SOBRE MÉDICOS E JORNALISTAS
Esse reconhecimento vêm dos médicos que desde o começo foram contra o ódio exalado pelos líderes corporativos, daqueles que tentaram inutilmente ser a voz dissonante, ou que se omitiram diante de uma maioria racista e classista, que insiste em ser racista e classista. Não, eu não acredito no mea culpa dos figurões, embora gostaria de estar enganado.
E não acredito porque tampouco vejo isso dos jornalistas. Assim como os médicos, nós jornalistas precisamos reconhecer o nosso classismo, o nosso racismo, como deixamos de ser defensores incondicionais da verdade factual para sermos advogados da visão de mundo dos poderosos. Aceitamos passivamente que os interesses políticos determine a repercussão de cada notícia, ou mesmo a omissão jornalística sobre certos fatos.
Somos tão ridiculamente contraditórios que quando um jogador de futebol argentino chama um brasileiro de “macaquito” nós fazemos um tremendo escândalo e pedimos prisão do cara, mas quando um suposto colega e suposto humorista diz a um músico negro “vai comer bananas”, nós dizemos que é só “polêmico”, e o colocamos na lista dos mais influentes.
A venda de jornais e a audiência dos canais em queda livre não nos leva a nenhuma autocrítica na grande mídia, assim como o CFM tampouco faz um mea culpa pelo espetáculo lamentável que eles lideraram em 2013. A vergonha se resume aqueles muitos sujeitos desconhecidos cujas vozes são silenciadas, ou por uns poucos destacados que foram devidamente isolados pelas grandes associações.
Também entre os jornalistas, estamos os pé-rapados como eu e alguns grandes jornalistas que foram isolados pelos colunistas da Casa Grande, rotulados como “sujos”, porque sua opinião tem que ser classificada como proibida, para que um leitor desavisado tenha medo de acessar essa opinião.
Por isso, esta matéria me despertou uma única reação, quando li, de um médico entrevistado, a frase “tive vergonha da minha categoria”. Eu também sinto isso, o tempo todo.
“Erramos. A população ficou contra a gente”, dizem médicos
Por: Cláudia Collucci, Folha
08/12/2013
“Erramos. Não soubemos fazer o diagnóstico da situação. A população ficou contra a gente”.Ouvi a frase acima de um médico após debate sobre mercado de trabalho médico, promovido na noite de ontem pelo núcleo da GVSaúde, da Fundação Getulio Vargas.
Antes disso, outros médicos, inclusive um dos palestrantes, Miguel Srougi, professor titular de urologia da USP, já havia manifestado sua insatisfação sobre a maneira como as entidades médicas conduziram o debate sobre o programa Mais Médicos até agora.
Ele lembrou que foi perdido tempo demais na defesa de que o país não precisava de mais médicos ou de mais escolas médicas, quando agora existe uma unanimidade de que não só o Brasil como o resto do mundo vive uma escassez de médicos.
Outros médicos avaliaram como “um grande equívoco” os protestos contra os cubanos, considerada a cereja do bolo da antipatia médica perante a população.
Em debate na USP na semana passada, Paulo Saldiva, professor de patologia da USP, resumiu a insatisfação numa frase. “Tive vergonha da minha categoria”, comentou, quando se referiu às vaias recebidas pelos cubanos ao chegarem ao Brasil.
Drauzio Varella, na sua coluna do último sábado, também já tinha ido na mesma linha: “O que ganhamos com essas reações equivocadas? A antipatia da população e a acusação de defendermos interesses corporativistas.”
Embora essa não seja a opinião oficial das entidades de classe que os representam, esses médicos estão certos em relação a que lado a população está agora. Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), divulgada ontem, apontou que 73,9% dos brasileiros se declararam favoráveis à importação dos profissionais formados no exterior. Em julho, esse percentual era de 49,7%.
O número de entrevistados que disse ser contra o programa caiu de 47,4% em julho para 23,8% em setembro.
Talvez os médicos tirem uma lição disso tudo: a necessidade de se colocarem na pele de quem vive nos rincões sem assistência médica. Essa população não quer saber se a União está se esquivando de investir os 10% em saúde ou de que os estrangeiros teriam que passar por exames de revalidação do diploma antes de começarem a atuar no país. Ela só quer um médico por perto.
Essa resposta imediata as entidades médicas não deram. O governo federal, com mais erros do que acertos, deu.
Que a medida do governo Dilma é eleitoreira, tomada às pressas como resposta às manifestações das ruas, ninguém duvida disso. Tampouco há dúvidas sobre a insustentabilidade do programa a médio e longo prazo.
Sem mais recursos para a saúde, sem uma gestão eficiente do SUS, sem equipes multidisciplinares e sem um plano consistente para reter os médicos em regiões longínquas, há pouquíssimas chances de alguma coisa dar certo. Outros países como Canadá e Inglaterra já fizeram essa lição e deveríamos ter aprendido alguma coisa com eles.
Mas o ministro Alexandre Padilha, apontado pelo ex-presidente Lula como candidato ao governo de São Paulo nas eleições do próximo ano, não se lembra disso quando busca nesses países álibis para justificar a importação de médicos. E já colhe os frutos da iniciativa, com o aumento da aprovação popular. E agora, doutores?
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?” e coautora de “Experimentos e Experimentações”. Escreve às quartas, no site.
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