Depois do belo texto de Rodrigo Vianna sobre o emocionante ato do Tuca, um emocionante relato do ato de Itaquera, ocorrido no mesmo dia. Feliz por ter vivido ambas as emoções nos extremos da cidade, rompendo o cerco conservador que a atormenta.
AS BORDAS DO MUNDO COM DILMA
Por Rodrigo Savazoni em seu Facebook
22/10/2014
Cheguei à Cohab no meio da tarde. Quatro e pouco, creio.
De Santos até a baldeação na Luz para a linha coral demorei umas duas horas. Tinha marcado de encontrar uns amigos por lá, mas não encontrei. Tomei o trem da CPTM rumo a Guainases, e no caminho fui fazendo uma enquete com os meus parceiros de vagão. O instituto Savazá (que é tão crível como o Veritá do Aécio) – roubei mesmo sua piada Newton Cannito – apontou uma vitória de 95% da Dilma, com 5% de nulo, e Aécio zerado. O povo que voltava para a Zona Leste, ou para a região metropolitana de São, povo que provavelmente não encontraria água na torneira, parecia bem decidido a seguir no ritmo da mudança.
Desci na estação José Bonifácio – engraçado a estação com o nome do Patriarca da Independência – pensando na importância de Dilma se reunir com artistas, ativistas dos movimentos culturais e sociais da luta urbana, jovens em sua maioria. À medida que ia chegando à Praça Brasil (que lindo nome de praça), um montão de grades impediam a mim e a duas senhoras que caminhavam a meu lado de seguir na calçada. Teríamos que andar pela calha dos carros. Chamei um rapaz da produção e perguntei: “Irmão, você vota na Dilma?” Ele fez que sim com a cabeça. Rebati: “então, velho, faz o favor, vê com o pessoal aí para puxar essas grades para o canteiro, porque o povo que for chegar do metrô até aqui também vota e nós não queremos ninguém atropelado, não é?”.
O rapaz não riu, mas logo depois voltei para ver se tinha mudado a disposição das grades e elas estavam no canteiro, permitindo assim que a grande multidão que chegaria à praça o fizesse em segurança. Chegando, encontrei os parceiros do Fora do Eixo, Pablo, Talles, Felipe, o meu parceiro na construção da Casa da Cultura Digital, Claudio Prado, a turma toda que trabalhou sob a liderança do coordenadora de cultura da campanha Dilma, Juca Ferreira, para fazer daquela uma tarde inesquecível.
No momento do discurso de Dilma, quase oito e meia da noite, os produtores estimavam a presença de umas 7 mil pessoas. Sete mil pessoas que viram um ato vibrante, conduzido com maestria pelo mestre GOG, um dos grandes nomes do rap brasileiro, que imprimiu enorme velocidade às intervenções dos convidados. Negra Li, Emicida, Lirinha, Tulipa, Sharylaine, o povo do Funk, o Fernando, o Ruivo, os meninos e meninas da Solano Trindade, muita gente dos coletivos periféricos que conformam o Fórum de Cultura da Zona Leste (combativa e essencial organização hoje da cultura da capital), pessoal da Zona Sul, Sérgio Vaz, Gil Marçal, Renato Almeida, que tocam a mais importante política pública de cultura periférica do país, o VAI, pessoal dos terreiros, do movimento LGBT, do movimento de comunicação, capitaneados pelo Pablo Vilaça, os blogueiros com os sempre necessários Miro Borges e Maria Fro, a turma dos movimentos por moradia, do movimento de mulheres, da juventude do PT, da CUT, da UNE, da Ubes, do Levante Popular da Juventude, do PSol. Eu olhava para o lado e via a complexidade da nossa geração, que gosta muito de política, e sabe que, mesmo com críticas, precisa seguir avançando.
No palco, os discursos eram quase todos muito emocionais. Não dá para reproduzir tudo nesta croniqueta. Fico com duas cenas: (1) a da moçada todo no fundo do palco, abraçada, como se estivesse em uma arquibancada de futebol, indo para lá e para cá ao ritmo do jingle Coração Valente. GOG, sempre GOG, chamou essa imaginativa e pulsante diversidade cultural e política que dançava com Dilma, a diversidade que compõe a juventude das periferias (de todas as periferias), de Pré Sol, um outro ouro negro que brota na superfície do país e que merece tanta atenção quanto o Pré Sal; (2) a do poeta Sérgio Vaz fazendo sua fala sucinta e certeira olhando nos olhos da presidenta Dilma, pois o que temos, afinal, é nossa coragem de ir a luta. Isso ninguém vai tirar da esquerda brasileira. O ódio existe, o seu cheiro se alastra, mas não vai prevalecer.
Mas houve momentos racionais também, como a essencial fala de apoio de Jean Willys, uma das maiores expressões da luta pelos direitos humanos das minorias (que são a maioria) em nosso país. Jean, reeleito deputado federal com mais de 150 mil votos, lembrou o público que não votou em Dilma no primeiro turno. Nesta segunda rodada, porém, assumiu que não ficaria em cima do muro, por saber que somente Dilma pode levar adiante os compromissos essenciais com os direitos humanos. Concluiu afirmando à presidenta: “Nós temos muitas afinidades, eu sabia que nós tínhamos”. E recebeu de volta uma sinalização entusiasmada de Dilma, em concordância. Dilma também fez um discurso racional, com é de sua característica, e ao fim se comprometeu com pautas essenciais da juventude brasileira: como a luta contra o extermínio da juventude negra e pobre, com o fim dos autos-resistência, usados pela polícia militar, com a criminalização da homofobia, com o casamento civil igualitário, com a cultura e a educação. Compromissos que apontam uma Dilma mais combativa e à esquerda num eventual segundo governo.
Foi muito especial. Saí da Zona Leste tomado por um sentimento de pertencimento a uma história de mudanças muito recente, mas já extremamente efetiva, com a consciência de que o país avançou muito e pode avançar muito mais, o que só ocorrerá se conseguirmos promover um reencantamento da política, não somente no período eleitoral. Não será fácil. Mas não há outro caminho a seguir agora. Cheguei a PUC e encontrei outro mar de gente de vermelho. Em Perdizes, como em Itaquera, a alegria imperava. No ar, a sensação de que domingo é dia de ganhar.
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