A democracia vencerá os golpistas
4 de Dezembro de 2015, 9:58Por Adalberto Monteiro – de Brasília:
O tempo corre contra a democracia. A hora é de união e luta de todos os democratas, de todos aqueles que, para além de suas opções partidárias, ou mesmo da avaliação que tenham do governo Dilma, coloquem a defesa da democracia como a questão fundamental do país.
Que legalidade tem um processo de impeachment que nasce pelas mãos imundas de um chantagista, prestes a ter o mandato cassado pelos seus pares ou mesmo preso por decisão do STF?
Não há “guerra” entre Dilma e Cunha, como quer enganar o povo a grande mídia. Uma pessoa honrada não se envolve em luta corporal com canalhas. A admissibilidade do processo de impeachment por Cunha disparou o tiro contra a democracia. Desencadeou, abertamente, uma guerra, essa sim verdadeira, entre democratas e golpistas. Não há meio termo. Ou se está do lado do Estado Democrático de Direito, ou se está do lado do retrocesso, da desmoralização do país enquanto nação, que ao custo de muita luta e muitas vidas, integra o elenco das democracias contemporâneas.
Como esse processo de impeachment que querem impor não tem fundamento jurídico algum, Aécio Neves, que tenta nesta ora se apresentar como chefete da conspirata, busca iludir a opinião pública com o argumento de que é preciso outro governo para retirar o país da recessão. Nada mais falso.
Um governo que venha a surgir filho bastardo de um golpe, qualquer que seja esse governo, não terá condição alguma para resolver os problemas que o país enfrenta. Um governo imposto por um golpe será alvo de combate cerrado das forças democráticas e populares. Em vez de recuperar sua estabilidade institucional o país mergulhará ainda mais na instabilidade. Em piores condições, portanto, para enfrentar a recessão e retomar paulatinamente o crescimento econômico e a geração de empregos.
No início do ano, tanto a Procuradoria-Geral da República, através de seu Chefe, quanto o Supremo Tribunal Federal, através do ministro encarregado da Lava Jato, proclamaram que nada absolutamente nada consta contra a presidenta. Em outras palavras, contra ela não há nenhuma acusação sequer. Mesmo com toda a devassa feita à vida pública e privada da presidenta.
O pedido de impeachment de juristas, escrito a mando do PSDB, deferido por Cunha se baseia fundamentalmente no suposto crime das chamadas “pedaladas fiscais”. A Advocacia Geral da União (AGU) demonstrou cabalmente que essa ilegalidade não foi cometida. Ademais, tais “pedaladas” seriam uma espécie de crime hediondo ou algo do tipo de contas bancárias milionárias, de origem incerta, nos bancos da Suíça ou daqui?
Vejamos as tais das “pedaladas”.
Dinheiro de bancos públicos foram emprestados ao governo para custear programas sociais importantes, como o Bolsa Família. Em tempo permitido pela lei o governo devolveu aos bancos esse mesmo dinheiro. É sabido e conhecido que outros governos do passado, como o de FHC, e mesmo governos estaduais, agora no presente, fazem o mesmo, e eles não foram e não são acusados de nada. Por que esse casuísmo contra Dilma?
Mas, vamos ao mérito. Aos autos, como se diz no jargão.
O dito processo indica que crimes fiscais teriam sido cometidos pelas prestações de contas de 2014 e 2015.
Quanto a 2014, a Constituição Federal é clara. Um presidente não pode ser afastado por um ato anterior ao seu atual mandato. Uma lembrança: O Tribunal de Contas da União (TCU) não julga, apenas emite um parecer. O parecer do TCU reprova. Mas até agora, o Congresso Nacional, que tem prerrogativas para tal, não julgou as contas da presidenta de 2014.
Em relação a continuidade das “pedaladas” de 2015, sequer o ano terminou, sequer o TCU emitiu parecer, e, finalmente, na última quarta-feira, o Congresso Nacional aprovou nova meta fiscal, o que isenta o governo de qualquer delito fiscal.
Por tudo isto, e muito mais, renomados juristas já se pronunciaram quanto à falta de base de legal para esse ato de Cunha, escancaradamente fruto de vingança e de um acordo espúrio com PSDB, DEM e outros partidos, para alguma manobra que lhe poupe de ser cassado ou pelo menos para que não seja preso. Há aqui, um evidente crime, que o Direito crava como, “ desvio de poder”. Cunha usa o impeachment em benefício próprio, para tentar se salvar e impor vingança.
O tempo corre contra a democracia. A hora é de luta e mobilização das centrais sindicais, dos movimentos sociais, é hora de travar a batalha das ruas.
O tempo corre contra a democracia. É hora de travar a batalha de ideias. Não temos televisão, nem jornalões, mas temos ideias, argumentos contra o golpe, vamos expô-las de mil maneiras nas redes sociais.
Só não vale cruzar os braços.
O confronto será duro, difícil.
Com união e luta de todos aqueles que tem a democracia como o bem mais precioso da Nação, a democracia vencerá o golpismo.
Adalberto Monteiro, é presidente da Fundação Maurício Grabois e editor da revista Princípios.
Altman: ‘Pedido de impeachment é boa notícia’
3 de Dezembro de 2015, 14:39A oposição de direita e os desgarrados do centro precisarão reunir 342 dos 513 votos para aprovarem a admissibilidade do impeachment sob a batuta de um homem marcado por denúncias fortíssimas de corrupção e movido pelo rancor
Por Breno Altman – de São Paulo:
Duas notícias alvissareiras vieram do Congresso Nacional.
A primeira delas foi a aprovação da nova meta fiscal, que destrava o orçamento da União.
A segunda foi a liberação de um dos pedidos de impeachment por Eduardo Cunha, em vingança contra a decisão do PT de votar pela continuidade de seu processo de cassação no Conselho de Ética.
A oposição de direita e os desgarrados do centro precisarão reunir 342 dos 513 votos para aprovarem a admissibilidade do impeachment, sob a batuta de um homem marcado por denúncias fortíssimas de corrupção e movido pelo rancor.
Leia também:
Wagner diz que quem mentiu foi Cunha
Base governista vai ao STF para anular pedido de impeachment
Além do mais, as bases materiais do pedido são fraudulentas, referindo-se a supostas irregularidades fiscais que não foram ainda julgadas pelo TCU.
O campo governista precisa de apenas 172 votos para derrotar o impeachment. Se não for capaz de reuni-los, ainda mais em uma situação tão movediça para o conservadorismo, é porque o governo já não tem mais condições de dirigir o país.
A partir de agora, cabe apostar na mobilização dentro das instituições e nas ruas, para derrotar simultaneamente o golpismo e a chantagem, reconstruindo por baixo a governabilidade necessária para voltar ao programa eleito em 2014.
Breno Altman é jornalista, diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel
O capitalismo será derrotado pela Terra
3 de Dezembro de 2015, 9:20Por Leonardo Boff – do Rio de Janeiro:
Há um fato incontestável e desolador: o capitalismo como modo de produção e sua ideologia política, o neoliberalismo, se sedimentaram globalmente de forma tão consistente que parece tornar qualquer alternativa real inviável.
De fato, ele ocupou todos os espaços e alinhou praticamente todos os países a seus interesses globais. Depois que a sociedade passou a ser de mercado e tudo virou oportunidade de ganho, até as coisas mais sagradas como órgãos humanos, água e a capacidade de polinização das flores, os chefes de Estados, em sua grande parte, são forçados a gerir a macroeconomia globalmente integrada e cada vez menos atender ao bem comum de seu povo.
O socialismo democrático, em sua versão avançada de ecossocialismo, representa uma opção teórica importante, mas com pouca base social mundial de implementação. A tese de Rosa Luxemburgo, em seu livro Reforma ou Revolução, de que “a teoria do colapso capitalista é o cerne do socialismo científico”, não se verificou. E o socialismo, na sua pior forma como ditadura do Estado, ruiu.
A fúria da acumulação capitalista alcançou os níveis mais altos de sua história. Praticamente 1% da população rica mundial controla cerca de 90% de todas as riquezas. 85 opulentos, conforme a séria ONG Oxfam Intermon, de 2014, têm dinheiro igual a 3,5 bilhões de pobres do mundo.
O grau de irracionalidade e também de desumanidade do sistema falam por si. Vivemos tempos de explícita barbárie.
As crises conjunturais do sistema ocorriam até agora nas economias periféricas. Mas a partir de 2007/2008 a grande crise explodiu no coração nos países centrais, nos EUA e na Europa. Tudo parece indicar que se trata não de uma crise conjuntural, sempre superável, mas desta vez, de uma crise sistêmica, pondo fim à capacidade de reprodução do capitalismo.
As saídas encontradas pelos países que hegemonizam o processo mundial são sempre da mesma natureza: mais do mesmo. Vale dizer, continuar com a exploração ilimitada dos bens e serviços naturais, orientando-se por uma medida claramente material (e materialista) que é o PIB.
Ai dos países cujo PIB não cresce cada ano. Condenam-se à falência, com consequências sociais desastrosas.
Esse crescimento piora o estado da Terra, diminuindo ainda mais o que resta de sua reserva biótica. O preço das tentativas de manter e de aumentar o crescimento é aquilo que seus corifeus chamam de “externalidades” (o que não entra na contabilidade dos negócios). Elas são fundamentalmente duas: uma degradante injustiça social com níveis altos de desemprego e crescente desigualdade; e uma ameaçadora injustiça ecológica com a degradação de inteiros ecossistemas,erosão da biodiversidade (com o desaparecimento entre 30-100 mil espécies de seres vivos, por ano, segundo dados do biólogo E. Wilson), crescente aquecimento global, escassez de água potável e insustentabilidade geral do sistema-vida e do sistema-Terra.
Estas duas injunções estão pondo de joelhos o sistema capitalista. Se ele quisesse universalizar o bem-estar que propicia aos países ricos, precisaríamos, pelo menos, de três Terrasiguais a esta que dispomos, o que evidentemente é impossível.
O nível de exploração das “bondades da natureza”, como são chamados pelos andinos os bens e serviços naturais, são de tal ordem que em setembro deste ano se verificou “o dia da ultrapassagem” (the Earth overshoot Day). Em outras palavras, a Terra não possui mais a capacidade, por si mesma, de atender as demandas humanas. Ela precisa de um ano e meio para repor o que lhe subtraímos durante um ano. Ela se tornou perigosamente insustentável.
Ou refreamos voracidade da acumulação de riqueza e de consumo para permitir que ela descanse e se refaça ou devemos nos preparar para o pior.
Por se tratar de uma super-Ente vivo (Gaia), limitada, com escassez de bens e serviços e agora doente, mas sempre combinando todos os fatores garantindo as bases físicas, químicas e ecológicas para reprodução da vida, tal processo de degradação despropositada pode impossibilitar a reprodução do sistema e gerar um colapso ecológico-social de proporções dantescas.
A consequência seria que a Terra teria derrotado definitivamente o sistema do capital, subtraindo-lhe a capacidade de se reproduzir junto com sua cultura materialista de consumo ilimitado e individualista. O que não temos conseguido historicamente por processos histórico-sociais alternativos (era o propósito do socialismo), o conseguirão a natureza e a Terra. Esta, na verdade, se livraria de uma célula cancerígena que está ameaçando de metástase todo o organismo de Gaia.
Nesse entretempo a nós cabe a tarefa de desde dentro do sistema, alargar as brechas, explorar todas as suas contradições para garantir especialmente aos mais humildes da Terra o essencial para sua subsistência: a alimentação, o trabalho, a moradia, a educação, os serviços básicos e um pouco de lazer. É o que vem sendo feito no Brasil e em muitos outros países. Do mal tirar o mínimo de bem necessário para a continuidade da vida e da civilização.
E no mais, é rezar e se preparar para o pior.
Leonardo Boff, é articulista do Jornal do Brasil on line,membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.
O porto de Mariel
2 de Dezembro de 2015, 9:08Por Frei Betto – do Rio de Janeiro:
Com pouco mais de 11 milhões de habitantes e PIB de US$ 66 bilhões, Cuba enfrenta dificuldades econômicas, a maioria imposta pelo bloqueio decretado pelo governo dos EUA. Apesar disso, como declarou o escritor Leonardo Padura, no programa Roda Viva, em um quarteirão do Brasil há mais moradores de rua do que em toda a Cuba.
Espera-se que o recente reatamento de relações diplomáticas entre os dois países seja consolidado pelo fim do bloqueio e a devolução da base de Guantánamo, utilizada como cárcere ilegal de supostos terroristas sequestrados mundo afora pela CIA.
Por que os ianques, de repente, decidiram baixar a guarda com Cuba, reatando relações e retirando o país da lista das nações “terroristas”? Business, my friend, business! Eles se deram conta de que estão atrasados quanto ao potencial de negócios de Cuba, que já atrai vários países capitalistas, como Espanha, Reino Unido e, agora, França, cujo presidente, François Hollande, visitou a ilha em maio deste ano.
O velho porto de Havana, junto ao bairro colonial da cidade, já não comporta os grandes navios cargueiros. Cuba, por enquanto, se vê obrigada a recorrer ao porto de Kingston, na Jamaica, para exportar e importar mercadorias. Isso representa um custo de US$ 70 milhões por ano, até que fique pronto o novo porto de Mariel.
Mariel está localizado 45km a oeste de Havana. Financiado em US$ 830 milhões pelo BNDES, e com tecnologia de Cingapura e também da China, que fornecerá as gruas, o porto deverá entrar em funcionamento dentro de quatro ou cinco anos. O projeto é da Odebrecht; a mão de obra cubana, bem como técnicos e engenheiros.
O porto terá uma extensão de 2,4 km e profundidade, junto à murada, de 17,9 metros, o que permitirá o atraque de cargueiros de última geração. Será o maior do Caribe, com capacidade de abrigar 1,3 milhão de contêineres ao ano, cada um com até 18 toneladas de carga.
A Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel (ZEDM) não se limita ao porto. No entorno serão implantadas indústrias de alta tecnologia para produzir produtos que substituam as importações, bem como os que se destinam ao mercado internacional. Uma ferrovia ligará o porto a Havana e outras localidades.
O complexo de Mariel será favorecido pela modernização do Canal do Panamáque, a partir do próximo ano, duplicará o número de navios que atravessam do Pacífico para o Atlântico. E já se iniciaram as obras de um novo canal interoceânico através da Nicarágua, que deverá ficar pronto em dez anos – caso se vença a resistência dos ambientalistas que se opõem. Este megaprojeto, no valor de US$ 40 bilhões, é financiado pelo multimilionário chinês Wang Jing, de 41 anos, que contratou uma empresa construtora de Hong Kong.
Enquanto Mariel não entra em operação, a economia cubana fica na dependência das divisas obtidas pelo trabalho solidário de médicos e professores em uma centena de países; pelo crescente turismo; e pela exportação de produtos como níquel, açúcar e charutos.
Frei Betto, é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens aos países socialistas” (Rocco), entre outras obras.
A esperança venceu o medo?
1 de Dezembro de 2015, 9:13Por José Carlos Peliano – de São Paulo:
De entusiasmada e vibrante memória, o bordão “a esperança vai vencer o medo” seguiu por toda a campanha até a vitória final de Lula nas eleições de 2002 em direção ao seu primeiro mandato.
Não filiado ao partido, mas militante, participei da maioria das manifestações, comícios e shows da campanha juntamente com outros milhares de aguerridos amigos, companheiros, conhecidos e desconhecidos vestidos de vermelho.
De fato, queríamos todos os eleitores um Brasil melhor, longe do autoritarismo ainda presente e arraigado na época, travestido nas instituições e seus representantes, seguidores de ordens e progressos pré-estabelecidos pela ortodoxia dos mandamentos, cargos e funções.
Esse pano de fundo, “positivo e operante”, imprimia país afora uma meritocracia, um preconceito e uma hierarquia política, social e econômica, vindas das capitanias hereditárias, da aristocracia portuguesa e dos donos do poder, salve Faoro!
Em particular e especialmente, ao longo de todos os governos, vindas também do bando de invisíveis beneficiários das benesses, privilégios e vantagens distribuídas nos interstícios escusos e escondidos da república tardia. Áulicos da corrupção.
Infelizmente a meritocracia, o preconceito e a hierarquia não deixaram de mandar nos pensamentos, atos e omissões dos poderes constituídos. Exemplos são inúmeros, circunstâncias também, momentos nem se fala.
Evidente que na vida moderna, predominantemente urbana e globalizada, as leis são necessárias e oportunas. Mas, cabe uma indagação, a dita democracia, governo do povo, pelo povo, para o povo, precisa se escudar em leis que protejam, por exemplo, as minorias? Não são elas habitantes do mesmo país e, por definição, não teriam de ter os mesmos direitos e deveres da restante maioria?
Mas esse não é o ponto principal aqui. Ele é importante sim, pois filho da meritocracia, do preconceito e da hierarquia. A questão é o império abusivo da legislação. Ela limita, boicota e reduz as relações humanas na sociedade. Quanto mais impedimentos legais, quanto menos as pessoas se aproximam, se acordam, se superam em promover a convivência, a civilidade, o bem comum.
Acredito que os governos de 2003 para cá abriram as portas para as manifestações populares, sejam elas quais forem. As bandeiras, entre outras, de combate à fome, moradia para todos, acesso garantido ao ensino superior, ampliação do ensino técnico-profissional e as bolsas família, são alguns dos sinais evidentes de que a esperança venceu o medo!
Não só venceu o medo, quanto alimentou a desobediência civil, tão cara a Thoreau e Gandi. Diziam eles que o clamor do povo vem à tona quando a sociedade organizada limita os espaços de liberdade. Todos têm o direito de exporem e manifestarem suas ideias e ideias, mesmo que eventualmente insurjam contra a ordem estabelecida.
Foram, então, as cadeiras a mais postas à mesa farta do país pelos três últimos governos que ensejaram o reconhecimento e a acolhida dos cidadãos então esquecidos, relegados a seus próprios meios e fins.
Desempregados, pobres, sem instrução, de um lado, e homo-afetivos, negros, índios, deficientes, de outro lado, entre outros, puderam finalmente ter vez, voz e lugar nas políticas públicas e nas instituições urbanas e rurais.
Até mesmo a melhoria da economia levou milhões de brasileiros a entrarem no mercado e ampliarem o consumo e o investimento. Aeroportos cheios, supermercados e shoppings com maiores clientelas, enxurrada de carros novos nas ruas, maior produção da construção civil, foram as marcas indeléveis do nascimento de um país capitalista novo e moderno, mas distributivo.
Essa a esperança que venceu o medo. Essa a ousadia de um governo que deu asas ao povo. Essa a provocação que ainda irrita jornalistas de um olho só, juristas encastelados, parlamentares de salto alto, pastores ilusionistas e cientistas sociais sem sociedade.
A corrupção? Ela é típica da nação do compadrio. Ela não tem cor, nem nacionalidade, nem filiação partidária, nem lugar e hora. Fruto da lei de Gérson, de tirar vantagem de tudo e por tudo.
Infelizmente houve gente do PT envolvida, embora mal julgada e mal condenada. Juristas ilustres estão aí para confirmarem. O tempo e os tribunais multilaterais ainda hão de provar a arbitrariedade, irmã do preconceito e da meritocracia, que imperou nos julgamentos.
As manifestações originais, não as preparadas pela oposição, são sinais positivos da esperança. A luta por uma tarifa justa de ônibus trouxe às ruas paulistas jovens de todas as idades para levarem à frente suas reivindicações. Agora, mais recentemente, as ocupações das escolas públicas paulistas seguem no mesmo rumo e bandeira.
Salve a democracia, mesmo que tardia. A espontaneidade desses dois movimentos em São Paulo traz a pureza e a determinação de gente que se vê livre para protestar e defender seus direitos. Mesmo que o poder público tente cercear. Mas como ir contra jovens do ensino fundamental que querem estudar para ser alguém na vida? Por que e como retirá-los das escolas?
Essa a esperança de mudança que venceu o medo. Essa a semente plantada e que dá e promete mais frutos. A despeito de falsas e rasas análises feitas aqui e ali que buscam estigmatizar um partido, que, bem ou mal, abriu as portas da rebeldia e da desobediência civil. Poderia ser melhor, sim, do mesmo jeito que a avaliação dos governos petistas entregues hoje à sanha dos indignados por não mais estarem no poder.
Essa indignação doentia da oposição aliada à parcialidade de membros da Justiça e à sanha destrutiva da mídia provocaram uma balbúrdia na vida política nacional. O recuo do governo com seus poderes sem força e ameaçados piora o quadro geral.
Mas o povo sabe hoje melhor do que ontem quem é quem, de fato, a comandar o triste espetáculo. O medo já não existe mais, apenas a perigosa falta de perspectiva. Legado infeliz dos meritocratas, preconceituosos e hierarquizados.
José Carlos Peliano, é economista (Phd/Campinas), trabalhou no IPEA, CNPq e Câmara dos Deputados. Atualmente, é pesquisador colaborador no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) – Unicamp.
A voz crítica e a construção do novo
30 de Novembro de 2015, 9:48Por Selvino Heck – de Brasília:
Mais de 100 escolas públicas estaduais, inclusive algumas de educação integral, estão ocupadas por alunos em São Paulo, com apoio dos pais e da comunidade, exigindo a derrubada de decisão do governo estadual por seu fechamento. O movimento já dura semanas, cresce a cada dia e a Justiça tem dado ganho de causa aos ocupantes.
Aconteceu o III Fórum de Educação Integral de Pernambuco – “Educação e Cultura: Desafios da Política e do Currículo”, no Centro de Convenções de Olinda, PE, dias 17 e 18 de novembro, sob coordenação do Comitê Territorial de Políticas Públicas em Educação Integral, Programa Mais Educação – Relação Escola-Comunidade, do MEC, e Programa Mais Cultura nas Escolas, do Ministério da Cultura.
Mil professoras/es, educadoras/es, gestoras/es públicas/os refletiram sobre as experiências de educação integral e as práticas dos Territórios Educativos.
São coisas boas acontecendo neste país-continente que a gente mal sabe ou conhece.
A meta seis do PNE (Plano Nacional de Educação) prevê que até 2024 o Estado deverá oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender pelos menos 25% dos alunos da educação básica.
Mas a jornada ampliada é apenas uma face da educação integral. A professora Jaqueline Moll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reconhecida como uma das idealizadoras do Mais Educação, diz:
“Todos os países desenvolvidos têm uma educação pública de no mínimo seis horas. Mas o mais relevante está no âmbito do conteúdo, na necessidade de reinventar a escola e qualificar seus processos. É preciso repensar o tempo, o espaço, o entorno da escola. Não é possível mais resolver o problema da violência levantando mais muros, colocando grades nas escolas. Você fica em uma situação em que vai ter que fazer um muro cada vez mais alto e não vai resolver. A solução é exatamente o contrário. É preciso destruir os muros da escola. A escola tem que ser um espaço livre, de livre acesso a todo mundo.A educação integral pressupõe que a cidade, como um todo, é uma grande sala de aula”(Encarte especial da revista Caros Amigos, outubro/2015).
Educação popular e Educação integral dialogam entre si, como defendi na Mesa de debate da qual participei: – “Educação popular nos Territórios educativos: sobre o que estamos falando?”.
A educação popular, na sua dimensão política, pedagógica e ética, tem sido voz crítica e construção do novo ao longo do tempo.Nos anos 1960, Paulo Freire propôs a alfabetização dos milhões de analfabetos de então com uma pedagogia libertadora. O golpe de 1964 decretou o fim do Programa de Alfabetização e impediu as Reformas de Base. A ditatura acabou, ou tentou acabar, com a voz crítica e a construção do novo.
Em meio à ditadura e na resistência, a educação popular ajudou a reconstruir, na mobilização social de massas e no pensamento crítico, a democracia, fez surgir movimentos sociais e sindicais colados à base popular, impulsionou a sociedade a se mobilizar por uma Constituição Cidadã.
Apoiou a possibilidade histórica de governos populares com Orçamento Participativo, contribuiu na resistência aos encantos neoliberais do mercado absoluto e do Estado mínimo nos anos 1990, e ajudou a abrir as portas para a construção de políticas públicas com participação social e popular.
A educação popular transformadora, pedagogicamente libertadora e sentido ético de valores de solidariedade, de amor às pessoas, às comunidades, aos saberes populares, tem sido um cimento de cidadania e de protagonismo de atores sociais sujeitos de direitos, que antes nunca tiveram oportunidade, vez e voz.
Os Territórios Educativos são a consciência/voz crítica de um tipo de educação onde basta ter boas notas e aprender matemática e português, educação que não se relaciona com a comunidade, não incorpora na vida e na educação a arte, a cultura, a dança, o esporte, as práticas agroecológicas, o cuidado com o meio ambiente, uma nova sociabilidade.
Os Territórios Educativos tiram a escola de dentro dos muros, fazem da escola um espaço de cidadania. São construção do novo.
Dialogar com os Pontos de Cultura, com os Territórios da Cidadania, a economia solidária, as práticas populares de saúde, as organizações em defesa dos direitos humanos, com os grupos e cooperativas agroecológicas e de produção orgânica, são práticas e experiências dos Territórios Educativos e Comitês Territoriais de Educação Integral. Essa é uma escola viva, que forma cidadãos e não apenas meros consumidores.
São crianças e jovens que se abrem para o mundo, respeitam a diversidade de opiniões, convivem com a diferença, não compactuam com o ódio e a intolerância, não acreditam que o mercado resolve tudo; cidadãs, cidadãos solidários, agentes da esperança, capazes de dialogar e pensar o mundo.
Os Comitês de educação integral e os Territórios Educativos precisam espraiar-se pelo Brasil, envolver as Universidades e o conjunto da sociedade. O Manifesto dos Comitês de Educação Integral, aprovado no III Fórum, reivindica:
“Respeito às nossas metas e à legitimidade conquistada; manutenção do Programa Mais Educação nos moldes pedagógicos atuais, ou seja, não nos rendemos ao ‘mais do mesmo’ (escola de português e matemática); garantia de repasses de recursos com mais previsibilidade e regularidade, que permitam planejamento das secretarias e escolas; injeção de recursos na formação através de Universidades; institucionalizar uma politica de educação integral, a partir do sistema nacional de educação e da base nacional comum, da qual participam necessariamente os Comitês.”
O Brasil está mudando, muitas vezes sem a gente perceber, de baixo para cima. Isso qualifica a democracia, isso representa cidadãos ativos e conscientes, isso constrói uma Pátria de Educadora na mais plena acepção da palavra e um Projeto Popular de país e Nação.
Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)
A hora da televisão digital, será que agora vai
27 de Novembro de 2015, 9:50Por Laurindo Lalo Leal Filho – de São Paulo:
O primeiro desligamento dos sinais da TV analógica no Brasil – essa que estamos acostumados a ver há mais de 60 anos em nossas casas – está previsto para ocorrer no próximo dia 29 de novembro, em forma de teste, na cidade de Rio Verde, em Goiás.
Com a apagão analógico só quem tiver acesso aos sinais digitais verá televisão na cidade.
No ano que vem a previsão é que o desligamento passe a ocorrer nos grandes centros urbanos: Distrito Federal, 3 de abril; São Paulo, 15 de maio; Belo Horizonte, 26 de junho; Goiânia, 28 de agosto e Rio de Janeiro, 27 de novembro.
A expectativa é de que até 31 de dezembro de 2018 a TV digital tenha substituído a analógica em todo o país. Pelo menos é o que se espera.
Já houve um adiamento, de 2016 para 2018. Podem haver outros.
As possibilidades de atraso no cumprimento desse cronograma são grandes.
Há entraves sérios como a do acesso de toda a população brasileira aos televisores digitais ou aos conversores de sinal.
Além do pleito das empresas de televisão de deixarem de fora do sistema digital cidades com um número menor de habitantes.
É mais um capítulo da tortuosa implantação da TV digital no Brasil, palco de acirrado enfrentamento entre o interesse público e aquele defendido pelos empresários da comunicação eletrônica.
A disputa é pelo espectro eletromagnético por onde circulam sons e imagens, um espaço limitado e finito, por isso muito valioso.
Uma das batalhas já vencidas pelos radiodifusores foi a obtenção, sem concorrência, dos novos canais que serão abertos com a chegada da TV digital.
Onde antes circulava uma programação, agora poderão ser transmitidas quatro ou mais, é a chamada multiprogramação.
Esses novos espaços foram outorgados diretamente aos atuais concessionários sob alegação de que seriam extensões dos canais analógicos.
Repetiu-se aqui a argumentação usada quando da chegada da TV ao Brasil, nos anos 1950.
Os então concessionários das emissoras de rádio obtiveram as concessões de televisão sob o argumento de que o novo veículo de comunicação era apenas uma extensão do rádio.
No caso atual, esse tipo de interpretação gerou até uma ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal que, no entanto, não a acolheu.
Ainda assim a digitalização deve ser vista como um grande avanço e seus resultados benéficos para o telespectador.
Além de uma imagem de melhor qualidade, o público terá um leque maior de opções na TV aberta, entre elas a presença de novos canais públicos, capazes de servir de contraponto a programações uniformes e sem ousadia, marcas da televisão comercial.
O decreto de implantação da TV digital no Brasil prevê a “exploração direta pela União” de quatro canais: do Executivo, da Educação, da Cultura e da Cidadania.
O primeiro já existe, é a NBR – a televisão do governo federal – com acesso, no entanto, ainda muito restrito.
A expansão do seu sinal é importante para permitir a circulação de informações sobre ações do poder público sonegadas pelos grupos privados.
A TV Escola, sob a condução do MEC, já vem produzindo conteúdos relevantes no auxílio e complementação do trabalho de professores e alunos.
Com a expansão do seu sinal, atingindo um público maior, a expectativa é que a programação torne-se mais abrangente, a semelhança do que faz com grande sucesso na Argentina o canal Encuentro, gerido pelo Ministério da Educação daquele pais.
Os canais da Cultura e da Cidadania não possuem referencias anteriores. Saem do zero e começam agora a ser construídos.
No primeiro caso, um grupo de trabalho criado no Ministério da Cultura vem discutindo os procedimentos, a programação e os mecanismos de participação social na emissora.
A ideia central é exibir as obras audiovisuais financiadas com recursos públicos, além de apoiar produções e programas regionais.
O Canal da Cidadania irá fazer uso da multiprogramação. Serão quatro sub-canais para cada município: o primeiro destinado ao poder público municipal, o segundo para o poder público estadual e os outros dois para associações comunitárias, que ficarão responsáveis por veicular programação local.
Laurindo Lalo Leal Filho, é sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP.
O Brasil está se especializando em matar blogueiros
26 de Novembro de 2015, 9:03Por Leonardo Sakamoto – de São Paulo:
O blogueiro Orislandio Timóteo Araújo foi assassinado em Buriticupu, interior do Maranhão, no último sábado, por um motoqueiro com um disparo na cabeça. A polícia trabalha com hipótese de vingança por sua atividade. Já Ítalo Diniz foi assassinado no dia 13 deste mês, por dois motoqueiros em Governador Nunes Freire, também no Maranhão. Ele já tinha avisado a polícia que estava sofrendo ameaças de morte. Eles são apenas os últimos de uma lista que não é curta.
Se a vida já é difícil para comunicadores que trabalham para veículos conhecidos, imagine os blogueiros que estão praticamente sozinhos ao relento, contando com apoios bissextos e a sorte para não se tornarem estatísticas de violência. A situação piora violentamente no interior do país, onde muitos blogs se tornaram a única forma de fiscalizar os desmandos de autoridades públicas.
A Internet garante uma plataforma que facilita a liberdade de expressão, mas encarar essa liberdade de cara limpa e de forma não anônima gera um custo que, para muita gente que tombou pelo caminho, se mostrou alto demais.
Lembro de uma história que circulou no início deste ano. Por criticar autoridades religiosas, o blogueiro Raif Badawi foi condenado a 10 anos de prisão e a 50 chibatadas por semana durante 20 semanas no ultraconservador reino da Arábia Saudita. Depois de ter levado as primeiras 50, estavam esperando suas costas cicatrizarem-se para mais 50. Isso fez com que o país se tornasse alvo de críticas internacionais.
Você pode dizer que aqui não é a Arábia Saudita. Será que não? Considerando que parte das mortes de blogueiros tem como suspeitos autoridades públicas que eles denunciavam, qual a diferença? Na prática, é uma discussão semelhante à questão da tortura: é proibida por lei, mas quem se importa?
Nós, jornalistas, preenchemos tão bem o papel de gado para abate que não conseguimos nos mobilizar em quase nenhuma circunstância. Será que realmente nos consideramos melhores do que os outros trabalhadores? Ou, quiçá, nos sentimos travestidos de alguma estúpida missão, flanando acima do bem e do mal, fazendo de conta que não é com a gente? Ou decidimos que blogueiros que não fazem parte de veículos conhecidos, sejam tradicionais ou alternativos, não produzem jornalismo e, portanto, não merecem nosso respeito?
Em outras profissões, teríamos protestos ou uma ação coletiva mais forte para denunciar o que está acontecendo. Talvez até cruzaríamos os braços. Por aqui, abaixamos a cabeça e damos graças a Deus que isso não é conosco – assumindo o mesmo padrão que adotamos quando uma demissão coletiva assola um veículo de comunicação sem que, antes, patrões e empregados tenham conversado para checar se essa era mesmo a única saída. Abaixar a cabeça. Feito um avestruz.
Como profissionais cuja função é cobrar o poder público não conseguem sair desse estado de catatonia? Não é uma questão de posicionamento político.
Com exceção das insistentes cobranças da sempre alerta Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, de alguns sindicatos (nem todos), colegas que são grilos-falantes em redações e chefes que fazem a diferença, parece que estamos passando o seguinte recado, no melhor estilo de Nelson Rodrigues: “Perdoa-me por me sangrar!”
Ao menos, tenhamos dignidade de relatar à exaustão o que está acontecendo, acompanhando as investigações e listando responsáveis diretos e indiretos, a fim de que cada cicatriz deixada nos colegas seja devidamente deduzida do patrimônio eleitoral dos mandatários que permitem que isso aconteça. Não é corporativismo, é questão de liberdade de expressão!
Ou a gente só é corajoso quando é com os outros?
Leonardo Sakamoto, é jornalista e doutor em Ciência Política. Professor de Jornalismo na PUC-SP e ex-professor na USP. É coordenador da ONG Repórter Brasil.
Paris e as lágrimas de crocodilo
25 de Novembro de 2015, 9:46Por Roberto Amaral – de Brasília:
Comecemos pelo incontroverso: o terrorismo não tem justificativa nem ética, nem moral, nem religiosa, nem política, nem tática, nem estratégica. É um ato de lesa-humanidade, primitivo e brutal que nega a civilização e a própria evolução humana. A medida de sua ignomínia independe de suas vítimas, se europeus ou norte-americanos ou judeus, se asiáticos ou árabes ou africanos ou persas ou turcos, ou palestinos, ou cristãos ou muçulmanos ou hindus. Se brasileiros. Onde quer que ocorra um só ato terrorista, a vítima é a humanidade como coletivo.
As vítimas da ignomínia terrorista devem ser igualmente pranteadas.
Por isso suas vítimas precisam ser igualmente pranteadas. Se o justo clamor provocado pela barbárie que se abateu sobre os parisienses – decretada uma vez mais pelo chamado Estado Islâmico –, se levantasse ante todos os atos de terrorismo, a começar pela violência inominável e covarde do terrorismo de Estado das grandes potências ocidentais, talvez o mundo conhecesse menos horror e nós hoje não nos sentíssemos tão desamparados.
A indignação mediática que nos querem impor, porém, é seletiva, e contra esse viés precisamos reagir, pois só assim emprestaremos força moral à nossa reação.
Querem justamente que choremos quando as explosões são em Paris (ou Nova Iorque, ou Madri) e atingem pessoas com as quais nos identificamos cultural e fisicamente, mas dessa mesma violência pouco nos falam quando explode em Cabul, ou quando suas vítimas são negros, ou árabes, ou asiáticos ou palestinos ou persas. Nesses casos a violência é banalizada porque não nos ameaça (ora, somos ocidentais e brancos!), assim como não nos atinge a violência urbana quando restrita às periferias de nossas metrópoles, fazendo vítimas predominante entre negros e pardos e pobres, sejam marginais, sejam civis indefesos, sejam policiais.
Na quinta-feira, na véspera dos atentados parisienses, cerca de 60 pessoas perderam a vida e os feridos contam-se em mais de duas centenas, vítimas de atentados levados a cabo pelos mesmos facínoras do EI. Mas desta feita a explosão do irracionalismo se deu no Líbano, e suas vítimas eram árabes, na maioria membros do Hezbollah, adversário de Israel, aliado xiita do Irã mas inimigo de morte do EI.
Na Turquia, dias antes, o EI matara 100 pessoas na Estação Central de Ancara.
Suas vítimas não contaram com o pranto mediático, muito menos sequer uma vela foi acesa com a morte dos mais de 200 passageiros do avião russo derrubado nos céus do Egito, pelo EI, sempre ele.
Já entrou para o esquecimento a sorte dos 700 mil palestinos, expulsos de suas terras e de suas casas pelos continuados assentamentos do Estado de Israel. Não nos choca mais saber que se contam em cerca de 100 os palestinos mortos pelas incursões do poderoso exército de Israel, só no ultimo mês.
Sequer nos perguntamos quantas vidas foram ceifadas na Guerra contra o Afeganistão, quantas foram ceifadas na invasão do Iraque, quantas presentemente estão sendo ceifadas na Líbia e na Síria onde EUA, França e Inglaterra, que pretendem a derrubada de Assad, exercitam sua guerrinha-fria contra a Rússia, que dá sustentação diplomática e política ao ditador.
Para nós, em nosso distanciamento, foi impossível conhecer a dramaticidade da ‘guerra’ do Iraque promovida pelos EUA. Pela televisão, ‘ao vivo a cores’, em cadeia mundial, sem a visibilidade de cadáveres, sem sangue, a invasão foi, emocionalmente, apresentada como um reality show ou um vídeo game futurista. Registramos apenas a estética dos mísseis com suas luzes iluminado a escuridão do céu numa noite sem lua.
Síria, Turquia, Líbia, Iraque, todos fronteiras artificiais impostas pela Inglaterra e pela França a parir do Acordo Sykes-Piot (1916) que – violentando culturas e histórias milenares – serviu tão-só para redesenhar o Oriente Médio, para assim melhor explorá-lo.
Como surgiu esse ódio sectário que corre do Oriente Médio, e que se estende pela Ásia e pela Europa e vem ensanguentar as cidades mais queridas do Ocidente?
Quem financia tanto terror?
Quem entrega armas e equipamentos de guerra nas mãos desses facínoras?
A resposta inescapável é única: são os que hoje derramam lágrimas de crocodilo.
O chamado Estado Islâmico, uma decorrência da Al Qaeda – por sua vez uma criação dos EUA – é financiado pelos petrodólares dos países do Golfo Pérsico, à frente de todos a Arábia Saudita, a maior potência do Oriente Médio, e principal aliada do Ocidente (seja lá o que isso hoje signifique).
São também esses dólares que financiam a indústria bélica do EUA, da Inglaterra e da França, os maiores fabricantes de armas e equipamentos de guerra do mundo, os maiores fornecedores e os maiores traficantes de armas. E, não obstante, ou por isso mesmo, são eles, os fornecedores de armas aos terroristas que nos ameaçam e matam seus povos, membros com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Segurança?
Osama Bin Laden – é sabido – foi recrutado, treinado e financiado pelos EUA para dar combate às tropas soviéticas que defendiam o governo do Afeganistão. Em crise, a Al Qaeda (aquela do atentado contra as torres gêmeas) foi salva pela invasão do Iraque pelo segundo Bush. Dela surge o EI.
Assim e em nome de nada – ora em nome do combate a tropas soviéticas no Afeganistão, ora em nome de mentiras deslavadas (as ‘armas de destruição em massa’ de Sadam Hussein), ora sob o pretexto da defesa de minorias (Síria), ora sob pretexto nenhum (Líbia), os EUA – com a cooperação militar da França e da Inglaterra –, destruíram as estruturas sociais-religiosas do Iraque e dos demais países, acenderam conflitos religiosos e tribais, destruíram nações e as organizações políticas. Em síntese, com a anarquia e o caos, ensejaram a proliferação de verdadeiros ‘Estados’ armados com exércitos agressivos, exércitos de terroristas aptos a agir em qualquer parte do mundo.
O Estado Islâmico e seu califado no Iraque e na Síria são fruto da invasão e destruição do Afeganistão, do Iraque, da Síria e da Líbia. A França interveio na Síria e os EUA financiam e dão assistência militar (inclusive com o fornecimento de armas e munições aos terroristas (que eles batizam de ‘rebeldes’) que lutam contra a ditadura de Bashar al-Assad, que, por seu turno, apoiado pela Rússia, combate o EI.
Os facínoras do EI colhem o fruto da destruição dos Estados árabes, de suas organizações sociais e politicas, e, nomeadamente, da destruição das forças armadas do Iraque, da Síria e da Líbia, cujos quadros foram atraídos pelos fanáticos, que também se beneficiam, ainda graças à intervenção do ‘Ocidente’, com o rompimento do tênue equilíbrio de forças entre xiitas e sunitas consequente das derrubadas de Saddam Hussein e Muamar Kadafi.
Os EUA, após a ignomínia do 11 de Setembro, conduziram operações secretas, com drones e execução de civis suspeitos em 70 países. Da injustificada invasão do Iraque – país que nada tinha com o ataque covarde – resultou uma guerra desastrosa (condenada até mesmo nas memórias do Bush pai) que fortaleceu a Al Qaeda (lembremos mil vezes, criada pelos EUA para combater os soviéticos no Afeganistão) e propiciou as condições para o surgimento do EI. Deu no que deu. O medíocre François Hollande, elevado pelos terroristas à condição de ‘presidente marcial’ fala em guerra.
Que virá depois?
O simplório Jeb Bush, irmão do Bush 2 (o principal responsável pela depredação do Iraque e suas consequências vividas hoje), já declarou, em campanha pela candidatura republicana à presidência dos EUA, que o atentado de Paris é “uma tentativa de destruição da civilização ocidental”.
Antes dele, e melhor e mais perigosamente do que ele, Samuel Huntington já havia anunciado o ‘choque de civilizações’ (na essência a ‘guerra’ contemporânea teria como eixo os conflitos culturais e religiosos, opondo nossas civilizações), dando sua lamentável contribuição para a intolerância e o ultra anti-islamismo que ameaça infeccionar a sociedade norte-americana.
O cenário é muito mais complexo do que supõe a mediocridade, dividindo o mundo entre os ‘bons’ (nós) e os ‘maus’ (os outros) com o que a nova direita europeia (ex-socialistas incluídos) e os republicanos estadunidenses simplesmente repetem o maniqueísmo dos fanáticos que pretendem combater, os ‘cruzados’ com sinal trocado, pois, hereges, agora, somos nós, os que não seguimos Alá.
Algozes e vítimas, cada um a seu modo, se identificam na estratégia de propagar o ódio contra os que não compartilham sua ideologia. O ódio de um é a força que alimenta o ódio do outro e, assim, se tornam irmãos siameses e interdependentes.
Voltamos às Cruzadas?
A violência terrorista avança no mundo e agora grassa em uma Europa onde a xenofobia não é nova mas é crescente. As manifestações de preconceitos étnicos, especialmente contra os árabes, soma-se à intolerância religiosa, particularmente o anti-islamismo, reforçado pelos atos de terrorismo.
Essas manifestações prosperam em todo o mundo, mas avançam principalmente nos EUA (onde se tornam corriqueiras entre os pré-candidatos republicanos) e na Europa, símbolo de civilização que não conhece a inocência, mas sim a guerra como a arte da política: guerras fratricidas, guerras de conquista, séculos de exploração e depredação coloniais, uma história de colonialismo, pirataria, opressão dos povos subjugados. Em um só século duas guerras mundiais e o holocausto.
Roberto Amaral, é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
A natureza jurídica da Petrobras e suas consequências
24 de Novembro de 2015, 9:26Por Gilberto Bercovici – de São Paulo:
O objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobras, que como tal é uma empresa estatal, não é a obtenção de lucro, mas a implementação de políticas públicas.
A Petrobras teve sua criação autorizada pela Lei nº 2.004, de 03 de outubro de 1953, como uma sociedade de economia mista. No debate recente sobre a empresa, muito se tem dito e escrito sem que se preste atenção no significado concreto da natureza jurídica da Petrobras como uma sociedade de economia mista.
A sociedade de economia mista é uma espécie de empresa estatal. De início, basta recordarmos que, segundo o artigo 5º, III do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, a sociedade de economia mista é uma entidade integrante da Administração Pública Indireta, dotada de personalidade jurídica de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado.
Apesar de sua personalidade de direito privado, a sociedade de economia mista, como qualquer empresa estatal, está submetida a regras especiais decorrentes de sua natureza de integrante da Administração Pública. Estas regras especiais decorrem de sua criação autorizada por lei, cujo texto excepciona a legislação societária, comercial e civil aplicável às empresas privadas.
Na criação da sociedade de economia mista, autorizada pela via legislativa, o Estado age como Poder Público, não como acionista. A sua constituição só pode se dar sob a forma de sociedade anônima, devendo o controle acionário majoritário pertencer ao Estado, em qualquer de suas esferas governamentais, pois ela foi criada deliberadamente como um instrumento da ação estatal.
Sob a Constituição de 1988, toda empresa estatal está submetida às regras gerais da Administração Pública (artigo 37 da Constituição), ao controle do Congresso Nacional (artigo 49, X, no caso das empresas estatais pertencentes à União), do Tribunal de Contas da União (artigo 71, II, III e IV da Constituição, também no caso das estatais da esfera federal) e, no caso das estatais federais, da Controladoria-Geral da União (artigos 17 a 20 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003).
Além disto, o orçamento de investimentos das estatais federais deve estar previsto no orçamento-geral da União (artigo 165, §5º da Constituição de 1988).
Sob a Constituição de 1988, as empresas estatais, como a Petrobras, estão subordinadas às finalidades do Estado, como o desenvolvimento (artigo 3º, II da Constituição). Neste sentido, é correta a afirmação de que o interesse público é o fundamento, o limite e o critério da iniciativa econômica pública.
A legitimação constitucional, no caso brasileiro, desta iniciativa econômica pública, da qual a sociedade de economia mista Petrobras constitui um exemplo, se dá pelo cumprimento dos requisitos constitucionais e legais fixados para a sua atuação.
A criação de uma empresa estatal, como uma sociedade de economia mista ou uma empresa pública, já é um ato de política econômica. Os objetivos das empresas estatais estão fixados por lei, não podendo furtar-se a estes objetivos. Devem cumpri-los, sob pena de desvio de finalidade. Para isto foram criadas e são mantidas pelo Poder Público.
A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 17 de dezembro de 1976) se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235).
O seu artigo 238 também determina que a finalidade da sociedade de economia mista é atender ao interesse público, que motivou sua criação. A sociedade de economia mista está vinculada aos fins da lei que autoriza a sua instituição, que determina o seu objeto social e destina uma parcela do patrimônio público para aquele fim.
Não pode, portanto, a sociedade de economia mista, por sua própria vontade, utilizar o patrimônio público para atender finalidade diversa da prevista em lei, conforme expressa o artigo 237 da Lei das S.A.
As empresas estatais passaram a atuar nas bolsas de valores, incentivadas pelo governo, especialmente após 1976, com a promulgação da Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, que reforma a legislação sobre mercado de capitais e cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e da Lei nº 6.404/1976, a lei das sociedades anônimas.
Não por acaso, seus papéis respondem ainda pela maior parte das operações realizadas na bolsa, refletindo a ideia de uma gestão “empresarial” que busca maximizar o lucro na empresa estatal.
No entanto, o objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobras, não é a obtenção de lucro, mas a implementação de políticas públicas. O que legitima a ação do Estado como empresário (a iniciativa econômica pública do artigo 173 da Constituição de 1988) é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime da exploração econômica privada.
Não há nenhum sentido em o Estado procurar receitas por meio da exploração direta da atividade econômica. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas).
A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista em particular, não tem apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas tem essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado.
Estes dispositivos constitucionais são formas distintas de vinculação e conformação jurídica, constitucionalmente definidas, que vão além do disposto no artigo 173, §1º, II, que iguala o regime jurídico das empresas estatais prestadoras de atividade econômica em sentido estrito ao mesmo das empresas privadas em seus aspectos civil, comercial, trabalhista e tributário.
A natureza jurídica de direito privado é um expediente técnico que não derroga o direito administrativo, sob pena de inviabilizar a empresa estatal como instrumento de atuação do Estado.
Gilberto Bercovici, é professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP. Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela USP.
Mariana e Paris
23 de Novembro de 2015, 9:20Por Selvino Heck – de Brasília:
Na voz poderosa e utópica de Mercedes Sosa, a canção de Leon Gieco ecoa no salão do Centro de Convenções de Olinda, mil participantes do III Fórum de Educação Integral de Pernambucoem roda, de mãos dadas, professoras/es, educadoras/es populares, gestoras/as públicos, cantando SÓLO LE PIDO A DIÓS: “Sólo le pido a Dios/ que el dolor no me sea indiferente/ Que la reseca muerte no me encuentre/vacia e sola sin haber hecho lo suficiente.”
Os acontecimentos de Mariana e Paris ecoam no mundo. O maior desastre ambiental brasileiro. Um rio, o Doce, cantado em prosa e verso, morto, por décadas, talvez para sempre. Mortes, destruição, fauna, flores, plantas, pessoas sem casa, a torrente de lama atravessando cidades, uma enxurrada de dor, sofrimento avançando e levando seus estragos até o mar.
Alguém diz durante o Encontro, todas e todos aplaudem com força: “Mariana não foi acidente. Foi ganância”. E a voz de Mercedes ecoa: “Sólo de pido a Dios/ que lo injusto no me sea indiferente”. A ânsia do lucro desmedido e a qualquer preço domina estes tempos.
Assassinatos a sangue frio em Paris, seguidos de outros assassinatos em resposta, como se não houvesse mais o que falar, só a intolerância, o ódio, a força das armas. “Sólo le pido a Dios/ que la guerra no me sea indiferente/ Es um monstruo grande y pisa fuerte/ Toda la pobre inocencia de la gente.”
Mesmo assim, as guerras se sucedem. Ódio e intolerância geram mais ódio e intolerância. O medo toma conta, jogos de futebol são cancelados. É um monstro grande que pisa forte. Só gosta quem aperta o gatilho e quem fabrica as armas. A indústria da guerra sustenta economias, entre as quais a da própria França, que sustenta a quem sustenta o EI – Estado Islâmico.
O cientista político Bertrand Badie, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, numa análise sensata e corajosa, diz:
“Eu acho que são a política externa da França e, talvez, sua política de integração nacional que devem ser revistas, mais do que a política repressiva, que muito dificilmente é 100% exitosa. A política internacional da França é muito mais favorável à intervenção exterior, particularmente no Oriente Médio, que os outros países ocidentais. O governo francês (que se diz socialista, grifo meu)escolheu, paradoxalmente, intervir contra o regime do sírio Bashar al-Assad em agosto de 2013, mas não foi seguido por ninguém, e depois contra o Estado Islâmico, em 2014. Recentemente, ainda deu um passo além, deixando de atuar só no Iraque para agir sobre o território sírio. Tudo isso mostra um nível de intervenção muito maior” (Folha de São Paulo, Entrevista da 2ª, 16.09.15, p. A16).
É uma outra parte da verdade atrás dos assassinatos injustificáveis e inomináveis de Paris, que fazem crescer a islamofobia e levam a mais guerra e mortes a sangue frio.
Enquanto isso, multidões vagueiam pela Europa, sem pátria, sem lar, sem futuro, sem esperança.
A onda de lama – e aí não se está falando de onda/mar de lama no plano simbólico – avança sobre gentes, comunidades, formando um rio de destruição de tudo que encontra. As cidades por onde passa ficam sem água, as populações não sabem o que fazer, e as empresas Samarco, Vale (que um dia, antes da privatização cheia de falcatruas, foi Vale do Rio Doce) e BHP anunciam que mais represas podem estourar. Mais mortes, mais destruição.
Segundo analistas, a “tragédia em MG deve secar rios e criar um ‘deserto de lama’. Parte dos impactos, como extinção de espécies, é irreversível; reconstituição do solo poderá levar séculos” (Folha de São Paulo, Cotidiano, 15.11.15, B1).
Segundo ecólogos, geofísicos e gestores ambientais, só em décadas, ou mesmo séculos, os prejuízos ambientais serão revertidos. Alguns, nunca. Enquanto está em suspensão no rio, a lama impede a entrada de luz solar e a oxigenação da água, além de alterar seu pH, o que sufoca peixes e outros animais aquáticos.
“Há espécies animais – a anta, a onça parda, a jaguatirica, o muriqui-do-norte, por exemplo – e vegetais ali que podemos considerar extintas a partir de hoje”, diz o geólogo e pesquisador André Ruschi. A força da lama ainda arrastou a mata ciliar, que tem função ecológica de dar proteção ao rio. “É o maior desastre ambiental da história do país.”
“Sólo le pido a Dios/ Que el dolor no me sea indiferente/ Que la reseca muerte no me encuentre/ Vacia e sola sin haber hecho lo suficiente.” Claro que não foi feito o suficiente, nem o necessário, nem em Mariana, nem em Paris.
É preciso cantar forte como canta Mercedes Sosa, ainda que com a dor mais pungente do mundo na alma e no coração: “Sólo le pido a Dios/ que el futuro no me sea indiferente/ Desahuciado está el que tiene que marchar/ A vivir una cultura diferente.”
O futuro? Há futuro? Qual futuro? Que ele “não me seja indiferente”. É preciso cobrar, exigir, lutar, mobilizar-se para que nunca mais aconteçam, em tempo algum, Mariana e Paris. Nem Paris, o ódio e a intolerância em grau máximo. Nem Mariana, a ganância desmedida, o lucro a qualquer preço.
Selvino Heck, é Diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).
As diferenças reconciliadas
20 de Novembro de 2015, 9:41Por Marcelo Barros – de São Paulo:
Reconciliar as diferenças é uma proposta ecumênica do Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 349 Igrejas cristãs no caminho da unidade a partir da plena aceitação da autonomia de cada uma, como também das diferenças que existem entre uma e outra.
Conviver com as diferenças e mesmo aprender com elas é um desafio não só para as Igrejas cristãs, mas para todas as religiões e para o diálogo entre as culturas. É um problema que atualmente provoca conflitos violentos entre grupos e até entre povos.
Por isso, a ONU consagrou 16 de novembro como o dia internacional da tolerância.Propõe que, nessa semana, em todos os continentes, se façam esforços pelo diálogo e compreensão entre grupos e culturas diferentes.
De fato, o mundo atual é cada vez mais diversificado e pluralista. A cada momento, através dos meios de comunicação ou da Internet, ou simplesmente pela convivência cotidiana, pessoas de diferentes culturas e religiões devem conviver entre si.
Para viver bem essa realidade, não basta tolerância. A tolerância evita o confronto e a guerra, mas não chega a criar um ambiente positivo de diálogo e compreensão. Normalmente se tolera aquilo que não se pode evitar. Ninguém quer ser apenas tolerado. As pessoas, grupos e culturas merecem ser respeitados e valorizados. Por isso, é importante deixar claro: a ONU usa o termo tolerância no sentido de aceitação, respeito e convivência entre as religiões.
A sociedade atual fala em “tolerância zero” para a corrupção que a corrói por dentro e para crimes contra a vida e a integridade das pessoas, especialmente as mais frágeis. Esse rigor é justo, mas não pode ignorar ou passar por cima da dignidade de toda pessoa humana. Menos ainda, pode ser usado como pretexto para discriminar negros, pobres e migrantes.
O problema é que a lei pode impedir a discriminação e a injustiça, mas não pode obrigar ninguém a amar o diferente e a valorizar uma cultura que não é a sua. Isso supõe uma opção “espiritual”, ou seja, abertura amorosa ao diferente, como opção de vida.
De fato, as religiões foram criadas para ensinar as pessoas a amar e a fazer do amor uma lente especial com a qual se olha a vida, as pessoas e as culturas. Entretanto, quando se deixam aprisionar pelo autoritarismo e pelo dogmatismo, as religiões interpretam a fé de forma rígida e se tornam fonte de intransigência, intolerância e violência. Na história, todas as religiões, de um modo ou de outro, tiveram momentos de intolerância e combateram entre si.
Hoje o Brasil é um país leigo, mas ainda dominado por uma cultura de Cristandade. Infelizmente, no Congresso nacional e em outras instâncias do poder, existem pessoas ligadas a grupos religiosos que creem em um Deus mesquinho, amigo dos seus amigos e discriminador contra todos os que não cabem dentro das leis religiosas que essas pessoas imaginam vir diretamente do céu.
Diante desse tipo de postura, muitas pessoas honestas e justas pensam: se Deus é assim, prefiro ser ateu. Um dia, um rapaz declarou ao bispo Dom Pedro Casaldáliga: “eu sou ateu”. Dom Pedro lhe respondeu: “Ateu, de que Deus?”.
A ONU convida Igrejas, religiões e organismos da sociedade civil a unir-se na construção de uma sociedade pluralista e aberta. Toda Igreja cristã, seja qual for sua denominação, é chamada a ser verdadeiramente aberta a tudo o que é humano. Essa atitude testemunha para os outros o amor divino e nos confirma a todos no caminho do evangelho de Jesus Cristo, que afirmou:
“Muitas pessoas (de diferentes culturas e religiões) virão do Oriente e do Ocidente e se sentarão à mesa do reino de Deus, enquanto aqueles que se consideravam de dentro ficarão fora” (Mt 8, 11).
Marcelo Barros, Monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.
Carta de Santa Cruz do segundo EMMP
19 de Novembro de 2015, 9:50Por Frei Marcos Sassatelli – de São Paulo:
A “Carta de Santa Cruz”, do 2º EMMP (juntamente com a “Carta dos Excluídos aos Excluídos”, do 1º EMMP – Roma, 27-29/10/14) servirá de base para o trabalho dos Movimentos Populares em seus respectivos países. Como a do primeiro Encontro, a Carta está em plena sintonia com o Discurso do Papa Francisco e é também uma fonte inspiradora para as Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja, hoje.
Pretendo agora, com alguns comentários e questionamentos, destacar os 10 pontos da Carta, que inicia dizendo: “As organizações sociais reunidas no Segundo Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, durante os dias 7, 8 e 9 de julho de 2015, concordamos com o Papa Francisco em que as problemáticas social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda. Um sistema incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz entre as pessoas e ameaça a própria subsistência da Mãe Terra, não pode seguir regendo o destino do planeta”.
Quanta clareza e quanta firmeza nas palavras dos participantes do 2º EMMP! Eles sentem-se fortalecidos com a proximidade, a solidariedade e o apoio do Papa Francisco, que é hoje o grande animador e incentivador das lutas dos Movimentos Populares. E nós? E as Pastorais Sociais e Ambientais da nossa Igreja? Não podemos ser omissos ou indiferentes diante do testemunho do nosso irmão Francisco. É um sinal dos tempos. É – como já disse – uma “revolução evangélica”
A Carta aponta o caminho da mudança: “Devemos superar um modelo social, político, econômico e cultural onde o mercado e o dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis”.
E acrescenta: “Nosso grito, o grito dos mais excluídos e marginalizados, obriga que os poderosos compreendam que não se pode seguir dessa forma. Os pobres do mundo se levantaram contra a exclusão social que sofrem cotidianamente. Não queremos explorar, nem ser explorados. Não queremos excluir, nem ser excluídos. Queremos construir um modo de vida no qual a dignidade esteja acima de todas as coisas”.
Para alcançar esse objetivo, os participantes do Encontro assumem os seguintes compromissos, que são um programa de luta e de vida.
“Impulsionar e aprofundar o processo de mudança
Reafirmamos nosso compromisso com os processos de transformação e libertação como resultado da ação dos povos organizados, que a partir de suas memórias coletivas tomam a história em suas mãos e decidem transformá-la, para dar vida às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionar as estruturas mais profundas de opressão, dominação, colonização e exploração”.
Será que nós – como cidadãos e cidadãs, cristãos e cristãs – estamos convencidos que “os processos de transformação e libertação” são o “resultado da ação dos povos organizados”, que “tomam a história em suas mãos e decidem transformá-la”? Será que queremos realmente “dar vida às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionar as estruturas mais profundas de opressão, dominação, colonização e exploração”? Meditemos!
“Bem viver, em harmonia com a Mãe Terra
Seguiremos lutando para defender e proteger a Mãe Terra, promovendo a ‘ecologia integral’ de que fala o papa Francisco. Somos fiéis à filosofia ancestral do ‘bem viver’, nova ordem de vida que propõe harmonia e equilíbrio nas relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza. A terra não nos pertence, nós pertencemos à terra. Devemos dela cuidar e trabalhá-la em benefício de todos. Queremos leis ambientais em todos os países em função do cuidado dos bens comuns. Exigimos a reparação histórica e um marco jurídico que resguarde os direitos dos povos indígenas em nível nacional e internacional, promovendo um diálogo sincero a fim de superar os diversos e múltiplos conflitos que atravessam os povos indígenas, originários, camponeses e afrodescendentes”.
Que determinação e que profundidade humana encontramos nas palavras dos participantes do Encontro! Que nível de consciência ecológica e que senso de responsabilidade! É um testemunho de vida para todos e todas nós! É um motivo de muita esperança!
“Defender o trabalho digno
Comprometemo-nos a lutar na defesa do trabalho como direito humano. Pela criação de fontes de trabalho digno, pelo desenho e implementação de políticas que restituam todos os direitos trabalhistas eliminados pelo capitalismo neoliberal, tais como os sistemas de seguridade social, a aposentadoria e o direito de sindicalização. Rechaçamos a precarização, a terceirização e buscamos que se supere a informalidade através da inclusão, nunca com perseguição ou repressão. Levantamos também a causa dos imigrantes, deslocados e refugiados. Instamos aos governos dos países ricos a que derroguem todas as normas que promovem tratamento discriminatório contra eles e que estabeleçam formas de regulação que eliminem o trabalho escravo, o tráfico de pessoas e a exploração infantil. Impulsionaremos formas alternativas de economia, tanto em áreas urbanas como em zonas rurais. Queremos uma economia popular e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e na qual prevaleça a solidariedade acima do lucro. Para isso é necessário que os governos fortaleçam os esforços que emergem das bases sociais”.
Esses compromissos – e os outros da “Carta de Santa Cruz” – são o caminho que faz acontecer a mudança. Ah, se os nossos políticos e governantes seguissem esse caminho! Reparem a clareza e a força da expressão: “Queremos uma economia popular e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e na qual prevaleça a solidariedade acima do lucro”! Lutemos para que essa economia se torne realidade! Vamos eleger, com urgência, políticos e governantes que estejam realmente comprometidos com esse projeto!
Fr Marcos Sassatelli, Frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
O antipetismo em nome de um moralismo de fancaria
18 de Novembro de 2015, 9:36Por Roberto Amaral – de Brasília:
A tarefa prioritária, ingente e agônica da esquerda e dos liberais progressistas é esmagar o ovo da serpente antes que a peçonha contamine por completo o corpo social, costurando as bases de um Estado reacionário, conservador, autoritário e, ninguém se engane, protofascista. Assim se vem modificando o caráter da sociedade brasileira, aos poucos mas sistematicamente. Ele se manifesta sob as mais variadas facetas, no Parlamento e na vida social.
O antipetismo em nome de um moralismo de fancaria – esse que a imprensa e os partidos de oposição destilam – é apenas uma só de suas máscaras, como o moralismo é apenas um disfarce. Pois tudo, fatos e criações, são, tão-só o instrumento de uma tentativa, em marcha desde 2013, ou antes, de implantação, entre nós, de uma clima de violência que lembra (pelos efeitos psicossociais) o fascismo italiano e o nazismo alemão em suas infâncias, envenenando as entranhas de suas sociedades.
Não caminham, ainda, pelas ruas, os camisas pretas, os grupos paramilitares quebrando lojas de judeus e espancando homossexuais, prostitutas, negros e comunistas, mas celerados conspurcam velórios e atacam o Instituto Lula. Ontem, nos anos da ascensão integralista brasileira, os camisas verdes das hordas de Plínio Salgado desfilavam impunes até a tentativa de assassinar o presidente Vargas em um putsch covarde que lembrava e imitava a primeira tentativa hitlerista de tomada do poder (levante de Munique, 1924) pelo golpe de força.
Nos idos brasileiros da repressão militar, grupos de aloprados depredaram no Rio de Janeiro o Teatro Opinião e em São Paulo invadiram o Teatro Ruth Escobar durante montagem de “Roda Viva”? Nos estertores do terrorismo praticaram atentados contra a OAB e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e tentaram o felizmente frustrado massacre do Riocentro. São sempre os mesmos, variam os países, variam as datas e os pretextos mas a ideologia do ódio e a covardia na ação são as mesmas.
Agora, súcias de ululantes bem nutridos, vestidos ou não com a camisa da seleção canarinha, tentam, em todo o país, mediante o amedrontamento físico, interditar, em um hospital da grã-finagem paulistana, nas ruas, nos bares, nos aviões, nos aeroportos, a livre circulação de homens de bem como, Guido Mantega, João Pedro Stédile e, de último, o ministro Patrus Ananias.
Tudo isso está na crônica jornalística. Mesmo em seus momentos mais acres de disputa política, a direita brasileira jamais havia ousado tanto e jamais nossas esquerdas haviam recuado tanto, e jamais os liberais foram tão omissos.
Os primeiros sinais foram dados na abertura dos Jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro (2007), e replicados em Brasília na abertura da Copa das Confederações em 2013. A esquerda não quis ver nem ouvir, fez-se de morta, como se as vaias e as agressões – primeiro a Lula, depois a Dilma – não lhes dissessem respeito e, assim, silente e inerte permaneceu sem qualquer tentativa de compreender as jornadas de 2013 – prenúncio as dificuldades de 2014, que assistiu atônita.
O moralismo da elite financeira que sonega impostos e suborna funcionários públicos sempre foi a chave para a conquista da classe média. Dele sempre se valeu a direita, no Brasil e em todo o mundo.
Assim foi entre nós nos idos de 1954 quando a classe média, majoritariamente, e setores liberais da sociedade, populares e mesmo o movimento estudantil, e mesmo setores da esquerda e comunistas sob a liderança de Pestes, abraçaram o cantochão da direita que a todos mobilizou no pedido de renúncia de Getúlio Vargas, quando o alvo, encoberto pela denúncia de um ‘mar de lama’ que jamais existiu, era a política nacionalista do ditador feito presidente democrata. A história não se repete, mas há pontos de contato entre dois momentos históricos tão distintos.
Getúlio também levara a cabo uma campanha presidencial levantando as teses progressistas do nacionalismo e do trabalhismo, mas, para executa-las, montara um ministério reacionário. Era a sua forma de compor com as elites, especialmente paulistas, que sempre lhe foram hostis. Era a velha ilusão da conciliação de classes, que conquistaria Lula tantos anos passados.
Não deu certo com Getúlio como não daria certo com Lula e não está dando certo com Dilma. Atacado pela direita, inconformada com a aliança do trabalhismo com o nacionalismo, viu-se Vargas em 1954 sem o apoio das massas trabalhistas. Essas só foram às ruas – e foram como turba, sem vanguarda – depois do suicídio. E, aí, nada mais havia a ser feito.
Naquela altura como hoje, e como nos preparativos de 1964, a imprensa brasileira, igualmente monolítica e igualmente de forma quase unânime, servia à saturnal dos ódios que envenenava a opinião publica e deixava aturdido o povo, mesmo os trabalhadores – então como agora desassistidos ideologicamente por seus partidos e organizações.
Uma vez mais o governo de centro-esquerda se vê no cume de uma campanha de descrédito presidida pela imprensa, uma vez mais a partir da cantilena moralista. Uma vez mais o governo de centro-esquerda se vê desprotegido no Congresso, onde dominam ora uma oposição ensandecida, ora uma base parlamentar movida a negócios e negociatas e negocinhos a cada votação.
Para não dizer que a história se repete, lembremos que os postos antes ocupados por Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro e outros de igual calibre é exercido hoje por Paulinho da Força, Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado e Eduardo Cunha – o que apenas diz que o aviltamento da linguagem e dos procedimentos alcançou o mais baixo nível da República.
Uma vez mais, agora como em 1954, as grandes massas não afluem em defesa de seu governo.
Uma vez mais a moralidade é um mero biombo dos grandes interesses em jogo.
Pois o que está em jogo não é a moralização dos costumes – e quem é contra? – nem é só a tentativa de assalto ao mandato legítimo da presidente Dilma. Não é só a destruição do PT e dos demais partidos de esquerda, inclusive daqueles que ainda hoje pensam que passarão incólumes. Não é apenas a destruição de Lula, ainda a maior liderança popular deste país depois de Vargas.
O que está em jogo são os interesses dos trabalhadores, da economia e da soberania nacionais, de defesa ainda mais difícil após eventual derrocada do atual governo. Adiada – até quando ? – a hipótese do impeachment clássico, a oposição põe em prática um novo projeto de golpe, contra o qual nem a base parlamentar do governo – heterogênea e frágil –, nem muito menos sua articulação política parecem preparadas para enfrentar.
Trata-se da tática de impedir o governo de governar, e contra essa artimanha nem mesmo as últimas negociações ministeriais – penosas, rasteiras, pedestres e nada republicanas – se mostraram eficientes. E enquanto o governo não governa e se desgasta perante a opinião pública, a direita governa, desfazendo, no Congresso ordinário, as grandes conquistas da Constituição de 1988.
A direita, sob a batuta de Eduardo Cunha, faz sua parte, e dessa desconstituição conservadora fazem parte o fim do desarmamento, o fim da demarcação das terras indígenas (fim dos índios?), o fim dos direitos sexuais das mulheres, e a quase legalização do estupro, o fim da pós-graduação pública gratuita.
Este é o golpe.
A destruição do governo Dilma levará de roldão a política de prioridade nas compras estatais aos produtos e bens nacionais, levando consigo, de saída, a indústria naval brasileira. Levará de roldão os projetos sociais, como o Minha casa, Minha vida; o Luz para Todos; como o Bolsa Família. Mudará a política de reajuste do salário-mínimo e, fundamentalmente, a política de transferência de renda.
Será a renúncia ao pré-sal (já caminha o projeto José Serra), será o fim de uma política externa autônoma, com a aliança subserviente e submissa aos interesses dos EUA, será o fim do Mercosul e a retomada da Alca, nossa recolonização, será um torpedo contra os BRICS e uma ameaça às experiências de governos independentes na América do Sul. (
Por isso, certa está a Frente Brasil Popular por entender que os erros da atual política econômica – agravados pela crise ética que assolou os governos do PT – não podem servir de argumento para a omissão na defesa do mandato da presidente Dilma, ou, dito por outras palavras, nem a defesa do mandato inviabiliza a crítica à política econômica, nem a crítica à politica econômica inviabiliza a defesa do mandato.
Ao contrário, a defesa do mandato deve ser feita de par com o combate à política recessiva e esse combate deve ter em vista a reaglutinação das forças progressistas de esquerda, com objetivo claro, deter a reação. Para isso é preciso construir uma nova correlação de forças.
Roberto Amaral, é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.
Assinatura digital reduz distância entre sociedade e parlamento
17 de Novembro de 2015, 17:40Por Theófilo Rodrigues – do Rio de Janeiro:
Nem só de más notícias vive a política no Rio de Janeiro. Acaba de ser aprovada na ALERJ uma Proposta de Emenda Constitucional que autoriza a apresentação de projetos de lei de inciativa popular com assinaturas digitais recolhidas na internet. De autoria do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) a PEC 02/2015 permite que as cerca de 24 mil assinaturas necessárias para que um projeto de lei tramite na ALERJ sejam digitais.
De acordo com a Constituição Estadual para que a sociedade possa apresentar um projeto de iniciativa popular na ALERJ são necessárias no mínimo 2% das assinaturas de todo o eleitorado do Rio de Janeiro distribuídas em pelo menos 10% dos municípios.
Quem já participou de algum movimento social que recolheu assinaturas nas ruas para a aprovação de um projeto de lei de iniciativa popular sabe o quão difícil é esse processo. Afinal de contas, ninguém anda com os dados de seu título de eleitor na carteira.
Essa é a dificuldade enfrentada, por exemplo, pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) que desde 2013 recolhe assinaturas para seu Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. Não obstante o FNDC mantenha uma campanha permanente nas ruas, o movimento ainda não conseguiu atingir nem metade das 500 mil assinaturas necessárias para o PL tramitar no Congresso Nacional.
Com a assinatura digital esse problema inexiste na medida em que o eleitor pode assinar o documento sentado em casa na frente do computador. Basta que o cidadão tenha uma certificação digital que lhe garanta segurança eletrônica.
Em tempos em que parcelas dos meios de comunicação transformam em crime a política e em réus os partidos, ampliar a participação e a deliberação da sociedade civil torna-se fundamental. Como já nos ensinou o professor Wanderley Guilherme dos Santos em texto de 1984, “o remédio para os problemas de representação é alargar o escopo das formas legítimas de participação”.
Sem dúvida alguma o Rio de Janeiro dá um passo positivo em direção à aproximação entre sociedade e parlamento. Que os demais estados do país sigam pelo mesmo caminho.
Theófilo Rodrigues é cientista político e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.