Estamos nos aproximando das eleições. Um momento especial para a manutenção da democracia. O que vai ser decidido é se voltamos ao passado de trevas onde só um setor privilegiado tinha vez ou se continuamos em busca da inclusão da população, principalmente a mais carente no caminho da cidadania.
No meio desse oceano de incertezas com tantas promessas descabidas e mentirosas feitas pelos neoliberais e neoconservadores, tem algo que não tem explicação científica. Como os brasileiros adoram transformar algumas pessoas após a morte em santos do dia para a noite, sem ao menos um milagre sequer. Simples assim. Nem precisa de canonização e de milagres comprovados. O povo simplesmente o elege santo. Assim foi com Getúlio, Tancredo, Ulisses Guimarães e agora com Eduardo Campos. Não quero entrar no mérito desses homens como políticos, muito menos como homens públicos, isso fica para outra matéria, apenas da santidade atribuída. Pois de santos nenhum deles tinha nada. Tiveram seus momentos na história, mas não de santidade.
Diante do cenário nebuloso após o desastroso acidente, construído pela velha mídia, que sonha dar um golpe em Dilma e no PT e por alguns oportunistas de plantão, tem algumas perguntas que ficam paradas no ar, como por exemplo: O processo eleitoral está em crise? Como a maioria escolhe seu candidato ou candidata pela emoção e não pela razão, ou ainda pelo vizinho, como se dá essa escolha? Será que a maioria dos eleitores sabe em quem votou nas últimas eleições para deputado, por exemplo? Como o cidadão pode participar do processo político do dia a dia, se a mídia lhe fala diariamente que todos roubam ou que a política é uma coisa ruim? O que fazer para conter essa barbárie da mídia golpista como o quarto poder?
Quero acreditar que o processo eleitoral em si não esteja em crise, pois representa em regras gerais a festa da democracia. O que está em crise é o modelo eleitoral adotado, assim como o modelo de democracia escolhido pelo sistema econômico. Esses caminham a passos largos para o descrédito total. A maioria não representa ninguém.
Por um lado à velha mídia ora assopra quem escolheu e ora empurra no fogo um próprio assecla que se desviou dos interesses combinados com o sistema, como foi o caso do Collor e por outro, uma grande parte dos políticos se apaixonam tanto pelo poder, que acabam transformando um cargo que deveria ser transitório numa profissão e assim nascem os políticos de carreira. Só não se eternizam de forma vitalícia, como era o caso do Senado no passado, quando não conseguem, porém alguns nascem e morrem vereadores, deputados e senadores. Salve o Partido dos Trabalhadores, que no seu quarto Congresso, aprovou que os novos eleitos não poderão ficar por mais de três mandatos consecutivos.
As pessoas que não participam de nada, por acharem que o universo político é uma coisa do mal, são embaladas pela onda de boatos ou ainda pela questão emocional e vão votando em qualquer um. Porém, é visível que esse processo está na reta final e passa por um momento de séria reflexão, necessitando de uma ampla reforma política, que moralize de uma só vez os políticos e a política.
Para quem leva a coisa a sério, ou ainda para quem enxerga as eleições apenas como uma parte do processo de transformação da sociedade, não dá para ficar assistindo tudo isso “dando milho aos pombos”. É fato que a mídia direitosa e conservadora, pertencente a seis famílias abastadas, com seus escusos interesses, impõe seus candidatos na medida de seus interesses e ninguém consegue fazer absolutamente nada. Somente a criação, a revelia, de um Sistema Nacional de Comunicação, com conselhos estaduais, municipais e nacional, colocará ordem na casa, assim como a criação de um Sistema de Radiodifusão Comunitária, que coloque o rádio e a tv a serviços da população.
Além disso, se faz necessária uma ampla Reforma Política que aponte principalmente para um financiamento público de campanha, no sentido de evitar o que vemos hoje, onde as maiores empresas de cada segmento escolhem e elegem seus candidatos, na base do “é dando que se recebe”. As empresas investem e esperam as benesses futuras. Um verdadeiro investimento na coisa pública. Algo muito lucrativo. Como diz o Ministro Jorge Hage da CGU (Controladoria Geral da União), para ter o corrupto tem que ter o corruptor. Esse papel é desempenhado por muitas empresas, que no final saem como vítimas do processo e não como as verdadeiras corruptoras. Quem paga os dez por cento de propina para os corruptos senão as empresas?
Se isso não bastasse, ainda temos a corrupção direta como protagonista dessa negociata em nome da democracia representativa. Um grande número de políticos vive disso. Tiram dos cofres públicos os recursos que poderiam ser empregados em políticas públicas, voltadas à população carente do país, ou ainda para o desenvolvimento econômico e social.
Você leitor deve estar se perguntando: porque nunca dá nada? Primeiro devido a uma parte da Justiça brasileira estar atrelada ao processo e segundo pelo fato da população não participar do dia a dia da política, tanto na construção, como principalmente no controle social das políticas públicas, ao contrário, é incentivada pela mídia a não participar, com o pressuposto de que é assim mesmo, rouba-se mas faz. Isso já se configura quase que no censo comum, fazendo com que os políticos sérios sejam obrigados a explicar o inexplicável.
Mais uma coisa me aborrece e muito. Os políticos de carreira contabilizam suas forças políticas, contando “garrafinhas”, ou seja, a quantidade de votos que dizem dispor. Tratam o povo, principalmente o mais carente, como “garrafinhas” (termo vulgar que alguns políticos de carreira chamam ao cidadão comum atrelado a eles) e isso, além de ser uma postura covarde, pois não é tratada às claras com o eleitor, faz com que aumente cada vez mais a distância entre o bem e o mal, entre o bom e mau político, entre a boa política desenvolvida a várias mãos e os “santos” de plantão que usam o povo para resolverem seus anseios pessoais. Esses políticos não representam ninguém a não ser a eles mesmos.
Votar em qualquer um acreditando que todos são ladrões, como é pregado, é no mínimo uma grande contradição, se não fosse cumplicidade. É mais ou menos assim: vota-se num ladrão esperando que esse ladrão possa lhe ajudar no futuro. Ou seja, uma corrupção combinada.
O resultado de tudo isso é desastroso, pois a maioria nem percebe que vota as vezes contra sua própria vida. Só para se ter uma ideia, 61% da sociedade brasileira é composta por trabalhadores e apenas 6% por patrões, porém no Congresso Nacional a coisa se inverte. A bancada dos empresários é bem maior, representando 49%, contra apenas 19% de trabalhadores. Com relação às mulheres, representam apenas 8% das cadeiras da Câmara e 2% a do Senado e negros e pardos apenas 8% dos parlamentares. Ou seja, acaba se elegendo quem tem mais dinheiro para propagandas e quem consegue mais tempo nos veículos de comunicação.
Esses números apenas revelam que o Congresso Nacional está muito longe de ser democrático. Revela também o retrato da sociedade brasileira, que transfere seus sonhos para seus pretensos representantes e depois os criticam, sem ao menos conhecê-los, seja na hora do voto ou durante o processo de seus mandatos.
A escolha de forma consciente de um candidato ou candidata deveria ser primeiro pela razão, a partir de um projeto construído a várias mãos e só chegar ao coração quando houver uma aproximação suficiente e ao ser chamado para construir juntos. Vale salientar, que quando se fala de coração, está se falando de uma relação construída a partir da sinceridade, da lealdade, de valores sólidos e principalmente a partir da transparência. A população tem que parar de eleger políticos de carreira e eleger representantes de projetos coletivos, onde esteja vinculada a alternância de pessoas do próprio grupo, no sentido de produzir novas lideranças e novos formatos.
Faz-se necessário também que se enterre de vez essa história de santos políticos ou políticos santos. O que existe de fato e de direito nesse processo, são homens e mulheres sérios, comprometidos com a mudança da sociedade e com a fim da miséria e a exploração, que uma vez eleitos, são confundidos com a bandalheira, da qual a mídia é a primeira cumplice. A santidade está no comprometimento e não no milagre. Está na transparência e não na bondade oculta. Está na forma de tratar os cidadãos e as cidadãs e principalmente na forma de se fazer política.
Na minha concepção não há milagres e muito menos santos no processo político numa sociedade capitalista e sim pessoas que fazem com a população e outras que a população por comodismo, permite que seja usada como verdadeira massa de manobra.
Somente a participação popular poderá mudar esse cenário e tirar a hegemonia de quem quer fazer pelo povo. Quem é sério chama o povo para participar e quem não é fica arrumando desculpas como justificativas e amuletos para que a população fique bem longe.
Para que um candidato ganhe o coração de seus eleitores, não precisa de barganha e muito menos troca de favores, precisa apenas tratá-los como protagonistas de uma causa política e de um projeto coletivo. Algo mais simples que o fluir das águas de um rio.
Quem lhe trata como garrafinha não lhe representa.
Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada
em Gestão Pública da Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro1608@gmail.com
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