O ‘Lulinha paz e amor’ já está em campanha.

Enquanto a dúvida cruel leva ao impasse as organizações sociais, sindicatos, igrejas, escolas, partidos políticos e demais pólos de resistência contra a direita. Esta, sim, unificada na preservação do mandato de Cunha para evitar que ele faça uma delação premiada e devastadora, no controle das rédeas no Judiciário, na cassação urgente do máximo possível de direitos dos trabalhadores e na venda de ativos do Estado. As forças do retrocesso concentram-se na obtenção dos votos necessários para impedir, de uma vez por todas, que qualquer raio de luz rompa as trevas pós-Olimpíadas. De um outro prisma, já nas Paralimpíadas, seria a partida no futebol de cinco em que apenas o time de vermelho jogasse com tampões nos ouvidos.

O placar é previsível.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal diário Correio do Brasil.

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Fonte: http://blogoosfero.cc/news/blog/impasse-paralisa-resistencia-ao-golpe-que-avanca-no-congresso-e-na-sociedade

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