MST: Mais de 4 mil escolas do campo fecham suas portas em 2014
24 de Junho de 2015, 16:39Mais de 4 mil escolas do campo fecham suas portas em 2014
Se dividirmos esses números ao longo do ano, temos oito escolas rurais fechadas por dia em todo país. Nos últimos 15 anos, mais de 37 mil unidades encerraram as atividades.
Por Maura Silva, na Página do MST
24/06/2015
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, já dizia Paulo Freire em uma de suas mais famosas citações.
Todavia, o cruzamento de dados disponíveis pelo Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) nos mostra que a educação no campo corre no sentido contrário.
Apenas em 2014, mais 4.084 escolas do campo fecharam suas portas. Se pegarmos os últimos 15 anos, essa quantidade salta para mais de 37 mil unidades educacionais a menos no meio rural.
Se dividirmos esses números ao longo do ano, temos oito escolas rurais fechadas por dia em todo país.
Dentre as regiões mais afetadas, norte e nordeste lideram o ranking. Só em 2014 foram 872 escolas fechadas na Bahia. O Maranhão aparece no segundo lugar, com 407 fechadas, seguido pelo Piauí com 377.
Há tempo que estes números preocupam entidades e movimentos sociais ligados ao campo e à educação, ainda mais pelo fato dos municípios mais pobres serem os mais afetados.
Para Clarice Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e Coordenadora Geral de Educação do Campo e Cidadania do INCRA, “esses números revelam o fracasso da atual política de educação no campo”.Para ela, os instrumentos criados precisam ser revistos para que se alcance o resultado esperado. “Se por um lado existe um esforço do governo federal em ampliar o transporte escolar rural, por outro, esse esforço não é o mesmo para evitar o fechamento das escolas”, exemplifica.
“Não faz sentido pensarmos em transporte sem alunos. Ou seja, é um conjunto de critérios que demonstram as falhas das atuais políticas educacionais”, ressalta Santos.
Já para Erivan Hilário, do setor de educação do MST, o fechamento destas escolas representa um atentado à educação, um direito historicamente conquistado.
“O fechamento das escolas no campo não pode ser entendido somente pelo viés da educação. O que está em jogo é a opção do governo por um modelo de desenvolvimento para o campo, que é o agronegócio”, aponta.
Segundo Erivan, a situação que vivemos “não está isolada desta opção, porque o agronegócio pensa num campo sem gente, sem cultura e, portanto, um campo sem educação e sem escola”.
Ele observa que ao mesmo tempo em que há fechamento sistematizado das escolas no campo, o número de construções de novas unidades educacionais nos centros urbanos têm crescido.
“Esse é um dado importante de ser analisado. O fechamento das escolas do campo contribui para o êxodo rural, além de consolidar o papel do agronegócio nessas regiões com a priorização dos lucros”, ressalta.
Além da falta de escolas, outro fenômeno observado é a chamada “nucleação”, quando várias unidades escolares são concentradas numa “escola polo”. Isso tende a minar cada vez mais a educação já cambaleante nestas regiões, dificultando o processo de aprendizagem e crescimento de crianças e jovens.
Empurra-empurra
A falta de investimento das prefeituras locais é apontada como um dos grandes motivos para o fechamento das escolas no campo.
As prefeituras, por sua vez, alegam que o número de alunos matriculados não é o suficiente para manter novas unidades educacionais. Porém, o fechamento dessas escolas atingiu cerca de 83 mil alunos em todo o país.
De acordo com Erivan, mesmo nas regiões onde existem vagas, sobra precariedade. Das 70.816 instituições na área rural registradas em 2013 (uma década antes eram 103.328), muitas delas continuam sem infraestrutura adequada, biblioteca, internet ou laboratório de ciências. Outro ponto de alerta é a falta de adequação do material didático.
Sem falar da adoção de conteúdos, práticas e atividades distantes do universo cotidiano e simbólico dos alunos camponeses, quilombolas ou ribeirinhos, bem como aponta Erivan.
Falta de fiscalização
Lançada em 2014, a Lei 12.960 tinha como objetivo mudar as Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e um dos pontos previstos era justamente aumentar o grau de exigência para que uma escola fosse fechada, mas na prática não foi o que aconteceu.
Para o Sem Terra, o grande problema é a falta de fiscalização. “O MEC institui as portarias, as leis são sancionadas, mas, na prática, quem tem o poder de fechar as escolas é o município. Se o município alega falta de alunos e de verbas, as escolas acabam sendo fechadas, e políticas que poderiam impedir esse fato não são colocadas em prática”.
“Não faz sentindo investir na formação de professores se não tem escolas, por exemplo. Por isso, bato na tecla de que a questão central é a articulação política do governo com os municípios – que são os responsáveis diretos pelos fechamentos -, e também um pacote que contemple as demandas prioritários”, diz Santos.
“Dentro desse contexto, eu vejo um cenário negativo, que só poderá ser revertido com muita luta, de quem acredita que a educação é a única maneira efetiva de construção social”, destaca Erivan.
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Vereador Paulo Diógenes: “Aos 12 anos, ouvi na escola que quem era gay era pedófilo”
24 de Junho de 2015, 8:48Primeiro o vereador Paulo Diógenes fez este belo vídeo em defesa da pluralidade do conceito de família, realidade no Brasil e no mundo:
E ontem seu belo depoimento na Câmara dos Vereadores de Fortaleza, incapaz de demover os fundamentalistas reacionários que estão enterrando a Constituição Brasileira, As Leis de Diretrizes e Bases, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica para substituí-las pelo Antigo Testamento.
É preciso que a sociedade civil se organize pra enfrentar este talibã fundamentalista e homofóbico que invadiu o Legislativo e quer levar o país para a barbárie da ignorância.
DISCURSO DO VEREADOR DE FORTALEZA PAULO DIOGENES, EM DEFESA DAS DECISÕES DA CONFERENCIA DA EDUCAÇÃO. PELA PERMANÊNCIA DA QUESTÃO DE GÊNERO E RESPEITO À DIVERSIDADE NO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO!
Eu ouvi na escola que quem era gay era pedófilo, era pederasta. Gente, eu voltei para casa dizendo que minha vida tinha acabado. Eu tinha 12 anos! Eu não pedi para ser gay, eu nasci gay. Mas eu perguntava “Deus, por que você me fez gay? Por que eu nasci doente? Ele me deu essa doença e ainda me reprova?”. Eu sofri tanto na escola… E eu optei por sofrer? Eu optei por apanhar? Optei por ser apontado na rua? Se deus tem poder de transformação, por que não me transformou? Vocês acham que optei por chegar nessa Câmara Municipal de Fortaleza e ter que ouvir piadinhas de alguns vereadores?
Eu sou cristão, porque jamais julguei algum vereador aqui na casa. Sabe por que eu sou cristão? Porque jamais usei a fé alheia para me eleger.
Vocês falam em família e isso me toca, porque há dois anos a Constituição me garantiu isso. Cresci com meu pai dizendo “Tome jeito de homem”, e eu quero dizer para vocês: eu sou homem. Superei todos os preconceitos e hoje tenho meu marido, tenho minha filha, tenho minha família.
Vocês não tem procuração de Deus para me julgar. Hoje eu tenho orgulho de ser gay. Tenho uma família e sou feliz. Não misturem religião com política! Aqui não é púlpito de Deus para despejar o ódio de vocês.
Sou gay, sou honesto e o que mais me doeu a vida inteira foi ouvir: “Paulo é uma pessoal boa, inteligente, mas é gay”. Esse “mas é gay” é a pior coisa. Não queiram jogar essas crianças na fogueira, nós estamos pedindo só para os professores saberem como lidar.
Amanhã as pessoas em Fortaleza saberão quem são os Bolsonaros, os Felicianos e os Malafaias da Câmara Municipal.
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Humilhação em rede: quais os limites?
24 de Junho de 2015, 7:52No Antigo Regime, os monarcas absolutistas impunham aos crimes de lesa-majestade as “mil mortes”: o condenado era enforcado publicamente, ou seus corpos dilacerados pela tração de cavalos instigados a ir para sentidos opostos com pernas e braços do condenado amarrados aos cavalos. A Inquisição católica queimava seus hereges nas fogueiras.
Tiradentes por ser ‘inconfidente’, conspirar contra o rei, foi enforcado em praça pública, esquartejado, os pedaços do seu corpo expostos nas vias públicas, a terra onde habitava foi salgada para nela não nascer nem erva daninha e seus descendentes foram condenados até a quinta geração: não podiam assumir cargos públicos ou ocupar qualquer cargo na hierarquia na Igreja.
As redes sociais viraram uma Vila Rica do século XXI com alcance global.
Todos são juízes, todos querem fazer Justiça com as próprias mãos.
Há racistas na rede, há homofóbicos e transfóbicos na rede, há machistas na rede. Há os que pedem intervenção militar. Mas se ao confrontá-los não nos diferenciarmos de suas agressões não nos parecemos um pouco com eles?
Vergonha em rede
Renan Dissenha Fagundes | Fotos: Erwin Wurm, Revista Trip02/06/2015
Humilhações públicas já foram uma forma de punição difundida – e agora voltam com força renovada na internet. Mas nem sempre essa estratégia é usada contra quem realmente merece
Courtesy Erwin Wurm / Outdoor Sculpture Cahors
Um homem, no mês passado, parou ao lado de um pôster de Darth Vader, vilão de Star Wars, em um shopping de Melbourne, na Austrália. A ideia era fazer um autorretrato, atitude corriqueira, diga-se, pelo menos nesses tempos de paus de selfies. Não foi, porém, o que achou a mãe de uma criança que estava nas imediações do cartaz. Preocupada, ela também fotografou o homem. E, por via das dúvidas, postou a imagem no Facebook, chamando-o de “estranho”, insinuando que ele havia fotografado seu filho e um amigo – e pedindo ajuda da polícia para localizá-lo.
A polícia não foi necessária: com o post compartilhado mais de 20 mil vezes, o homem logo foi encontrado e passou a receber ameaças e a ser perseguido nas redes sociais, tachado de pedófilo. “Eu sou um pai de três crianças e um ser humano normal. Eu nunca tinha tirado uma selfie antes”, disse ele ao Daily Mail Australia, quando foi explicar sua história. Foi aí que a fúria da internet mudou de alvo e quem passou a receber ofensas foi a mulher, que até de morte foi ameaçada. “Devastado”, “devastada”, ambos se disseram em entrevistas. Arrependida, a mulher resumiu: “Acho que o grande aprendizado disso é que não devemos postar nada que possa machucar alguém em qualquer mídia”.
Mas por que ela não pensou nisso antes de escrever o post?
Tá por fora
Essa história, da selfie com o Darth Vader, é só a mais recente de um comportamento que, em português, foi batizado de “linchamento virtual”. A palavra “linchamento” dá conta da brutalidade de alguns desses casos – centenas, milhares de mensagens de raiva sendo direcionadas para uma pessoa –, mas é o termo on-line shaming que exemplifica melhor o sentimento: shaming deriva de shame, vergonha em inglês.Vergonha, claro, não é um sentimento novo. “Vergonha é você estar fixado no olho do outro, você quer que o olho do outro veja coisa boa em você”, fala a psicanalista Anna Veronica Mautner. Assim, a vergonha (ao contrário da culpa, que é um sentimento privado) mexe com a relação entre as pessoas, é um sentimento destinado ao diferente, “algo que a gente sente quando a gente está por fora”. Mas nem todo erro causa vergonha, explica Mautner. “A vergonha tem mais a ver com surpresa, com você ser surpreendido no erro.”
Com a internet, a ideia de vexar, de envergonhar o outro, porém, retorna com ares modernos – “A internet é uma autoestrada para a humilhação”, escreve o ensaísta Wayne Koestenbaum emHumiliation. O tema é explorado por Jon Ronson em So you’ve been publicly shamed (Então você foi humilhado publicamente?), lançado em março, um livro sobre “o terror de ser descoberto”, como define um amigo do autor. O jornalista galês entrevista (muitas vezes é o único a conseguir entrevistar) algumas das principais vítimas de on-line shaming, caso da americana Justine Sacco.
Era brincs
No dia 20 de dezembro de 2013, Sacco fez uma série de piadas para seus 170 seguidores no Twitter, enquanto viajava de Nova York para a Cidade do Cabo. A última delas dizia: “Indo para a África. Espero que eu não pegue aids. Brincadeira. Sou branca!”. Quando o avião pousou, Sacco já estava em primeiro lugar nos tópicos do Twitter, sendo acusada de racista por milhares de pessoas e prestes a virar notícia na mídia tradicional. Um homem a esperava no aeroporto para fotografá-la. Entre o dia da piada e o fim do mês, seu nome foi pesquisado mais de 1,2 milhão de vezes no Google.“Justine Sacco me pareceu a primeira pessoa que entrevistei que havia sido destruída por nós”, afirma Ronson. Até então, outros casos de linchamento no Twitter pareciam ter virtude: pessoas normais se unindo para enfrentar empresas e poderosos. Havia inclusive uma narrativa assim para Sacco, em que ela seria uma branca elitista rica que merecia ser humilhada. “Mas eu não acho que isso seja verdade”, escreve o jornalista. Justine, para ele, é só uma pessoa normal que fez uma piada ruim.
E há muitos outros casos, citados por Ronson: um homem, Hank, que perdeu o emprego porque uma mulher, Adria Richards, tuitou uma foto sua, acusando-o de fazer uma piada sexista em um evento de tecnologia; e depois Adria Richards, perseguida e ameaçada por fazer Hank perder o emprego; ou a jovem Lindsey Stone, que bateu uma foto considerada desrespeitosa ao lado de um memorial de guerra. “Virou rotina. Pessoas normais passaram a ver suas vidas destroçadas por tuitarem uma piada mal escrita para seus cento e tantos seguidores”, diz Ronson.
São os outros
Para a psicóloga Andréa Jotta, que faz parte do Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática, da PUC de São Paulo: “Na internet, a gente escuta as coisas muito sob o nosso prisma. Aquilo te agride e você agride de volta, sem muita preocupação de relativizar, de saber qual era a real intenção daquela pessoa”, diz, por telefone. “Não estamos acostumados com esse distanciamento.” Assim, não há nas relações virtuais uma série de elementos que usamos para nos compreender melhor ao vivo.“Se eu estou em um lugar, falo uma besteira e vejo que todo mundo se cala e me olha, eu não sigo adiante”, explica Jotta. “On-line, isso já foi. Quando você postou a besteira, ela já causou uma série de incômodos, e estes incômodos causaram outra série de comportamentos. Isso desencadeia, então, esses linchamentos coletivos, esses encadeamentos de sentimentos contrários.” Conta aqui também nossa inabilidade em separar, na rede, o que deve ou não ser dito – vivemos agora em uma “sociedade confessional”, como escreveu Zygmunt Bauman, que transformou “o ato de expor publicamente o privado numa virtude e num dever público”. Porém, não temos consciência do alcance da internet. “Normalmente, a pessoa não entendeu a amplitude daquele post, ela não entendeu que aquele post vai para muita gente, que aquilo vai tomar uma dimensão muito maior do que só a rede social dela”, diz Jotta.
Courtesy Gallery Thaddaeus Rotac, Salzburg, Áustria/Studio Wurm
Vergonha
A tecnologia também impede que coisas ditas sejam esquecidas, e permite que elas sejam reproduzidas ad infinitum. Casos como o da jornalista Milly Lacombe, que em agosto de 2006 divulgou uma informação errada sobre Rogério Ceni ao vivo na televisão. O goleiro telefonou para o programa e confrontou-a na hora. “Como o YouTube estava começando naquele ano, a coisa nunca mais parou de acontecer”, conta Milly. “É como se eu estivesse naquele filme em que o dia se repete. Eu acordava e começava tudo de novo.” Para a jornalista, isso dificulta o processo de cura porque “a vergonha fica voltando”. “Nessas redes sociais a gente é muito duro com o erro dos outros e pouquíssimo com o nosso. Se a gente invertesse isso, sabendo que todo mundo erra, seria muito mais simples pra todo mundo”, ela diz. “Hoje eu penso duas vezes antes de criticar alguém.”
Vigiar e punir
Outro aspecto importante da vergonha é a força que ela tem sobre as outras pessoas: a vergonha é um forma de punição que serve para manter normas. “Se você diz ‘mas que vergonha’, ou você dá a entender que é uma vergonha, ou você olha como uma coisa que está fora, vergonha é um dado de controle social”, afirma Mautner.Segundo Jennifer Jacquet, professora de estudos ambientais da New York University, a vergonha é uma emoção que evoluiu para aumentar a cooperação das sociedades humanas. “A vergonha é o que deve ocorrer quando um indivíduo falha em cooperar com o grupo”, escreve em Is shame necessary?: new uses for and old tool (A vergonha é necessária?: novos usos para uma velha ferramenta), lançado em janeiro. “A vergonha regula o comportamento social e serve como advertência de punição.”
Humilhações públicas já foram parte indissociável do sistema legal. As Ordenações Filipinas, leis portuguesas que se estendiam ao Brasil, listavam como pena o açoite público, o açoite público com pregão (a descrição para os espectadores da culpa do réu) e o açoite público com grinalda de cornos, além da morte civil, que incluía perda de direitos e de graduação social. Hester Prynne, protagonista de A letra escarlate, romance de Nathaniel Hawthorne, é condenada a usar um “A” vermelho bordado na roupa para ser identificada por todos como adúltera. A vergonha convida o público a participar da punição. E o público, em vários casos, ganha em troca um certo sentimento de justiça, de estar fazendo a coisa certa. Porém, há um distanciamento, uma desumanização do outro, que é bastante exacerbada on-line. Ou, como Ronson coloca: “Imagino que quando a vergonha é entregue como um ataque remoto de drones, ninguém precisa pensar sobre o quão feroz nosso poder coletivo pode ser”.
Uma arma?
Jacquet é uma das defensoras de usar para o bem este poder coletivo. Em Is shame necessary?, ela argumenta que a vergonha – expôr alguém fazendo alguma transgressão – pode ser uma ferramenta para causar mudanças positivas no mundo. “A vergonha pode machucar tanto que ela é fisicamente ruim para o coração”, escreve Jacquet. “Mas a vergonha também pode melhorar nosso comportamento.”O livro parte do uso que o movimento ambientalista fez do sentimento de culpa: a culpa que faz uma pessoa economizar água ou luz, por exemplo. Porém, há um limite nesta abordagem. “A culpa é uma emoção válida, mas que é sentida por indivíduos e, portanto, motiva apenas indivíduos”, escreve a pesquisadora. “Talvez, para solucionar esses problemas, precisemos de uma emoção de grupo. Talvez precisemos da vergonha.” A questão, para Jacquet, é usar bem a vergonha. “Envergonhar por si só é amoral, e pode ser usada para qualquer fim, bom ou mau”, argumenta.
Já Túlio Viana, professor de direito da Universidade Federal de Minas Gerais, acha que a cultura do escracho virtual pode acabar em autoritarismo. “Ao optarmos pela democracia, aceitamos o fato de que todos devemos respeitar as leis. E respeitar as leis implica deixar ao Judiciário o monopólio dos julgamentos de conflitos sociais”, afirma, por e-mail. “Se todo mundo resolver passar por cima da lei para fazer o que acha mais justo, vivenciaremos a guerra de todos contra todos.” A internet resgatou o hábito de jogar gente “suspeita” na fogueira, é o que sustenta Viana.
James Duncan Davidson/TED/Divulgação
Monica Lewinsky se diz ”paciente zero na perda da reputação pessoal em escala global quase instantâneamente”
Paciente zero
Um personagem que vem à mente neste horizonte é Monica Lewinsky, que reapareceu no começo deste ano, em uma palestra no TED intitulada “O preço da vergonha”. Nela, Lewinsky, conhecida por um escândalo sexual na década de 90 com o então presidente americano Bill Clinton, se autodeclara “paciente zero na perda de reputação pessoal em escala global quase instantaneamente”.Segundo Lewinsky, há “um mercado no qual a humilhação pública é uma moeda e a desonra, uma atividade econômica”. “Como se faz dinheiro? Com cliques. Mais vergonha, mais cliques. Quanto mais visitas, mais ganhos com publicidade”, ela afirma na palestra. “O esporte sangrento da humilhação pública precisa acabar.”
Ronson, antes um praticante da humilhação on-line, conta também em seu livro o processo no qual foi se distanciando do comportamento, e escreve ao fim que agora já não participa mais de condenações públicas de ninguém, “a não ser que eles tenham cometido alguma transgressão em que realmente exista uma vítima, e nem assim tanto quanto eu provavelmente deveria”. E termina: “Nós nos achamos inconformistas, mas acho que isso tudo está criando uma era mais conformista e conservadora. Nós estamos definindo os limites da normalidade por destruir as pessoas fora dela”.
Por que não pensamos nisto antes de postar no Facebook?
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Tem gente confundindo fato com ficção e Isaac Newton com Hugo Chávez
22 de Junho de 2015, 11:06O Engarrafamento Bolivariano
Marcelo Zero, via e-mail
22/06/2015
Aos que tentavam politizar todas as manifestações culturais, o grande crítico Sérgio Augusto costumava perguntar se o violão do Baden Powell era de direita ou de esquerda.
Há, de fato, coisas que não podem ser politizadas. Como o etéreo violão do Baden Powell, ou como as leis de ferro da física.
Um bom exemplo dessas últimas é a lei da impenetrabilidade da matéria, formulada, entre outros, por Newton, a qual afirma que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo.
É a lei que explica os engarrafamentos de trânsito. Com pouca pista (espaço) e muitos veículos (corpos) o trânsito invariavelmente engarrafa. Principalmente quando há acidentes.
Foi o que aconteceu manhã da última quinta-feira, em Caracas. Conforme todos os jornais venezuelanos, inclusive os da oposição,que funcionam livremente, uma carreta carregada de farinha tombou na já normalmente complicada autopista que liga Caracas ao seu aeroporto, provocando um enorme engarrafamento de trânsito.
Isso é um fato. Não é de esquerda e nem de direita. Simplesmente é.
Também é fato que, numa democracia, todos têm direito à manifestação. Pode parecer estranho para alguns, mas a Constituição da Venezuela, aprovada em referendo por mais de 70% da população, assegura, até mesmo aos chavistas, o direito à opinião e à manifestação.
Direitos são direitos. Não são de esquerda nem de direita. E democracia é democracia para todos. Não é prerrogativa exclusiva da direita.
Da mesma forma, é um dado da realidade que todos, de direita ou de esquerda, podem cometer equívocos. Esse parece ter sido o caso da flamante comissão senatorial que foi a Caracas na última semana.
Para ficar no terreno reconfortante dos eufemismos, era uma comissão que tinha pouco de elevada diplomacia parlamentar e demasiado de comezinha política eleitoral. Aparentemente, foi lá exportar o embate político interno do Brasil a um país já dilacerado por disputa intestina. Não foi lá para dialogar com as forças políticas responsáveis, apaziguar ânimos, propugnar pela solução à questão dos presos e, sobretudo, evitar mais violência e mortes, como faz a Reunião de Chanceleres da Unasul, da qual participa o Brasil. Conscientemente ou não, foi jogar mais lenha na descontrolada fogueira venezuelana. Tudo o que a Venezuela não precisava e não precisa.
Países que passam por crise grave e que estão à beira de uma guerra civil aberta precisam de bombeiros, não de incendiários, sejam de direita ou de esquerda. Isso também é fato.
Mas tem gente confundindo fato com ficção e Isaac Newton com Hugo Chávez.
É claro que se deve lamentar o constrangimento passado pela comissão de senadores brasileiros na Venezuela. Afinal, era formalmente uma comissão oficial do Senado, embora fosse, na realidade, uma comissão da oposição brasileira que foi lá se encontrar exclusivamente com as lideranças mais radicalizadas da oposição da Venezuela, as quais assumidamente querem derrubar o governo eleito de Maduro a qualquer custo, inclusive mediante o recurso à violência. É o beco sem saída do La Salida, proposto abertamente por Leopoldo López. Após o seu anúncio, oito chavistas foram assassinados na Venezuela. Outro fato.
Porém, lamentar o ocorrido, e pedir as explicações de praxe, não pode se confundir com uma concordância com a tese delirante de que o episódio foi ocasionado por um grande complô armado pelo governo da Venezuela, em conluio com o governo brasileiro e o Itamaraty.
Ora, o governo brasileiro, mesmo sabedor do caráter, assim digamos, pouco equilibrado da comissão deu todo o apoio à empreitada senatorial. O ministro Jacques Wagner providenciou o confortável jatinho e negociou exitosamente, com seu homólogo, o sobrevoo e o pouso da aeronave recheada de excelências. Fatos confirmados pela própria comitiva.
O embaixador brasileiro em Caracas cumpriu rigorosamente o protocolo previsto em tais ocasiões. Alugou as vans para a comitiva, providenciou a devida escolta policial e recebeu os senadores no aeroporto. Não acompanhou a comitiva porque não lhe cabia. Ademais, seria insensato fazer parte de uma comitiva em que estavam presentes representantes da oposição mais radical da Venezuela. O embaixador representa o Estado brasileiro e, como tal, tem de manter equidistância das forças em conflito. Não cabe ao embaixador do Brasil se meter nos assuntos internos da Venezuela.
Esse é um princípio básico da diplomacia que não é nem de direita, nem de esquerda.
Também não cabia ao embaixador do Brasil revogar as leis da física e remover magicamente o engarrafamento bolivariano. Ou mandar prender os poucos manifestantes chavistas que foram ao aeroporto protestar contra o assassino de uma professora grávida, que morreu nas democráticas guarimbas organizadas por ordem de Leopoldo López, as quais já mataram 43 venezuelanos, na maioria chavistas ou gente sem filiação política. Entre os mortos, há, inclusive, sete policiais venezuelanos, três deles executados com tiros na cabeça. Fatos macabros.
Morte é morte. Não é de esquerda e nem de direita.
Quanto ao governo Maduro, cabe perguntar o que ele ganharia com isso. Com efeito, a comissão, caso tivesse tido êxito, teria caído no merecido olvido reservado aos equívocos políticos. Adquiriu toda essa notoriedade graças ao seu providencial fracasso.
Outras autoridades internacionais, como Felipe González, já tinham visitado López, condenado pela justiça por incitação à violência, sem nenhum problema.
Se Maduro tivesse querido demonstrar força ante a comissão senatorial, teria facilmente convocado 400 mil chavistas ao aeroporto, não 40. Também não parece factível que Maduro tenha ordenado paralisar o trânsito de Caracas para irritar Aécio e companhia. Essa hipótese simplesmente carece de bom senso e transborda megalomania e paranoia.
E o bom senso não é de esquerda nem de direita. Não é de bom senso politizá-lo.
Agora, os senadores, irritados com o engarrafamento e magoados com a manifestação, que abalou egos mas não a segurança, querem tirar a Venezuela do Mercosul, sob a alegação que houve ruptura da ordem democrática, conforme prevê o Protocolo de Ushuaia. Também insistem em acusar o governo brasileiro e o Itamaraty pelo fracasso anunciado da intrépida comissão. Querem até levar o caso à OEA.
O engarrafamento bolivariano e a gigantesca manifestação chavista seriam, aparentemente, as provas definitivas dessa ruptura e do complô comunista binacional.
O senso do ridículo não é apanágio da esquerda ou da direita. Ou não deveria ser.
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O professor da UFV, o Facebook, a notícia falsa, o reacionarismo e a formação jornalística no Brasil
18 de Junho de 2015, 10:42Um caso tomou a atenção mídia ontem: G1, G1, O Tempo, Alagoas em Tempo Real, EstadãoEstado de Minas, Fórum, O Dia, Tribuna de Minas,Brasil de Fato, trata-se de uma postagem no Facebook do professor Joaquim Sucena Lannes, chefe do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Em seu perfil do Facebook, Lannes veiculou uma notícia falsa e ao veiculá-la fez um comentário de apologia à violência.
Ele foi denunciado administrativamente (nº do registro da sindicância: 007921/2015), afastado da Chefia do Departamento ontem à noite e e será apresentada ainda hoje contra ele uma denúncia na delegacia civil.
Há tantos equívocos numa única ação deste professor que se agíssemos como ele poderíamos escrever ‘bem feito’! Mas acho que tal postura não ajudaria muito. Não creio que o debate mesmo que discordemos do que diz o professor deva se reduzir ao pensamento expresso no comentário infeliz de Lannes em seu Facebook. Eu ainda acredito na convivência de pensamentos diversos e no respeito às leis. Portanto, não direi caso o processo civil e administrativo leve a sua exoneração algo como ‘está com dó do reacionário, leva pra casa’.
Vamos ao caso:
1) Um professor que é chefe do Departamento de Comunicação Social de uma universidade federal não se dá ao trabalho de investigar se a dada notícia que circula nas redes e que ele reproduz em seu perfil é verdadeira ou falsa. Isso diz muito sobre um certo tipo de jornalismo praticado onde parece que o fato não tem relevância. Mais que a gravidade de um comentário que incita a violência, “o olho por olho, dente por dente“, chama a atenção a ausência de um saber basal de qualquer um que trabalha com comunicação mas, especialmente, um saber que é condição mínima para se chefiar um departamento de Comunicação numa universidade federal: rigor com os fatos, apuração jornalística antes de publicar qualquer notícia.
Sobre a dificuldade do professor que coordena o departamento de Comunicação em distinguir notícias falsas de verdadeiras na rede chama a atenção alguns posts de seu perfil no Facebook. Nestas duas postagens reproduzidas abaixo, compartilhadas por ele do Sensacionalista fico em dúvida pelos seus comentários se ele sabe que se trata de um site de humor:
2) Segundo dado preocupante neste caso: temos um professor de uma universidade federal que forma novos profissionais da comunicação que parece não fazer a menor ideia de que um juiz não pode desprezar a lei em seus julgamentos.
Se a notícia fosse verdadeira, um jornalista para emitir fazer qualquer opinião sobre o caso, para fazer qualquer juízo de valor sobre o evento, precisaria considerar que uma decisão judicial não pode ignorar os princípios legais. Juiz aplica a lei. Seja um juiz conservador ou um juiz democrático suas decisões judiciais precisam estar embasadas na lei. Nenhum juiz pode julgar um caso baseado em sua decisão pessoal. A Justiça no Brasil não alcança os que não podem pagar por um advogado, se os juízes começarem a julgar todos os processos com base em suas convicções pessoais abrindo mão da lei, voltaremos ao tempo das cavernas, o tempo da ausência do Direito estabelecido.
Boa ou ruim a lei existe para mediar conflitos, punir infratores e assegurar direitos, inclusive aos infratores, ao menos os direitos que estão estabelecidos nos códigos penais e outras leis que regem o país. Por isso repetir frases reacionárias como ‘bandido bom é bandido morto’ é no mínimo ignorar as leis do país.
Bandido deve ser julgado e, se condenado, cumprir a pena que a lei prescreve ao crime cometido, garantindo-lhe o que diz a lei. Por mais hediondo que seja o crime cometido e por mais que desejemos o sofrimento e morte dos bandidos que cometem crimes hediondos, os presídios não deveriam ser infestados de ratazanas, superlotados, um lugar onde presos se matam decapitando uns aos outros. Presídios, em teoria, são lugares para os condenados pagarem por seus crimes e reaprenderem a viver em sociedade.
Voltemos à ação do professor. Antes da repercussão de sua postagem, Lannes justificou sua opinião como sendo ‘apenas uma reflexão‘. Reflexões, especialmente produzidas por acadêmicos, costumavam ser fruto de pesquisa e análise, exigiam tempo de maturação das ideias, mas parece que hoje elas são moldadas pela repetição ad nauseam de frases feitas ditas por figuras como Sheherazade:
“Engraçado, algumas pessoas acharam que meu pensamento é errado. Mas é apenas uma reflexão. A polícia prende meliantes, ladrões, estupradores, etc. Gente que entra em nossas casas e matam, ferem, estupram, entre outras coisas. Depois, um juizinho vem e solta o meliante para fazer mais. Ok, não vamos discutir por isso. Isto é minha opinião. Não gostou? Levem o meliante para casa, deem carinho a ele. O protejam. Sem problemas. O juiz solta e vocês acolhem. E fim de papo”.
Lannes com sua ‘reflexão’ deu margem para que comentaristas fizessem análise de seus conhecimentos gramaticais: “O protejam”, ele quis dizer: protejam-no. Chefe do departamento de comunicação e não sabe que é vedado iniciar uma frase com pronome do caso oblíquo. Há uma relação intrínseca entre o reacionarismo e a burrice”, diz um comentarista na notícia publicada no portal da Fórum.
Como não queremos incorrer em preconceito linguístico (arma utilizada pela direita conservadora para atacar aqueles que elas acham que não tem capacidade ou mérito para ocupar cargos importantes) não vamos falar da necessidade de professores universitários, de universidades públicas e de prestígio e dos que coordenam departamentos de Comunicação mostrarem o domínio da norma culta na produção de seus textos.
Nos portais li também opiniões de alguns comentaristas adeptos da ‘reflexão’ estilo Sheherazade dizerem que o professor está sendo “censurado”. Há um equívoco, a meu ver, neste argumento que ignora que nossa liberdade de expressão também está condicionada às leis, especialmente à Constituição que veda a apologia à violência. Falar em censura neste caso também não se aplica, porque nenhuma ordem judicial obrigou o referido professor a apagar o seu post. Por que então o referido professor que estava apenas ‘refletindo’ apagou seu próprio post? Talvez porque tardiamente tenha percebido que a liberdade de expressão de cada um de nós está condicionada à responsabilidade do que expressamos.
Este caso permite ainda que reflitamos sobre o falso argumento da direita reacionária no Brasil que quer Paulo Freire expulso das escolas (como se a pedagogia freiriana fosse realidade nas escolas brasileiras). Esse grupo usa o termo ‘ideologia’ como se o seu pensamento não fosse ideológico. Podemos ver na fala deste professor e em várias de suas postagens no Facebook o quanto há de ideologia reacionária em seu pensamento. A questão que me assalta após a breve análise deste caso é: em que estado se encontra a formação jornalística no país?
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