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As rapidinhas do Sr Comunica - a aristodemocracia brasileira
9 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaEsse pequeno grupo de privilegiados soberanos, dentro da sociedade, lembra-me a aristocracia que, em tese, deveria ser a ideia oposta. A 'nobreza' que por hora nos governa, e por nobreza não entenda somente políticos, mas também investidores, ruralistas, empresários da comunicação, etc, não são nada democráticos ao exercerem a representação para a qual foram eleitos. Representação direta e eleita, no caso dos políticos, e representação indireta no caso dos empresários midiáticos, acionistas, militares, etc.
Exemplo simples disso é a eleição municipal do Rio de Janeiro. Assistir ao horário eleitoral na televisão é insuportável, exatamente por seu caráter nada democrático. Eduardo Paes, através das coligações inúmeras, é soberano na propaganda televisiva. Outros candidatos mal conseguem sorrir que o tempo acaba. Se a propaganda política deveria servir para mostrar propostas para o povo que concede sua soberania através das eleições, ela está falhando. E faço questão de deixar claro que não sou contra este ou aquele candidato carioca, mas é fato: é impossível ser democrático e fazer propostas profundas para a cidade em 30 segundos.
De modo geral, o sistema eleitoral brasileiro serve para manter os grupos soberanos que já estão no poder, com pequenas nuances partidárias através dos tempos. Latifundiários e ruralistas nunca deixaram o poder neste país. A elite financeira também não, bem como empresários midiáticos, etc. O voto, que foi uma conquista da sociedade, hoje é obrigatório e não é por acaso. É fruto de um Estado nada democrático que diz: quer votar? Então será obrigado. Não queria o direito de votar? Agora vote para todo o sempre. Amém. E se por acaso escolher não votar dentro de nossa democracia, sofrerá punições, restrições e pagamento de multa.
Na verdade, parece que o Estado brasileiro nos quer fazer entender que a participação popular na política se restringe ao voto, e o Brasil é um país tão democrático que nos obriga a participar. Digitando alguns números, de anos em anos, exercemos a nossa democracia representativa, que elege os soberanos que nos governam aristocraticamente e sustentam a quinta economia mundial como analfabeta funcional, desigual e altamente cara.
E vez em quando, muitos brasileiros ainda berram aos quatro ventos: "odeio política, pois todos são ladrões". Tenho dúvidas se todos os políticos realmente são ladrões, mas tenho certeza de que todos são criados, educados, crescidos e nutridos na mesma sociedade na qual vivemos (eu e você).
No mais, este texto não pretende encerrar o assunto, nem concluir nada com uma 'tiradinha genial'. A ideia é apenas te convidar a refletir nesta democracia na qual vivemos. Esta democracia que ainda mantém uma desigualdade social assustadora, que produz analfabetos funcionais de forma majoritária, que consegue ter os maiores custos para o povo e os maiores lucros para os empresários, que ainda elege o filho do filho do político (como se fosse um dom hereditário), que sustenta a preços absurdos hospitais públicos miseráveis, que ainda permite que 11 famílias dominem mais de 90% de toda a comunicação deste país e assim por diante. É esta 'democracia aristocrática' que devemos questionar.
Cadeia, o fetiche social do Brasil
9 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
Hipócrita e moralista, uma parcela da sociedade finge acreditar que será possível construir pais melhor a golpes de punição e vingança
Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa | Imagem: Fernando Botero, da série Família
Não sou advogada, não estudei Direito. Me espanta, mesmo assim, a ideia torta de justiça que vejo – e leio, e ouço – por aí. Essa noção bizarra de que quem comete qualquer crime “tem que pagar”, que atribui à Justiça a função quase exclusiva de punir, “dar o troco”, ou “vingar” as vítimas, me parece um tanto equivocada. Em geral é esse tipo de interpretação sobre o papel da Justiça na nossa sociedade que naturaliza a categoria “crime” e reproduz uma série de fantasias quase fetichistas sobre a figura de um “criminoso”.
Havia tempos eu não assistia A Grande Família, que andei achando os episódios meio bocós. Por acaso deixei pra desligar a TV mais tarde outro dia e tive o prazer de assistir a um episódio que trouxe várias destas questões à tona. No episódio, a pastelaria do Beiçola sofre um arrastão de um grupo de meninos chefiado por um estelionatário adulto (Luis Fernando Guimarães, hilário nesse papel como havia tempos eu não achava). No desespero, Lineu e o próprio Beiçola conseguem capturar um “bandido”: uma criança de pouco mais de dez anos de idade. Ele fica preso no banheiro, enquanto a família discute como proceder. No início, Dona Nenê é a única a questionar se ligar para a polícia é realmente o melhor a fazer. Ela lembra: “alguém já viu ladrão sair melhor da cadeia?”. Aos poucos a família se convence de que, realmente, não é para tanto. O menino só queria dinheiro pra comprar um game portátil.
Taí o “criminoso”
Isso me lembrou de outro episódio, desta vez da minha própria vida, sem roteirista global nem nada. Comecei com a mania de ler jornal diariamente quando tinha algo entre uns 11 ou 12 anos de idade. Eu estava decidida a ser jornalista e, claro, tinha que ler o jornal todo dia. Pois em certa ocasião – era 1998 ou 1999, já não me lembro – o jornal veio com uma foto de um menino negro chorando, estampando a capa. A manchete anunciava que ele havia sido condenado à morte em algum estado dos EUA, tampouco me lembro qual. O menino na foto chorava e eu, quase com a mesma idade, chorava a cada linha da notícia, que explicava que ele tinha uma deficiência mental e num surto havia matado uma outra criança, menor que ele.
Condenado à morte. Outro criminoso
Anos mais tarde assisti ao excelente Daniel, um filme de ficção baseado numa entrevista com o filho dos Rosenberg que sobreviveu à história toda com um pouco de lucidez (o que não foi o caso de sua irmã). Durante a guerra fria, o casal de origem judia foi condenado e executado na cadeira elétrica, acusado de espionagem (e não vou nem comentar que os judeus eram considerados criminosos na Alemanha nazista). Não havia, claro, prova alguma. Mesmo quando parece que há provas, porém, elas levam a erros cruéis. Um outro filme que assisti ainda depois de Daniel traz Kevin Spacey como um militante de direitos humanos que luta contra a pena de morte. Em A Vida de David Gale fica clara a possibilidade latente do erro.
Julius e Ethel Resenberg, assim como o ficcional David Gale, são todos criminosos
O “crime” não é um dado da natureza. É uma categoria inventada na nossa sociedade. Nem toda quebra de lei é crime. É a legislação que define o que é crime e o que não é. Essa legislação é feita inteirinha por pessoas, que têm interesses, posicionamentos políticos, moral religiosa, moral laica; que foram criadas nessa mesma sociedade que se estrutura por meio de classes sociais, categorias raciais, e de uma matriz heterossexual de comportamento que é bem opressiva. Decorre disso que existe sempre um embate pela definição das leis. Nesse embate, as ideias que propagamos, reproduzimos e defendemos sobre o que deve ser a justiça, qual deve ser seu papel, pra que serve o sistema prisional, etc. são essenciais. Elas forjam os termos mais práticos da lei.
A existência da pena de morte em qualquer país que utilize esse modelo de Estado moderno (o mesmo que nós utilizamos), está necessariamente apoiada pela crença de que o Estado, por meio da justiça, está “vingando” as vítimas de uma certa ação criminosa. Isso se aplica também nos casos em que a “vítima” não é uma pessoa, mas uma ideia, como a propriedade privada ou a moral sexual. Há uma série de países em que o simples ato de fazer sexo anal (não importa a sexualidade dos envolvidos) é punido com a morte. Nos EUA, país que muita gente julga um “modelo” de civilidade e cidadania, até bem recentemente havia estados em que a prática do sexo oral era proibida. Na Nicarágua, uma mulher que abortar um feto gerado por um estupro é uma criminosa.
No Brasil, o Conselho Nacional de justiça conta que mais de 40% da população carcerária é composta de gente que não foi considerada culpada, que não teve julgamento. Como socióloga, não sei explicar exatamente por que isto acontece, mas imagino que a mentalidade punitivista da população, em geral, tenha algo a ver com isto. As pessoas parecem sempre mais preocupadas em que se bote gente na cadeia do que em que de fato haja um processo justo. Os argumentos, circunstâncias e minúcias pouco importam: o que a população normalmente brada pelos quatro cantos (da internet, inclusive) é que o acusado tem que ir preso e pronto. Já compra-se imediatamente a ideia de que acusados são culpados, o que é deveras problemático.
O julgamento do mensalão é um prato cheio para observar a expressão deste tipo de pensamento. Pergunte às pessoas na rua: não lhes interessa quem é de fato culpado de algum crime, quem se enquadra na lei e quem não se enquadra. A população julgou, seguindo a mídia de massas, que se jogue todo mundo na cadeira e fim. A mesmíssima população que, enquanto posta cartazes “contra a corrupção” no Facebook, sonega seus impostos, transfere suas multas de trânsito por altíssima velocidade (e reclama de uma inexistente “indústria da multa”), entre outros pequenos atos de corrupção cotidianos. Colabora, ainda, para que a corrupção política no Estado continue. Como? Defendendo que o voto continue obrigatório, votando em qualquer candidato para vereador, ou “deixando a política para os políticos”. Pra ficar em exemplos corriqueiros. “Detesto política” ou “sou apolítico” vêm em geral das mesmas bocas que se dizem “contra a corrupção”. Assim fica difícil.
O episódio de “A Grande Família”,
Assim como o menino executado nos EUA,
Assim como o casal Rosenberg ou David Gale,
Assim como os praticantes de sexo anal em alguns países,
Assim como as mulheres nicaraguenses estupradas que se recusam a gerar tais fetos,
Assim como seu vizinho que sonega impostos na microempresa dele,
Assim como você ao transferir uma multa para o nome de outra pessoa,
São todos criminosos.
Você não é menos criminoso por ser branco e de classe média/alta. Só tem mais dinheiro e mais recursos pra não ser preso sem julgamento. Aproveite a oportunidade de ter o mensalão sendo julgado, o episódio de A Grande Família, e eleições municipais assim, no mesmo ano, uma coisa pertinho da outra, e pense no que é que significa, de fato, “justiça”. Assim, com “j” minúsculo.
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MPF vai investigar crimes contra indígenas cometidos pela ditadura
9 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaPor decisão unânime, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) vai investigar os crimes cometidos contra os povos indígenas pela ditadura militar. Estão na mira do órgão violações impostos aos suruís, obrigados a ajudar os militares a combater os guerrilheiros do Araguaia, e aos waimiri-atroari, dizimados para a construção das grandes obras que sustentavam o projeto desenvolvimentista do regime.
Por Najla Passos
Brasília - A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) vai investigar as denúncias de crimes cometidos contra os povos indígenas pela ditadura militar (1964-1986). A decisão unânime foi tomada em reunião do órgão colegiado realizada em 7/8, e publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 5/9. A base foi a entrevista “Houve extermínio sistemático de aldeias indígenas na ditadura”, concedida à Carta Maior pelo índio José Humberto Costa do Nascimento, o Tiuré Potiguara, em 2/8.
De acordo com a assessoria da 6ª Câmara, já estão em curso as investigações preliminares que, se comprovadas, subsidiarão a abertura de um inquérito civil. Na quinta (6), o órgão entrou em contato com Tiuré, que vive em uma pequena aldeia potiguara no litoral da Paraíba, para combinar a melhor forma de tomar seu depoimento. “Ainda bem que o MPF se interessou em investigar o assunto, porque até agora não tive retorno da Comissão Nacional da Verdade, onde me prontifiquei a depor”, afirmou ele.
Tiuré Potiguara ingressou nos quadros funcionais da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1970, com o sonho de se tornar um indigenista capaz de influir positivamente na melhoria das condições de vida dos índios brasileiros. Entretanto, ao tomar conhecimento da política de extermínio praticada pela ditadura, abandonou o órgão e passou a atuar na resistência indígena ao regime, em curso na região do Araguaia, palco de diversos conflitos.
Testemunha das mais diversas atrocidades cometidas contra os índios, Tiuré se tornou um dos muitos brasileiros perseguidos pela ditadura, conforme registrado nos arquivos do antigo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), hoje aberto à consulta pública no Arquivo Nacional. Acabou conseguindo fugir para o Canadá, onde, após um longo processo investigatório, foi reconhecido como refugiado político.
Após 25 anos de exílio, voltou ao Brasil, em 2011, para lutar pelo seu reconhecimento como anistiado político e pelo reconhecimento de milhares de índios como vítimas da ditadura. Em especial o dos suruís, obrigados pelos militares a atuar no extermínio dos guerrilheiros do Araguaia.
Waimiri-atroari
O MPF vai contatar também o indigenista Porfírio Carvalho, com o objetivo de apurar as violações cometidas contra a etnia waimiri-atroari, denunciadas por Carta Maior na reportagem “Comissão Parlamentar da Verdade quer incluir índios na lista de vítimas da ditadura”, em 10/5. O ex-missionário e indigenista Egydio Schwade calcula que as investidas da ditadura contra o território waimiri-atroari, cobiçado para sediar grandes obras como hidrelétricas e estradas, tenham custado pelo menos duas mil vidas.
“A decisão do MPF é importantíssima porque se soma aos esforços que várias entidades vem fazendo para apurar esses crimes, até hoje desconhecidos da maioria dos brasileiros“, afirma Marcelo Zelic, coordenador da pesquisa “Povos indígenas e ditadura militar – subsídios para a CNV (1946-1988)”, que vem sendo feita em parceria pelo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Juízes pela Democracia e Arquidiocese de São Paulo para embasar a Comissão Nacional da Verdade.
Segundo ele, a pesquisa, ainda em faze inicial, aponta para indícios da prática de crimes graves, como o extermínio de aldeias via fuzilamento, inoculação de doenças por roupa ou comida contaminada com doenças e lançamento de bananas de dinamite por aviões. Há também denúncias sobre existências de campos de concentração, centros de tortura e prisões ilegais.
7 de setembro: as margens ainda são plácidas?
5 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaO 7 de setembro de 1822 marca o surgimento de um novo Estado – o do Brasil. Mas a nação que ele deveria expressar ainda estava em formação. Surgia ali uma configuração estatal que, se não era uma ficção, adiantava-se ao processo de formação nacional, para erigir-se em função dos interesses de grupos sociais específicos e de uma região particular.
A ruptura dos laços com a metrópole portuguesa, sob o bafejo do capital inglês, não redundaria na criação de um Estado nacional de corte burguês. Antes, permitiu que uma oligarquia escravocrata e fundiária articulasse um tipo de dominação senhorial que impôs uma superestrutura política liquidada apenas no século XX.
Precisamente este recorte viabilizou o que seria a marca das classes dominantes brasileiras: a autonomia nacional não se acompanhou da inserção da massa do povo no espaço da cidadania. A estratégia das chamadas elites operou – e ainda opera quase dois séculos após o Ato do Ipiranga – no sentido de frustrar a democratização da vida social, realizando a exclusão de amplos setores sociais da cena pública. A constituição do Estado, entre nós, verificou-se sistematicamente com o controle e a manipulação, pelo alto, da intervenção popular.
Convém lembrar que há 190 anos o Brasil já era uma sociedade de classes, na qual uns – os proprietários de terra – haviam aprendido que o uso da força lhes permitiria apropriar-se do fruto do trabalho de outros: a grande massa dos trabalhadores diretos. A Constituição de 1824, fruto de um golpe de Estado, consagrou a exclusão da vida política tanto de escravos – por sua condição jurídica – quanto de uma imensa maioria de trabalhadores livres da cidade e do campo.
Mesmo as mais notáveis inflexões no processo de constituição e desenvolvimento do Estado não reverteram a lógica da política excludente. Sempre que as lutas populares surgiram uma e outra vez, levantando as bandeiras de uma independência verdadeira e de uma autêntica justiça social, as classes dominantes não vacilaram em recorrer ao uso pleno da força que elas detinham de fato e – segundo estabeleceram várias constituições – de direito. Ainda que derrotadas, as sucessivas lutas pela conquista de direitos influíram fortemente na consciência nacional. Chegaria um tempo em que a sucessão de movimentos – o republicano, a revolução de 1930, as campanhas pelo petróleo, pelas reformas de base, pelas Diretas-Já – mostraria que a nação, ao contrário do que desejavam suas elites, já era uma realidade.
É por tudo isso que a comemoração dos 190 anos do Ato do Ipiranga deve merecer atenção especial, motivando a reflexão e a análise de todos os que pretendem que a independência e a soberania se fundem num Estado que expresse os interesses da massa dos cidadãos.
Nos dias de hoje, um país independente só pode embasar-se na legitimidade do seu regime político e na participação social dos seus cidadãos. Sem estes requisitos, a independência é degradada à mera função de serviços de Estado fraco e mercado desregulado, como vimos nos anos FHC.
É evidente que a independência não é uma questão estritamente política. Ela se liga intimamente à economia, especialmente num mundo em que a integração dos processos econômicos é uma exigência intrínseca da produção. No entanto, exatamente para isso, o controle dos aparatos estatais pelos representantes da população politicamente organizada é um pressuposto de independência.
Continuar cumprindo o projeto de soberania que o 7 de setembro inaugura, agora, é aprofundar os avanços obtidos nos últimos dez anos, dialogando com os movimentos sociais, em especial o MST . Manter a política externa, adensando a integração regional de forma a contemplar os interesses das forças sociais empenhadas no combate à exploração imperialista é imperativo.
Não podemos, como quer a direita encastelada no Instituto Millenium, voltar a ser um Estado de quatro poderes, com um deles – o das redações “Moderadoras” –, servindo a um vice-rei para recordar à burguesia e às oligarquias que seus interesses são defendidos se a cidadania for excluída. Ou se a razão do mercado aniquilar a vontade política.
Para as forças progressistas – que sempre deram o melhor de si para que a autonomia política se traduzisse em soberania nacional – a independência não é apenas uma data do calendário cívico. É uma luta contínua contra os que se empenham para que não haja mudança alguma no caráter de classe do Estado brasileiro. É combate diário contra os que pretendem submeter a autonomia dos Poderes – em especial o Judiciário – à linha editorial de uma mídia corporativa que não comporta a diversidade e o contraditório.
É essa a realidade que enfrentamos hoje. As forças do passado, reivindicando sua tradição oligárquica, se apoiam na grande imprensa, que cala vozes, para evitar profundas renovações da sociedade brasileira. Nas margens plácidas do Ipiranga, as possibilidades se multiplicam.
O assassinato de um país
5 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários ainda Por Paulo Moreira LeiteA ultima novidade sobre a Grécia é que a troika externa que assumiu o controle das finanças do país pretende obrigar a população a trabalhar um dia a mais na semana – sem aumento de salário, é claro.
É um retrocesso histórico.
Depois de eliminar os empregos, derrubar o consumo, arrasar as aposentadorias, esvaziar as residências – o número de sem-teto em Atenas cresceu 25% durante a crise – agora os credores pretendem roubar um dia de descanso da população.
É indecente.
Pois é este o destino que a União Europeia reserva a população de um país a quem se prometeu crédito farto e até subsídios vantajosos na hora em que se queria abrir o mercado grego para as empresas dos países ricos do Velho Continente.
Quando o cassino financeiro da União Européia cobrou a conta, os credores fecharam suas torneiras e encontraram políticos dóceis, dispostos a sufocar seu próprio país em nome da estabilidade econômica e do respeito aos mercados.
De lá para cá, o que se viu foram dores e sacrifícios sem utilidade.
O país está em recessão há cinco anos, em patamares cada vez mais deprimentes. A queda foi de 6,9% negativos em 2011. (Não fazemos ideia do que é isso. A recessão de 1981, a pior do Brasil, em tempos recentes, foi de 6% negativos).
Pois em 2012, a Grécia avança para uma recessão ainda pior, de 7,5%. O custo de vida, que deveria crescer 1,2% por falta de demanda, voltou a subir e deve chegar a 2,5%. Acabo de ler que o desemprego chegou a 40%. Não consigo imaginar como é viver num país onde 4 pessoas em 10 estão sem desempregadas. É pesadelo de filmes futuristas, como Blade Runner…
Mas sempre se pode imaginar que a Grécia estava a caminho de uma tragédia nacional quando decidiu submeter seu destino aos interesses dos mercados externos, colocando o pagamento dos credores – daí o apego ao euro – acima dos interesses da população. O resultado é essa crueldade. Alguém acha que poderia ser diferente?
O grave é que a maioria dos governos europeus pretende submeter os povos mais frágeis a um regime de sacrifício maior, capaz de extrair o que parece ser a última gota. Depois da Grécia, a Espanha, Portugal e a Italia encontram-se no mesmo caminho. A França de François Hollande, recém-eleito pelo Partido Socialista, deve fechar -0,1% no próximo trimestre.
Apesar do tom de perplexidade de muitos observadores e comentaristas, convém reparar que nem todos perdem tudo nesta situação. O rebaixamento dos salários, a insegurança no emprego, o fim de garantias históricas representam uma tragédia sem fim para milhares de famílias e as gerações futuras. Mas também abre oportunidades de negócio animadoras para quem aposta no rebaixamento da humanidade. O nome do processo é “Destruição Criadora” e é ensinado em várias escolas de economia. Não vamos nos enganar. É esta a aposta que aprofunda crise européia e promove, em público, o assassinato do país mais fraco.