
Manifestantes em Manágua participam de protesto pedindo o fim da violência na Nicarágua. O cartaz diz “esta luta é não violenta” em espanhol. Foto: Artículo 66
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu na noite de segunda-feira (16) que o governo nicaraguense ponha fim à violência contra manifestantes que custou cerca de 280 vidas e dê início a um diálogo político para acabar com a crise que atinge o país há quase três meses.
Em visita à Costa Rica, Guterres disse que era uma “responsabilidade essencial do Estado proteger seus cidadãos, e esse princípio básico não poderia ser esquecido, especialmente quando, infelizmente, temos um número de mortos absolutamente chocante”.
Ao menos 12 pessoas foram assassinadas durante o último fim de semana no país, a maioria manifestantes atacados por policiais e paramilitares pró-governo. Os protestos começaram em abril como uma rejeição à proposta de reforma previdenciária, mas ganharam corpo e agora exigem a renúncia do presidente Daniel Ortega.
O chefe da ONU disse a jornalistas na segunda-feira (16) que “é essencial que a violência acabe imediatamente e que o diálogo político, o diálogo nacional, seja restaurado, porque só uma solução política é aceitável para a Nicarágua”.
Guterres afirmou que não era um “apoiador de análises simplistas de problemas complexos, mas que uma coisa era óbvia: há um número chocante de mortos devido ao uso da força por parte de instituições estatais, o que não é aceitável”.
Suas palavras foram corroboradas pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) nesta terça-feira (17) em Genebra, onde o porta-voz Rupert Colville lembrou o “crescente clima de medo e desconfiança” no país e pediu que a segurança dos manifestantes seja garantida, assim como seu direito à liberdade de expressão.
“A terrível perda de vidas deve parar — agora”, disse ele. “A violência é ainda mais horrível, já que elementos armados leais ao governo estão operando com o apoio ativo ou tácito da polícia e de outras autoridades estatais”.
Entre aqueles que perderam a vida protestando no fim de semana, dois morreram ao ser alvo de tiros na Igreja da Divina Misericórdia, na capital Manágua, onde manifestantes buscaram refúgio depois que a universidade que ocupavam foi atacada.
Dos que morreram nas manifestações até o momento, pelo menos 19 eram policiais, disse Colville, acrescentando que a polícia, junto com grupos armados pró-governo, removeram à força as barricadas erguidas por manifestantes e comunidades nas chamadas operações “comunidade limpa”.
Em meio a relatos de que manifestantes foram alvo de inúmeras violações de direitos, incluindo tortura e execuções extrajudiciais, o porta-voz do ACNUDH disse que há preocupações crescentes de que a violência se intensifique à medida que a Nicarágua se prepara para o Dia da Libertação, na quinta-feira (19), data que marca a derrubada do regime de Somoza em 1979 pelos sandinistas.
“Estamos expressando preocupação de que essa situação possa piorar”, disse Colville.
Desconsiderando alegações do governo segundo as quais os manifestantes estariam buscando uma mudança de regime, o porta-voz do ACNUDH acrescentou que não havia “oposição unida” e “nenhuma oposição armada”.
“Certamente, não é uma insurreição neste momento”, acrescentou, “apesar de essas acusações estarem sendo feitas pelas autoridades”.
A legislação antiterrorista aprovada na segunda-feira (16) pelo Congresso nicaraguense também representa uma ameaça potencialmente preocupante à liberdade de expressão, disse Colville.
Ele citou a formulação muito vaga do artigo 394 e sua definição de terrorista como alguém que deixa mortos ou feridos ou destrói propriedade pública ou privada.
“Esse texto é muito vago, permitindo interpretações que podem incluir pessoas que estão simplesmente exercendo seu direito de protestar”, disse o porta-voz do ACNUDH.
Há também preocupações de que os defensores dos direitos humanos tenham sido submetidos a desaparecimentos forçados, como nos casos de Medardo Maireno e Pedro Mena.
De acordo com o ACNUDH, a polícia os deteve na sexta-feira (13), no aeroporto de Manágua, e suas famílias até agora não foram informadas de seu paradeiro, apesar de repetidas ordens judiciais.