Muitos acontecimentos na vida política do país e na nossa região de Campinas têm me preocupado nos últimos tempos, pois o que está em jogo não é a vida de fulano ou ciclano e sim o destino de um partido que fez história.
Como o brasileiro não tem cultura partidária e não consegue entender que não há democracia sem partidos, joga tudo no sujeito partidário e não em quem usou e usa as siglas para seus interesses pessoais e a saga de poder. O que deveria ser de fato discutido é qual é o projeto politico-ideológico que esse ou aquele partido defende, pois aí saberíamos de que lado está ou a quem serve.
De antemão quero destacar o PT de Campinas que com todos seus problemas e disputas internas, amadurece e por unanimidade lança o nome de Marcio Pochmann para prefeito, com uma vice mulher e com composição paritária. Algo inovador num país de herança machista entranhada no nosso dia a dia.
Quero iniciar essa conversa me perguntando até que ponto a militância política cresceu nos últimos anos que a fizesse defender com clareza uma causa? Até que ponto quem se considera liderança não usa ainda sua base política como verdadeiras “garrafinhas”, que servem apenas para votar? Até que ponto o Partido dos Trabalhadores cresceu, que possibilite rejeitar candidatos e candidatas que transformam seus mandatos em mandatos de resultados, como se fossem gestores de empresas privadas? Estamos preparados para substituir os candidatos eternos? Trabalhamos nossas bases para a renovação?
São muitas perguntas em busca de novas respostas. Quem vive a vida partidária passo a passo não pode se deixar contaminar por essa ou aquela conduta, que nada tem a ver com as comuns divergências das sadias linhas de pensamento, onde só o PT tem. Quem não aceita isso é porque quer o partido só para si para atender suas necessidades e aí a luta será dura.
Numa visão mais geral, há de notar que a vida politica do país passa por uma verdadeira convulsão social. De um lado alienados e alienadas em fúria marcham para o precipício, sem ao menos se darem conta que estão sendo massa de manobra de malafaias, bolsonaros, cunhas e tantos outros calhordas e do outro um movimento que ressurge das cinzas, diversificado, com pouca origem partidária, porém com um cunho ideológico muito claro. Lutar pela manutenção da democracia e da liberdade política.
O que se faz necessário e urgente é discutir com esses movimentos e com os grupos que vão se organizando, se esse momento para eles representa o sonho de mudanças profundas na sociedade ou apenas a fantasia do enfrentamento que poderá morrer quando a primeira barreira for rompida.
Uma das diferenças entre sonhar e fantasiar, é que enquanto sonhar requer um caminho a trilhar que pareça viável, mesmo que leve tempo, fantasiar caminha na velocidade do vento, sem direção e com a sensação de que de fato aconteceu. Enquanto sonhar nos compromete e nos responsabiliza por às vezes nos distanciar dos sonhos por pura distração, fantasiar se constrói na calada dos nossos silêncios, muitas vezes de forma irresponsável. Enquanto os sonhos nos alimentam, a fantasia nos engana de que estamos alimentados.
Embarco nessa abstração para tentar moldar no campo da militância política, quem milita por uma causa e quem é levado pelas fantasias de alguém. Quem age impulsionado pelas escolhas conscientes e quem age apenas por interesse no que chama de poder, ou ainda para alimentar o ego e os sonhos sejam de quem for.
A meu ver, os desencontros contidos numa sociedade de desiguais e manipulados pela fantasia dominante, leva grande parte da população a enxergar sonhos como ilusão, enquanto fantasiam sem compromissos e sem responsabilidades, compondo um cenário do faz de conta, seja por ação ou por omissão. Não vivem de fato a vida, são apenas levados por ela.
Essa viagem ao faz de conta seduz, não só os que poderiam ser considerados como alienados e alienadas, mas infelizmente também o universo de instituições como sindicatos, partidos, organizações não governamentais e principalmente o universo político eleitoral, onde a extrema maioria decide uma eleição pura e tão somente pela emoção e muito longe da razão.
Toda vez que uma pessoa vai à urna votar apenas porque é obrigado, age ou por desprezo, induzido por uma mídia viciada e partidária, e assim vota em qualquer um ou uma ou ainda vota por pura paixão, achando que seu candidato é o melhor, sem ao menos conhecer suas reais intensões. O resultado é esse Congresso Nacional espúrio. O mais conservador e reacionário da recente história do país. Ou seja, a pessoa desinformada não constrói e sim é levada a construir sonhos alheios ou ainda embarcar na fantasia que não lhe pertence.
Como dizia Paulo Freire, sonho com uma sociedade se reinventando de baixo para cima, onde, a partir de um processo anárquico consciente, questione-se e peite-se toda forma de poder exercido de cima para baixo. Nesse processo, mais vale um ano de experiência popular do que cinquenta anos de vida política, dedicada ao próprio ego.
Mesmo que a democracia representativa fosse apenas o ato de votar, defendo que as pessoas exerçam esse direito sem serem manipuladas ou conduzidas como as garrafas são num caminhão de entrega.
Mesmo que a democracia representativa fosse apenas o ato de votar, defendo que as pessoas exerçam esse direito sem serem manipuladas ou conduzidas como as garrafas são num caminhão de entrega.
O ato de sonhar começa a se materializar no exato momento da revolta e se concretiza quando as pessoas dizem não a qualquer sistema que oprima e alimente o poder de alguns e algumas contra a maioria que se faz conduzida.
Na vida real sonho e fantasia se completam, porém na vida política a fantasia afasta a possibilidade da luta concreta e aí acaba virando um pesadelo.
Que tal transformarmos as "garrafinhas" num exército de homens e mulheres que dirão sim para o que sonham e não para as fantasias seja de quem for?
Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com