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Agricultura tradicional de flores sempre-vivas pode ser 1º patrimônio agrícola mundial brasileiro

21 de Junho de 2018, 18:29 , por ONU Brasil - | No one following this article yet.
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Parque Nacional das Sempre-Vivas, em Minas Gerais. Foto: Wikimedia Commons/Carolina Teixeira de Melo Franco (CC)

Parque Nacional das Sempre-Vivas, em Minas Gerais. Foto: Wikimedia Commons/Carolina Teixeira de Melo Franco (CC)

O sistema de agricultura tradicional da Serra do Espinhaço, no território Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais, pode ser o primeiro Patrimônio Agrícola Mundial brasileiro. Nesta região, vivem comunidades rurais tradicionais que, ao longo de séculos, realizam a coleta de flores sempre-vivas e mantêm o cultivo ancestral de roças e criação de animais.

Os apanhadores serão a primeira candidatura brasileira ao programa de reconhecimento de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A candidatura ao selo de Patrimônio Mundial da FAO será oficializada esta semana durante o I Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, que ocorre em Diamantina até sexta-feira (22).

Durante a solenidade, será entregue ao representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, um dossiê com a história das comunidades, a maioria quilombola, e o plano de conservação do sistema agrícola mantido pelas famílias.

O documento foi elaborado pela Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas da Serra do Espinhaço de Minas Gerais (Codecex), em parceria com o governo de Minas Gerais, as prefeituras onde as comunidades estão localizadas, e universidades.

Alan Bojanic explica que este reconhecimento concedido como Sipam tem como objetivo valorizar práticas ancestrais que têm sido preservadas ao longo do tempo.

“São poucos lugares no mundo que têm este reconhecimento. Reconhecer os apanhadores de flores de sempre-viva vai promover investimentos, políticas públicas adequadas, geração de empregos e, certamente, mais renda para estas famílias. Vai ser um grande orgulho para esta região de Minas Gerais e também para o Brasil, já que será o primeiro sitio do país.”

Na América Latina, o corredor Cuzco – Puno tem o reconhecimento como Sipam. O lugar guarda uma história de domesticação de cultivos e animais de quase 10 mil anos.

Atualmente, são 51 patrimônios agrícolas em todo o mundo que têm este reconhecimento da FAO.

Modo de vida de quilombolas e descentes de indígenas

O sistema agrícola tradicional dos apanhadores de sempre-vivas fica na parte mineira da Serra do Espinhaço e abrange os municípios de Bocaiúva, Olhos D’Água, Diamantina, Buenópolis, Couto Magalhães, Serro e Presidente Kubitscheck.

O sistema representa o modo de vida de cerca de 20 comunidades, entre quilombolas e descendentes de indígenas, que se estabeleceram há séculos na região. Nesta primeira etapa, o Sipam vai abranger apenas os municípios de Diamantina, Presidente Kubitschek e Buenópolis.

As sempre-vivas são espécies características endêmicas do cerrado. As comunidades preservam conhecimentos ancestrais no manejo das flores, no cultivo de roças e na criação de raças caipiras de animais.

Guardiões

Os apanhadores de sempre-vivas se intitulam guardiões tanto das sementes das flores como de outras plantas agrícolas tradicionais.

Estudos da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) mostram que os mais de 90 tipos de flores sempre-vivas já identificados foram preservados pelas comunidades. A contribuição está na técnica ancestral de fazer a coleta, prática da agroecologia, rotatividade no plantio das roças e o uso de sementes crioulas, cultivadas ao longo de gerações.

“Os apanhadores de sempre-vivas são os guardiões da biodiversidade e da água locais, que com o seu modo de vida tem preservado esse território até hoje”, afirma Maria de Fátima Alves, a Tatinha, que é membro da Codecex.

Ela, que é apanhadora de flores, considera a candidatura ao selo de Patrimônio Agrícola Mundial um grande passo para o reconhecimento e valorização da tradição e cultura milenar das comunidades da região.

“Estamos falando de famílias que lidam com mais de 200 espécies de flores, folhas e frutos secos do cerrado, além da plantação de roças tradicionais e da criação de gado curraleiro e outros pequenos animais”, salienta Tatinha. O curraleiro é a primeira raça de bovino trazida para o Brasil na época da colonização.

Conhecimento transmitido entre gerações

Na família de dona Jovita Maria Correia, de 60 anos, da comunidade Mata dos Crioulos, a coleta de sempre-vivas vem de gerações. Ela conta que desde a infância acompanhava os pais nas idas para o alto da serra. “Meus pais me levavam desde bebê para colher flor na chapada. Sempre foi a renda da família”, relata.

A quilombola passou os conhecimentos ancestrais para os sete filhos que hoje a acompanham na plantação de roças e coleta de flores.

Dona Jovita, em sua simplicidade, tem consciência da importância da candidatura ao selo de Patrimônio Agrícola Mundial pela FAO. “Vamos ver se a gente consegue alguma coisa, né. Vai ser muito bom para preservar nosso modo de vida. Do mesmo jeito que eu fui criada eu quero criar meus filhos, netos e bisnetos”, diz otimista.

Reconhecimento das tradições culturais

O programa de reconhecimento de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), identifica e reconhece sistemas de acentuada relevância sociocultural e agrícola por meio de um “selo”.

O SIPAM tem em seu escopo o reconhecimento de patrimônios agrícolas desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais em diversas partes do mundo. São sistemas que atravessaram adversidades ao longo da história e, mesmo assim, foram capazes de manter suas tradições culturais, diversidade agrícola e cumprir uma função ecológica.

Apoio

O Governo de Minas Gerais criou um grupo de apoio ao sistema agrícola tradicional dos apanhadores de sempre-vivas integrado pelas Secretarias de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA), Educação (SEE), Direitos Humanos e Participação Social (SEDPAC), Emater/MG, Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA) e Fóruns Regionais de Governo.

“O governo mineiro, ao envolver seus órgãos públicos no apoio a essa candidatura, sinaliza a valorização das práticas agrícolas tradicionais dessas comunidades como uma política pública essencial para garantia dos direitos humanos e socioambientais “, afirma Marcilene Ferreira da Silva, assessora da SEDA e coordenadora dos trabalhos.

Segundo Marcilene, a aceitação da candidatura ao selo de Patrimônio Mundial pela FAO já é um importante passo para o reconhecimento do modo de ser, de fazer e de viver dos apanhadores de flores sempre-vivas.


Fonte: https://nacoesunidas.org/agricultura-tradicional-de-flores-sempre-vivas-pode-ser-1o-patrimonio-agricola-mundial-brasileiro/

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