Os tempos e os ventos
21 de Dezembro de 2015, 9:33Nos momentos cruciais na vida, é preciso ter lado, não se esconder e, no extremo e, se preciso, morrer abraçados juntos
Por Selvino Heck – de Porto Alegre, RS:
“Cumprimos com o nosso dever. Não fizemos uma revolução. Apenas assumimos uma atitude de inabalável resistência. Decidimos não abrir mão da nossa autonomia e procuramos lá, não apenas resguardar as liberdades públicas e individuais, garantias, mas não permitir que atentassem contra elas, como também resolvemos nos opor ativamente contra as que querem atentar contra a ordem jurídica, contra as liberdades, contra a ordem institucional em nosso país.” As palavras são do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, em 1961.
A Brigada Militar gaúcha postou-se em frente ao Palácio Piratini, Brizola transferiu os microfones da Rádio Guaíba, então os mais potentes do Estado, para os porões do Palácio Piratini. Chamou o povo às ruas para defender e exigir a posse do vice-presidente João Goulart, que estava em viagem à China, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros. Era a histórica Campanha e Rede da Legalidade. Fruto da resistência, da mobilização e unidade do povo gaúcho, Jango voltou ao Brasil e tomou posse como presidente.
Agora, 2015, de novo fatos históricos. Instalou-se o Movimento Rede da Legalidade contra o Impeachment e o Golpe no Brasil. O ato foi registrado por uma foto, que diz tudo. Na linha de frente, o ex-governador Olívio Dutra, Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, Jussara Cony, do PCdoB, o ex-governador Tarso Genro, Ary Vanazzi, presidente estadual do PT, Luciana Genro do PSOL, prefeito de Porto Alegre José Fortunati, dirigentes de movimentos sociais como a presidenta do Centro dos Professores (CPERS), Helenir Aguiar Schürer, deputadas/os, vereadoras/es, todas e todos em frente ao busto de Brizola, que fica ao lado do Palácio Piratini.
Carta Maior faz a manchete: ‘Rio Grande do Sul reedita Campanha da Legalidade para defender o mandato da presidenta Dilma Rousseff.’ Sul21 registra:‘Junto ao busto de Brizola, autoridades lançam nova Campanha da Legalidade.’
Nas palavras do ex-governador Olívio Dutra, “temos que garantir que o processo democrático não seja interrompido. Temos críticas ao governo, mas é importante que nós recuperemos a autoridade da presidenta. Problemas na democracia se resolvem com mais democracia”.
Palavras do ex-governador Tarso Genro: “Desde a revolução de 1930 temos espasmos de autoritarismo e reação contra democracias quando há redução das desigualdades sociais, da melhoria do padrão de vida das populações, de democratização do espaço público. Isso ocorreu contra Getúlio, contra Jango, contra Juscelino, Brizola e tentaram fazer isso contra o Lula. Agora, existe um movimento no mesmo sentido, reacionário e conservador, utilizando instâncias democráticas para interromper um mandato legitimamente eleito.”
A Carta de adesão ao Movimento Rede da Legalidade contra o Impeachment e o golpe no Brasil, lida pelo prefeito José Fortunati, diz que “com este ato, hoje, 11 de dezembro de 2015, estamos nos somando a milhares de homens e mulheres que, no exercício pleno de sua cidadania, atuam em defesa da Legalidade, da Democracia e do Estado de Direito”.
A Carta diz ainda: “Neste momento, declaramos nossa adesão ao Movimento Rede da Legalidade contra o Impeachment e o golpe no Brasil. Fazemos nossas as palavras do então governador Leonel Brizola, proferidas em 1961. A democracia é maior que tudo e este pensamento nos permite separar, neste momento, divergências ideológicas, programáticas, visões sobre a economia e projetos políticos para o País. É com este discernimento que afirmamos que não há embasamento legal para o pedido de impeachment da presidenta Dilma.”
Se em algum momento alguém perguntasse a um gaúcho ou gaúcha se um acontecimento desses seria de novo possível, quase todos diriam que não. Mas a sexta-feira, 11 de dezembro de 2015, produziu um fato histórico, desses que não acontecem todos os dias.
O ano de 2015, obviamente, não é 1961. Mas 44 anos depois de 1961, forças e elites conservadoras, os chamados formadores de opinião, importantes parcelas da grande mídia mais uma vez ameaçam a democracia.
Felizmente hoje, 2015, as forças populares são mais organizadas e a democracia está mais consolidada. É mais difícil perpetrar um golpe. Porém, o que não foi feito nos anos 1960, e permanece não feito em 2015, são as Reformas de Base, isto é, reformas estruturantes para mudar o Brasil, entre as quais, em primeiro lugar, a reforma política.
Por isso, em 2015, é decisivo acontecer em todo Brasil o movimento de unidade do Rio Grande do Sul, tal como em 1961, com as forças populares nas ruas, não mais com o microfone da Rádio Guaíba, mas com as redes sociais e a internet: impedir o impeachment/golpe antidemocrático e exigir que finalmente aconteçam as Reformas de Base, mais que urgentes e necessárias.
Os democratas de todas as origens e vertentes não podem omitir-se nessa quadra histórica. Nos momentos cruciais na vida, é preciso ter lado, não se esconder e, no extremo e, se preciso, morrer abraçados juntos.
Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).
‘Barbosa era a melhor escolha’, segundo Singer
19 de Dezembro de 2015, 17:21A proposta, destinada a propiciar transição rápida para o crescimento, sugere a retomada do investimento público e privado em infraestrutura, em particular nos setores de petróleo e gás
Por André Singer – de São Paulo
Após um ano trágico, a presidente Dilma Rousseff corrige o dramático erro que cometeu ao optar por Joaquim Levy e coloca no Ministério da Fazenda aquele que deveria ter sido o escolhido desde o início. Diante das opções moderadas que a correlação de forças provavelmente impunha naquele distante novembro de 2014, o economista Nelson Barbosa era a melhor escolha. Vamos ver o que conseguirá fazer agora que o país rola no despenhadeiro do austericídio.
As condições em que Barbosa assume são das mais difíceis. No entanto, chega ao comando da economia quando novo pacto de classe aponta no horizonte. Depois do fracasso do ensaio desenvolvimentista apoiado na coalizão entre trabalho e capital formalizada em maio de 2011, houve reagrupamento da burguesia em torno do ajuste recessivo. De 2013 em diante, a frente produtivista se desfez.
Foi necessário que, em 2015, uma das mais graves retrações em décadas ameaçasse não só as conquistas recentes dos empregados, mas igualmente a sobrevivência dos capitalistas, para que a unidade do setor produtivo começasse a se restabelecer. Na terça passada, representantes da CUT, da Força Sindical e de outras quatro centrais, junto a relevantes associações de empresários, entre elas a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entregaram a Dilma documento sob o título “Compromisso pelo desenvolvimento”.
Barbosa à esquerda
De acordo com Clemente Ganz Lúcio, diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a proposta, destinada a propiciar transição rápida para o crescimento, sugere a retomada do investimento público e privado em infraestrutura, em particular nos setores de petróleo e gás; o destravamento da área da construção; o incentivo à exportação industrial; a ampliação do capital de giro para as empresas e o fortalecimento do mercado interno.
A adesão do capital a essa agenda não é completa, como o demonstra a significativa ausência da Fiesp entre os signatários. Dada a fragilidade política do governo, a tarefa número um do novo ministro seria a de negociar o apoio dos até aqui recalcitrantes. Contudo, há sinais de que mesmo o setor financeiro estava insatisfeito com a política seguida por Levy, o que poderia facilitar em algo a tarefa de unificar a sociedade em torno de um horizonte construtivo.
Dada a profundidade do buraco econômico em que caímos e a gravidade da crise política, a missão do novo ministro é quase impossível. Mas depois de ter tomado caminho por completo equivocado, o lulismo volta aos próprios trilhos. Pode ser tarde demais para salvar paciente que respira por aparelhos, mas ao menos o médico intensivista quer fazê-lo. O anterior exalava evidente antipatia pelo doente.
André Singer é jornalista, foi porta-voz da Presidência da República; cientista político e professor.
Artigo publicado, originariamente, na coluna semanal que o autor mantém, aos sábados, no diário conservador paulistano Folha de S. Paulo
Os fascistas perderam nas ruas
18 de Dezembro de 2015, 9:32Em várias capitais, milhares de pessoas ocuparam as ruas centrais para rejeitar o golpe, exigir o “Fora Cunha”e, também, para criticar o ajuste fiscal do governo
Por Altamiro Borges – de São Paulo:
Pela primeira vez neste ano, o quadro de forças se inverteu nas ruas do Brasil. As manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma, organizadas por grupelhos fascistas, apoiadas pelos partidos de direita e estimuladas pela mídia privada, foram menores do que as marchas em defesa da democracia.
Em várias capitais, milhares de pessoas ocuparam as ruas centrais na última quarta-feira para rejeitar o golpe, exigir o “Fora Cunha”e, também, para criticar o ajuste fiscal do governo e propor mudanças nos rumos da economia. Os protestos uniram a maior parte da esquerda social e política e tiveram o apoio destacado de intelectuais, artistas e juristas comprometidos com a democracia.
A sensação dos manifestantes foi a da alma lavada, a de que os golpistas perderam nas ruas do Brasil.
O próprio Datafolha, pertencente a sinistra famiglia Frias, confirmou a inversão do cenário. Segundo o seu levantamento, a marcha pela democracia em São Paulo reuniu mais de 55 mil pessoas. Já o ato pelo impeachment, no último domingo, contou com 40,3 mil presentese confirmou o declínio da capacidade de mobilização da direita – que reuniu 210 mil pessoas em março e 135 mil em agosto.
No restante do Brasil, a surra foi ainda maior. Nas capitais do Norte e Nordeste, milhares de manifestantes contra o golpe se sobrepuseram à meia dúzia de fascistas. Nas regiões Sul e Sudeste, tratados como grotões da direita nativa, as marchas pelo impeachment de Dilma também foram um fiasco deprimente.
Outro dado relevante foi sobre a composição social destas manifestações. Na marcha dos golpistas na Avenida Paulista, de acordo com outra pesquisa do Datafolha, a maioria dos participantes era branca, rica e declaradamente de oposição. Perto da metade dos entrevistados (44%) possuía renda familiar superior a R$ 7.880 mensais – sendo que para 4%, ela era superior a R$ 39.400. A imensa maioria se definiu como branca (80%).
O protesto reuniu os frustrados com a derrota nas eleições presidenciais do ano passado – 84% declararam ter votado no tucano Aécio Neves; apenas 3% votaram em Dilma.
Já as manifestações de quarta-feira refletiram a diversidade do povo brasileiro e mostraram a força dos movimentos sociais organizados.Trabalhadores de diversas categorias carregaram as bandeiras das suas centrais sindicais; a juventude mostrou sua irreverência e exibiu as faixas de suas entidades; as mulheres rejeitaram o golpe e os retrocessos impostos por Eduardo Cunha, o presidente da Câmara Federal que tem o apoio dos golpistas e dos falsos moralistas. As bandeiras dos movimentos negro, LGBT e de tantos outros se fizeram presentes nas ruas do Brasil.
Enquanto os fascistas pregaram seu ódio e preconceito no domingo, os manifestantes de quarta-feira exigiram mais tolerância e democracia.
Altamiro Borges, é jornalista, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB
Uma economia centrada no biorregionalismo
17 de Dezembro de 2015, 9:51Muita coisa tem que mudar, especialmente nas políticas das grandes petroleiras e da indústria à base de carvão
Por Leonardo Boff – do Rio de Janeiro:
A COP 21, que terminou seus trabalhos no último sábado, em Paris, apresenta um inegável avanço face a todas as Convenções das Partes realizadas anteriormente. Só nesta se chegou a um acordo entre os 195 países, de se esforçarem para não permitir que o aquecimento global chegue a 2º Celsius, retrocedendo a meta para 1,5º.
Nada se diz como chegar a esses números, pelo fato de que todo o sistema mundial de produção e consumo ainda se baseia em, pelo menos, 70% em energias fósseis (petróleo, gás e carvão), grandes produtores de gases de efeito estufa. Os dados científicos vão numa outra direção: dentro de não muito tempo, a seguir o ritmo do sistema produtivo mundial, vamos ultrapassar os 2ºC chegando já aos 3º ou 4º C.
Muita coisa tem que mudar, especialmente nas políticas das grandes petroleiras e da indústria à base de carvão. Neste ponto somos céticos, pois o caminho está já há três séculos pavimentado para realizar a lógica do crescimento ilimitado à custa da exploração de todos os bens e serviços naturais com a produção crescente de CO2 lançado na atmosfera.
O que propomos, neste pequeno estudo e no anterior, é um outro caminho, mais benevolente para com a natureza e a Mãe Terra, capaz de obviar um desastre ecológico-social que nos pode estar sendo preparado. Vejamos abreviadamente em que consiste uma economia não mais centrada no globalismo, mas no biorregionalismo, nos ecossistemas locais que parecem oferecer um caminho que nos pode tirar da crise ecológico-social mundial.
Notamos que, por todas as partes, buscam-se alternativas ao modo de produção industrializa, mercantilista, consumista, pois os efeitos sobre as sociedades e sobre a natureza estão se mostrando cada vez mais desastrosos. O caos climático, a erosão da biodiversidade, a escassez de água potável, a quimicalização dos alimentos e o aquecimento global são os sintomas mais reveladores. Este modo de produção é ainda dominante, mas não sem críticas.
Em contrapartida, comparecem por todas as partes formas alternativas de produção de base ecológica como a agricultura orgânica, cooperativas de alimentos agroecológicos, agricultura familiar, ecovilas e outras afins. A visão de uma eco-economiada suficiência ou do “bem viver e conviver” dá corpo ao biorregionalismo, como temos já explanado aqui.
A economia biorregional se propõe satisfazer as necessidades humanas (em contraste com a satisfação dos desejos) e realizar o bem viver e conviver, respeitando o alcance e os limites de cada ecossistema local.
Previamente temos que nos questionar sobre o sentido da riqueza e de seu uso.Ao invés de centrarmo-nos na acumulação material para além do necessário e do decente, precisamos buscar outro tipo de riqueza, esta sim, verdadeiramente humana, como o tempo para a família e os filhos, para os amigos, para desenvolver a criatividade, para nos encantarmos com o esplendor da natureza, para nos dedicarmos à meditação e ao lazer. O sentido originário da economia não é a acumulação de capital, mas a criação e re-criação da vida.
A economia se ordena a satisfazer nossas necessidades materiais e criar as condições para a realização dos bens espirituais (não materiais) que não se encontram no mercado, mas se derivam do coração e das corretas relações para com os outros e para com a natureza, como a convivência pacífica, o sentido de justiça, de solidariedade, de compaixão, de amorização e de cuidado para com tudo o que vive.
Ao focarmos a produção biorregional, minimizamos as distâncias que os produtos têm que viajar, economizamos energia e diminuímos a poluição. O suprimento das necessidades pode ser atendido por indústrias de pequena escala e tecnologias sociais facilmente incorporadas pela comunidade. Os dejetos podem ser facilmente manejados ou transformados em bioenergia. Os operários sentem-se ligados ao que a natureza local produz e, por operarem em pequenas fábricas, consideram seu trabalho mais significativo.
Aqui reside a singularidade da economia biorregional: ao invés de adaptar o meio ambiente às necessidades humanas, são estas que se adaptam e se harmonizam com a naturezae destarte asseguram o equilíbrio ecológico. A economia usa minimamente os recursos não renováveis e usa racionalmente os renováveis, dando-lhes tempo para repouso e regeneração. Os cidadãos acostumam-se a sentir-se parte da natureza e seus cuidadores. Daí nasce a verdadeira sustentabilidade.
No lugar de criar postos de trabalho procura-se criar, como afirma a Carta da Terra, “modos sustentáveis de vida”, que sejam produtivos e deem satisfação às pessoas.
Os computadores e as modernas tecnologias de comunicação permitirão às pessoas trabalharem em casa, com se fazia na era pré-industrial.A tecnologia serve não para aumentar a riqueza, mas para nos liberar e garantir mais tempo, como sempre enfatiza o líder indígena Ailton Krenak, para a convivência, para a recreação, para a restauração da natureza e a celebração das festas tribais.
A economia biorregional facilita a abolição da divisão do trabalho fundada no sexo. Homens e mulheres assumem juntos os trabalhos domésticos e a educação dos filhos e zelam pela beleza ambiental.
Esta renovação econômica propicia também uma renovação cultural. A cooperação e a solidariedade se tornam mais realizáveis e as pessoas se acostumam a agir corretamente entre elas e com a natureza porque fica mais claro que isso está em seu próprio interesse bem como da comunidade. A conexão com a Mãe Terra e seus ciclos suscita uma consciência de mútua pertença e de uma ética do cuidado.
O modelo biorregional, a partir de uma pequena cidade inglesa, Totnes, é assumido hoje por cerca de 8000 cidades, chamadas de Transition Towns: transição para o novo. Tais fatos geram esperança para o futuro.
Leonardo Boff, é articulista do Jornal do Brasil on line,membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.
Pelo golpe, jornalões descartam Cunha
16 de Dezembro de 2015, 9:57Num primeiro momento, toda a imprensa privada apoiou o achacador, o objetivo maior era desgastar e se possível, derrubar a presidenta Dilma
Por Altamiro Borges – de São Paulo:
Há ainda quem discorde da tese de que a mídia hegemônica funciona como um partido político. Na verdade, o principal partido da direita na atualidade. A situação do correntista suíço Eduardo Cunha, que ainda preside a Câmara Federal, serve perfeitamente para convencer os mais reticentes.
Num primeiro momento, toda a imprensa privada apoiou o achacador. O objetivo maior era desgastar e se possível, derrubar a presidenta Dilma. De forma articulada, a mídia seletiva simplesmente omitiu o seu passado mais sujo do que pau de galinheiro. Agora, quando não dá mais para esconder as suas sujeiras, ela simplesmente decide descartá-lo como bagaço.
Os editoriais do Estadão, Globo e Folha deste final de semana confirmam que a mídia, apesar da concorrência no mercado, age como uma direção central nos seus intentos políticos.
Na sexta-feira, o jornal Estadão, da famiglia Mesquita, que redigiu o primeiro projeto de poder dos militares golpistas em 1964, publicou o editorial “O circo de Cunha”. Após criticar o lobista e sua “tropa de choque”, o diário exige: “O mínimo que se espera de seus pares é que afastem Cunha da presidência da Câmara, para que o processo possa ter seu curso normal e que se restabeleça um pouco de decência num conselho que tem a palavra ‘ética’ em seu nome”.
Como num acerto da máfia, no dia seguinte (sábado), o jornal O Globo – da família Marinho, que construiu o seu império graças às benesses da ditadura militar – publicou o editorial intitulado “Venceu o prazo de validade de Eduardo Cunha”. Após garantir tantos holofotes ao presidente da Câmara Federal – que antes de ser eleito foi pedir as bênçãos aos filhos de Roberto Marinho –, O Globo faz um apelo patético a sua criatura. “Ele deveria renunciar ao cargo, para se dedicar à sua defesa, sem atrapalhar os trabalhos da Casa. Seu tempo acabou”.
Um dia depois, no último domingo, a Folha – da famiglia Frias, que apoiou o setor linha dura da ditadura militar e até cedeu os seus veículos para o transporte de presos políticos – enterra Eduardo Cunha. No editorial intitulado “Já chega”, publicado em sua capa, o diário paulista afirma que o achacador “está com os dias contatos” e explicita os motivos. “Valendo-se de métodos inadmissíveis a alguém posicionado na linha de sucessão da Presidência da República, o peemedebista submeteu a questão do impeachment de Dilma a um achaque em benefício próprio… É imperativo abreviar essa farsa, para que o processo do impeachment, seja qual for seu desenlace, transcorra com a necessária limpidez”.
Ou seja: para a Folha – assim como para o Estadão e para O Globo – Eduardo Cunha atualmente é um estorvo. Ele prejudica a cruzada golpista pela derrubada da presidenta eleita por 54 milhões de brasileiros.
Pesquisas qualitativas confirmam que o atual presidente da Câmara Federal agora atrapalha o plano dos golpistas. Esse seria um dos principais motivos do fiasco das marchas pelo impeachment deste domingo. Nem o “midiota” mais tacanho acredita nos propósitos destes oportunistas. Como diz o editorial de O Globo, o tempo acabou para estes embusteiros que desrespeitam as urnas e a democracia no Brasil.
Eduardo Cunha virou bagaço… Eles agora precisam de outros personagens!
Altamiro Borges, é jornalista, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB
O boteco do PT
15 de Dezembro de 2015, 11:08O partido não promoveu nenhuma reforma estrutural, no entanto, implantou políticas sociais que, de fato, livraram da miséria 45 milhões de brasileiros
Por Frei Betto – do Rio de Janeiro:
Sentado no Boteco do PT, entre 2003 e 2014, o brasileiro escolheu iguarias no cardápio, fartou-se e dependurou a conta, que chegou em 2015! O freguês se espantou: Como? Os preços do cardápio eram baratos!
Ora, explicou a gerente do boteco, já não tenho crédito e tudo sobe, a luz, o gás, o telefone. Veja a inflação! Acha que compro, hoje, alimentos pelo mesmo preço que no passado? Já tive que despedir vários empregados.
A crise brasileira é a crise da democracia virtual que predomina no Ocidente. Desde quando se introduziu o sufrágio universal, a suposta democracia política jamais coincidiu com efetiva democracia econômica.
Na economia capitalista não existe democracia. Existe apropriação privada, competitividade, submissão aos ditames do mercado e não aos interesses da nação. Todas as vezes que se fala em democratizar a economia, como uma simples distribuição de renda, as elites puxam as armas, golpes de Estado, evasão de divisas, guerras. Hitler e Mussolini que o digam. Jamais teriam feito o que fizeram se não tivessem contado, no início de seus mandatos, com a cumplicidade das elites europeias e estadunidenses.
O PT conhecia as regras do jogo da democracia virtual. Por isso, lançou a carta ao poder econômico na campanha presidencial de 2002, conhecida como “Carta ao povo brasileiro”. Em 12 anos de governo, o Partido não promoveu nenhuma reforma estrutural, para não ameaçar o quinhão das elites. No entanto, implantou políticas sociais que, de fato, livraram da miséria 45 milhões de brasileiros.
A falta de reformas, como a agrária, impediu que as políticas sociais ganhassem sustentabilidade. E o Brasil prosseguiu na dependência do modelo econômico neocolonial: exportação de produtos primários e matérias-primas (hoje, commodities), captação de capital externo etc.
Basta lembrar que, nos últimos 12 meses, o governo pagou ao sistema financeiro, de juros da dívida pública, R$ 510 bilhões, cinco vezes mais que o orçamento anual da Saúde, que é de R$ 100 bilhões.
O poder econômico aceita tudo, menos a redução de sua margem de lucros. Por isso, compra políticos e juízes, contrata lobistas, distribui propinas, interfere nas leis, manipula o noticiário. Acuado, o governo, vendo o boteco vazio, entregou a ele o controle da política econômica, o ajuste fiscal, que penaliza apenas os mais pobres.
Ora, o poder econômico é ganancioso. Agora quer também o poder político.Daí a tentativa de impeachment de Dilma, cujo fiador é o PMDB.
O PMDB vive o drama hamletiano: presidir ou não, agora, o Brasil? Se Michel Temer deixar passar o cavalo encilhado que se apresenta à sua porta, pode perder a única oportunidade de se tornar presidente e, quem sabe, retornar eleito em 2018 se lograr salvar o boteco da falência. Se montar, sabe que corre o risco de ter em mãos um boteco inadimplente, com a crise se arrastando até 2018, vários partidos da base aliada lhe fazendo oposição, e o Executivo obrigado a saciar a gula infindável de seus correligionários por cargos e benesses.
Quem sobreviver, verá.
Frei Betto, é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil- o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.
Golpe fracassa e Eduardo Cunha é pressionado a renunciar
14 de Dezembro de 2015, 16:13Há nomes mais indicados para limpar o cenário, após a tentativa de golpe e a eventual renúncia de Eduardo Cunha
Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
O golpe de Estado que as forças da ultradireita tentam contra a presidenta Dilma Rousseff está por um fio. O fracasso das manifestações deste domingo deixou claro que a Opinião Pública brasileira soube ponderar entre a realidade dos fatos e o discurso golpista dos conservadores. A liderança do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) passou, imediatamente, a ser questionada nas hostes do partido ligadas ao discurso de apoio ao impeachment.
Setores do PMDB lançaram, nesta segunda-feira — em uma tentativa de resposta à derrota do movimento golpista, nas ruas — o nome do deputado Jarbas Vasconcelos (PE) para a imediata substituição de Cunha na Presidência da Câmara. Se tentar, mesmo, este movimento, a direção da legenda terá aberto a janela para que o parlamentar fluminense possa escapar da ‘guilhotina’, imediata, na tentativa de assegurar o mandato até meados do ano que vem. Vasconcelos, inimigo figadal da esquerda, passaria a conduzir o processo imaginado contra a presidenta.
O plano é viável, mas as chances de um contratempo é alta. De volta às ruas, tende a aumentar — exponencialmente — o apoio dos movimentos sociais, dos sindicatos, dos estudantes, dos partidos da esquerda à manutenção da democracia e da governante eleita até 2018. O cenário que se desenha, a partir da vontade popular expressa nas manifestações previstas para as próximas semanas, é de um enfrentamento mais direto aos conservadores. À exemplo da França, onde os políticos neonazistas apontaram na dianteira das eleições parciais em uma semana e foram empurrados para o terceiro lugar nos sete dias que se seguiram, o destino do golpe, no Brasil, segue destino semelhante.
Não vai ter golpe
Uma vez fracassada a tentativa de um novo golpe, vergonhosa para a História do Brasil, será necessário contabilizar quantos deputados ainda permanecerão fiéis do líder em queda, no Conselho de Ética, de onde Cunha poderá sair com o mandato a ser julgado no Plenário da Câmara. A pressão sobre o PMDB em caso de renúncia, como se estuda na direção nacional da legenda, durante a campanha para permanecer à frente da Casa, tende a provocar rachaduras e a base aliada, com o mandato da presidenta Dilma fortalecido, passa a atuar de forma intensiva contra a eleição de Vasconcelos.
Há nomes mais indicados para limpar o cenário, após a eventual renúncia de Eduardo Cunha. Ele deverá recuar, o quanto antes, para que o palco todo não desabe nas cabeças dos poucos atores da ópera bufa em que se transformou a tentativa de golpe contra a democracia brasileira. Uma saída de cena, nessa altura dos acontecimentos, deixaria Cunha com tempo livre para protelar a perda iminente do mandato e, consequentemente, sua possível prisão no âmbito da Operação Lava Jato.
A estocada final na aventura do impeachment, prestes a ocorrer no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, também fere de morte o terceiro turno das eleições de 2010, no qual o candidato tucano derrotado Aécio Neves tenta um novo confronto com a adversária petista. A se concretizar este cenário, a exemplo do que o Correio do Brasil previu no editorial do dia 4 deste mês, os três anos que restam de governo à presidenta Dilma começam em 2016.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do diário Correio do Brasil.
Redes de utopia em movimento
14 de Dezembro de 2015, 9:41Há uma sociedade em ebulição e movimento, não só pelo processo de impeachment anunciado, golpe contra a democracia, ou pelas denúncias de corrupção
Por Selvino Heck – de Porto Alegre, RS:
A luta social e a injustiça sentaram-se frente a frente para um longo e duro debate. Quem ganharia? Em frente às duas, a esperança, assistente privilegiada. Até que a esperança perguntou: “Quem vai desistir?” Ao que a luta respondeu: “Vou desistir quando ela, a injustiça, desistir. Como ela não desistirá enquanto não for derrotada…”
Foi parte da reflexão de Ricardo Spíndola, Professor da Universidade Católica de Brasília e educador popular, no 13º Encontro Nacional da Rede de Educação Cidadã (RECID), ao falar sobre ‘Participação social e educação popular: mecanismos de resistência, avanços e desafios para formação de consciências críticas’.
O Encontro da RECID, no final de novembro, teve a participação de 150 educadoras/es populares, lideranças de movimentos sociais e populares, representantes de Fóruns, Coletivos, Redes, ONG, Comitês Territoriais, com o tema ‘Participação Social e Popular e Educação Popular na Pátria Educadora’.
As perguntas e reflexões foram, entre muitas outras, em meio a cantos, danças, cirandas e místicas: “Como pensar respostas à conjuntura de crise? É necessário usar a energia crítico-criativa para repensar o que fazer frentes aos desafios da realidade. Como superar a lógica do individualismo, do ‘cada um que mate o seu leão do dia’, incentivadas pela perspectiva neoliberal, e construir pertencimento e solidariedade? Fortalecer os processos de organização, formação e lutas, sobretudo num contexto de crise. Promover maior diálogo entre as Redes que atuam nos diferentes territórios. – Num contexto da crise de representação, a educação popular é um componente central do fortalecimento da democracia participativa. Repactuar o projeto popular em torno de uma nova plataforma, repensando as bases de sua unidade, superando as fragmentações do campo popular e da esquerda, sem perder de vista a autonomia das diferentes organizações.”
Mas houve muito mais neste final de novembro e início de dezembro. Aconteceu o Seminário Nacional de Formação Artística e Cultural, promovido pela Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural (SEFAC) do Ministério da Cultura, com o objetivo de “construir uma política pública de formação artística, de forma colaborativa, reunindo gestores, artistas, educadores, movimentos sociais e sociedade civil na formulação do Programa Nacional de Formação Artística e Cultura e de estimular a criação de uma ampla rede que articule as diversas escolas livres, as escolas formais de arte e os formadores de arte em todas as regiões”.
Houve mais. Em torno da 15ª Conferência Nacional de Saúde, com cerca de 5 mil participantes, aconteceu o I Encontro Latino-americano de Entidades e Movimentos Populares: Pelo Direito Universal à Saúde. Aconteceu a 3ª Etapa da Articulação dos Coletivos de Educação Popular em Saúde e a Conferência Livre de Educação Popular em Saúde rumo à 5ª Conferência Nacional de Saúde, com centenas de lideranças dos movimentos populares de saúde de todo Brasil, e com “o objetivo de contribuir com o processo formativo permanente e de organização político-social dos movimentos dos coletivos e práticas de Educação Popular em Saúde, bem como subsidiar atores e atrizes para construírem de maneira crítica o processo de implementação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). E contribuir com a 15ª Conferência Nacional de Saúde”.
Aconteceu a Tenda Paulo Freire, com rodas de conversa sobre as Práticas integrativas e populares de cuidado: integrando saberes para cuidar bem das pessoas no SUS; Disputando o conceito do que seja uma Pátria Educadora: a Educação Popular em Saúde nas políticas de Saúde; Equidade em saúde: promovendo cuidado na diversidade; o Poder popular recriando a participação na saúde; Saúde e Cultura.
Há uma sociedade em ebulição e movimento, não só pelo processo de impeachment anunciado, golpe contra a democracia, ou pelas denúncias de corrupção que atingem os presidentes do Congresso e grandes lideranças políticas e empresariais.
Há luta social e esperança, que só vão terminar quando a injustiça desistir.
Ricardo Spíndola disse: O nosso grande educador é a estrada. Ou como alguém escreveu: ‘educa-a-dor’: a crise faz surgir oportunidades; a dor não só ensina a gemer, quanto produz respostas, conscientiza. Ou como respondeu Florestan Fernandes, quando perguntaram ao grande sociólogo e intelectual sobre sua trajetória de compromissos com o povo trabalhador e com a transformação social e econômica, ao lhe entregarem uma láurea quase ao fim de sua vida: “Foi a oportunidade de enfeitar o meu destino de engraxate.” Ele começou sua vida trabalhando como engraxate.
Há Redes de utopia em movimento. Há esperança no ar (e nem preciso falar das mobilizações de rua em crescimento, dos estudantes ocupando escolas em São Paulo e tantas coisas mais).
Ninguém será capaz de abafar a consciência e a organização popular e impedir a construção de políticas públicas com participação social e popular. Ninguém esmagará a democracia. E isso não é pouca coisa nestes tempos.
Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)
Temer se revelou um político menor
11 de Dezembro de 2015, 13:48São essas as suas razões de Michel Temer para a carta, pois, consabidamente, ela não se destinava, apenas, a desafogar um coração magoado
Por Roberto Amaral – de Brasília:
A carta do vice-presidente da República, pobre, patética, beirando a infantilidade, dá a justa medida do estado moral lastimável em que se encontra a política brasileira, apequenada, amesquinhada, aviltada e envilecida.
Desnudando-se, o presidente do PMDB revela-se um político menor, como menores são seus companheiros da ópera bufa em que foi transformado, pela miséria da política, um dos momentos mais dramáticos de nossa História recente, tão vazia de estadistas e miseravelmente tão plena de pulhas.
Pois grave é a crise ignorada pela vendetta e pelo ódio. No encontro da saturnal dos ódios, ódio amador e ódio profissional, ódio gratuito e ódio remunerado e, até, ódio puro ódio, o ódio irascível do perdedor sem consolo, ódio que cega e embrutece, nesse encontro de ódios com a compulsão dos interesses os mais vários, interesses pessoais, interesses de grei, interesses de súcias-partidos, só não são considerados os interesses do País, os interesses coletivos. Ninguém se dá conta dos riscos que corre o processo político quando a ordem constitucional se transforma em espaço para traficância.
Na missiva do vice, ‘um copo até aqui de mágoa’, apenas lamúrias, queixumes e muxoxos; nenhuma reflexão, nem uma só palavra sobre a crise de que seu partido, insaciável consumidor de cargos e verbas públicas, é um dos atores e artífices.
Crise grave, pois a um só tempo crise política, crise econômica, crise institucional, crise de representatividade, da qual, rompendo com toda e qualquer noção de ética, Temer pretendeu aproveitar-se, sem pejo do papel de traidor doméstico, o mais pérfido de todos.
O vice-presidente reclama de cargos e carguinhos para os mais chegados, reclama de afagos negados, de convites não formulados, de acenos evitados. O País? O País passa ao largo.
A pequenez de espírito salta nas primeiras linhas, quando o missivista se diz informado por “tudo o que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio”. Ou seja, o rompimento político, a justificativa da maquinação golpista, se alimenta não em uma crise de Estado, num conflito de visões político-ideológicas, mas nas tricas e futricas das salas e antessalas dos palácios da Corte!
Bate-papo de comadres. Este o personagem que se oferece à oposição ensandecida para suceder a presidente Dilma ao fim do golpe de Estado comandado, na Câmara dos Deputados, pelo seu correligionário e assecla e sócio Eduardo Cosentino da Cunha.
Pobre política, pobre país.
Temer se queixa de haver passado “os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo”. Ora, só um traste, um obnóxio, se prestaria a tal papel; só um carreirista voraz ainda desejaria outros quatro anos de igual ostracismo. Pois, findo o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o desconsiderado Temer, à míngua de votos que lhe ensejassem um voo solo, ainda lutou para ser o vice da presidente candidata à reeleição.
Agora choraminga porque um ministro de sua intimidade não foi reconduzido do primeiro para o segundo mandatos, e porque outro, de igual domesticidade, não teve confirmada a nomeação de um apaniguado qualquer para um cargo qualquer. Cargos, cargos, verbas, sinecuras! Faz beicinho de ciúmes, pois a presidente conversou diretamente com o líder (já defenestrado) do seu partido, e não com ele – e vaidoso, ressente-se de não haver sido convidado para encontro da presidente com o vice-presidente dos EUA de passagem por Brasília.
São essas as razões do estadista Michel Temer, vice-presidente da República e presidente do PMDB. São essas as suas razões para a carta, pois, consabidamente, ela não se destinava, apenas, a desafogar um coração magoado.
Destinava-se, sim, a formalizar, documentar, justificar o abandono, pelo vice, da “lealdade pautada pelo Art. 79 da Constituição Federal” à titular da Presidência, abandono aliás que logo transitou para a conspiração plena, já tornada pública pela imprensa, que, aliás, também dá conta de suas articulações para a montagem de seu hipotético governo.
Enquanto isso e coerentemente com tudo isso, coerentemente com tanta baixeza, seu correligionário ainda presidente da Câmara dos Deputados, e ainda à solta, prossegue, lépido e fagueiro, na faina despudorada e impune de desmoralizar o Poder Legislativo. Se este se amesquinhava com sua simples presença, mais se degrada com sua presidência que associa a ostensiva, despudorada e cínica ausência de ética com um absolutismo cujo sucesso é outro indicador do nível de miséria a que chegou a maioria da Casa.
A persistente presidência de Cunha ultrapassou, e ultrapassa ainda, todos os limites da plausibilidade, ofendendo o decoro parlamentar, rasgando regimento, rasgando a Constituição, ofendendo normas parlamentares, tudo em função de suas duas prioridades do momento: fugir da sua própria cassação, motivada por reiterados atos de improbidade, e promover, a ferro e fogo, a qualquer preço, a cassação do mandato da presidente Dilma.
Para isso se serve de uma coorte de áulicos na qual desponta figura exemplarmente deprimente como o sr. Paulinho da Força (cujo prontuário inclui ação penal no STF por lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro nacional), líder da Comissão de Frente que abre-alas para Aécio Neves e outros menos cotados, como Mendonça Filho, os Bolsonaros e uma penca de caronistas que nem vale citar.
Diz-se que a história forja os personagens de que necessita. Isso é injusto conosco, não merecemos Temer, Cunha e seus quejandos, ainda menos o vazio humano que possibilitou essa safra. A média brasileira é muito melhor. Portanto, ainda podemos confiar, com esperança, no papel da organização social, a sociedade reagindo mediante seus mecanismos de ação, intervindo no processo, ditando e corrigindo as lamentáveis rotas de hoje.
Roberto Amaral, é cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004
Luta por direitos ou ‘birra de crianças’
10 de Dezembro de 2015, 15:14A criminalização é a face perversa do Estado e da sociedade que não permitem que a cidadania seja exercida na perspectiva dos “sujeitos de direitos”
Por Nei Alberto Pies – de Brasília:
Ler diariamente um jornal de grande circulação, além de nos deixar informados, é oportunidade ímpar de conhecer pérolas de quem produz coluna diária com a missão de formar opinião.
David Coimbra, colaborador de ZH, ao manifestar contrariedade com os que se organizam publicamente para reivindicar direitos, em artigo escrito hoje, 08 de dezembro de 2015, “A diferença entre querer e poder” reafirma uma grande verdade que move os lutadores sociais:”lutar pelos direitos é um exercício de cidadania”. Por outro lado, levianamente, compara a luta por direitos sociais com atitude de crianças mimadas, algo inaceitável para os lutadores sociais.
Ora, organizar-se para a conquista de direitos sociais como moradia, saúde, terra, educação não tem nada a ver com “birra de crianças”. É atitude corajosa e destemida de poucos brasileiros que fazem da rua “palco de sua cidadania”. Estes movimentos sociais e de cidadania não resultam de direitos ou interesses individuais, mas se estruturam na organização e ação coletivas e de interesses de alcance social e comunitário. Por isso mesmo, são realizados em vias ou praças públicas, com a pretensão de reclamar, denunciar e exigir efetividade dos direitos que já estão garantidos na Constituição Brasileira.
Caro jornalista, lutar não é crime! O fato dos direitos estarem garantidos na Constituição não garante nada. Por isso mesmo, historicamente, os direitos humanos e sociais no Brasil são frutos de organização social com poder de influenciar governos e exigir implementação de políticas públicas.
Inaceitável criminalizar, ironizar ou debochar daqueles que lutam por melhores condições de dignidade humana no Brasil e no mundo. Inaceitável, numa democracia, que a violência instituída (de repressão física ou moral) seja aceita como normal e necessária.
A democracia acontece nas contradições, na dureza da cidadania cotidiana, difícil de ser construída. Nem todos estão convencidos de que a democracia pode conviver com uma “certa desordem”. Como escreveu Juremir Machado da Silva, “não existe democracia sem caos, confusão, entropia. A democracia é o sistema do dissenso. Na verdade, a democracia é um equilíbrio instável de ordem e desordem. Em alguns momentos, a desordem é mais importante do que a ordem. Tudo, claro, depende do grau de ordem e desordem”.
A criminalização é a face perversa do Estado e da sociedade que não permitem que a cidadania seja exercida na perspectiva dos “sujeitos de direitos”. Quem luta por seus direitos, e pelos direitos dos outros, é ligeiramente taxado, acusado e condenado sumariamente. Os estigmas e preconceitos sociais atribuídos àqueles que lutam anulam a vivência de uma cidadania plena e ativa.
Ninguém sai de uma manifestação pública de com os direitos já conquistados, mas toda manifestação pode indicar avanços para a materialização dos mesmos. Como escreve Marcos Rolim, “a democracia que temos já não tem política. Nela, o futuro se ausentou porque as palavras não autorizam expectativas. Será preciso reinventá-la, entretanto, antes de desesperar. Porque o desespero é só silêncio e o melhor do humano é a palavra”.
Nei Alberto Pies, é professor de rede municipal e estadual. Ativista de direitos humanos
O Brasil indígena se mobiliza
9 de Dezembro de 2015, 9:46Por Egon Dionísio Heck – do Mato Grosso do Sul:
Um ano de intensas mobilizações e lutas vai chegando ao fim. Os povos indígenas de todo o país fizeram de Brasília um de seus principais campos de luta. Mais de 20 delegações de povos originários de todo o país, vieram para a guerra contra a PEC da morte e do genocídio, a 215, e outras ações que visam tirar direitos indígenas. Foi uma intensa construção de união, alianças e articulações entre os povos, formação política na luta e exigência de seus direitos.
Durante essa semana, 170 lideranças dos Estados do Tocantins e do Pará estarão diariamente em Brasília numa intensa agenda de caminhadas, reuniões, manifestações públicas, cobranças em ministérios, depoimentos em audiências públicas, presença em auditórios do Supremo Tribunal Federal. Estarão protocolando documentos, fazendo rituais, visitando gabinetes. Tudo com um mesmo objetivo: denunciar as ameaças que pesam sobre suas vidas e territórios como a PEC 215, o PL 1610, portarias e medidas provisórias que visam impedir a demarcação dos territórios indígenas e abertura das terras demarcadas à exploração dos recursos naturais, hídricos (hidrelétricas no rio Tapajós), infraestrutura, agronegócio (MATUPIBA) e uma infinidade de iniciativas do grande capital ávido de invadir e explorar as terras indígenas.
Conjuntura turbulenta
Esse final de ano promete. A tentativa de afastar Dilma de suas funções está na mesa. Na mesa da Câmara, Cunha esperneia, jurando inocência, de pés juntos. Já no Senado, Calheiros está sentado em incômoda cadeira, fazendo de contas que não é com ele.
Tem quem queira trabalhar até no recesso e tem quem gostaria de ter recesso o ano inteiro. São os contrastes e contradições de uma democracia capenga, movida a milhões em bancos do exterior e no interior do combustível, via Petrobras. Mas se Deus é brasileiro, e as olimpíadas são apenas no ano que vem, podemos dormir um sono sossegado, que nenhum jato ou lama haverá de nos perturbar.
Já os povos indígenas, que não podem ser culpados pelo atual descalabro, nada têm a esperar. O agronegócio e suas commodities, os ruralistas e suas ganâncias desmedidas, que lhes garantem uma eterna Paris, querem fazer avançar seus batalhões em múltiplas direções. Gostariam de ter sua estimada PEC 215 aprovada pelo Congresso. Foram tão combativos contra os índios, e o mínimo que esperavam era um pacote de Papai Noel com 215 velinhas.
Os povos indígenas não arredaram o pé de Brasília no decorrer de todo o ano. Foram lutas lindas, juntando o Brasil raiz do Pernambuco resistente ao Xingu insurgente. Dos Kayapó aguerridos aos povos do cerrado e da Amazônia. Dos professores indígenas aos indígenas nas universidades. Juntos construindo união e força na luta. Exigiram respeito, mostrando dignidade. Avançaram em alianças, especialmente com os povos e comunidades tradicionais. Ergueram a bandeira da ecologia provando sua política de preservação ambiental, na prática.
Denunciaram as violências de que são vítimas em inúmeros fóruns e tribunais nacionais e internacionais. Exigiram o cumprimento da Constituição não permitindo nenhum retrocesso ou supressão de direitos. “Resistiremos até o último índio”.
Os Krahô e Apinajé se negaram a participar dos Jogos Mundiais Indígenas, realizado em Palmas, TO, no final de outubro. Entenderam que seria uma insanidade participar dos jogos, com tanto dinheiro em jogo, enquanto não existem verbas para demarcar as terras indígenas e seus parentes Kaiowá Guarani estarem sofrendo um verdadeiro genocídio. E esta semana estão em Brasília lutando pelos direitos de todos os povos indígenas do país.
Gercília Krahô, que recentemente esteve na ONU para defender os direitos dos povos originários desse país e denunciar a omissão do governo brasileiro em demarcar e garantir as terras indígenas, lembrou: “Falei que se não demarcarem as terras indígenas, vamos unir os indígenas de todo o Brasil e do mundo e vamos demarcar nós mesmos”.
Antônio Apinajé lembrou que “vamos fazer a nossa parte. Nossa missão aqui é contra a PEC. A aprovação desse projeto irá trazer um grande conflito em nosso país. E nós queremos a paz (…) Nesse contexto da Conferência Mundial do Clima, queremos unir o nosso grito ao grito da Mãe Terra. Basta de destruição. Sem a minha vida vocês também não sobreviverão”.
Às vésperas da Conferência Nacional de Política Indigenista, o governo tem a petulância de propor uma Medida Provisória para acelerar projetos de desenvolvimento, ignorando o próprio órgão indigenista e os povos indígenas. Desfaçatez. Açodamento e ignomínia.
Muito ritual e muita reza para afastar todos os males.
Egon Dionísio Heck, é assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) no Mato Grosso do Sul.
O impeachment e a divisão da oposição
8 de Dezembro de 2015, 14:10Por Mauro Santayana – de Brasília:
Quando ainda se fazia política no país, antes do vale tudo em que se transformou a luta pelo poder nesta Nação, havia um velho homem público mineiro que, no rastro de Salomão, gostava de dizer que a política é como as estações do ano.
Há o tempo de semear e o tempo de ceifar.
O tempo de colher e o tempo de moer.
O tempo de misturar e bater a massa.
E o de acender o forno para assar e comer o que se preparou.
O bom da Democracia, é que, a não ser que ocorram tragédias de grandes proporções, ela, como o clima, oferece um calendário próprio, que pode servir de parâmetro, para os mais argutos e prudentes, no estabelecimento de um necessário e cada vez mais desprezado – como meio – plano de rota, que possa levar ao objetivo que se pretende alcançar.
O aumento da temperatura, ou efeito estufa, na cena política, que pode acabar prejudicando tanto a gregos como troianos, ocorre quando o papel dos partidos – espera-se que cada um tenha sua própria visão e seu próprio projeto para o país – é substituído por uma briga de foice em que um monte de cidadãos, individualmente, acredita que pode alcançar a Presidência da República, não interessando o momento ou o meio que vai utilizar para chegar lá.
Há impeachments e impeachments.
Na época do impedimento do Presidente Fernando Collor, havia um vice-presidente conciliador, em torno do qual se reuniu uma ampla aliança nacional, que era tão correto que se recusou a forjar uma alteração na constituição que lhe permitisse manter-se no poder por mais um mandato, e cujo maior erro – como depois admitiria mais tarde – foi escolher como sucessor um indivíduo que usurparia a maior conquista de seu governo, o Plano Real, e que, no lugar de cumprir o compromisso que tinha com ele de apoiá-lo para o pleito seguinte, tanto fez para não largar a rapadura que chegou até mesmo a ser acusado de comprar votos no Congresso para aprovar a lei que permitiu sua reeleição.
Hoje, em caso do impedimento da Presidente Dilma, não há, como havia à época de Itamar Franco, o mesmo consenso em torno da figura do Vice-Presidente Michel Temer.
O maior partido de oposição – teoricamente o mais interessado na saída de Dilma – apresentou, no TSE, pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, vitoriosa nas eleições de um ano atrás, propondo a anulação do resultado e requerendo que se lhe entregue o poder, como coligação mais votada.
Os tucanos querem a saída de Dilma, mas cada um em seu tempo e a seu modo.
Se pudessem, prefeririam evitar a substituição da presidente por um vice que tem tudo para articular rapidamente a simpatia e as boas graças do “mercado”.
Que depois poderia ser apresentado, contando com a estrutura de um dos maiores partidos do país, como um fortíssimo candidato nas eleições de 2018.
Para Alckmin, e para José Serra, que estão de olho no Planalto, isso não seria bom.
Alguns jornais informam que Serra pretende ser o Ministro da Fazenda de Temer, e seu candidato a Presidente, pelo PMDB.
Mas aquele que já foi por duas vezes candidato pelo PSDB, como diria Garrincha, ainda não “combinou com os russos”, e muita água tende a rolar debaixo das pontes do Tietê antes que isso venha a ocorrer.
Serra teria que vencer a resistência da ala mais nacionalista do partido, de construir algum tipo de liderança nele, sobrepondo-se a possíveis rivais, além de contar com a recusa de Michel Temer de continuar ocupando um lugar no qual já estará há algum tempo, com todas as prerrogativas que lhe reserva o cargo mais importante da República.
Temer na Presidência, aliado a Serra, não seria desejável para Aécio Neves, que está na frente nas pesquisas de intenção de voto, entre os eventuais pré-candidatos.
E, muito menos, ainda, para eventuais concorrentes “independentes” que aparentemente correm “por fora”, mas que têm um enorme apelo para o voto conservador e de extrema-direita nascido da campanha anti-petista dos últimos anos.
Entre eles, pode-se nomear – por enquanto – Jair Bolsonaro e o próprio Juiz Sérgio Moro, que dividem os apelos “Bolsomito 2018”, e “Moro Presidente”, no espaço de comentários dos grandes portais nacionais, de onde a militância do PT desapareceu.
Para muitas lideranças anti-petistas, ou com aspirações a sentar na principal cadeira do Palácio do Planalto, ideal seria que o governo Dilma “sangrasse”, atacado pela mídia conservadora nacional e estrangeira, pelos internautas fascistas, pela sabotagem econômica e no contexto judicial, pelos entreguistas e privatistas, e pelos oportunistas de todo tipo, até o último dia de seu mandato.
Assim, eles teriam tempo para o fortalecimento de seus respectivos cacifes com vista a 2018, disputando entre si a preferência dos neoliberais, dos neo-anticomunistas, dos anti-petistas, dos anti-“bolivarianos”, dos anti-estatistas, dos anti-desenvolvimentistas e dos anti-nacionalistas de plantão.
Um público cada vez mais radical, manipulado e desinformado que tem tudo para crescer como fungo, já que não existe nenhuma oposição ou reação estratégica, judicial, ou na área de comunicação minimamente detectáveis, por parte da esquerda – reunida quase que exclusivamente em seus próprios blogs, grupos e páginas de redes sociais – ou do Partido dos Trabalhadores em portais de maior audiência, como o UOL, o IG, o Terra, o MSN e o G1.
O grande problema do PT no Brasil é a Internet, onde perdeu, sem esboçar qualquer reação coordenada, a batalha da comunicação.
De nada adianta o ex-presidente Lula processar na justiça certo “historiador” de oposição por calúnias proferidas em uma entrevista, se dezenas, centenas, de internautas continuam a atirar contra ele os mesmos insultos e as mesmas mentiras, impunemente, todos os dias, sem serem interpelados judicialmente da mesma maneira. Se o primeiro deles tivesse sido impedido, na forma da lei, desde o início, o PT – e a própria Democracia, vilipendiada com pedidos de “intervenção militar” e a defesa pública da volta da ditadura e da tortura – não estariam na situação institucional em que se encontram.
O grande drama da oposição no Brasil é o que fazer com o impeachment.
Se Dilma sair do Palácio do Planalto agora, ficará difícil manter, contra Temer, a mesma campanha uníssona que existe, hoje, na imprensa e nos maiores portais da internet – por parte dos internautas de direita – contra o PT.
Os ataques sofridos pela Presidência da República tenderiam a diminuir, e a enfraquecer em seu ódio e veneno, já que não daria, simplesmente, para transferir para esse novo Presidente da República, o papel de Geni encarnado pelo PT até agora.
Finalmente, com Dilma fora do Planalto, será praticamente impossível manter a unidade das forças anti-petistas, que tendem a se lançar em uma guerra fratricida pelo Palácio do Planalto, que Michel Temer, do alto da cadeira presidencial, em caso do enfraquecimento de Lula, e de fragmentação da oposição, teria grande chance de vencer em 2018.
Mauro Santayana, é um jornalista autodidata brasileiro.
Há um terrorista em mim
7 de Dezembro de 2015, 9:20Por Frei Betto – do Rio de Janeiro:
É fácil criticar os terroristas do Estado Islâmico, que não respeitam nada nem ninguém. Difícil é derrotar o terrorista que me habita e se manifesta quando encontro quem não pensa como eu.
Como ousa defender outro partido?, indago, aos gritos, com raiva, deixando vazar o ódio que guardo no peito. Saio falando mal do partido e do amigo que tem a desfaçatez de ainda justificar políticos e políticas que só contribuíram para o atraso deste país.
Se eu pudesse me despir dessa pele de cordeiro que encobre o lobo que sou, calava o meu amigo, cortava-lhe a língua, libertava o seu cérebro dessa lavagem cerebral a que foi submetido. Será que todos não se dão conta de que eu tenho sempre razão? E depois reclamam quando detono as bombas que trago nas entranhas e, inflamado, vocifero contra os estúpidos que insistem em me convencer de suas opiniões insensatas.
O terrorista que me povoa usa armas ferinas: difama e calunia, sem dar ao outro o benefício da dúvida, e muito menos o direito de defesa. É um fanático religioso. Na fase ateia, defende a não existência de Deus, considera todos os crentes imbecis, alienados, dopados pelo ópio do povo, movidos pela ilusão de que há transcendência e vida após a morte. Na fase religiosa, não admite a convivência de todas as religiões. Há um só Deus, o dele! Um só Credo, o que ele professa! Todos que não creem como ele crê merecem a perseguição, a morte, o inferno, pois são todos infiéis, heréticos, idólatras!
O terrorista que há em mim fala em democracia para o público externo. No íntimo, advoga uma sociedade autoritária, na qual todos pensem e ajam como ele, numa demonstração inquestionável de que fora do pensamento único não há salvação.
Também fala de ética e proclama que é pecado roubar, mas embolsa o dinheiro dos fiéis, constrói mansões para o conforto de seu ego, tem horror de pobres, finge milagres para reforçar a aura divina de seu poder.
O terrorista que ocupa o meu coração é homofóbico, machista, racista, intolerante com aqueles que não se comportam segundo padrões moralistas de decência. É arrogante, prega certezas irrefutáveis. Mal-educado e grosseiro, não se levanta para dar lugar ao idoso e à mulher grávida. Desconfia da faxineira se um objeto sem valor desaparece da casa; irrita-se quando preso no engarrafamento ou se vê obrigado a enfrentar fila; usa a política para alcançar seus propósitos escusos.
O terrorista que comanda minhas emoções não é muçulmano, mas também pertence ao EI – Estado da Intolerância, que se impõe no almoço em família, no papo da roda de amigos, no local de trabalho. Ainda que dê ouvidos a um boçal para fingir educação, o que gostaria mesmo é calá-lo com um soco na cara e quebrar-lhe os dentes.
Esse terrorista que, em sociedade, me usa como disfarce, não grita Allahu Akbar (Deus é grande!). Grita: Eu sou o cara! Dobrem-se à minha opinião! E degola virtualmente todos que discordam. Estes são queimados vivos nas brasas aquecidas pelo ódio. Divulga na Internet tudo que possa ridicularizar os desafetos, adicionando mais lenha na fogueira da inquisição cibernética.
Esse terrorista fundamentalista jamais dirá ao outro “a tua fé te salvou”, como fez Jesus. Dirá “eu te salvei”. Isso se o outro comungar a fé que ele professa, ao contrário de Jesus que ousou, em supremo gesto de liberdade religiosa, dizer “a tua fé te salvou” ao centurião romano, que professava o paganismo, e à mulher cananeia, que pertencia a um povo politeísta.
Frei Betto, é escritor, autor de “Oito vias para ser feliz” (Planeta), entre outros livros.
Morte de jovens negros eleva sensação de injustiça no país
5 de Dezembro de 2015, 11:55Não pensei que veria o estado de direito, duramente conquistado, dando lugar a um estado de exceção e barbárie. Nas favelas e territórios de periferia, o encontro entre jovens negros e a polícia pode sempre ser fatal
Por Atila Roque/Ponte Jornalismo – do Rio de Janeiro
Não dá para saber se falta uma ou duas gotas, mas o caldo está prestes a entornar. A chapa está quente, a paciência se esgotou, a tristeza, a sensação de injustiça é muito grande. A dor e a raiva produzem ódio. E o ódio não mede esforços nem recua diante de nada. Nossa frágil democracia se encontra ameaçada pelo espírito mesquinho, egoísta e racista que ainda viceja em nossa sociedade, incapaz de reagir e se indignar diante da violência seletiva que acomete milhares de jovens Brasil afora.
Tenho experimentado um sentimento de vergonha por ser parte de uma geração que tendo apanhado da polícia nos estertores da ditadura não conseguiu deixar como legado para os nossos filhos um Estado que coloque a defesa da vida e dos direitos de todas as pessoas em primeiro lugar. Não pensei que veria o estado de direito, duramente conquistado, dando lugar a um estado de exceção e barbárie.
Uma parte significativa da sociedade brasileira, em particular as classes médias e altas, têm convivido como se não lhe dissesse respeito, com a violência de uma polícia covarde que espanca adolescentes que protestam contra fechamento de escolas, como presenciamos nos últimos dias em São Paulo; e mata outros nas periferias de nossas cidades pelo simples fato de serem jovens e negros. Precisamos encarar de frente que a violência e o racismo continuam a fazer parte do sistema de práticas e valores que sustentam as desigualdades e regulam as relações de poder na sociedade brasileira.
O mito do país pacífico e racialmente democrático faliu faz tempo, mas ainda não foi devidamente exposto e admitido pela sociedade. Não gostamos do que vemos quando nos olhamos no espelho. O sistema de justiça e segurança pública cumpre o papel de reguladores da ordem e são os principais operadores de um sistema que se esmera em garantir que cada um saiba qual é o seu lugar e que não ouse reivindicar o direito à mobilidade social e espacial não autorizada.
A tragédia que se abateu sobre Wesley, Wilton, Roberto, Carlos Eduardo e Cleiton, os jovens e adolescentes negros assassinados por policiais no Complexo da Pedreira, em Costa Barros, na zona norte do Rio de Janeiro, não foi um caso isolado. Nas favelas e territórios de periferia, o encontro entre jovens negros e a polícia pode sempre ser fatal. Estamos diante de uma rotina em que a polícia adentra as periferias e favelas com a disposição de matar. A quantidade de tiros no carro em os rapazes se encontravam não deixa dúvidas sobre a intenção dos policiais. Estes cinco jovens foram executados brutalmente em nosso nome, não tenhamos ilusões, com armas e farta munição de guerra (111 tiros) financiada pelos nossos impostos. O pretexto da guerra contra o tráfico se presta a que estados de exceção de direitos sejam, na prática, decretados nesses territórios sob o olhar complacente da mídia, das autoridades e boa parte da sociedade.
É duro dizer isso sabendo que o preço pago por muitos policiais também é alto. Em certa medida podemos dizer que os profissionais de segurança pública que tem, com muita frequência a mesma origem social desses jovens, morrem em uma escala muito alta, assassinados simplesmente por serem policiais. A grande maioria, no entanto, fora de serviço. O ciclo de violência e a engrenagem da guerra torna a vida do policial tão descartável quanto a dos jovens que morrem em suas mãos, uma realidade somente comparável a situações de guerra. Mas não estamos em guerra e mesmo a guerra tem regras.
Há poucos meses, a Anistia Internacional lançou o relatório “Você matou meu filho – Homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro”. A pesquisa indica que nos últimos cinco anos, os autos de resistência representaram em média 16% do total de homicídios cometidos na capital fluminense. Em 2012 os homicídios decorrentes de ações de policiais em serviço chegou a representar cerca de 20% do total de homicídios. Sob qualquer ponto de vista estamos diante de um escândalo ético e de um retrato dramática da falência sistêmica do sistema de segurança pública.
A mesma pesquisa apontou o perfil das vítimas dos homicídios decorrentes de intervenção policial no Rio de Janeiro: 99,5% homens, 79% negros e 75% jovens. A área de segurança pública (AISP) responsável pela maior quantidade de mortes foi justamente a do 41º Batalhão da Polícia Militar, o mesmo ao qual pertencem os policiais acusados de executarem com 111 tiros os cinco jovens que tiveram a ousadia de transitar pela cidade e ultrapassar os “muros” nem tão invisíveis que os condenava a não sair de seus territórios.
O Brasil vive um estado de emergência. Estamos a ponto de perder a oportunidade histórica de acolher a potência da juventude das favelas e das periferias para criar um país mais generoso e justo. Não é favor, mas direito. E vai ser reivindicado de uma maneira ou de outra. A expectativa e a aspiração à igualdade avançou e não será interrompida. Ou paramos e damos uma resposta agora ou será tarde demais. A panela não vai aguentar muito tempo essa rotina de brutalidade e humilhação.
A História, sempre ela, certamente um dia cobrará o silêncio cúmplice da sociedade diante desse verdadeiro extermínio. E, espero, os nossos netos ou bisnetos pedirão desculpas pela inacreditável apatia de seus avós e bisavós que conseguiam dormir enquanto lá fora ocorria um massacre.
Átila Roque é historiador e diretor executivo da Anistia Internacional.
Nova tentativa de golpe no Brasil não passará
4 de Dezembro de 2015, 13:42Como tudo na vida, sempre há um lado sombrio, mesmo em soluções brilhantes como a divisão do Estado em Três Poderes. É amparado pelas regras democráticas que se tenta, novamente, o golpe
Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
Existem coisas lindas na democracia, tais como “o devido processo legal”, “o poder do povo, para o povo”, o “sufrágio universal”, “todos iguais perante a Lei”. Mas, como tudo na vida, sempre há um lado sombrio, mesmo em soluções brilhantes como a divisão do Estado em Três Poderes. É amparado pelas regras democráticas que se tenta, novamente, o golpe. Nota-se, na atual crise institucional porque passa o Brasil, a clara tentativa de sequestro do Executivo por um grupo parlamentar, composto por bandidos ou similares, aliado ao fascismo, à ultradireita mais reacionária, com o único objetivo de perpetrar um novo golpe de Estado.
Em sã consciência, a sociedade brasileira não poderá se permitir o descaso ou a apatia diante do escárnio em que se tornou a cena política. Daí, a importância da presença de todos nas ruas, no próximo dia 7, para que o país se erga na defesa do mandato de Dilma Rousseff. Defender a permanência da presidenta é manter de pé a dignidade de cada cidadão contra a violência da escória que tenta o golpe contra o Palácio do Planalto.
Golpe de Estado
Ética é um valor inegociável, em qualquer sociedade dita civilizada e não serve como moeda de troca. Não. Não é possível negociar votos em um Conselho instituído com o único propósito de guardar a retidão do comportamento dos ilustres deputados. Não será quem admite tal barbaridade — como o fez, publicamente, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha — a pessoa mais indicada a permanecer como eventual substituto da Presidência da República. Não é plausível que permaneça, mais um dia sequer, no cargo que ocupa.
Cabe, hoje, aos brasileiros, deixar claro o lado para o qual penderá a balança da Justiça. E não será outro senão aquele determinado, nas urnas, pela vontade da maioria dos eleitores. Permitir a quebra do menor rito democrático que seja será um atentado contra toda a sociedade. E esta nova tentativa golpista não passará.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal diário Correio do Brasil.