O debate interditado sobre o país que o Brasil poderia ser
7 de Janeiro de 2016, 10:07
O país precisa desesperadamente estabelecer uma agenda de conversas entre os brasileiros sem ser pautado pela mistificação midiática
Por Saul Leblon – de São Paulo:
Em seu primeiro artigo em 2016, FHC conseguiu sepultar a América Latina em uma crise ‘terminal’, sem dedicar uma única linha à crise global.
O hiato da passagem de ano, quando a sociedade se recolhe e o Estado Midiático opera a meia fase, produz um ensaio de desintoxicação que desnuda a asfixia da norma.
A norma é o agendamento diuturno da sociedade por interesses unilaterais que se apresentam como os de toda a nação.
O objetivo da parte que se avoca em expressão do todo é claro: interditar a conversa urgente da população brasileira com ela mesma.
Trata-se e barrar adesões à insurgência contida na interrogação: como se faz o país que o Brasil poderia ser, mas ainda não é? O monólogo do enredo conservador impõem-se como o garrote vil do discernimento popular.
Desmoralizar partidos (não raro com a ajuda dos mesmos) é um dos seus ferrolhos.
Espetar o carimbo da ‘disfuncionalidade populista’ em tudo o que não for ‘mercado’, outro.
Dissociar os desafios nacionais do neoliberalismo global em pane, a engrenagem mestra do conjunto.
Nada disso se faz sem a mídia azeitada, sistematicamente abastecida de insumos condizentes.
Em seu primeiro artigo em 2016, publicado neste domingo, o tucano Fernando Henrique Cardoso, brindou-nos com proficiente radiografia do que classifica como colapso do bolivarianismo na América Latina.
‘Este populismo começa a se desfazer. São sinais promissores’, desancou alvejando regimes ‘anticapitalistas e anti-norteamericanos’.
‘A confusão entre populismo e políticas “de esquerda”, pontificou o paladino das privatizações, ‘baseia-se em um equívoco: o de que são “progressistas” medidas que propiciam melhoria imediata das condições de vida, mesmo sem condição de se manter no tempo’.
‘Sem o charme do populismo mais vigoroso e com o Tesouro vazio, como manter a “hegemonia” do PT? Impossível’, ejaculou, algo precocemente, para encerrar sua mensagem às tropas aliadas do golpismo e da vigarice:
‘Comecemos 2016 com ânimo, imaginando que pelo melhor meio disponível (renúncia, retomada da liderança presidencial em novas bases, ou, sendo inevitável, impeachment ou nulidade das eleições) encontraremos os caminhos da coesão nacional’.
O lince da sociologia da dependência conseguiu sepultar a AL em uma crise ‘terminal’, sem dedicar uma única linha causal ao entorno.
Ou seja, o mundo exaurido pela entropia dos livres mercados, aqui vendidos como alternativa ao ‘desastre petista’.
A singela omissão ao capitalismo realmente existente seria retificada pelos fatos no dia seguinte.
Na segunda-feira, um jornalismo useiro e vezeiro em vender a ideia de um Brasil-ilha-de crise (cercado-de-prosperidade-por-todos-os-lados), acordou sobressaltado com o estrondo na porta das redações.
Era o despencar de 7% da bolsa chinesa, associado a uma desvalorização recorde do yuan, mais um pico de baixa das encomendas à indústria norte-americana, que teve em dezembro a maior queda em seis anos, combinada à estagnação das exportações da maior economia da terra.
Peculiaridades locais à parte, o pano de fundo é a mais longa convalescença de uma crise capitalista desde 1929.
A impulsioná-la, uma demanda global estrangulada por empregos tíbios, classe média em decadência e ensaios de novas bolhas especulativas por todos os lados, fruto de um capital parasitário que se autovaloriza sem agregar riqueza à economia real.
‘Não me passou’, poderia dizer o tucano detentor da mais alta patente intelectual da direita brasileira.
Seu ego não o permite e nenhum colunista isento irá cobrá-lo.
Une-os o mesmo diagnóstico conveniente à elite e ao holerite.
Não debater a fundo a encruzilhada do desenvolvimento brasileiro reduz uma transição de ciclo econômico a um desastre petista, que a volta do PSDB cuidará de reverter.
O que isso significará na prática pode ser lido antecipadamente no noticiário que vem da Argentina.
Desmonte de políticas públicas. Reforço do monopólio midiático (lá afrontado). Instrumentalização da justiça. Desvalorização fulminante do poder de compra das famílias assalariadas. Liberação dos mercados. Revogação de impostos aos ricos e de subsídios que beneficiam os pobres. Estrangulamento fiscal do Estado e provável novo ciclo de alienação do patrimônio público.
Tudo isso faz do macrismo o laboratório de ponta da restauração neoliberal, que o martelete midiático preconiza como panaceia para o Brasil.
O noticiário morno da passagem do ano ressaltou, por contraste, o ensurdecedor tropel dessa catequese cotidiana.
Se quiser escapar à armadilha do arrocho, o país precisa desesperadamente abrir canais alternativos para estabelecer uma conversa ecumênica, direta, democrática sobre o passo seguinte do seu desenvolvimento.
Não se recuse aqui a necessidade de uma reordenação estrutural para que o país possa retomar sua construção. Ela terá custos; envolve garantias e concessões, evoca o alongamento de ganhos no tempo, exige grandes pactos feitos de salvaguardas e metas para emprego, salários, juros, inflação, tarifas e resultados fiscais.
Trata-se de uma negociação da democracia com o mercado e o Estado.
Não é um jogo em que o vencedor leva tudo, mas uma repactuação mediada pela correlação de forças na sociedade.
O sacrossanto ‘ajuste’ apregoado pela mídia, ao contrário, equivale à paz salazarista dos cemitérios.
O povo ocupa o posto de defunto e o dinheiro grosso, o de coveiro.
Desenvolvimento é tudo menos a paz mórbida suspirada pela bonança do privilégio.
Desenvolvimento consiste em superar estruturas existentes e criar outras novas.
Em sociedades marcadas pela contraposição de interesses de classe, imaginar que isso ocorrerá em perfeito equilíbrio é como vender o elixir dos mercados racionais.
Curto e grosso: o que hoje se chama de ajuste, como se fora uma panaceia das boas técnicas do ramo, nada mais representa do que a restauração plena do neoliberalismo em diferentes nações da América Latina.
O governo Dilma já viveu esse experimento em seu primeiro ano de mandato.
A miragem se desfez, como é sabido, na forma de mais crise e mais impasses.
A meta-síntese do processo, o superávit fiscal de 1,2% do PIB, foi revogada pela impossibilidade física de se compatibilizar recessão com a arrecadação.
Hoje, os milicianos do Estado Midiático, entre eles, moças e rapazes assertivos na defesa do mercado financeiro, declaram-se ‘surpresos’ com o tamanho do buraco escavado pelos cortes de gastos recessivos e juros siderais.
Distraídos, tampouco haviam percebido o tamanho da contração internacional que há oito anos comprime as fronteiras da economia global e já derrubou as cotações de commodities ao menor nível em 16 anos.
É nesse lusco-fusco surpreendente para quem ainda acha que o Brasil é uma ilha de crise em um planeta cercado de prosperidade, que o alvorecer de 2016 oferece uma nova chance de o governo abrir um calendário de conversas substantivas com as forças da sociedade.
Assunto: as linhas de passagem para o país atravessar o pântano mundial sem abdicar de construir uma democracia social tardia no coração da América Latina.
Diante das circunstâncias e do adiantado da hora só há uma forma de fazê-lo.
A presidenta Dilma precisa falar regularmente à sociedade; em cadeia nacional e em fóruns tripartites setoriais.
Se quiser pautar a mídia sem se deixar pautar por ela, o governo deve reconhecer na democracia o único contraponto à ditadura do mercado e acioná-la como fator hegemônico na reordenação do curso do desenvolvimento.
FHC, Serra e outros valem-se da névoa espessa criada pelo próprio noticiário para insistir em políticas e agendas condenadas, mas ainda não substituídas no plano mundial –o que dificulta a sua ruptura definitiva no país e, mais grave, no próprio campo progressista.
A expectativa de que o vendaval pudesse amainar depressa ancorava-se, como se viu, na subestimação da dominância financeira intrínseca à natureza do problema, que agregou desafios adicionais às políticas contracíclicas.
Desfeita a miragem de uma turbulência passageira verifica-se que os avanços de agora em diante serão mais difíceis.
Após vitórias significativas contra a pobreza, ir além, em tempos de vacas magras, no pasto ralo das commodities, implica afrontar a desigualdade nos seus alicerces estruturais. Ou seja, ali onde se sedimenta o estoque da riqueza, na esfera fundiária, urbana, patrimonial, tributária ou financeira.
Fábulas amenas de retorno a um mundo de desconcentração financeira amigável e produtiva, sob o comando dos mercados, custam caro.
No final, não entregam o prometido.
É esse purgatório em dimensões compactas que o Brasil está a experimentar.
Recidivas da crise mundial, como as desta 2ª feira de bolsas em transe, evidenciam a urgência de um poder de coordenação, capaz de colocar as coisas no papel de coisas; e devolver à sociedade o comando do seu destino.
Todo o desafio brasileiro hoje gira em torno desse nó górdio.
A mídia tanto insiste que às vezes até setores do governo e do PT parecem acreditar na mística dos mercados racionais, que farão as melhores escolhas para o bem da sociedade.
O país precisa desesperadamente estabelecer uma agenda de conversas entre os brasileiros sem ser pautado pela mistificação midiática.
Só há uma pessoa capaz de puxar essa conversa porque foi legitimada na urna para fazê-lo: a Presidenta da República.
Companheira Dilma Rousseff, o bonde da história está passando a sua frente, pela segunda vez.
Tenha certeza, não haverá uma terceira.
Saul Leblon, é jornalista e editor-chefe da Carta Maior.
Governo deve tratar mídia como partido de oposição
6 de Janeiro de 2016, 9:59
A formação da opinião pública é um componente essencial da democracia, porque nela deveriam expressar-se a diversidade de pontos de vista
Por Emir Sader – de São Paulo:
A mais significativa e a mais grave afirmação feita pelos órgãos da mídia brasileira nos últimos tempos foi de autoria de Judith Brito, executiva da empresa Folha de S. Paulo, em 2010, quando ela era presidente da Associação Nacional de Jornais:
“Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos. Por isso estamos fazendo.”
A declaração é extremamente grave para a democracia brasileira, afetando tanto o papel dos partidos, quanto da mídia e, especialmente, o processo de formação da opinião pública. Ela não foi tomada a sério em todas as suas consequências, como se se tratasse de uma confissão de sinceridade de uma executiva, sem refletir processos profundos, que pervertem a democracia brasileira.
É verdade que há uma crise generalizada de representação dos partidos, processo para o qual a própria mídia colabora cotidianamente, ao desqualificar a política, os políticos, os governos e os próprios partidos e, promover, de forma implícita ou explícita, os mercados. Uma crise que é generalizada praticamente em todos os países, porque as formas de fazer política se esgotaram, dado o caráter extremamente formal das formas de representação mas, sobretudo, pela perversão que o poder do dinheiro introduz cotidianamente na política, nas eleições, nos próprios governos.
Mas a mesma mídia que promove diariamente o desprestígio da política se vale disso para – como declarou a própria executiva da Folha – substituir os partidos. Com isso, produz um duplo efeito negativo para a democracia: enfraquece as formas tradicionais de representação, fundadas no voto popular, e deforma profundamente o papel da mídia, ao fazer com que ela assuma o papel de partido de oposição.
A formação da opinião pública é um componente essencial da democracia, porque nela deveriam expressar-se a diversidade de pontos de vista, de reivindicações e de interesses existentes na sociedade. Quando a mídia, que tem um papel central nesse processo, se alinha, de forma confessa, como partido e partido de oposição, renuncia completamente a desempenhar esse papel.
No Brasil, desde 2003, esse papel da mídia é evidente. Em primeiro lugar, pela sua escandalosa parcialidade na informação. Há uma censura evidente, que seleciona, deformando conscientemente as informações contrárias ao governo – como se constata no Manchetômetro -, como deixando de difundir, ou fazendo-o de maneira deformada, toda informação favorável ao governo. Em segundo lugar, atuando efetivamente como partido, ao desenvolver campanhas sistemáticas, sempre contra o governo, de pessimismo econômico e de denuncismo.
Os jornais e revistas não se limitam a emitir suas opiniões nos seus editoriais, entregando informação de maneira mais ou menos objetiva e abrigando nas colunas de opinião diversidade de pontos de vista. Tudo é editorializado, é deformado pelo ponto de vista partidário dos donos das publicações.
A executiva da Folha tem razão: dada a fraqueza dos partidos de oposição, a mídia tem desempenhado o papel de partido de oposição. Portanto, já não são formadores democráticos de opinião, são partidos políticos e têm que ser considerados assim. (Lembremo-nos que Obama caracterizou a Fox como um partido político de oposição e passou a tratá-lo dessa maneira.) Se há essa confissão da então presidente da ANL, basta isso como prova: devemos considerá-los formalmente como partido de oposição e o governo também deve fazê-lo, para todos os efeitos.
Fica fazendo falta então partidos representativos e mídia democrática. O fim dos financiamentos empresariais pode ajudar aos partidos, mas sua desmoralização requer lideranças de forte legitimidade popular para recuperar formas democráticas de representação política. E a democratização da formação da opinião pública requer que se termine com essas formas pervertidas de mídia-partido opositor, que fazem mal para a política, para a mídia e para a democracia.
Emir Sader, é colunista do 247, sociólogos e cientista político
Salário mínimo e luta de classes
5 de Janeiro de 2016, 10:08
Pois a divulgação do novo valor do salário mínimo pela Presidenta Dilma acrescenta um novo ingrediente ao debate
Por Paulo Kliass – de Paris:
Ao longo dos últimos anos, alguns substantivos e adjetivos acabaram ficando meio esquecidos, deixados de lado até mesmo pela maioria dos analistas políticos progressistas. Determinadas expressões de análise da dinâmica social, então, nem pensar mais em utilizá-las.
Pecado para uns, sintoma de abordagem jurássica pra outros, o fato é que chamar as coisas e os fenômenos pelos nomes adequados passou a ser um incômodo. Mencionar categorias como capitalismo, exploração da força de trabalho ou mais-valia ficou, digamos assim, “démodé”.
Desde que Francis Fukuyama decidiu solenemente que estava decretado o Fim da História, em razão da suposta inevitabilidade histórica da supremacia do liberalismo após a queda do Muro de Berlim e o fim da experiência dos países socialistas, a questão das contradições do capitalismo deixaram de ser levadas a sério. E dentre elas, a oposição fundamental entre os interesses dos trabalhadores e os dos capitalistas. Sim, trata-se daquela contribuição essencial de Marx e Engels para o estudo e a crítica da realidade social e econômica ao longo da História: a famosa luta de classes.
O Decreto apenas regulamenta o previsto na Lei.
Pois a divulgação do novo valor do salário mínimo pela Presidenta Dilma acrescenta um novo ingrediente ao debate. O decreto que fixa em R$ 880 a menor remuneração recebida em nosso país apenas traduz em norma governamental o que está definido na lei n° 13.152, de 29 de julho de 2015, que prevê as regras para reajuste do salário mínimo para o quadriênio 2016-2019. O aumento de 11% é ligeiramente superior à inflação medida pelo INPC em 2015 somado ao pífio crescimento real do PIB em 2014. Então, qual é o grande problema?
O fato é que esse tema reacende os ânimos no Brasil das desigualdades. As gritarias e os esperneios vão desde os que não se conformam com uma política pública definindo regras mínimas de remuneração da força de trabalho até os argumentos mais sofisticados, que invocam as fragilidade das contas públicas para condenar qualquer tipo de vinculação dos gastos governamentais com o salário mínimo. Sejamos claros: quem se coloca contra o reajuste do salário mínimo e a vinculação de despesas sociais a tal valor, na verdade quer a redução do poder de compra da maioria absoluta dos cidadãos brasileiros. Simples assim!
Essa lengalenga é antiga. Desde a época em que o reajuste combinava com a comemoração do dia internacional de luta dos trabalhadores em primeiro de maio até o período mais recente, em que o aumento passou a valer desde o primeiro dia do ano civil. Quando Lula resolveu definir uma regra legal e institucional para esse procedimento, os catastrofistas já se colocaram em ação. Reajuste real do salário mínimo, é óbvio, iria provocar desemprego e aumento do tão falado custo Brasil. As empresas iriam quebrar e as contas da previdência social iriam explodir.
O salário mínimo subiu e o Brasil não quebrou.
Pois o que se viu foi um profundo desmentido da própria realidade sobre as teorias neoliberais e os modelitos do financismo, que sempre se colocaram de um lado muito bem definido na luta de classes. Os salários cresceram acima da inflação, a redução da desigualdade avançou e a crise que vivemos atualmente não tem absolutamente nada a ver com a (ainda baixa) remuneração do trabalhador. Quando a voz solitária do deputado federal, e depois senador, Paulo Paim (PT-RS) propunha fixar o salário mínimo em 100 dólares, todos achavam uma utopia ou uma tremenda irresponsabilidade. Pois ele chegou a valer quase US$ 400 (na época mais brava da valorização artificial da taxa de câmbio) e o Brasil tampouco quebrou por isso. Enquanto escrevo este artigo, o novo menor salário do nosso trabalhador passa a equivaler a US$ 220.
O argumento mais típico do pensamento “casa-grande-e-senzala” não aceita que o grau de desigualdade socioeconômica, que tão bem caracteriza nossas relações brasileiras, seja assim resolvido por conta de ganhos reais de salários. Afinal, os serviços domésticos e pessoais, dos quais nossas elites e parcela da classe média sempre estiveram habituadas a usufruir, ficaram mais caros. Os aeroportos e centros comerciais passaram a ser frequentados por gente que não está à altura desse tipo de frequência. As camadas mais próximas da base da pirâmide se apresentaram nos lugares com seus próprios veículos de passeio. As roupas e os acessórios de grife, pirateadas ou não, passaram a ser de uso generalizado na sociedade. Ora, como é que pode tanta audácia?
A retórica ganha um ponto de maior sofisticação quando se trata de discutir os ganhos reais do salário mínimo com base em seus efeitos macroeconômicos. Nesse caso, um dos focos do debate se orienta para a impossibilidade da economia brasileira suportar esse tipo de reajuste, em razão dos impactos sobre o tão falado “custo Brasil”. Uma forma de organização da produção, do comércio e dos serviços como a nossa, não teria condições de incorporar esse tipo de aumento, uma vez que os ganhos de produtividade não foram alcançados em igual período. A última década e meia se encarregou de demonstrar o oposto.
A mentira do rombo nas contas públicas.
O outro aspecto macro relaciona-se às finanças públicas. Nesse caso, a luta de classes ganha a escaramuça do desequilíbrio fiscal e invoca a premência do ajuste das contas governamentais. Afinal, a responsabilidade do déficit do Tesouro Nacional deve mesmo ser atribuída à fortuna mensal recebida por mais de 33 milhões de beneficiários da previdência social. Sim, pois 69% deles recebem até 1 salário mínimo por mês, enquanto sobe para 84% a parcela dos que ganham 2 salários mensais. Eles devem estar quebrando o Estado brasileiro!
Assim, o total de despesas realizadas pelo INSS ao longo de 12 meses equivale a R$ 434 bilhões, valor bastante inferior ao total de pagamento de juros da dívida pública federal – R$ 511 bi. O déficit previdenciário refere-se apenas ao subsistema dos trabalhadores rurais, uma vez que o subsistema dos trabalhadores urbanos ainda é superavitário. E ainda assim vale registrar o argumento de que as necessidades de financiamento dos agricultores não estão associadas a nenhum “desequilíbrio estrutural” do regime previdenciário. Na verdade, trata-se de uma decisão histórica da Assembléia Constituinte de 1988, que resolveu incorporar de forma cidadã esse vasto setor de nossa sociedade, ao qual era proibido o acesso ao sistema de previdência social até então.
E aqui a luta de classes escamoteia dos meios de comunicação informações relevantes. Por exemplo, 99% dos benefícios rurais são iguais a um salário mínimo. Além disso, a regressividade de nosso sistema tributário faz com que as faixas de menor renda sejam mais afetadas pelos impostos do que as do topo da pirâmide. Assim, mais de 50% da renda mensal das famílias que recebem até 2 salários mínimos voltam aos cofres públicos, sob a forma de tributação direta e indireta.
Já os que se demonstram profundamente indignados com a política de valorização real do salário mínimo contribuem com menos de 30% de sua renda para os tesouros federal, estadual e municipal. Assim, o desequilíbrio estrutural fiscal mais gritante encontra-se na conta de pagamento de juros da dívida pública. Ela apresenta um déficit anual de R$ 511 bi e recolhe pouco de R$ 150 bi sob a forma de tributos sobre essa massa de recursos públicos distribuídos às camadas mais ricas da sociedade. Já os beneficiários da previdência social apresentam um déficit de R$ 80 bi, dos quais R$ 40 bi retornarão ao caixa governamental sob a forma de impostos.
O Globo sugere triplicar o salário mínimo.
Mas o capitalismo funciona assim mesmo desde os seus primórdios: uma dinâmica permanente de luta de classes. Por intermédio de suas entidades, como o DIEESE, os trabalhadores buscam demonstrar que ainda há muito espaço para avançar na melhoria das conquistas salarias (e outras) dos trabalhadores. Já as classes dominantes se expressam por meio de órgãos de imprensa, como o conglomerado dominado pela “famiglia” Marinho, cujo editorial em 31 de dezembro passado tratou do tema. O texto alertava para os riscos de rombo nas contas públicas e qualificava a política de valorização do salário mínimo de “visão econômica tosca”. Ao lançar mão da ironia grossa, suspeita de sua eficácia como instrumento para retomar o crescimento econômico.
E o distraído escriba d’O Globo encerra sua peça com uma pergunta que deveria, na verdade, ser encarada como meta pelos governos ao longo dos próximos anos: “se é assim, por que não triplicar logo o salário mínimo?”. Eis, afinal, uma bela idéia apresentada pelo jornalão.
À luta, companheiros!
Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Renascer em 2016
4 de Janeiro de 2016, 14:17
Bem sei que teremos ano novo de rinhas eleitorais, disputas políticas, juras de campanhas
Por Frei Betto – do Rio de Janeiro:
Chego ao início do ano e constato que, entre mortos e feridos, cascatas de pedras a atulhar esperanças, frente à enxurrada de mazelas, estou vivo. Estar vivo é milagre constante. Por muito pouco a vida se esvai: um coágulo de sangue no cérebro, um tropeção, o vírus, o tiro, o acidente de trânsito, um acaso.
A cada manhã se repete o renascer. Agora sei por que o bebê faz manha à hora em que o sono começa a vencer-lhe a resistência. Teme a morte, a segregação do aconchego, o retorno às cavernas uterinas. O sono apaga-lhe os sentidos, a consciência, o (con)tato com mãos e olhares afetuosos.
Crescer é dormir sem medo. Confiante de que se vai acordar no dia seguinte. Agora, sei que acordei em 2016. Espero que não apenas do sono pós-Réveillon. Também dessa letargia que me acossa, desse propósito de inconsistência que me assalta, dessa lúgubre angústia de viajeiro que, além de perder o mapa, perdeu-se no mapa.
Adeus, 2015. No ano que findou, por vezes me julguei um idiota dostoievskiano, entre crime e castigo, porém como se tudo dependesse da destreza semântica do jogador.
Contudo, não sucumbi. Feito bambu, envergo mas não quebro. De minhas ranhuras brota delicado som de flauta. Sei que a vida é uma aposta. Todas as minhas fichas estão colocadas no tabuleiro dos deserdados. Jogo ao lado dos perdedores. É apenas isto que me interessa: ao faminto, o pão e a paz. De que valem todos os poderes do mundo se não enchem um prato de comida? Não sou empalhador de pássaros. Quero-os vivos, livres, o voo arisco enrugando ventos. Quero-os saltitantes entre as flores que cultivo em meu canteiro íntimo. Quero-os gorjeando melodias todas as manhãs.
Bem sei que teremos ano novo de rinhas eleitorais, disputas políticas, juras de campanhas. Prefiro assim à ordem canhestra das ditaduras e ao genocídio da guerra que supõe impor democracia por força das armas. Só não sei quando o meu povo se erguerá da desolação, os jovens deixarão de ser meros espectadores, de novo ruas e praças serão ocupadas, desalojando a política de seus palácios e de seus redutos parlamentares e tornando-a, de fato, esse exercício coletivo de imprimir futuro ao futuro, por mais que a expressão pareça apenas uma redundância.
Chega de golpes! Quero a vida despontando na cidadania inelutável. Tenhamos todos acesso à vida, distribuída à farta como pão quente pela manhã, sem jamais temer as intermitências da morte.
Frei Betto é autor do romance policial ‘Hotel Brasil’ (Rocco)
A polêmica em torno do artigo que Dilma escreveu para a Folha
2 de Janeiro de 2016, 17:42Os que defendem o artigo de Dilma na Folha usam também, essencialmente, o mesmo modelo mental obsoleto. Eles dizem que é uma maneira de Dilma se comunicar com analfabetos políticos
Por Paulo Nogueira – de Londres
A primeira treta de 2016 já está no ar. No centro está um artigo que Dilma escreveu para a Folha a propósito do Ano Novo. A questão é: Dilma apanhou tanto da Folha, e é assim que ela responde?
Para mim, trata-se de um modelo mental obsoleto. Dilma enxerga a mídia ao velho modo – jornais e revistas impressos, rádios e televisão.
A internet, nesta ótica, é uma coisa exótica e para poucos.
Os que defendem o artigo na Folha usam também, essencialmente, o mesmo modelo mental obsoleto.
Eles dizem que é uma maneira de Dilma se comunicar com analfabetos políticos, ou reacionários, ou, como muitos definem, “coxinhas”.
Não é um bom argumento.
Quantas pessoas leem a Folha? Destas, quantos lerão Dilma? E quantos se deixarão convencer por qualquer coisa que venha dela? Faça um exercício: leia os comentários no site sobre o texto. Do ponto de vista da simbologia, além de tudo, a mensagem não poderia ser pior: fraqueza e pusilanimidade diante do inimigo.
Dilma não se ajuda com o artigo na Folha. Ajuda, com certeza, a Folha, em seu marketing cínico de pluralidade.
É por esta mesma lógica que os dois governos do PT veem enfiando bilhões de reais, ano após ano, em empresas jornalísticas dedicadas a destruí-los
Não é fácil para ninguém se libertar de velhos modelos mentais.
No PT, um raro exemplo de libertação veio de Lula. Em 2015, Lula passou a tratar a mídia como ela o trata. Ou quase, uma vez que Lula não é inescrupuloso como os donos das corporações jornalísticas.
Mas ele disse um claro basta depois de apanhar calado durante tanto tempo.
Deixou de dar entrevistas, por exemplo, aos jornais. A internet permite a ele dizer o que quer do modo que quer. Em seu Instituto Lula ele coloca suas opiniões com frequência.
Elas acabam repercutindo na mídia tradicional, nas redes sociais e nos sites progressistas.
Lula encontrou seu jeito, na Era Digital, de se comunicar. Descobriu que não tem que se ajoelhar e pedir espaço para jornais e revistas que o abominam.
Lula deu também entrevistas coletivas não a jornalistas da Folha, Globo, Veja – mas a blogueiros.
É um bom hábito que ele deveria manter em 2016.
Igualmente neste caso, a mídia tradicional acabou cobrindo, indiretamente, Lula.
Em sua reinvenção no trato da mídia, Lula deu outro grande passo. Deixou de ser passivo diante de calúnias e acusações sem fundamento. Passou a dar seu lado prontamente via instituto e, em muitos casos, acionou a Justiça.
Hoje, quem quiser acusar Lula das costumeiras barbaridades vai pensar duas vezes, ou três. Ainda que a Justiça seja de um modo geral favorável à mídia e desfavorável a Lula, ser processado dá trabalho e custa dinheiro.
Em situações normais, a relação entre figuras públicas e a imprensa segue outro caminho, mais cordial. Mas estamos brutalmente distantes de uma situação normal.
Lula se deu conta disso.
Paulo Nogueira é jornalista, fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Desafios de mais um ano para a imprensa independente
31 de Dezembro de 2015, 14:38Por uma atitude insensata, a presidenta Dilma Rousseff deteriorou — ainda mais — as condições econômicas do país ao convidar, logo após o resultado das urnas, um dos mais virulentos agentes do sistema financeiro global
Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
O ano de 2015, que parecia uma eternidade, enfim, termina. Com ele, seguem para a História os piores momentos já vividos pela mídia independente, no Brasil. Pressionados pelas exigências de mercado, que preveem condições animalescas para o desempenho na audiência e no alcance das edições, tanto online quanto impressas, os veículos de comunicação que sobrevivem longe do halo produzido pelas seis famílias que dominam e cartelizam a imprensa, no país, precisam ser heróis para permanecer vivos.
O preço que a independência cobra é alto. Ao completar, neste 1º de Janeiro, o seu 16º Ano, o Correio do Brasil paga, mais uma vez, para se distanciar dos níveis de influência que o capital exerce sobre a Opinião Pública brasileira. Sempre que um cidadão, uma cidadã, liga um aparelho de TV, de rádio, ou passa em frente a uma banca de jornal e revistas, ocorre o contato direto com vetores do conservadorismo e da subserviência às regras de um sistema que, dia após dia, mostra-se ineficiente e incapaz de gerir as necessidades mais básicas da vida.
Por uma atitude insensata, a presidenta Dilma Rousseff deteriorou — ainda mais — as condições econômicas do país ao convidar, logo após o resultado das urnas, um dos mais virulentos agentes do sistema financeiro global, pronto a desfechar uma estocada, sem piedade, nos empregos, na renda, na vida dos trabalhadores. Os mesmos que a elegeram e reelegeram para mais quatro anos. A defesa do desemprego, da alta nos juros e da recessão foi uma receita que falhou e, alertado pelas ruas, agora no fim do ano, o Planalto retrocedeu e optou pela mudança no Ministério da Fazenda. Meno male.
Imprensa de resistência
A mesma orientação que falhou na vida real, porém, permanece válida para o segmento da comunicação institucional do governo, que segue radiante no caminho da derrocada final, em 2018, diante das forças da ultradireita, como ocorreu na vizinha Argentina. Dilma não parou de alimentar, um minuto sequer, os cães da matilha que a acossa desde os primeiros minutos no cargo, há seis anos. Malandros, os donos da mídia conservadora defendem, de plano, a democracia e o ‘devido processo legal’ para o impedimento da presidenta da República. Mas, sob a mesa, deixam trafegar as ameaças de golpe e saem em defesa de quaisquer grupelhos fascistas que preguem a volta da ditadura militar. A defesa do golpismo fica ao encargo das penas de aluguel.
A resistência à tentativa de abreviar a democracia brasileira, porém, é deixada à mesma mídia independente que os Três Poderes fazem questão de reprimir, seja pela míngua no campo da publicidade legal, seja na dificuldade para se chegar às fontes de informação, ou na absoluta desfaçatez quanto ao desrespeito cometido, em ambos os casos. Enquanto o Palácio do Planalto brinda as mesmas emissoras de rádio e TV, os jornais e as revistas comprometidas com o golpe de Estado em curso, na régia distribuição de recursos publicitários, em plena crise econômica, penaliza os meios de comunicação que integram a Cadeia da Legalidade formada, a exemplo do que fez o bravo governador gaúcho Leonel Brizola no século passado, uma vez mais, a pedido do ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT).
É legítimo afirmar que, a permanecer a mesma correlação de forças entre a mídia conservadora e a imprensa independente, no ano que se inicia, a presidenta Dilma precisará dizer, com clareza, a que veio no seu segundo mandato. O impedimento não ocorrerá, se depender da resistência formada nos meios progressistas de comunicação e nos movimentos sociais, mas a distância tende a aumentar, em muito, caso permaneça a atual política de apoio do Planalto ao cartel que domina a planície da Comunicação Social, hoje, neste país.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do diário Correio do Brasil.
Que diálogo é esse
31 de Dezembro de 2015, 9:03
E é justamente essa implantação que precisa ser debatida nas Escolas, nas Faculdades de Educação
Por Frei Marcos Sassatelli – de São Paulo:
A Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás diz que está sempre aberta ao diálogo, mas deixa claro que a decisão de implantar as Organizações Sociais (OSs) na administração das Escolas Públicas já foi tomada e é irreversível. Que diálogo é esse? Como dialogar sobre um assunto já resolvido? A Secretaria não está blefando dos estudantes secundaristas? Não está desrespeitando esses mesmos estudantes, subestimando sua inteligência?
O motivo do protesto com a ocupação das Escolas – que a própria Justiça considerou legítimo – é a implantação das OSs na administração das Escolas Estaduais. E é justamente essa implantação que precisa ser debatida nas Escolas, nas Faculdades de Educação, nas Universidades e nas Audiências Públicas com os estudantes secundaristas, com os universitários/as, com os educadores/as, com os Movimentos Populares e com a sociedade civil organizada.
Se a Secretaria não quer dialogar sobre o assunto, por que não diz logo que a decisão de implantar as OSs na administração das Escolas Estaduais foi tomada de cima para baixo (sem consular ninguém: estudantes, educadores/as e a sociedade em geral), de forma autoritária e ditatorial? Os ditadores (de ontem ou de hoje) não dialogam, fingem dialogar. Essa que é a verdade!
O Governo diz que, com a implantação das OSs na administração das Escolas, “o maior diferencial seria dar igualdade e oportunidade para os filhos dos pobres, para que eles tenham acesso a ensino público de qualidade e para que a qualificação resulte em acesso a boas Universidades e, posteriormente, ao mercado de trabalho” (Diário da Manhã, 26 de dezembro de 2015, p. 10). É muita desfaçatez!
Para desqualificá-lo, o Governo afirma que o debate sobre as OSs é “político-ideológico”. Ora, ser “político-ideológico” não é algo de negativo. Por ser o ser humano um ser histórico, situado e datado, todo debate (e também todo projeto) é “político-ideológico” (inclusive o do Governo). O problema não está em ser “político-ideológico”, mas em ser “político-ideológico” contra os interesses do povo e a favor dos interesses do sistema dominante, que – como diz o Papa Francisco citando as palavras dos Movimentos Populares – “não se aguenta mais e precisa ser mudado”.
Como exemplo ilustrativo – tomado de uma área social que não é a da educação – cito o apoio irrestrito que o Governo de Goiás dá ao agronegócio. Com isso, ele mostra claramente quais são os interesses que o Governo defende e de que lado ele está. O agronegócio busca o lucro a qualquer custo e com qualquer meio, defende o latifúndio, expulsa os trabalhadores do campo, impede a reforma agrária popular, combate a agricultura familiar agroecológica e envenena a nossa casa comum, que é a Mãe Terra.
Os estudantes do Movimento “Secundaristas em Luta”, com sua inteligência e intuição de jovens, definem muito bem as OSs. Segundo eles (e eu concordo) as OSs são “máquinas de lucro mascarado com o apoio do Governo”.(Ib., p. 5).
Quando a Secretaria diz que está sempre aberta ao diálogo, mas que a decisão de implantar as OSs na administração das Escolas Estaduais já foi tomada e é irreversível – além de desrespeitar os estudantes – ela desrespeita também muitas Entidades: Universidades, Faculdades de Educação, Sindicatos de Trabalhadores/as da Educação, Movimentos Populares, Associações de Estudantes e outras.
Diante de tantas Notas de solidariedade e apoio ao Movimento “Secundaristas em Luta” (é uma mobilização nacional e internacional), a Secretaria deveria ter o bom senso e a abertura mental suficiente para reconsiderar a decisão tomada e debater com a sociedade civil organizada a proposta da implantação das OSs na administração das Escolas Públicas. Infelizmente, quem age de maneira autoritária e ditatorial não costuma fazer isso. Para conseguir reverter a situação, é preciso muita resistência e muita pressão.
Enfim (por incrível que pareça), os estudantes, protestando em defesa de uma educação pública de qualidade para todos e para todas, estão também colaborando com o Governo para que – com a implantação das OSs na administração das Escolas – não assine o seu próprio atestado de incompetência administrativa e de descaso com o dinheiro público.
O Governo, para tentar justificar sua incompetência administrativa, alega que está amarrado às regras da licitação para as compras e do concurso público para a contratação dos trabalhadores/as da educação. A licitação e o concurso público não são medidas que servem para evitar o mau uso do dinheiro público e para que haja lisura na seleção dos trabalhadores/as da educação? Infelizmente, é mais uma desculpa esfarrapada!
Jovens, heróis da educação pública, continuem unidos e resistindo com garra. Vocês já são vitoriosos, mas o serão muito mais ainda. Todos e todas que lutamos por uma educação pública de qualidade estamos ao lado de vocês! O testemunho de vocês nos edifica e fortalece a nossa esperança! Parabéns! Feliz Ano Novo!
Fr Marcos Sassatelli, Frade dominicano, é Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP),Professor aposentado de Filosofia da UFGE-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Só o diálogo salvará o Brasil
30 de Dezembro de 2015, 13:28
No presidencialismo não existe impeachment por impopularidade ou por desconfiança, como ocorre no parlamentarismo
Por Flávio Dino – de São Paulo:
Várias crises se combinam no Brasil neste momento. Temos uma grave crise política que paralisou o país em 2015, uma crise econômica que ameaça os empregos e a renda das famílias brasileiras, e uma outra maior que essas duas: uma crise sistêmica na política brasileira. Caso esta última não seja resolvida, permaneceremos reféns das outras duas.
Recentemente, lançamos o movimento Golpe Nunca Mais, contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em evento realizado no Maranhão. Por meio dele, defendemos a Constituição e a legalidade democrática.
No presidencialismo não existe impeachment por impopularidade ou por desconfiança, como ocorre no parlamentarismo. O impeachment é uma gravíssima sanção para a prática de crime de responsabilidade elencado na Constituição.
Justamente por isso, o impedimento não pode ser uma decisão puramente política. Deve obedecer a um rigoroso procedimento, como o STF demonstrou no julgamento da ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) proposta pelo meu partido, o PC do B.
A decisão do Supremo e a ampla rede de legalidade que se formou no país fecham o caminho para atalhos baseados somente em vontades pessoais e não no direito. O Supremo reafirmou a essência da opção constitucional: governo das leis e não governo dos homens.
O que fazer agora? Lembro Celso Furtado, que proclamava a necessidade de recuperar o gosto pela imaginação no exercício de funções públicas. Assim, penso que a questão central nos próximos meses é deslindar a crise sistêmica da política brasileira, tão evidenciada pela Operação Lava Jato.
Não é justo que o país pague o preço por um clima de “terceiro turno” eleitoral que vivemos há um ano. Precisamos de diálogo, que somente será eficaz se tiver a participação dos dois principais partidos políticos brasileiros, o PT e o PSDB.
Digo isso com tranquilidade porque, na prática, acredito no diálogo. Tenho um vice-governador do PSDB e foi justamente convivendo com as diferenças que derrotamos a oligarquia política mais longeva do país, que ficou 50 anos no poder no Maranhão.
Temos hoje um governo com ampla aprovação popular, superior a 60%, em que secretários de Estado filiados ao PT, ao PSDB e a outros partidos convivem e trabalham juntos.
O Brasil não precisa trocar de governo agora. Podemos fazer isso a cada quatro anos. O Brasil precisa de reformas que eliminem os mecanismos que levam aos escândalos de corrupção.
Mais importante ainda, o Brasil precisa de um pacto para enfrentar a crise econômica que penaliza as famílias. Certamente não haverá consenso em grande parte dos temas, mas que pelo menos haja acordos de procedimentos que permitam decisões, em lugar desse clima de vale-tudo.
Temos itens emergenciais, como o enfrentamento dos casos de microcefalia. Precisamos encontrar caminhos para superar o subfinanciamento da saúde pública nas três esferas de governo. Também são urgentes as articulações interinstitucionais contra a violência.
No terreno econômico, precisamos fortalecer a Petrobras, empresa essencial para que consigamos sair da crise, além de proteger a engenharia nacional, patrimônio de décadas que não pode ser destruído. Percorrendo uma agenda substantiva, vamos deixar para trás esse injustificável pessimismo quanto ao futuro da nossa nação.
O Brasil precisa de serenidade, grandeza e humildade. Precisa de diálogo e de coragem para mudar. Isso só será possível a partir do diálogo entre governo e oposição.
Flávio Dino, é advogado, governador do Maranhão (PCdoB). Foi presidente da Embratur, juiz federal e deputado federal. Artigo encaminhado pelo autor. Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
Quês de ano novo
29 de Dezembro de 2015, 9:30Que todo cidadão seja considerado inocente até que se prove o contrário, que os amigos do Aécio também sejam investigados
Por Fábio Flora – de São Paulo:
Que as nuvens tirem férias no réveillon. Que a contagem regressiva termine em abraços. Que os fogos explodam os maus pensamentos. Que o champanhe adoce as ideias. Que a ceia engorde a esperança. Que a música ensurdeça o desânimo. Que as ondas levem as notícias ruins. Que os ventos tragam as boas. Que a saideira afogue os pessimismos. Que mais festas como essa se repitam. Que as férias demorem a acabar. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que o verão não faça a gente se sentir em Mordor. Que chova um Rio Doce inteirinho nos reservatórios. Que seja amarga a pena para os responsáveis pela tragédia em Mariana. Que eu ganhe muito chocolate: doce ou amargo. Que o Faustão abra a boca só para comer. Que a Cláudia Leitte entenda de uma vez por todas: Ivete só tem uma. Que a Lícia Manzo escreva mais novelas. Que o Discovery compre episódios inéditos dos Irmãos à obra. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que não se confunda liberdade de expressão com liberdade de manipulação. Que as pessoas não se contentem com as manchetes. Que ouçam quem pensa diferente. Que opinem menos e argumentem mais. Que não espalhem desinformação nem reforcem preconceitos. Que duvidem dos especialistas entrevistados na tevê. Que não troquem o bom humor pelo mau gosto. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que venham muitas medalhas. Que os atletas brasileiros joguem como Neymar e falem como Joana Maranhão. Que o Vasco volte à primeira divisão e não saia mais de lá. Que a seleção mereça novamente a inicial maiúscula. Que a audiência do Linha de passe seja cada vez maior que a do Bem, amigos. Que acabem os direitos exclusivos de transmissão. Que se democratize a mídia. Que o futebol e o carnaval sejam realmente para todos. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que panelas sejam usadas para matar a fome. Que o Bolsa Família não sofra cortes. Que mais pobres e negros ingressem nas universidades. Que os estudantes de Sampa endureçam se necessário – pero sem perder a ternura. Que os índios sejam enfim ouvidos após 515 anos. Que refugiados encontrem portas abertas. Que mais gente viaje de avião pela primeira vez. Que se construam menos muros e mais pontes. Que se exercite a empatia. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que a Comic-Con venha para o Rio. Que mais tirinhas da Mafalda sejam compartilhadas. Que o Oscar premie os melhores. Que o mundo tenha um décimo da elegância de Julie Andrews e da lucidez do Chico. Que desliguem os celulares no cinema, please. Que os bons filmes nacionais sejam descobertos pelos brasileiros. Que se erradique de vez a síndrome de vira-lata. Que poetas e músicos recebam passe livre no metrô. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que todo cidadão seja considerado inocente até que se prove o contrário. Que os amigos do Aécio também sejam investigados. Que se respeite a democracia. Que Noam Chomsky e Ciro Gomes deem mais entrevistas. Que as bochechas de Pepe Mujica virem patrimônio da humanidade. Que a redação do Enem seja sobre as desigualdades promovidas pelo capitalismo. Que o Eduardo Cunha deixe o PMDB e vá para a PQP. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Que mãe, pai, mano, tios, primos esbanjem saúde. Que eu encontre os amigos mais vezes. Que muitas segundas e sextas sejam enforcadas. Que a Fernanda continue a fazer de mim a minha melhor versão. Que atravessemos o Atlântico outra vez. Que eu ganhe leitores. Que os leitores ganhem algum lendo meus textos. Que todo mundo saia bem na foto. Que a conexão seja mais veloz. Que o povo substitua o WhatsApp por vida, por exemplo. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.
Sobretudo: que a Força esteja com você. Sempre.
Fábio Flora, é cronista e blogueiro, mantém o blog Pasmatório
Recessos, retrocessos e vácuo político
28 de Dezembro de 2015, 9:39
Nem jornais nem jornalistas preocuparam-se com a frustração do distinto público pagante, aquele que vive o inferno da economia real
Por Alberto Dines – de São Paulo:
Dilma ganhou, Cunha perdeu, Renan assume protagonismo, Temer recua, Fachin derrotado por Barroso, a preliminar do julgamento do impeachment e afins no plenário do STF foi narrada pela mídia nesta sexta de forma singularíssima, como se tratasse do primeiro tempo de uma partida de futebol iniciada nas vésperas do Natal com desfecho marcado para depois do Carnaval pelo árbitro Teori Zavascki.
Nem jornais nem jornalistas preocuparam-se com a frustração do distinto público pagante, aquele que vive o inferno da economia real, vencimentos minguantes, meses cada vez maiores, indignado com tantas delongas, procrastinações, troca-trocas, blablablás e nhenhenhéns.
Como se fora questão secundária e complementar, o meritíssimo magistrado da suprema corte transferiu o julgamento da inédita denúncia do Procurador Geral da República contra o Presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, pedindo a cassação do seu mandato e a perda do cargo.
Ao longo de dois dias, o STF discutiu exaustivamente e aprovou ritos e procedimentos que comandarão a votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, inclusive a invalidade do voto secreto para a escolha da Comissão Especial que decidirá a sua sorte, mas deixou para depois a avaliação do fato gerador: o comportamento irresponsável, truculento e indecoroso do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, justamente o insuflador do pedido de impedimento da presidente, protagonista de um dos episódios mais sórdidos da nossa história parlamentar.
Qual a lógica deste ordenamento? A consulta encaminhada ao STF pelo atual ministro da Defesa, Aldo Rebelo, precedeu a denúncia do PGR, Rodrigo Janot. Mesmo que posteriormente venha sobrepor-se e invalidar decisões tomadas nesta quinta-feira o devido processo na instância máxima do judiciário impõe prazos e trâmites que não podem ser sumários.
O problema, obviamente, é o recesso do judiciário. Ou melhor, os recessos da máquina estatal já que o legislativo também faz jus às férias coletivas. Mas o executivo com seus vices e subs foi estruturado de forma a funcionar plena e continuamente. A administração de um estado não admite pausas. A proteção e o bem-estar de uma nação são atividades de tempo integral. Um país não pode parar.
Não pode, mas para. Muitas vezes diante de situações ameaçadoras e perigosas. Como os julgamentos simultâneos da presidente da República, seu principal detrator e um dos seus sucessores, o presidente da Câmara Federal. Somados compõem uma emergência raras vezes vivida em períodos de paz.
Recesso é um local remoto, afastado, resguardado. Etimologicamente pode ser entendido como retrocesso. Depois de julgar, juízes lavam as mãos. Nestes intervalos é que os jornalistas com seus questionamentos são mais necessários.
Em meio a zoeira bacharelesca que se seguiu ao julgamento do STF, o único observador que parece ter percebido o vazio provocado pelo duplo adiamento foi o cartunista e satirista Chico Caruso na capa da edição de sexta de O Globo. Despencando no espaço Cunha e Dilma comentam: “Se entendi bem, ficaremos no ar até fevereiro, é isso?”
Natal sem hipocrisia
27 de Dezembro de 2015, 16:17Dizem que o Natal e a passagem de ano são momentos para reflexões e mudanças
Por Guilherme Boulos – de São Paulo
É Natal. Quase um terço da população mundial celebra o nascimento de Jesus Cristo. Só no Brasil são mais de 160 milhões de cristãos. A data, é verdade, se tornou mais que tudo um grande evento comercial, mas vale a pena aproveitarmos a ocasião natalina para uma breve reflexão.
Jesus Cristo, do modo como nos apresenta a Bíblia, não era um apologeta da ordem e da tradição. Enfrentou os poderosos de seu tempo e defendeu ideias que a consciência dominante não podia admitir.
Não por acaso morreu na cruz, depois de perseguido, preso e torturado. Como gosta de lembrar Frei Beto, Jesus não morreu de hepatite na cama nem atropelado por um camelo em alguma esquina de Jerusalém. Morreu como preso político nas mãos do prefeito Pôncio Pilatos e dos sacerdotes judeus. Isso, as escrituras nos dizem.
Nos falam também sobre as razões que fizeram de Jesus tão odiado pelos poderosos. Defendeu a igualdade e os mais pobres, condenando aqueles que se apegavam demais às riquezas: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mateus 19-24).
Defendeu a divisão dos bens, como signo da igualdade social: “Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos” (Lucas 1, 53). E assim o fez, partilhou o pão e os peixes entre todos (Marcos 6,41).
Jesus enfrentou também decididamente os preconceitos, como mostra o caso bíblico da mulher samaritana (João 4, 1-42). Acolheu os marginalizados (Marcos 7, 31) e foi misericordioso com as prostitutas (Lucas 7, 36-50). Combateu o ódio e intolerância.
Natal sem ódio
Hoje, mais de dois milênios depois, nosso mundo permanece profundamente desigual. Os 2% mais ricos da população mundial detêm mais da metade de todas as riquezas, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 1%. Os donos do poder, via de rega, continuam atuando para manter esta estrutura de privilégios e reprimir o povo quando ousa enfrentá-la.
Muitos dos que hoje se dizem cristãos consideram a desigualdade como fato imutável e a legitimam pelo discurso hipócrita da meritocracia. Sem falar no ódio e na intolerância. Defendem o linchamento público de “marginais”, silenciam como cumplicidade ante a chacina da juventude negra nas periferias, ofendem homossexuais e toleram a agressão à mulheres.
Jesus dedicou sua vida à igualdade, justiça e paz entre os povos. Se reaparecesse em 2014, no Brasil, ficaria espantado com o que dizem e fazem muitos dos cristãos. Seria achincalhado com palavras inomináveis nas seções de comentários da internet. Seria chamado de bolivariano na avenida Paulista. Certa comentarista de telejornal o mandaria levar para casa a mulher adúltera que ele salvou do apedrejamento. E alguém, de dentro de algum carro no Leblon, gritaria a ele:”Vai pra Cuba, Jesus!”
Um coisa é certa. O Jesus de que a Bíblia nos conta, se vivesse hoje, estaria ao lado dos direitos sociais e humanos. Estaria com os sem-teto e os sem-terra, com os negros, as mulheres violentadas e os homossexuais vítimas de preconceito. Estaria com os imigrantes haitianos e defendendo – como o papa Francisco – o fim do vergonhoso embargo à Cuba.
Talvez fosse preso e torturado, do mesmo modo que milhares de brasileiros que não há muito lutavam por igualdade e justiça. Seria sem dúvida crucificado, desta vez não pelas autoridades romanas e os sacerdotes judeus, mas crucificado moralmente por muitos dos cristãos que, em seu nome insistem em combater tudo aquilo que ele defendeu.
Dizem que o Natal e a passagem de ano são momentos para reflexões e mudanças. Assim seja. Espero que muitos dos que partilham da fé cristã possam aproveitar a oportunidade natalina para inspirarem-se mais no exemplo de seu mestre.
Guilherme Castro Boulos é professor e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Frente Brasil Popular: balanço e desafios
24 de Dezembro de 2015, 10:03Ao longo de 2015, as elites adotaram várias táticas, mas mantiveram sua unidade estratégia
Por Valter Pomar – São Paulo:
O ano de 2015 está perto de acabar. Que balanço fazemos deste ano? Qual foi o papel da Frente Brasil Popular? Quais desafios nos esperam no ano de 2016?
A principal característica de 2015 foi a ofensiva das elites contra os setores populares.Esta ofensiva teve diferentes protagonistas (os setores médios reacionários, o grande capital, os partidos de direita, o oligopólio da mídia, segmentos do aparato de Estado –com destaque para o judiciário, o MP, a PF e as forças armadas) e teve múltiplos alvos (os direitos trabalhistas, os direitos sociais, as liberdades democráticas, as mulheres, os negros, a juventude especialmente da periferia, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, a política do governo, o mandato presidencial).
A ofensiva das elites não teve um único comando, nem adotou uma única tática. Pelo contrário, desde o início de 2015 as elites estiveram divididas em torno de duas táticas: os que consideravam prioritário o ajuste fiscal recessivo, que teria o efeito colateral de desgastar o governo Dilma e a esquerda, ajudando a criar o ambiente para vitórias das candidaturas da elite em 2016 e 2018; e os que consideravam prioritário criar as condições para interromper imediatamente o mandato da presidenta Dilma, interditar o PT e Lula, com o objetivo de assumir desde já o controle integral do governo federal.
Apesar das divergências táticas, a ofensiva das elites foi e segue animada por objetivos estratégicos comuns: realinhar o Brasil aos EUA (afastando-nos dos Brics e da integração latino-americana e caribenha); reduzir o salário e a renda dos setores populares (diminuir as verbas das políticas sociais, alterar a legislação trabalhista, reduzir direitos, não reajustar salários e pensões, provocar desemprego e arrocho); e diminuir o acesso do povo às liberdades democráticas (criminalizar a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizar a justiça, ampliar o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinar o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredir os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas).
Ao longo de 2015, as elites adotaram várias táticas, mas mantiveram sua unidade estratégia. O campo popular, por sua vez, esteve dividido tanto na estratégia quanto na tática, com diferentes leituras da situação política internacional, continental e nacional, diferentes posturas táticas frente à ofensiva das elites e diferentes alternativas estratégicas.
Apesar disto, o ano de 2015:
Começou com os “coxinhas” dominando as ruas e terminou com os setores populares dominando as ruas; iniciou com Levy na Fazenda e terminou com Levy fora da Fazenda.
Ou seja: embora as elites continuem com a iniciativa política, embora os embates e os perigos continuem intensos, ainda assim em 2015 a véspera do Natal está sendo melhor do que o Dia de Reis. Ao que se deve isto?
Nada possui uma única explicação. Assim, o ano termina melhor do que começou por diversos motivos. Mas dentre estes motivos, há dois muito evidentes: no mês de dezembro de 2015, as elites viveram um momento de forte divisão, ao mesmo tempo que o campo popular unificou sua ação.
A divisão das elites ocorreu quando o (neste momento ainda) presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, para proteger seus interesses pessoais, deflagrou o processo de impeachment, recorrendo às já conhecidas “manobras” regimentais, tanto ao compor a comissão que analisaria o pedido de impedimento, quanto no Conselho de Ética da Câmara.
Embora parte das elites tenha apoiado a iniciativa, o processo de impeachment nasceu sob o estigma do golpe animado por objetivos criminosos. Como disse editorial de um importante jornal das elites: Cunha tornou-se “disfuncional”. Como resultado, as manifestações de 13 de dezembro de 2015 foram um fracasso de público e de crítica.
O início do processo de impeachment, marcado pelas características criminosas já descritas, colocou os setores populares diante de uma disjuntiva: unidade na ação ou derrota sem pena. É verdade que alguns setores minoritários (não apenas na oposição de esquerda, mas também nos partidos, bancadas e governo) “torceram o nariz” para a construção da unidade. Mas a imensa maioria dos setores progressistas, democráticos e de esquerda iniciou um processo em grande medida espontâneo de unificação, que ficou visível no caráter plural e massivo das manifestações de 16 de dezembro de 2015.
As manifestações de 16 de dezembro foram convocadas unitariamente, em torno das consignas “Contra o golpe, em defesa da democracia!”, “Fora Cunha!” e “Por uma nova política econômica!”. Não em torno de uma única palavra de ordem, mas em torno das três, deixando a cada setor envolvido a liberdade de estabelecer as hierarquias e as vinculações entre cada um dos aspectos.
Logo após as manifestações, a presidenta Dilma recebeu a Frente Brasil Popular; o Supremo Tribunal Federal derrotou os aspectos mais aberrantes dos procedimentos adotados por Eduardo Cunha; e o ministro da Fazenda Joaquim Levy deixou o governo. Medidas que não resultam do sucesso da mobilização de 16 de dezembro, mas que vistas de conjunto resultam num saldo positivo para os setores populares, ao término de um ano marcado pela ofensiva das elites.
Qual foi o papel da Frente Brasil Popular neste processo?Sem prejuízo de um balanço mais detalhado, e ao mesmo tempo tomando cuidado para não estimular uma disputa de protagonismos que apenas prejudica a unidade, consideramos que a Frente Brasil Popular, assim como cada uma das organizações e militantes que a integram, contribuímos muito para o processo anteriormente descrito. Especialmente porque desde o início apostamos na unidade, apostamos na mobilização social, apostamos na combinação das palavras de ordem, e foi este o caminho que nos levou ao resultado atual.
Entretanto, a Frente Brasil Popular não quer ter um grande passado pela frente. Nossos desafios maiores estão no futuro: a defesa dos direitos, a defesa da democracia, a defesa da soberania nacional, a luta pelas reformas estruturais e a defesa da integração latino-americana. E o ano de 2016 será, como 2015, de grandes enfrentamentos entre as elites e os setores populares.
A luta contra o golpismo continua. Não basta retirar Eduardo Cunha da presidência da Câmara. Por um lado, ele precisa sair de lá em direção à cadeia. Em segundo lugar, as elites vão tentar eleger para seu lugar alguém mais “funcional” e certamente um setor importante buscará dar prosseguimento ao processo de impeachment. Ademais, a importância assumida pelo STF e o papel que o Supremo atribuiu ao Senado constituem uma “faca de dois gumes”, até porque o centro da questão é que não se pode retirar do povo o direito de eleger a presidência da República.
A luta por outra política econômica continua. Não basta substituir o ministro da Fazenda. É preciso adotar medidas imediatas e de médio prazo, que interrompam o ajuste fiscal recessivo, que recomponham as políticas e os direitos sociais e trabalhistas, que estimulem o emprego e o desenvolvimento. Medidas que passam por libertar nossa economia e nossa sociedade da ditadura do capital financeiro.
Se o governo insistir numa política econômica que provoca, direta ou indiretamente, desemprego, recessão e desassistência, tornar-se-á muito mais difícil derrotar a ofensiva das elites.
A luta por reformas estruturais continua. Sem reformas estruturais, as elites continuarão dispondo dos meios para sabotar, deter e tentar reverter os processos de mudança em nosso país. Sem reformas estruturais, a maioria do povo brasileiro continuará sem usufruir as riquezas que produz. Sem reformas estruturais, nosso desenvolvimento continuará conservador, dependente e aquém das potencialidades e necessidades do país.
A luta pela integração regional continua. O avanço das elites, em países como Argentina e Venezuela, amplia a importância do Brasil continuar firme na defesa dos processos de integração sul-latino-americanos e caribenhos, com destaque para o Mercosul, a Unasul e a Celac.
A luta pela construção da Frente Brasil Popular continua. É preciso lançar a FBP em todos os estados do Brasil, em todas as cidades brasileiras. Estimular as instâncias da FBP a terem um funcionamento regular, capaz de oferecer um espaço de debate político acolhedor principalmente para as centenas de milhares de militantes que ainda não fazem parte, nem pretendem necessariamente fazer, de nenhuma organização partidária, popular, sindical ou de juventude.
Investir energias na constituição de espaços unitários de comunicação, construídos a partir da cooperação entre os instrumentos já existentes. E continuar apostando na unidade de ação junto com outros setores e frentes.
E discutir como tratar, no âmbito da Frente, das eleições 2016.
Não devemos descartar que no período de festas de 2015, a direita promova ações espetaculares, por exemplo no âmbito da chamada Lava-Jato. Entretanto, sem baixar a guarda e sem deitar sobre os louros, podemos afirmar que travamos o bom combate e tivemos êxito porque ficamos do lado certo e adotamos a política correta. Buscaremos fazer o mesmo em 2016.
Valter Pomar, é Historiador pela Universidade de São Paulo, mestre e doutor em História Econômica pela mesma universidade. Iniciou sua militância política no final dos anos 1970, participando do movimento estudantil secundarista e integrando um organismo de base da esquerda do PCdoB. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde os anos 1980
O impeachment, o STF, a mídia e a democracia
23 de Dezembro de 2015, 10:30Os meios de comunicação do Brasil, incapazes de uma análise mais honesta, têm reduzido a política do país a uma interpretação binária: contra ou a favor do governo
Por Celso Vicenzi – de São Paulo:
O principal jornal catarinense, na edição de 18 de dezembro deste ano, na página 18, apresenta um quadro com o voto de cada ministro do STF, dividindo-os em “favorece o governo” e “favorece a oposição”. É a mesma ênfase e linha de raciocínio presente nos telejornais da Rede Globo, na tentativa de pressionar e indispor os integrantes da mais alta Corte do país com a população.
É uma visão reducionista, que induz os leitores, telespectadores a interpretar o voto de cada ministro como um voto eminentemente político. Aliás, tem sido frequente insinuações de que determinados ministros votam de um jeito ou de outro apenas porque “foram indicados” para o Tribunal por Lula ou Dilma.
As indicações de ministros do STF, em governos anteriores, do PSDB, por exemplo, nunca foram questionadas pela imprensa. A começar pelo ministro Gilmar Mendes, indicado por FHC. Nem é preciso ser um renomado jurista para entender o eminente ministro se comporta de maneira indecorosa no cargo, sem a necessária discrição (juiz só deveria falar nos autos), usando a mídia, com muita frequência, para emitir opinião política em processos que deveriam exigir um mínimo de isenção, sem pré-convicções antes de analisar as provas que constam nos autos.
Gilmar é, de fato, um caso à parte, que envergonha o Judiciário brasileiro e que merece providências.
Os meios de comunicação do Brasil, incapazes de uma análise mais honesta, têm reduzido a política do país a uma interpretação binária: contra ou a favor do governo. Há quem torça, inclusive, pelo caos no país. Mas a tese das “indicações políticas” não guardam lógica com os votos dos ministros (e se houvesse coincidência, ainda assim, não seriam prova, sob pena de sempre ter que votar contra o presidente/governo que fez a indicação do ministro).
Ora, Fachin e Toffoli votaram pela manutenção do encaminhamento dado por Eduardo Cunha no processo de impeachment. Carmen Lúcia, que há dias fez pesada crítica aos governos petistas (“o escárnio venceu o cinismo”), votou a favor da anulação do processo deflagrado por Cunha e a favor do voto aberto.
Basta prestar atenção aos resultados nos quesitos votados: 11 a 0; 7 a 4; 8 a 3 e 6 a 5. Nada que comprove a tese de um Fla-Flu com resultados “arranjados”.
A decisão do STF, no caso do impeachment, foi a de impedir que a Constituição fosse desrespeitada e vilipendiada por pessoas como Eduardo Cunha e sua tropa de choque que vinham chantageando e ameaçando parlamentares, o governo e quem quer que estivesse se opondo aos interesses particulares e de grupos desses políticos cuja atuação tem sido marcada por atitudes antiéticas – sem contar que vários deles respondem a processos na Justiça.
Em síntese: a democracia era refém de pessoas que usam e abusam do cargo para defender interesses particulares.
Um famoso comentarista da TV Globo, que já assessorou um presidente na época da ditadura, numa interpretação apressada e mal elaborada, disse que a decisão do STF legitima o processo de impeachment, e que, a partir de agora, não pode mais ser chamado de golpe. Raciocínio tosco e pretensiosamente manipulador, pois um impeachment que tem início sem fato concreto para legitimar a abertura de um processo tão violentador da soberania popular manifestada no voto, usado como moeda de chantagem por um presidente da Câmara que já deveria estar preso, não deveria ser levada adiante pelo Parlamento brasileiro.
O que o STF fez, preliminarmente, foi instituir o rito correto do impeachment, sem as manobras do presidente da Câmara. E antes que alguém se apresse em lembrar das “pedaladas fiscais”, elas não configuram crime e muito menos motivo suficiente para desencadear um processo de impeachment.
Tratar a decisão do Supremo como simples “favorecimento” ao governo ou à oposição é desviar a discussão daquilo que de fato ela é: uma decisão sobre a Constituição, a lei máxima que todas as pessoas e instituições precisam obedecer.
A democracia não pode ser refém da mídia, de parlamentares sem ética, de partidos e políticos que não respeitam o resultado de eleições, de corporações sindicais, empresariais, religiosas ou de quem quer que seja.
O cidadão é soberano e precisa ficar atento a manobras de quem não se pauta pelo interesse público e usa de atos escusos para fazer o país retroceder em todas as suas conquistas sociais.
A decisão do STF impediu, por enquanto, que a democracia seja desrespeitada, e que a decisão soberana da maioria dos eleitores seja derrotada por interesses particulares de grupos ou de pessoas, em desacordo com o que prevê a Constituição brasileira.
Diz a Magna Carta em seu primeiro artigo e parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. É bom que o povo fique de olho, em todos aqueles que falam em seu nome.
Celso Vicenzi, é jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa
Catarina, Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia, com atuação em rádio, TV, jornal, revista e assessoria de imprensa. Autor de “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora Unisul. Assessora uma cooperativa de crédito, publica artigos em vários portais e escreve humor no Jornal de Barreiros e no twitter (@celso_vicenzi). Para contato: vicenzi@newsite.com.br
Receita de natal
22 de Dezembro de 2015, 9:36Celebrar o nascimento de Jesus é, no mínimo, renascer com ele, deixar morrer o egoísmo que nos impregna e fazer emergir todas as boas energias
Por Frei Betto – do Rio de Janeiro:
Há certa doçura na festa de Natal: o reencontro familiar; a alegre expectativa das crianças; a mesa farta (para quem pode); a celebração do nascimento de Jesus (para quem crê); o recesso no trabalho. E algo arde no coração como pimenta braba: o presente compulsório; o consumismo papainoélico; a crise brasileira; a violência global. Tempo de doçuras entremeado de amarguras.
Somos todos feitos do imponderável. De “insustentável leveza do ser”. Embora, por vezes, sentimentos negativos nos fazem pesar toneladas. Como reza a ciência, tudo é energia condensada. Nossas células são feitas de moléculas filhas de átomos que abrigam o baile quântico de partículas elementares. No sistema solar, cabrochas planetárias rodopiam em torno da própria cintura e, anualmente, circundam o Mestre Sol. E todo o Universo dança ao som da sinfonia cósmica.
No céu, os enfeites de Natal nunca somem. Mas nem sempre há brilho em nossos olhos.
Em tudo a fantasia nos precede. Daí a ânsia em desembrulhar presentes de Natal. O que sairá desse pacote? A força da ficção na literatura e no cinema. O Papai Noel antitropical vara a noite estrelada em seu trenó puxado por renas. Da casa em que habitamos à roupa que vestimos, do design da tela do computador à diagramação da página do jornal, tudo se fez, primeiro, antes de se tornar realidade, fantasia na mente criativa. Por isso, nunca morre o menino que um dia fomos. O mundo seria insuportavelmente asfixiante sem a beleza da fantasia.
Natal é época de deixar a fantasia solta. Não a que encobre o corpo, reservada ao Carnaval. Mas a que inebria a alma. Livrá-la de tudo que a polui: ressentimentos, mágoas, invejas. Sintonizá-la com os valores encarnados pelo Menino Jesus – Deus entre nós. Sobretudo, fazer-se presente em vidas repletas de ausências: de saúde, de dignidade, de liberdade, de afeto, de autoestima.
O presépio em família, recoberto de lirismo, sublima o relato bíblico que enfeixa tantos fatores infelizmente atuais: Maria e José, recusados na casa da família, ocupam um pasto na periferia de Belém; Herodes manda degolar todos os bebês da cidade; para fugir da opressão, Maria, José e o Menino emigram para o Egito. Deus presente na conflitividade humana.
Celebrar o nascimento de Jesus é, no mínimo, renascer com ele. Deixar morrer o egoísmo que nos impregna e fazer emergir todas as boas energias que fazem do amor a matéria – prima e última – de todo programa centrado no advento de novas relações, pessoais e sociais.
Há que escolher entre Herodes e o Menino. Entre Dionísio e o Menino. Para se fazer uma festa, a receita é simples: convidar um punhado de gente, misturar em torno de uma grande mesa, acrescentar bebida e comida sem sabor de comunhão. Agitar com bastante música, rechear com muitos presentes, e servir como se fosse Natal.
Já a receita para se fazer um Natal requer reunir um grupo de irmãos e irmãs, ligados pela mesma fé, unidos em uma única esperança. Adicionar Cristo e deixar fermentar até nascer o homem e a mulher novos. Servir evangelicamente a quem tem fome e sede de justiça.
Como os pastores de Belém, devemos dar glória a Deus, que habita o recôndito de nossos corações, na esperança de que esta menina tão bela e frágil, a democracia brasileira, não seja sacrificada pelos acordos oportunistas de Herodes.
Feliz Natal, Brasil.
Frei Betto, é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.
Reorganização na esquerda enfraquece o golpe
21 de Dezembro de 2015, 13:07Seria prematuro afirmar que a esquerda esteja virando o jogo a seu favor, na longa disputa que divide o país
Por Breno Altman – de São Paulo
O fato mais importante da semana passada, apesar da importante decisão regulatória do STF sobre o processo de impeachment e a queda de Joaquim Levy, foi a forte mobilização (da esquerda) em defesa da legalidade democrática. Movimentos populares, entidades sindicais e partidos políticos do campo progressista conseguiram, pela primeira vez desde 2013, colocar mais gente nas ruas que as forças conservadoras.
O comparecimento à jornada do dia 16 de dezembro bateu, com folga, as falanges que marcaram presença no dia 13. O placar fechou em 250 mil vermelhos contra 65 mil azuis.
O destaque ficou por conta da quantidade de cidades envolvidas, mais de 40, e a intensa participação da juventude, boa parte de forma espontânea e sem estar integrada às organizações tradicionais.
De alguma forma, reaviva-se o clima do segundo turno das presidenciais de 2014.
Seria prematuro afirmar que a esquerda esteja virando o jogo a seu favor, na longa disputa que divide o país. Mas é fato que a perspectiva de impedimento presidencial, moldado por armações antidemocráticas, vai disseminando sentimento de resistência ao retrocesso e ao atropelo institucional.
A resposta oferecida a essa situação tem sido decisiva.
Não se trata de apoiar o governo Dilma contra seus oponentes, mas de defender a democracia contra seus inimigos.
Esta é narrativa que vem permitindo unificar, em uma mesma corrente de mobilização, da ortodoxia governista a parcelas consideráveis da oposição de esquerda, passando por amplos setores da sociedade que mergulharam no desalento após as eleições de 2014, frustrados pela guinada à direita do segundo mandato da presidente reconduzida.
Não é à toa o caráter autônomo das manifestações, convocadas por coalizões de movimentos nas quais partidos de governo — como o PT e o PC do B — exercem papel secundário, abrindo espaço para um novo pacto de unidade e ação no bloco progressista.
A ferramenta mais interessante desta empreitada talvez seja a Frente Brasil Popular. Organizadora principal do 16D, está se consolidando como sujeito relevante no intrincado tabuleiro político do país.
Nascida fora da lógica eleitoral, possui liberdade para combinar defesa da democracia com forte ativismo pela mudança programática do governo e sua composição ministerial.
Com o advento da FBP, em conjunto com outras alianças do gênero, a esquerda recupera chance de se emancipar do papel de apêndice da institucionalidade, readquirindo protagonismo na disputa dos rumos de uma administração policlassista e pluripartidária.
Outras legendas também compõem a frente, além de petistas e comunistas, mas sua agenda não está pautada pela dinâmica das urnas.
O objetivo fundamental desta iniciativa, ao menos na etapa atual, é reorganizar forças na sociedade que sejam capazes de criar novas condições para a construção da hegemonia dos trabalhadores sobre o processo político, de fora para dentro do Estado.
Apenas três meses de fundada, a Frente Brasil Popular revelou poder de fogo em sua avant-première.
Certamente não foi a única responsável pela mobilização multitudinária da última quarta-feira, mas sua orientação política passou vitoriosamente por importante teste.
Ao associar a campanha contra o golpe à crítica da política econômica, mesclando ambas posições à reivindicação de degola do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, estabeleceu programa mínimo necessário para unir, de forma generosa, o conjunto do campo progressista.
O conservadorismo contava com a paralisia da esquerda, desnorteada e dividida pelas decisões adotadas pelo governo em 2015, mas foi surpreendido por sua capacidade de reinvenção, no momento mais decisivo da escalada antidemocrática.
Também a presidente exibe sinais, embora tímidos, de compreender que não haverá saída positiva para a crise sem restabelecer conexão com as bases sociais que permitiram sua reeleição, o que depende de redirecionamento robusto das políticas de governo.
A audiência da chefe de Estado com uma delegação da FBP, no dia seguinte às mobilizações, expôs a essência do problema: as forças que defendem a legalidade de seu mandato também reivindicam programa de emergência para a retomada do crescimento econômico, a proteção do emprego e a recuperação da renda familiar, com diminuição da taxa de juros e retomada do investimento público.
A presidente foi solicita e atenciosa, buscou dialogar com críticas e demandas, mas ainda não parece decidida sobre o caminho a tomar diante da encruzilhada na qual está paralisada sua gestão.
O cenário, portanto, ainda é turvo e perigoso
O golpismo viveu, de toda maneira, sua pior semana, ao mesmo tempo em que o Palácio do Planalto resolveu suspender, ainda que tropegamente, a linha de recuo desordenado que estava em vigência desde janeiro.
A contribuição das manifestações populares do dia 16 na reconfiguração da situação política não deve ser menosprezada.
O impeachment está mais distante, ainda que a ameaça continue real e visível.
O deputado Eduardo Cunha está subindo lentamente a escada para o patíbulo.
Joaquim Levy já não é mais ministro, mesmo que sejam muitas as dúvidas do que se passará com a política econômica.
Não é nada, não é nada, já é alguma coisa.
Para as forças progressistas, o ano termina um pouco melhor do que começou.
Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi.