Raquel Varela: A França, isso é uma revolução?
December 9, 2018 6:00Vou contar-vos as coisas magnificas que aconteceram em França nestes dias. Extraordinárias. Polícias que retiraram capacetes e cantaram com os manifestantes a Marselhesa; bombeiros que numa homenagem em frente à prefeitura viraram as costas aos políticos vestidos com cores da França e abandonaram a homenagem; manifestantes de extrema-direita expulsos das manifestações por coletes amarelos; portagens ocupadas pelos manifestantes que impedem que se cobre passagem; há sindicatos da polícia que aderiram já à manifestação de amanhã, e sindicatos ferroviários que decidiram não cobrar bilhete aos manifestante que se dirigem amanhã a Paris. Greves e assembleias gerias de estudantes. As centrais sindicais do status quo pedem recuo nos protestos, mas representam no total menos de 7% dos trabalhadores franceses. A França vive uma revolta – não sei se é uma revolução, mas não é um movimento social como outros. É, na minha opinião, a primeira batalha perdida pelo neoliberalismo, depois da sua grande vitória, marcada pela derrota dos mineiros nos anos 80 por Margaret Thatcher. Um novo processo histórico nasceu este mês na França. Tudo pode acontecer – a história acelera agora a uma velocidade que nos parece estonteante. Em 3 dias Macron recuou 2 vezes, não é certo que o seu mandato sobreviva. O movimento já está na Bélgica.
Vi com encolher de ombros a facilidade com que tantos aqui acreditaram que era a extrema-direita a dirigir aquele que já é o maior movimento europeu contra o neoliberalismo.
Continua a espantar-me a facilidade com que acreditamos no senso comum, a credulidade, a ausência de sentido critico. Mas alguém imagina que a extrema-direita tem de perto ou longe alguma organização para dirigir milhões de pessoas nas ruas há 3 semanas? Não, as pessoas acreditam porque querem acreditar. Desta vez não é necessário um aguçado sentido critico, bastava ler o Le Monde, o El País e ver a Euronews para perceber o susto na cara de Le Pen nos últimos dias, o pânico na face de Macron e a situação de crise no poder do Estado. E, sobretudo, o esforço que Macron fez para que Le Pen apareça como responsável e líder de um movimento. Ora, a esquerda aderiu ao Movimento formalmente, e há vários relatos da extrema-direita expulsa das manifestações. Também há de centrais sindicais amarelas – o que a meu ver é errado. O fascismo não pode ter espaço algum, porque é inimigo das liberdades, o reformismo, por pior que seja, deve ter liberdade de manifestação. A cólera do Movimento dirige-se contra as prefeituras, centenas foram atacadas e uma totalmente queimada. A crise dos partidos tradicionais é total, a separação entre representantes e representados de massas. Macron lembrou-se finalmente que foi eleito com menos de 25% dos votos dos franceses. Quantas vezes temos insistido que força eleitoral não é representação social, António Costa e Geringonça?
A França está a viver uma situação inédita desde o Maio de 68. São trabalhadores, professores e cientistas, reformados e no activo, ferroviários e estudantes, sectores médios proletarizados em massa. O centro da luta é a chamada Diagonal do Vazio, uma área geográfica de pequenas e médias cidades que vai do nordeste ao sudoeste do país. Nevers foi o epicentro. Nestas cidades os manifestantes – todos senhores e senhoras, como poderão ver pelas reportagens, envergando o seu colete amarelo – explicam que têm que usar o carro, idosos, para ir às compras a 10 km de distância porque o grande comércio destruiu as mercearias – conta o El País; o saque das pequenas lojas é mínimo, a maioria das lojas destruídas são as de alta costura e os grandes armazéns – diz o Le Monde. A revolta começou contra os impostos, estão “fartos” de em nome da “economia dita verde” pagarem para serem cada vez mais excluídos, do acesso à cidade também; uma senhora conta que chega ao fim do mês com 70 euros; outro que “não tolera viver num país onde o PM veste um fato de 45 mil euros, 3 salários anuais de um operário”; um engenheiro não sabe se “metade dos manifestantes concorda com a outra metade” mas não vai “sair da rua” até que as coisas mudem. A pressão fiscal em França já é mais de 45%. Querem emprego e não o rendimento mínimo. Não são contra a imigração mas defendem que a solução está nos países de origem e que as políticas dos países ricos têm que mudar radicalmente.
Não gosto de violência. Nem de vandalismo ou destruição. Nunca mostrei simpatia pelos jovens desempregados ou sub empregados da periferia que vêm para a rua partir carros em França e Inglaterra. Ao contrário da direita, acho que eles não nasceram vândalos, acho que são animalizados pela exclusão social que a direita promove. Ao contrário de uma parte da esquerda organizada não acho que eles sejam uma esperança, nem uma forma de resistência – só vejo no vandalismo desespero e desistência. Sei também que a violência é mínima, a maioria, larga maioria, dos bairros pobres tem gente que com um esforço incrível vive do trabalho mais mal pago, e não desiste de viver. São os milhares de jovens que trabalham no comércio, construção civil, a vida deles não é partir, mas trabalhar por quase nada. Tenho muitas dúvidas sobre se os “partidores” pertencem à classe trabalhadora – sei que são filhos dela, não sei se não estão mais próximo do lumpen-proletariado. Misturar estes fenómenos, recorrentes na Europa, e minoritários, com o Movimento dos Coletes Amarelos é confundir uma tosta mista com um banquete em Versalhes.
Macron está a caminho de sair mal entrou não porque houve pancadaria no Arco do Triunfo, mas porque os coletes amarelos pararam a circulação de mercadorias há 3 semanas questionando a autoridade do Estado, que não os conseguiu impedir. E viram costas às autoridades políticas locais. O Movimento conta com o apoio oficial de 60% dos franceses.
Sabem que mais? Estou tão feliz estes dias. Ando há anos ouvir falar da “aristocracia” operária europeia e da esperança na periferia do mundo, qualquer movimento camponês com 200 pessoas pessoas na Ásia é mais aplaudido pela esquerda do que uma greve de médicos na Alemanha, logo apelidados de “privilegiados”. Foi por isso que escrevi um livro de História da Europa, que lembrasse o passado de resistência na Europa, a importância dos sectores médios, a centralidade da produção de valor nos países centrais, a tradição de consciência de classe na Europa – superior a qualquer parte do mundo – os trabalhadores na Europa, sem os quais não haverá solução civilizada no mundo. Passámos de um eurocentrismo para ujm periferocentrismo absurdo. Agora…sorte, sorte, sorte mesmo, porque tal precisão temporal não pode ser atribuída à previsão cientifica, é que o meu livro Um Povo na Revolução foi publicado em França justamente este mês. Eles não fazem ideia, os coletes amarelos, como esse pedaço de coincidência irrelevante para a história da humanidade me divertiu. Vou ceder no meu gosto por roupa bonita e vestir o tal do colete amarelo amanhã.
Não sei se é uma revolução. Pode ser. Ou não. Se não for, será adiada mas não evitada. Se estão com medo do mundo do trabalho, não imaginam que a ele devemos tudo o que de mais civilizado possuímos. Não olhem para o Arco do Triunfo em chamas, essas imagens de caos, mas para o triunfo da defesa organizada da cidade humanizada, do emprego com direitos, de um mundo justo, sem impérios e brutalidade social. Os coletes amarelos são isso, quanto mais apoio tiverem de pessoas que acreditam na vida civilizada mais serão ainda parte da solução.
Fonte: https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2018/12/07/a-franca-isto-e-uma-revolucao/
Mensagem de 29 de outubro de 2018
October 29, 2018 10:38Acordamos, é 29 de outubro de 2018. Vivos estamos e já velamos os primeiros mortos.
Livres, pelo voto, a nação feriu gravemente a Liberdade e a Democracia.
Majoritariamente, a sociedade escolheu abrir a porta do inferno.
Muitos, em nome de deus, fizeram e farão do ódio, da morte e da repressão suas armas para vencer na política. É a tragédia na história para um novo tempo.
A derrota desse largo campo que voltou a construir pontes e a se unir novamente em torno de valor fundamentais como liberdade, democracia, igualdade, deverá ser compreendida prospectivamente.
Essa derrota pavimenta avenidas para profundas transformações econômicas do sistema produtivo e do mundo do trabalho, disruptivas em múltiplas dimensões para um outro capitalismo e liberalismo. O parto desse outro mundo se fará com as dores da regressividade dos direitos sociais e políticos, condição para impor os custos das novas formas de desigualdade que serão geradas.
Será no luto do presente que lançaremos as sementes da resistência, que brotarão.
Lutar terá o desafio, a cada dia, subjetiva e objetivamente, de ser resignificado.
Amorosamente, indignados e revoltados, reafirmaremos o sentido da vida coletiva, o papel da política, o respeito às diferenças, os valores da igualdade e da liberdade.
Disputaremos o sentido e o conteúdo da disruptura desse outro mundo que está em construção.
Se fizermos tudo certo e a nossa derrota for breve, serão dez anos!
Acertamos muito! Erramos bastante!
Abatidos, abrem-se caminhos para o dilaceramento do nosso campo.
Incrédulos, veremos ruir os direitos sociais e políticos.
Será preciso resgatar a compreensão de que a vida coletiva continua, para além da vida de cada um.
Será preciso inventar as formas contemporâneas das lutas pela igualdade e liberdade.
Será um tempo no qual lutar para preservar as formas de liberdade precede como condição para lutar pela igualdade e justiça.
Levará um tempo para que o sentido contemporâneo da liberdade, igualdade e justiça se tornem, nesse outro mundo, hegemônicos novamente.
Nesse tempo, que passa, a tarefa será defender a liberdade e trabalhar na construção de pontes para reunir e unir um novo campo majoritário.
Por isso, atenção!
Na complexidade do presente há incontáveis contradições e conflitos.
Na complexidade do presente há oportunidades para se voltar a avançar.
Na complexidade do presente há possibilidades diante do inédito.
Na complexidade do presente há o desafio de enunciar a utopia que nos move para um outro futuro do presente.
Na complexidade do presente, abrem-se oportunidades para renovar, inventar, criar e inovar.
Na complexidade do presente, há noite, mas há amanhecer!
Seguiremos juntos e lutando sempre!
Abraço
Clemente Ganz Lúcio
Ainda que os ouvidos estejam tapados e os olhos turvos pelo ódio disseminado pela manipulação digital
October 15, 2018 21:33Iremos denunciar e mostrar que as coisas acontecem não somente pela burrice dos brasileiros e brasileiras, mas também pelo oportunismo dos José Silvérios do Reis e da esperteza do capital que os compra.
Que fique registrado nestes dígitos apagáveis que tudo o que está acontecendo não é somente insanidade, mas uma política bem elaborada e cuidadosamente aplicada pelos capitalistas, fazendo que os trabalhadores, pobres, ataquem a outros trabalhadores, mais pobres ainda.
Se algum dia o Youtube retirar este vídeo do ar, arrumaremos um jeito de subí-lo novamente.