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Blog Comunica Tudo

3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.
Este blog foi criado em 2008 como um espaço livre de exercício de comunicação, pensamento, filosofia, música, poesia e assim por diante. A interação atingida entre o autor e os leitores fez o trabalho prosseguir. Leia mais: http://comunicatudo.blogspot.com/p/sobre.html#ixzz1w7LB16NG Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

O Concurso Público, o pen drive e o Brasil

29 de Novembro de 2012, 22:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

Qual a diferença entre o ser humano e o pen drive?

Por Felipe Liberal para o Acerto de Contas

Depende. Se estivermos falando de um “concurseiro”, nenhuma. E não fiquem com raiva de mim, pois um amontoado de chips e gigabytes não expressam sentimentos, muito menos ódio.

O Brasil está transbordando oportunidade. Oportunidade de negócios, de criação, de inovação, empreendedorismo e crescimento. Desde 1500, nunca houve um momento tão próspero em nossa prometida terra. O futuro que diziam antigamente chegou. Chegou vigoroso, sólido e otimista. Chegou galopante, ávido e contundente.

E o que mais da metade dos jovens brasileiros fizeram com tudo isso? Foram estudar pra concurso!! É isso mesmo! O maldito futuro chegou e os anestesiados jovens estão decorando incisos, alíneas e artigos, a única coisa que fazem é memorizar, lembrar, gravar e arquivar.

Qualquer pen drive que ganho de brinde em uma loja de conveniência consegue gravar tudo isso que vocês gravam pra fazer uma prova. Mas garanto que nenhuma máquina consegue criar, inovar e crescer. Nenhum computador consegue construir um legado de coragem e perseverança. Nenhum.

E quando (se) passam? Ficam atrás de uma mesa de madeira velha carimbando papéis, despachando apatia e arquivando reclamações. Mas por quê? Porque preferem ter o salário “estável” mensal do que um dia poder realizar o sonho de crescer e se tornar grande.

Mas já to vendo muitos leitores dizendo: “nem todo mundo quer ser rico, esse salário que ganho (ganharei) é suficiente”. Esse mesmo sujeito(a) é o que fica reclamando pelo reajuste no fim do ano; que chega em casa todo dia reclamando da vida, do salário, do chefe, da secretária, do zelador, da mãe do zelador, do carpete mofado da sala e da tinta do carimbo que acabou. É o mesmo sujeito(a) que odeia a segunda-feira; que reza e ora todos os dias para as férias chegarem porque não aguenta mais aquela rotina. Mas, claro, o que importa é o “garantidozinho” no fim do mês.

Isso é muito pequeno para um Brasil tão grande e próspero.

Ó Concurseiros, desculpem a sinceridade, mas entre vocês e o pendrive, fico com o segundo. Mas não é nada pessoal.

Felipe Liberal – Empreendedor e professor de História




Castells vê “expansão do não-capitalismo”

28 de Novembro de 2012, 22:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda
Culturas econômicas alternativas teriam sido reforçadas pela crise. Mas sociólogo adverte: sistema não entrará em colapso por si mesmo

Entrevista a Paul Mason | Tradução: Gabriela Leite | Imagem: Binho Ribeiro

O professor Manuel Castells é um dos sociólogos mais citados no mundo. Em 1990, quando os mais tecnologicamente integrados de nós ainda lutavam para conseguir conectar seus modens, o acadêmico espanhol já documentava o surgimento da Sociedade em Rede e estudava a interação entre o uso da internet, a contracultura, movimentos de protesto urbanos e a identidade pessoal.

Paul Mason, editor de notícias econômicas da rádio BBC, entrevistou o professor Castells na London School of Economics (Escola de Economia de Londres) sobre seu último livro, “Aftermath: The Cultures of Economic Crisis” (“Resultado: as Culturas da Crise Econômica”), ainda sem tradução para português.

Castells sugere que talvez estejamos prestes a ver o surgimento de um novo tipo de economia. Os novos estilos de viver dão sentido à existência, mas a mudança tem também um segundo motor: consumidores que não têm dinheiro para consumir.

São práticas econômicas não motivadas pelo lucro, tais como o escambo, as moedas sociais, as cooperativas, as redes de agricultura e de ajuda mútua, com serviços gratuitos – tudo isso já existe e está se expandindo ao redor do mundo, diz ele. Se as instituições políticas vão se abrir para as mudanças que acontecem na sociedade – é cedo para saber. Seguem trechos da conversa.

O que é surgimento de novas culturas econômicas?
Quando menciono essa Cultura Econômica Alternativa, é uma combinação de duas coisas. Várias pessoas têm feito isso já há algum tempo, porque não concordam com a falta de sentido em suas vidas. Agora, há algo mais — é a legião de consumidores que não podem consumir. Como não consomem — por não terem dinheiro, nem crédito, nem nada — tentam dar sentido a suas vidas fazendo alguma coisa diferente. Portanto, é por causa das necessidades e valores — as duas coisas juntas — que isso está se expandindo.

Você escreveu que as economias são culturais. Pode falar mais sobre isso?
Se queremos trabalhar para ganhar dinheiro, para consumir, é porque acreditamos que comprando um carro novo ou uma nova televisão, ou um apartamento melhor, seremos mais felizes. Isso é uma forma de cultura. As pessoas estão revertendo essa noção. Pelo contrário: o que é importante em suas vidas não pode ser comprado, na maioria dos casos. Mas elas não têm mais escolha porque já foram capturadas pelo sistema. O que acontece quando a máquina não funciona mais? As pessoas dizem “bem, eu sou mesmo burro. Estou o tempo todo correndo atrás de coisa nenhuma”.

Qual a importância dessa mudança cultural?
É fundamental, porque desencadeia uma crise de confiança nos dois maiores poderes do mundo: o sistema político e o financeiro. As pessoas não confiam mais no lugar onde depositam seu dinheiro, e não acreditam mais naqueles a quem delegam seu voto. É uma crise dramática de confiança – e se não há confiança, não há sociedade. O que nós não vamos ver é o colapso econômico per se, porque as sociedades não conseguem existir em um vácuo social. Se as instituições econômicas e financeiras não funcionam, as relações de poder produzem transformações favoráveis ao sistema financeiro, de forma que ele não entre em colapso. As pessoas é que entram em colapso em seu lugar.

A ideia é que os bancos vão ficar bem, nós não. Aí está a mudança cultural. E grande: uma completa descrença nas instituições políticas e financeiras. Algumas pessoas já começam a viver de modo diferente, conforme conseguem – ou porque desejam outras formas de vida, ou porque não têm escolha. Estou me referindo ao que observei em um dos meus últimos estudos sobre pessoas que decidiram não esperar pela revolução para começar a viver de outra maneira – o que resulta na expansão do que eu chamo de “práticas não-capitalistas”.

São práticas econômicas, mas que não são motivadas pelo lucro – redes de escambo, moedas sociais, cooperativas, autogestão, redes de agricultura, ajuda mútua, simplesmente pela vontade de estar junto, redes de serviços gratuitos para os outros, na expectativa de que outros também proverão você. Tudo isso existe e está se expandindo ao redor do mundo.

Na Catalunha, 97% das pessoas que você pesquisou estavam engajadas em atividades econômicas não-capitalistas.
Bem, estão entre 30-40 mil os que são engajados quase completamente em modos alternativos de vida. Eu distinguo pessoas que organizam a vida conscientemente através de valores alternativos de pessoas que têm vida normal, mas que têm costumes que podem ser vistos como diferentes, em muitos aspectos. Por exemplo, durante a crise, um terço das famílias de Barcelona emprestaram dinheiro, sem juros, para pessoas que não são de sua família.

O que é a Sociedade em Rede?
É uma sociedade em que as atividades principais nas quais as pessoas estão engajadas são organizadas fundamentalmente em rede, ao invés de em estruturas verticais. O que faz a diferença são as tecnologias de rede. Uma coisa é estar constantemente interagindo com pessoas na velocidade da luz, outra é simplesmente ter uma rede de amigos e pessoas. Existe todo tipo de rede, mas a conexão entre todas elas – sejam os mercados financeiros, a política, a cultura, a mídia, as comunicações etc –, é nova por causa das tecnologias digitais.

Então, nós vivemos numa Sociedade em Rede. Podemos deixar de viver nela?
Podemos regredir a uma sociedade pré-eletricidade? Seria a mesma coisa. Não, não podemos. Apesar de agora muitas pessoas estarem dizendo “por que não começamos de novo?” É um grande movimento, conhecido como “decrescimento”. Algumas pessoas querem tentar novas formas de organização comunitária etc.

No entanto, o interessante é que, para as pessoas se organizarem e debaterem e se mobilizarem pelo decrescimento e o comunitarismo, elas têm que usar a internet. Não vivemos numa cultura de realidade virtual, mas de real virtualidade, porque nossa virtualidade – significando as redes da internet – é parte fundamental da nossa realidade. Todos os estudos mostram que as pessoas que são mais sociáveis na internet são também mais sociáveis pessoalmente.

Existem diversos grupos que hoje protestam sobre o assunto A, amanhã sobre o assunto B, e à noite jogam World of Warcraft (jogo RPG online de aventura). Mas será que eles vão conseguir o que Castro e Guevara conquistaram?
O impacto nas instituições políticas é quase insignificante, porque elas são hoje impermeáveis a mudanças. Mas, se você olhar para o que está acontecendo em termos de consciência… há coisas que não existiam três anos, como o grande debate sobre a desigualdade social.

Em termos práticos, o sistema é muito mais forte do que os movimentos nascentes… você atinge a mente das pessoas por um processo de comunicação, e esse processo, hoje, acontece fundamentalmente pela internet e pelo debate. É um processo longo, que vai das mentes das pessoas às instituições da sociedade. Vamos usar um exemplo histórico: a partir do fim do século XIX, na Europa, existiam basicamente os Conservadores e os Liberais, direita e esquerda. Mas então alguma coisa aconteceu – a industrialização, os movimentos da classe trabalhadora, novas ideologias. Nada disso estava no sistema político. Depois de vinte ou trinta anos, vieram os socialistas e depois a divisão dos socialistas… e os liberais basicamente desapareceram. Isso mudará a política, mas não por meio de ações políticas organizadas da mesma maneira. Por quê? Porque as redes não necessitam de organizações hierárquicas.

Onde isso vai dar?
Tudo isso não vai virar uma grande coalizão eleitoral, não vai virar nenhum novo partido, nenhum novo coisa nenhuma. É simplesmente a sociedade contra o Estado e as instituições financeiras – mas não contra o capitalismo, aliás, contra insitituições financeiras, o que é diferente.

Com esse clima, acontece que nossas sociedades se tornarão cada vez mais ingovernáveis e, em consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno – alguns muito perigosos. Veremos muitas expressões de formas alternativas de política, que escaparão das correntes principais de instituições políticas tradicionais. E algumas, é claro, voltando ao passado e tentando construir uma comunidade primitiva e nacionalista para atacar todos os outros movimentos e, finalmente, conseguir ter uma sociedade excluída do mundo, que oprime seu próprio povo.

Mas acontece que, em qualquer processo de mudança social desorganizada e caótica, todos esses fenômenos coexistem. E o modo como atuam uns contra os outros vai depender, em última análise, de as instituições políticas abrirem suficientemente seus canais de participação para a energia de mudança que existe na sociedade. Então talvez elas possam superar a resistência das forças reacionárias que também estão presentes em todas as sociedades.




Provincianismo europeu entre gigantes

28 de Novembro de 2012, 22:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda
O provincianismo dos grandes acabou por fatalmente contaminar a visão da Europa sobre si mesma, e distorcer-lhe a visão sobre o resto do mundo.

Por Rui Tavares, publicado no jornal Público de Portugal

Não há provincianismo mais irritante, nem mais perigoso, do que o dos grandes centros, em particular os países grandes e os que se julgam grandes. Mais irritante porque o provincianismo dos pequenos meios reconhece-se; o dos grandes centros é cego perante si mesmo e impossível de extirpar.


Mais perigoso porquê? Porque julgando ver o mundo, não vê senão a sua barriga. Não reconhece a diferença nem os matizes, e aplica a mesma receita estupidamente em todo o lado. Temos exemplos. Nada foi mais letal nesta crise do que ter os problemas da zona euro, respeitantes a dezassete economias, discutidos entre Berlim-Paris e Paris-Berlim. Nas próximas semanas e meses, teremos outro grande momento do provincianismo entre gigantes: o orçamento da União, respeitante a vinte e sete países, discutido entre Londres-Berlim e Berlim-Londres.

Se um pequeno é obtuso e estreito de vistas, em geral, não prejudica a mais ninguém senão ele mesmo. Quando um grande é obtuso e estreito de vistas, prejudica ainda mais aos outros do que a ele, e nem disso se apercebe.

O provincianismo dos grandes acabou por fatalmente contaminar a visão da Europa sobre si mesma, e distorcer-lhe a visão sobre o resto do mundo. Liderada pelos grandes países, a Europa continua sem saber o que fazer das economias emergentes, sem entender que a ascensão dos outros deve ser vivida com naturalidade. Não é possível, nem é necessário ou saudável, que o Atlântico Norte, com apenas dezasseis por cento da população mundial, tenha sessenta por cento do PIB do planeta. E é necessário que a região da Ásia-Pacífico cresça para alimentar os três biliões de bocas (e mais ainda) que ali viverão nas próximas décadas. O crescimento da China e da Índia representam apenas um regresso à normalidade da economia global durante quase dois milénios, com exceção do par de séculos que nos precedeu.

Mas o provincianismo dos grandes europeus também se reflete na maneira como olham para o curto prazo e as pequenas distâncias. Embora tenham já aceitado que, em muito breve, a União vá ter um executivo eleito, é-lhes muito difícil aceitar que os candidatos a Presidente da Comissão Europeia tenham de fazer campanha eleitoral em todos os estados-membros da União. Na próxima quinta-feira será votada no Parlamento Europeu uma emenda que propõe isso mesmo, e tem sido para já inexcedivelmente complicado explicar aos deputados dos grandes países por que é isso importante.

Talvez não o façam por mal; parece-lhes uma bizarria propor que um candidato a ser chefe do executivo de uma União com 27 países tenha de os visitar a todos e em cada um deles apresentar o seu programa eleitoral. Não vêem é claro, que caso contrário uma campanha se poderia concentrar em dois ou três países, e não entendem (pelo menos, não entendem à primeira) o que se perde com isso: ao apresentarem o seu programa em 27 países, os candidatos teriam de saber de que forma esse programa beneficiaria aquelas pessoas concretas, teriam de aprender e teriam de se comprometer com aqueles interesses e aquela maneira de ver o mundo.

Ou seja, teriam de superar a mentalidade mesquinha e tacanha a que injustamente chamamos provincianismo e que, a partir dos grandes centros, tem sido a tragédia da Europa atual.




Por que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo?

28 de Novembro de 2012, 22:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda
William, de Pequiá de Baixo (Foto: Jeremy Bigwood)
No mesmo ano em que celebrou seu 70º aniversário, a mineradora também recebeu um indesejado prêmio, proposto por movimentos sociais da Amazônia 

Por Marina Amaral

Duas visões de mundo se confrontam no 16º andar do edifício localizado no cruzamento da avenida Graça Aranha com a rua Santa Luzia, no centro do Rio de Janeiro. Desta vez, longe das câmaras de TV que meses antes registraram, na mesma esquina, o congestionamento provocado pela concentração de mais de duas mil pessoas que vieram da Cúpula dos Povos – o encontro dos movimentos sociais paralelo à Rio+20 –, trazendo faixas pedindo o veto da presidente Dilma Rousseff ao novo Código Florestal e a paralisação das obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, obra emblemática do Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal que se tornou causa mundial do ativismo ambientalista e de apoio aos indígenas.


As fotografias estavam proibidas na reunião de 31 de outubro entre o comitê da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale e Murilo Ferreira, o presidente da segunda maior mineradora do mundo, acompanhado de seu staff: a diretora de Sustentabilidade e Energia, Vânia Somavilla; Isis Pagy, diretora do Departamento de Relacionamento com as Comunidades; mais três ou quatro assessores que não se apresentaram aos visitantes.

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Campanha da Public Eye Awards (Imagem: Divulgação)

Foi um desses assistentes que pôs fim ao suspense que se instalou no ambiente quando a advogada Andressa Caldas, a última a falar pelo comitê, estendeu o Public Eye Awards 2012 para o anfitrião, Murilo Ferreira, que o deixou pairando no ar. O funcionário apanhou o troféu das mãos da representante da ONG Justiça Global e colocou discretamente embaixo da mesa o símbolo conferido à “pior empresa do mundo” desde 2000 promovido anualmente pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna, com o objetivo de expor violações ambientais e sociais das corporações internacionais.

Os 25 mil dos 88 mil votos totais obtidos na rede mundial foram suficientes para ofuscar o logotipo verde-amarelo da Vale S/A, empresa de capital aberto com acionistas brasileiros e estrangeiros que receberam US$ 9 bilhões em dividendos no ano passado, provenientes de suas atividades em 37 países. E empanar o brilho do aniversário de 70 anos da empresa que se tornou símbolo de progresso para os brasileiros desde que o presidente Getúlio Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce S/A, nacionalizando a empresa de origem inglesa que extraía minério de ferro em Itabira, Minas Gerais.

Murilo Ferreira, pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas e especializado em administração e marketing, entrou na companhia em 1998, menos de um ano depois da privatização da Vale – também sob protestos – pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Até hoje, 69 ações contestam a transação na Justiça.

Por isso, a reação do presidente ao prêmio surpreendeu o padre Dario Bosso, que fazia parte do comitê. “Ele fez uma fala agressiva, nacionalista, quase beirando a xenofobia. Disse que não considerava prêmios internacionais – ‘nem os que valorizam, nem os que criticam’ – concedidos por organizações estrangeiras que ‘querem bloquear o desenvolvimento do Brasil’, e que o prêmio tinha o claro intento de denegrir a imagem da Vale e alimentar a concorrência estrangeira, depois saiu da sala sem despedir de ninguém”, conta, com leve sotaque italiano, o missionário comboniano, que há anos trabalha na defesa dos direitos humanos no Maranhão.

Além do padre e de seu companheiro na Rede Justiça nos Trilhos, o advogado Danilo Chammas, compunham o comitê o diretor da Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos, Marco Polo Santana Leão, o sindicalista Paulo Fier, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná (Sindiquímica-PR), outros representantes do movimentos populares (Fórum de Carajás, central sindical Conlutas, Movimento pelas Serras e Águas de Minas) e das ONGs internacionais Pax Christi e Justiça Global.

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Padre Dario Bosso (Foto: Jeremy Bigwood)

O título de “pior empresa do mundo” contrasta, e muito, com a imagem que a mineradora tem buscado projetar internacionalmente, nos últimos anos. “A história da Vale é a história do Brasil verdadeiro, do Brasil vitorioso”, enuncia no vídeo institucional “Nossa História” a voz de um dos 150 funcionários de várias partes do mundo convocados a narrar, em suas diversas línguas, a história da companhia brasileira que conquistou o mundo, entremeada por cenas de futebol, concurso de miss e desfile de escola de samba patrocinados pela Vale. O filme, de 26 minutos, foi feito para a empresa pela badalada produtora Conspiração Filmes e conquistou recentemente o prêmio Golfinho de Ouro no 3º Cannes Corporate Media & TV Awards.

Além de prêmios por sua comunicação institucional, a Vale tem colecionado recordes de produção e faturamento. Desde 1974, é a maior empresa exportadora de minério de ferro do mundo. Em 2004 se tornou a líder das exportações brasileiras. Em 2006, tornou-se a segunda maior mineradora do mundo. Em 2010, alcançou a 19ª posição no ranking das maiores corporações mundiais. Como entender, então, essa impopularidade diante dos movimentos sociais da região onde atua, a ponto de arrebatar o título de “pior empresa do mundo”?

Durante a reunião com os movimentos sociais, o presidente da Vale fez um chiste: ele disse que poderia ter impedido esse resultado simplesmente pedindo para uma parte das dezenas de milhares de funcionários da Vale votarem na Tepco, a corporação responsável pela Usina Nuclear de Fukushima, onde aconteceu, em 2011, o desastre nuclear mais grave das últimas décadas em todo o mundo. A empresa japonesa ficou em segundo lugar na votação do Public Eye por uma diferença de 500 votos. Tarde demais, o prêmio já foi entregue, ainda que Ferreira tenha se negado a recebê-lo. Agora, falta entender o que significa.

É certo que a votação para o prêmio teve muito a ver com a participação da empresa em Belo Monte, hidrelétrica em construção no rio Xingu, em Altamira (PA), que tem ensejado ampla oposição de grupos ambientalistas e de apoio aos povos indígenas em todo o mundo. Apesar de ressaltar o fato de não ter controle sobre o projeto, a Vale tem 9% de participação no Consórcio Norte Energia, capitaneado pela Eletrobrás, e mantém grande interesse na obra, já que provém de hidrelétricas 96% da energia que a empresa consome no Brasil, o correspondente a 5,6% do consumo residencial de todo o país.

A área onde atuam os grupos que indicaram a empresa ao prêmio, contudo, fica a mais de 500 quilômetros do lugar onde está sendo construída a usina, e a disputa dos movimentos sociais com a mineradora tem, muitas vezes, raízes pouco conhecidas fora da região. Ao percorrer, entre o sudeste do Pará e o oeste do Maranhão, 2,4 mil quilômetros de estradas esburacadas entre julho e agosto deste ano, a equipe de reportagem da Pública encontrou um território em conflito em torno da Vale S/A. Foi desse chão que nasceu a indicação ao indesejado prêmio, feita pela Rede Justiça nos Trilhos, sediada em Açailândia (MA), em nome dos Atingidos pela Vale.

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Estrada de ferro Carajás no Maranhão (Foto: Jeremy Bigwood)

A articulação que se opõe à Vale, como se vê, tem tudo a ver com a Estrada de Ferro Carajás (EFC). Foi em 1984 que o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo, inaugurou a ferrovia, ao presenciar a partida da primeira carga de minério de ferro no maior trem do mundo – hoje com 330 vagões em média – pela linha que segue das minas de Carajás, no Pará, até o Porto de Ponta Madeira, em Itaqui (MA), em 892 quilômetros de trilhos.

Ali, um volume de minério de ferro de alto teor, com valor médio de US$ 380 milhões por dia (valores de 2011), é embarcado nos navios para abastecer os mercados internacionais. “O minério de ferro de Carajás construiu mais da metade de Xangai”, celebra mais uma voz anônima, de um brasileiro, no filme premiado. O valor embarcado diariamente já está devidamente dispensado de uma série de impostos, graças à Lei Kandir, vigente desde 1996.

A China é o maior mercado do produto mais lucrativo da Vale e o que traz maior saldo para a balança comercial brasileira, outro ponto de convergência de interesses entre o governo e a empresa. O projeto mais importante da companhia – com previsão de US$ 19,4 bilhões de investimento até 2016 – é a expansão da mineração na Província Mineral de Carajás, que além de ricas jazidas de níquel, manganês, cobre tem as maiores reservas do mundo minério de ferro de alto teor.

Curiosamente, o filme premiado da Vale traz apenas uma imagem de relance da simbólica ferrovia, hoje uma concessão pública explorada e administrada pela empresa. O Relatório de Sustentabilidade da Vale registra 23 conflitos pelo uso da terra no mundo em 2011. No Brasil, foram 14 os considerados significativos por envolver “ocupação ou bloqueio de acesso a unidade da Vale, com impacto nas operações e/ou projetos e repercussão junto às comunidades e imprensa local”.

Dez aconteceram na região de Carajás, bloqueando, pontes, estradas, e a ferrovia, para protestar contra os poluentes que vêm da mineração, o atraso em promessas de indenização e investimento em projetos sociais, mas também a falta de crédito agrícola, educação, saúde e de moradia para os despejados de terrenos públicos.

Entre os episódios descritos pela companhia estão: em Canaã dos Carajás, a PA-160, ficou sem acesso por uma noite e uma manhã, impedindo o acesso à mina de cobre do Sossego. Em Ourilândia do Norte, na Mineração Onça Puma, lavradores bloquearam todos os acessos à mina de níquel reivindicando indenização e remanejamento, além da conclusão de projetos sociais oferecidos em contrapartida pela companhia. No episódio mais grave, manifestantes puseram fogo na ferrovia em protesto pelo assassinato de um casal de líderes comunitários que denunciou a extração ilegal de carvão teve repercussão mundial – a sobrinha do casal e seu marido, ameaçados de morte, continuam no assentamento agroextrativista em Nova Ipixuna, onde ocorreu o crime.

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Moradora da área rural de Canaã (Foto: Jeremy Bigwood)
Uma mineradora atrapalha muita gente

No encontro entre a direção da Vale e os movimentos sociais, o assunto mais importante era a expansão da produção em Carajás, “prioridade absoluta da Vale”, como reafirmou Murilo Ferreira, sem responder às perguntas do padre Dario sobre a responsabilidade da empresa em relação ao minério que vende para fabricantes de ferro-gusa do Maranhão e Pará, acusadas de uma série de irregularidades, ou a possibilidade de rever a duplicação da Estrada de Ferro Carajás.

Em agosto, o BNDES aprovou uma parcela de R$ 3,9 bilhões para a primeira etapa do projeto de expansão em Carajás – 40 dias depois de a empresa obter a licença prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a implantação da primeira mina de ferro no lado sul da Floresta Nacional de Carajás, que exigiu oito anos de negociações com os órgãos ambientais e inovações tecnológicas para reduzir o impacto ambiental, apresentadas pela Vale em uma bonita maquete no filme premiado.

Se passar pelas próximas etapas de licenciamento, o projeto, chamado de S11D, fará a produção anual de Carajás passar de 110 milhões para 230 milhões de toneladas de minério de ferro em quatro anos. As obras de logística vão consumir US$ 11,4 bilhões para ampliar a capacidade de transporte de minério de ferro pelo corredor de exportação que vai da mina ao porto.

De Canaã dos Carajás a São Luís do Maranhão, a aceleração da ocupação do território é anunciada pelo apito do trem. As obras vão reduzir ainda mais o intervalo entre as composições que fazem de 9 a 12 viagens por dia (dados da Vale) atravessando 94 localidades habitadas por índios, quilombolas, ribeirinhos, lavradores assentados por projetos de colonização e de reforma agrária quase falidos, ou que lutam por terra nos acampamentos dos movimentos de sem-terra.

A Rede Justiça dos Trilhos atuou nos bastidores da ação civil pública movida pelo Conselho Indigenista Missionário, Centro da Cultura Negra do Maranhão e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, que resultou na paralisação das obras de duplicação da ferrovia no trecho maranhense por uma decisão liminar da Justiça Federal do Maranhão no final de julho.

A tutela antecipada que adveio da liminar justificava-se como medida de cautela diante de obras dispensadas de estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) no processo de licenciamento do Ibama, em um território com “28 áreas de conservação ambiental”, terras indígenas e comunidades quilombolas, protegidas pela Convenção n°169 da OIT, que prevê a consulta prévia e o direito de veto de qualquer obra que possa impactar seu território.

Desde 1982, a partir de uma exigência do Banco Mundial ao financiar as obras do projeto Grande Carajás, os índios passaram a celebrar acordos de indenização e assistência com a Vale, frequentemente cobrada pelo Ministério Público Federal por não cumpri-los. Em 2006, a empresa, com o apoio da FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos) denunciou o governo brasileiro à Organização dos Estados Amerricanos (OEA) por destinar recursos aos índios através da União, sendo incapaz de estabelecer políticas públicas para eles.

As comunidades de remanescentes de quilombos enfrentam situação mais complicada porque só tiveram sua existência reconhecida na Constituição de 1988, o que as obriga a passar por um longo processo para provar a origem da terra onde vivem, que culmina no Relatório Técnico de Identificação (RTDI), feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No ano passado, a companhia pediu a impugnação administrativa dos relatórios de identificação de duas comunidades, Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo, ambas no município de Itapecuru. As duas ficam no trecho de 60 quilômetros já licenciado pelo Ibama para as obras de duplicação.

O episódio foi superado por um acordo obtido pelo Ministério Público Federal do Maranhão – em março deste ano. Também foram estipuladas condições preliminares para retomar a obra: recuperação de rios e igarapés, construção de viadutos e melhoria das passagens de nível para assegurar a travessia de moradores e veículos, medição de poluição do ar e sonora, e disponibilização de R$ 700 mil, no prazo de 60 dias, para a construção de uma escola de ensino médio e um projeto de agricultura familiar.

Segundo a Fundação Palmares, há 86 comunidades remanescentes de quilombos na área afetada pela ferrovia, além de comunidades “não-tradicionais” estabelecidas nas mesmas terras da União que abrigam as operações da mineradora. “A Vale reitera o respeito à diversidade cultural, aos processos participativos e as normas vigentes e tem a Convenção n°169 da OIT como diretriz de atuação”, afirma a empresa, por meio de sua assessoria, a respeito desses embates.

Em 20 de novembro passado, a Vale obteve a licença de instalação para as obras de duplicação.

A ação civil promovida pelas entidades de direitos humanos articuladas pela Justiça dos Trilhos, segue adiante. A liminar que paralisava as obras foi revogada por recurso da Vale ao TRF, em Brasília, no mês de setembro.

Pixilinga, o peão trecheiro que chegou a Canaã
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Pixilinga, e a mulher Petronílha, na Vila Planalto em Canaã (Foto: Jeremy Bigwood)

Não é difícil encontrar histórias de pessoas simples cujas vidas foram afetadas pela mineradora. O maranhense José Ribamar da Silva Costa, o Pixilinga, 53 anos, é o que se pode chamar de expert em projetos de desenvolvimento da Amazônia. Antes de se instalar em Canaã dos Carajás, município sede da nova mina de minério de ferro da Vale, ganhava a vida como “peão trecheiro, com a buroca nas costas fichando em firma pra aqui pra acolá”, como ele diz. Trabalhou na construção do Porto de Itaqui – o cais da Vale em São Luís –, na barragem de Tucuruí e na Estrada de Ferro Carajás, que o trouxe à região em 1984, quando Canaã e Paruapebas ainda faziam parte do município de Marabá.

“Cheguei em um março chuvoso, e não estavam fichando ninguém. Aí eles me disseram: ‘Rapaz, estamos dando lote de dez alqueires (50 hectares) pra quem quer trabalho’. Eu fiquei com medo. Será que os índios não vão tirar a gente daqui? E os garimpeiros?”, lembra. No sorteio lhe coube um lote de um desistente, no alto da serra. “Era uma aberturazinha na mata e um barraquinho de pau a pique e palha. O caboclo caiu fora porque uma onça correndo atrás de uma anta atravessou o barraco com um monte de menininho lá dentro, a família fez as malas e sumiu”, conta rindo.

Entre 1982 e 1985, o governo federal, por meio do Getat (Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins), assentou 1551 famílias em projetos de colonização em torno da área de mineração com o objetivo formar um cinturão de produção de alimentos e reduzir os conflitos de terra na região Bico do Papagaio – palco da Guerrilha do Araguaia durante a década de 1970. “Nos colocaram aqui como vigias, que isso não era habitado de gente não. Quando cheguei aqui, era só mata, só floresta. ‘Cabra que pegar a terra e não desmatar o lote vai ter que sair’, eles diziam”, lembra, espantando a nuvem de mosquitos que invade a varanda de sua casa em Vila Planalto, a 12 km da sede do município de Canaã dos Carajás.

Quando a produção de milho e mandioca aumentou, os vizinhos formaram uma associação, a Aproduz (Associação dos Produtores da Serra Dourada), e decidiram comprar um caminhão. Ao buscar crédito no banco, Pixilinga descobriu que eles não tinham o título de propriedade da terra colonizada. “Como assentados, a gente devia ter tomado o crédito no Procera, mas quem explicou? Os mais sabidos vieram com a oferta de um financiamento de banco, chamaram a gente de posseiro e cobraram aqueles juros”.

Foi nesse período que começou o que chama de “a perseguição da Vale”. “Eles entravam nos lotes, abrindo picão na terra de todo mundo sem explicar nada. Mas em 1997, 1998 começaram a comprar terra e botar cancela e cadeado nas nossas estradas, que eram do Incra”, indigna-se.

A vila da Serra Dourada foi extinta no processo da implantação da mina que inaugurou a produção de cobre da Vale em Carajás em 2004. Das 67 famílias que se comprometeram com o empréstimo, 29 venderam os lotes para a Vale, e os que ficaram não tinham como pagar as parcelas dos que foram embora. A dívida cresceu. “Hoje não existe mais Serra Dourada nem Aproduz, mas o nome da gente está no Serasa, no SPC por uma dívida de R$ 800 mil”, lamenta.

A Pública questionou o Incra sobre a falta de títulos de propriedade, a comercialização dos lotes dos colonos e a assistência prestada a eles. A resposta foi sucinta: “O Incra, hoje, não tem domínio sobre as terras tituladas à época do Getat, visto que os colonos já possuem título de propriedade”. Ou seja, o “mico” das 38 famílias de Serra Dourada não existe para o governo brasileiro. “Nem para a Vale, que causou o problema e ofereceu a assistência jurídica da companhia pra individualizar a dívida, o que não adianta nada”, atalha Pixilinga. Hoje presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás, ele tira o sustento de uma vendinha instalada na frente do terreno e da roça nos fundos da casa, erguidas no lote trocado com um fazendeiro, que expandia sua área para a região abandonada pelos colonizados do Incra.

Entre 2001 e 2010, a população urbana do município de Canaã dos Carajás quintuplicou, passando de 3.924 para 20.738 habitantes, enquanto a população rural caiu 14%, passando a 5.989 habitantes, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) analisados na dissertação de mestrado da pesquisadora Dalva Maria Vasconcelos dos Santos, da Universidade da Amazônia.

A guerra nos números

O maior argumento da Vale quando vai abrir um projeto são os empregos– contraditoriamente, ou não, os números mais difíceis de obter da companhia. Para começar, os números quase sempre agregam “empregados próprios e terceiros permanentes”; quando há essa separação, não são divididos por setores ou localizações geográficas.

Segundo a assessoria de imprensa da Vale, em julho de 2012, “a empresa emprega 107 mil pessoas no Brasil, entre empregados próprios e permanentes, essa cifra corresponde a 76% dos empregados da empresa no mundo”. Segundo dados do Relatório de Sustentabilidade da empresa, é possível, ainda, concluir que a Vale tem 60 mil empregados com “ contrato por tempo indeterminado”.

Quando a Pública quis saber quantos empregados da Vale trabalham nas minas de ferro, cobre, níquel e outros metais, a resposta foi: “Nos estados do Pará e Maranhão trabalham 31 mil empregados (18,5 mil próprios e 12,5 mil terceiros permanentes), além de 22,6 mil terceiros em projetos”.

Não se sabe, dessa conta, quantos trabalham em cada setor, nem quantos foram contratados nas comunidades onde a empresa atua, o que atrapalha definitivamente a compreensão da questão que atormenta os empregados das minas da Vale, da África a Carajás:

“Os números por Sistema não estão disponíveis. Em todo o Brasil, o percentual de contratação local da Vale foi de 68% em 2011. O número de membros da alta gerência provenientes da comunidade local era de 36% ao final do ano passado”.
Obviamente se a “comunidade local” é o Rio de Janeiro, sede da companhia, ou os rincões do Maranhão, os percentuais fornecidos seriam radicalmente diferentes.

Assim como são diferentes as realidades entre os países, como mostra outro item do relatório, o das ações judiciais. Ali figuram cinco ações trabalhistas no Brasil, entre elas duas em que o Ministério Público do Trabalho questiona condições de segurança em Minas Gerais e no Complexo de Tubarão. No ano passado, 11 trabalhadores da Vale morreram em acidentes de trabalho, sendo oito no Brasil.

Outra ação se refere ao pagamento de horas in itinere (gastas no deslocamento ao trabalho) aos empregados das minas de Carajás. De acordo com a Justiça de Trabalho de Parauapebas, em 2010, a empresa foi condenada a empresa a pagar R$ 100 milhões por danos morais coletivos e R$ 200 milhões por “dumping social”. Segundo o sindicato Metabase, que congrega os trabalhadores da Vale: “Os trabalhadores transportados nos ônibus fretados pela empresa recebiam por seis horas de trabalho e ficavam o dobro do tempo à disposição da companhia; um acordo está em curso”.

O mesmo relatório relata 11 ações judiciais e autuações “relevantes” no campo ambiental em 2011, sendo nove na Justiça brasileira, em quatro estados.

No total de 2011, a empresa registra a existência de 293 processos envolvendo a companhia, “136 judiciais e 157 administrativos relevantes”, mais de 90% no Brasil. As ações contra privatização (69) são seguidas por 52 ações judiciais e 145 processos administrativos que se referem à cobrança de royalties, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), com alíquota média de 2% sobre o faturamento da empresa.

No ano passado, foram arrecadados menos de R$ 1 bilhão em royalties, em todo o país. O número aparece em estudo feito pelo professor Rodrigo Salles Santos, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ele baseou-se em cálculos do presidente da Comissão Especial de Informática e Estatística do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Guilherme Zagallo. A Vale não divulga a informação, e o departamento de arrecadação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) alega ser sigilosa.

A Cubatão da Amazônia

O mapa da Estrada de Ferro de Carajás é o centro das atenções no 4º Encontro Regional dos Atingidos pela Mineração, realizado no final das férias de julho na Escola Lourenço Galetti, em Açailândia (MA), uma cidade de 110 mil habitantes onde os esgotos correm nas ruas, e os moradores têm que escolher entre viver sob a fumaça das guseiras na BR-222 ou no entroncamento da Belém-Brasília. Ali também está um dos pátios mais importantes da Vale, que, além de fornecer minério de ferro às guseiras e retirar o ferro-gusa, entrega combustível e recolhe grãos.

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Marcelo Carneiro da UFMA (Foto: Jeremy Bigwood)

Os cerca de 80 representantes das 20 comunidades que conseguiram chegar ao encontro – o transporte mais barato é o trem de passageiros que passa na mesma EFC, em dias alternados – são recebidos por um trio de música sertaneja e vão apresentando as localidades em que vivem, de Canaã dos Carajás a São Luís do Maranhão.

O desenho esquemático da linha férrea se transforma em um “mapa falado” dos povoados, acompanhados dos problemas que vivenciam. A discussão vai dos atropelamentos de pessoas e animais na ferrovia, ao desmatamento e assoreamento dos igarapés; da desestruturação das escolas rurais e hospitais à falta de emprego para os jovens que não veem perspectiva nos assentamentos sem crédito agrícola e não são preparados para disputar os melhores (e poucos) empregos produzidos pela mineração, tornando-se os peões das empreiteiras terceirizadas.

“O complexo-mina-ferrovia-porto se insere na rede global da produção do aço, que produz os carros, as geladeiras, os computadores”, explica o doutor Marcelo Carneiro, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), acadêmico convidado pelos organizadores do encontro. “Nós queremos que o valor produzido por essa cadeia seja incorporado pelos territórios que cedem seus recursos naturais a um modelo de exportação que se relaciona de maneira predatória com a economia regional, desestruturando as atividades econômicas locais sem criar alternativas dignas nem se preocupar com o legado”, ensina à plateia atenta que vai aumentando com a chegada dos retardatários.

Os efeitos dessa “disputa desigual pelo valor”, como diz o professor, ganham mais uma dimensão nas falas dos defensores dos direitos humanos, conselheiros tutelares, membros do Ministério Público Federal presentes à reunião: trabalho forçado na cadeia de carvão em Buriticupu (MA), exploração sexual de crianças em Açailândia, violência extremada em Marabá.

O promotor Leonardo Tupinambá, de Açailândia, é o porta-voz de um problema surpreendente para os que não conhecem o magnetismo que a Vale exerce nos rincões do Maranhão: os embarques clandestinos de crianças e adolescentes nos imensos trens da companhia, escondidos embaixo do minério de ferro carregado pelos vagões. No ano passado, o promotor de Santa Luiza (MA) moveu uma ação civil contra a Vale por descumprir “reiteradamente” o Estatuto da Criança e do Adolescente “quanto ao controle de embarque de menores, tanto em trens de transporte de passageiros quanto em trens cargueiros, de forma clandestina, aproveitando-se do fato da empresa não adotar qualquer medida de vigilância”.

Nem sempre os meninos conseguem chegar ao destino almejado, Parauapebas – que concentra o dinheiro da mineração por sediar o complexo da Vale. O município fica com 65% dos royalties advindos da mineração, o Estado do Pará com 23% e a União com 12%. “O que é produzido em Carajás tem dois caminhos: o porto de exportação e as guseiras de Marabá e Açailândia”, atalha o professor Carneiro.

“Em Minas Gerais, parte importante desse minério é beneficiada em cadeias produtivas adensadas; o estado do Pará exporta quase tudo in natura. O projeto máximo de beneficiamento que o complexo minerador pensou para essa região é o ferro-gusa que oferece empregos de baixa qualidade e cria um cenário de destruição à sua volta”, explica.

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Associação de moradores de Pequiá (Foto: Jeremy Bigwood)

Uma das comunidades homenageadas no encontro é Pequiá, que se tornou símbolo mundial da destruição da Amazônia depois de um relatório do Greenpeace, que sobrevoou a região, documentando a destruição. Ali vivem cerca de 300 famílias entre as guseiras que produzem ferro-gusa com carvão vegetal e minério de ferro, vomitando poluentes no ar, nos rios, no solo. O produto é embarcado nos trens da Vale, que também fornece a matéria-prima. A Pública visitou as casinhas cobertas de poeira, cujo dano para a saúde dos moradores, a água e o solo foi constatado por um laudo da Secretaria de Meio Ambiente realizado por ordem de Promotoria de Justiça de Açailândia, que instaurou um inquérito para investigar as denúncias dos moradores e resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta assinado em 2011. O acordo obriga o sindicato patronal das empresas, o Sifema, a transferir os moradores do local para um terreno desapropriado pela prefeitura.

Na passeata que encerrou o encontro naquele 27 de julho, a alegria estava nos rostos da juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), nas palavras de ordem puxadas pela representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e nas vozes embargadas de emoção dos que há anos usam o próprio corpo para deter o trem. Eles haviam acabado de receber a notícia da paralisação das obras pela Justiça do Maranhão. Dessa vez tiveram a gentil escolta da Polícia Militar para caminhar pelas ruas e dar as mãos formando um círculo em torno da rotatória rodoviária, sem se incomodar com os caminhões pesados, bufando de impaciência contra os que bloqueiam o progresso.




Dentro da floresta, a Vale tem pressa

27 de Novembro de 2012, 22:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda
Vista da floresta a partir da canga (Foto: Jeremy Bigwood)
Com a exploração da intocada Serra Sul da Floresta Nacional de Carajás, a Vale expande suas atividades na Amazônia e promete dobrar a produção em quatro anos 
“Você tem um morro, coberto de floresta, depois um platô – que é onde aflora o minério de ferro – e, na vertente do platô, um vale, também coberto de floresta. Para abrir a mina, você vai desmatar esse platô – que parece pelado, mas está coberto pela canga, a savana metalófila de Carajás –, fazer uma cava, e, da terra que você tira, desmata esse vale todinho, faz uma pilha. Então, onde era vale, vira montanha, e onde era platô, vira um buraco”, explica o biólogo mineiro Frederico Drumond Martins, funcionário do Instituto Chico Mendes (ICM-Bio) e há cinco anos gestor da Floresta Nacional (Flona) de Carajás.

A paisagem que serve de exemplo para a rápida lição sobre o impacto da mineração na serra de Carajás se avista da estrada asfaltada que vai da cidade de Parauapebas à área das minas da Vale S/A dentro da floresta. Nesses 411.949 hectares de terras federais – distribuídos entre os municípios de Parauapebas e Canãa dos Carajás – convivem o maior complexo mineral do mundo, com reservas estimadas em 18 bilhões de toneladas de minério de ferro de alta qualidade, além de jazidas de manganês, cobre, níquel, ouro e outros minerais, e uma unidade de conservação “de extrema importância para a conservação da biodiversidade brasileira”, de acordo com o Mapa de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.

A riqueza de espécies reflete a transição entre os biomas da Amazônia e do Cerrado nessa variedade de relevos e solos cortados por igarapés e cobertos pelas florestas tropicais úmidas (ombrófilas) da Amazônia – que ali abrigam castanheiras de 50 metros de altura, maçarandubas e outras madeiras de lei e são entremeadas por florestas secas e palmeirais nas encostas dos morros. Nos platôs, que chegam a 900 metros de altitude, abrem-se as clareiras de savana metalófila (canga hematítica), uma vegetação que cresce sobre as jazidas de ferro e que, na região amazônica, só existe ali. Um levantamento recente da fauna da Flona Carajás, feito pela Vale e o ICM-Bio, encontrou 945 espécies de vertebrados, sem contar os peixes, e uma das avifaunas mais ricas do país, com 545 espécies, diversas ameaçadas de extinção.

O principal objetivo do decreto que criou a unidade de conservação em 1998, porém, era garantir à recém-privatizada Vale “o uso de todas as terras da União com portarias de lavra registradas desde 1969”, ou seja, a concessão de todas as jazidas de minério de ferro e de lavras de manganês, minério de cobre, níquel e ouro dentro da Flona Carajás. De acordo com o Plano de Manejo de 2003, um quarto da unidade – 104 mil hectares – é zona de mineração, incluindo toda a área de canga, que ocupa 5% do total da área ainda preservada.


O melhor minério do mundo extraído de Carajás (Foto: Jeremy Bigwood)

Em contrapartida pela exploração das jazidas dentro da unidade de conservação federal, administrada pelo ICM-Bio desde 2007, a companhia assumiu a responsabilidade de preservar todo o cinturão de áreas protegidas que compõem os 8.073 km² do Mosaico de Carajás – metade disso ocupada pela Flona de Carajás e a outra metade pelas Flonas Itacaiúnas e Tapirapé-Aquiri (onde a Vale pesquisa tântalo, cobre, estanho, ouro, minério de ferro e níquel e ainda extrai cobre das minas de Salobo, no município de Marabá), além da Reserva Biológica de Tapirapé e da Área de Proteção Ambiental do Igarapé Gelado.

Entre 2005 e 2009, de acordo com dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, a Vale foi autuada nove vezes pelo Ibama por infrações ambientais cometidas dentro da área que deveria ajudar a proteger. Às vésperas de a Vale implantar o seu maior projeto em Carajás, a convivência entre ambiente e mineração ali está longe de estar bem resolvida.

Em junho deste ano, depois de oito anos de negociações com os órgãos ambientais, a Vale conseguiu obter a licença prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o projeto S11D, a primeira mina de ferro na Serra Sul da Floresta Nacional de Carajás, planejada para entrar em operação em 2016. Em quatro anos, a produção anual de minério de ferro de Carajás vai passar dos atuais 110 milhões de toneladas para 230 milhões de toneladas de minério de ferro. O projeto – com investimento de US$ 8 bilhões para a abertura da mina e US$11,4 bilhões para obras de logística para escoar a nova produção – ainda depende de outras licenças (de Instalação e Operação) para ser implantado.

Minerando na floresta: uma cratera é uma cratera


Frederico Drumond Martins, gestor da Flona, mostra a barragem de resíduos (Foto: Jeremy Bigwood)

Percorremos 140 quilômetros de estradas dentro da Flona no jipe Mitsubishi 4×4 do ICM-Bio, observando três das quatro minas em operação na Serra Norte, a partir dos mirantes suspensos sobre as cavas, e passeando pela natureza quase intocada da Serra Sul. A Vale não estava disposta a mostrar sua área de produção aos jornalistas da Pública: embora nossa visita tivesse programada com antecedência de um mês, a assessora de imprensa que nos recebeu disse que a ida às minas estava cancelada por “falta de escolta” e nos levou para ver as antas, araras, macacos e onças que vivem nos recintos do Parque Zoobotânico – o zoológico, como é conhecido pela população de Parauapebas, que abriga 260 animais resgatados pela fiscalização dos órgãos ambientais.

Atualmente a companhia ocupa menos de 4% do território (13 mil hectares), principalmente na porção norte da Serra de Carajás, onde ficam as três minas de ferro – N4E, N4W e N5, abertas em 1984, 1994 e 1998, respectivamente. No ano passado, as três minas produziram 109,8 milhões de toneladas de minério de ferro, um terço de toda a produção brasileira, equivalentes a cerca de US$ 13 bilhões.

A operação funciona 24 horas por dia e, na virada dos turnos (são três), as estradas ficam tomadas pelos ônibus que trazem os operários de Parauapebas. A Vale não informa o número de trabalhadores das minas – estimados entre 10 mil e 20 mil (incluindo os que atuam para 35 empresas terceirizadas) pela Justiça do Trabalho de Parauapebas. Em 2010, por sinal, a companhia foi condenada a pagar aos operários R$ 100 milhões de reais de indenização por danos morais e R$ 200 milhões por dumping social pelas horas perdidas no itinerário, que não eram computadas nas jornadas de oito horas diárias – a companhia recorreu do valor, e um acordo está sendo negociado.

As estradas com trânsito pesado e as linhas de energia que servem ao complexo minerador são os impactos ambientais mais visíveis antes de chegar às cavas de onde se extrai o minério, cercadas por pilhas de estéril (a terra que sobra da extração de minério) que transformam platôs em buracos e vales em montanhas, como descreveu o gestor da Flona.


Um quarto da Flona é zona de mineração (Foto: Jeremy Bigwood)

Do mirante da N5, uma estrutura de madeira suspensa na imensa cratera cor de chocolate – a mais nova e mais produtiva –, parecem de brinquedo as escavadeiras de 80 toneladas de peso e as pás carregadeiras que trabalham dentro da cava, assim como os caminhões de 8 metros de altura com capacidade para transportar 400 toneladas de terra.

No fundo do vale fica a barragem de resíduos da mineração em um dos braços do rio Parauapebas; embora esses resíduos não sejam tóxicos (como ocorre no caso da mineração do cobre), assoreiam o rio. A barragem reduz a sedimentação, mas provoca uma interferência significativa nos cursos d’agua e em seu entorno, principalmente na época das chuvas. “A mineração tem um grande efeito no sistema hídrico, porque, além de usar muita água no beneficiamento do minério (que depois será bombeada para o rio e contida pela barragem), para minerar você tem que drenar as jazidas, que são um aquífero poderoso”, destaca o gestor da Flona. Comunidades rurais visitadas pela Pública, como a Vila Bom Jesus e a Vila Planalto, queixam-se de enchentes que inundam as casas e matam os animais desde a implantação de uma mina de cobre – a Mina do Sossego – em 2004, do lado de Canãa dos Carajás.

Passamos pelas estruturas de suporte operacional das minas – oficina, central de resíduos, refeitórios para empregados, estação de tratamento de água, central de inteligência – e avistamos a usina de beneficiamento, onde o minério é lavado, classificado de acordo com o tamanho, britado e peneirado. Nesse estado quase bruto, é transportado pela Estrada de Ferro Carajás por 892 quilômetros até o porto de Ponta de Madeira, o terminal marítimo da Vale em São Luís do Maranhão, de onde é exportado para a China e outros países da Ásia, principalmente.

A cava N4E, que visitamos a seguir, é a mais antiga de Carajás e impressiona pela profundidade vertiginosa e pelo movimento bem menor de máquinas e caminhões – conforme a extração avança, vai entrando mais fundo atrás do corpo do minério, o que torna a exploração menos lucrativa.

Quando o Projeto Grande Carajás foi instalado, nos anos 80, os militares falavam em 500 anos de recursos minerais ali. Ao ritmo de 100 milhões de toneladas por ano, crescendo para 230 milhões a partir de 2016, as reservas devem se exaurir antes no final do século, segundo calcula o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, que há mais de 30 anos pesquisa a mineração em seu estado. “Carajás levou 15 anos para produzir os primeiros 500 milhões de toneladas de minério de ferro. Outros 500 milhões foram alcançados nos sete anos seguintes — em menos da metade do período anterior, portanto. Esse mesmo volume foi registrado nos últimos cinco anos. E, com a entrada em operação da nova mina, ao sul da atual, a produção de 500 milhões de toneladas será batida a cada três anos. Significa dizer que a produção acumulada de Carajás chegará a dois bilhões de toneladas em quatro anos, e os 18 bilhões de reservas terminarão 80 anos depois”, explica.

A canga de Carajás: o obstáculo para explorar a Serra Sul

Dizem que foi ao avistar as manchas de canga no topo dos morros, em 1967, a bordo de um helicóptero da US Steel – a sócia norte-americana da então estatal Companhia Vale do Rio Doce –, que o geólogo Breno Santos descobriu a presença de ferro na Serra de Carajás, a maior província mineral do mundo. Vista como uma cobertura vegetal rala que só tinha importância por sinalizar a presença de minério, a canga de Carajás começou a ter seu valor para a biodiversidade reconhecido a partir de 2004, quando a Vale passou a realizar estudos sistemáticos sobre o ecossistema a partir de uma exigência do Ibama na renovação da concessão das minas da Serra Norte.


Canga de Carajás (Foto: Jeremy Bigwood)

Desde então, a subestimada vegetação vem revelando alto grau de endemismo (espécies que só existem ali) de seus habitats únicos – os campos brejosos de arroz selvagem, rodeados de babaçus e uma profusão de cavernas entre lagoas doliniformes permanentes (depressões rochosas que acumulam água de chuva).

Os estudos sobre “a área mínima de canga”, como são chamados, estão sendo concluídos agora, o que retardou a abertura da mineração na intocada Serra Sul – com reservas de 10 bilhões de toneladas de minério de ferro. A ideia inicial da Vale era obter o licenciamento ambiental para explorar toda a jazida, mas, depois de quatro anos de negociações infrutíferas com os órgãos ambientais, a companhia apresentou ao Ibama, em 2008, a versão atual do que será “o maior projeto da companhia”, segundo seu material promocional: a exploração de um dos quatro blocos – o “D” – do corpo mineral 11, na Serra Sul (daí a denominação dada pelos geólogos, S-11-D).

Até obter a licença prévia do Ibama, em junho deste ano, o projeto passou por mais cinco anos de alterações – incluindo o desenvolvimento de um novo sistema de lavra e beneficiamento do minério para reduzir o impacto ambiental.

Embora a produção da multinacional brasileira em Minas Gerais, estado onde a empresa nasceu, ainda seja maior do que a do Pará, Carajás é o polo em expansão porque tem maior potencial de reservas e oferece minério com teor de ferro acima de 66% (o de Minas tem pureza em torno de 53%). “Sempre vai ter mercado para Carajás, a nossa vantagem competitiva é a qualidade do minério”, afirma Jamil Sebe, o diretor do Projeto Ferrosos Norte da Vale, quando questionado sobre a conveniência de investir US$ 19,4 bilhões no projeto S11D em um momento de baixa dos preços e crise da indústria siderúrgica internacional.


Espécies endêmicas da Serra Sul (Foto: Jeremy Bigwood)

Para o diretor, o projeto S11D merece o “aval da sociedade” pelas inovações tecnológicas que apresenta: o sistema de lavra truckless, que substitui os caminhões por correias transportadoras e equipamentos modulares para levar o minério da mina à usina – localizada fora da Floresta Nacional de Carajás, em área de pastagem, onde também serão despejadas pilhas de estéril –, e um processo de beneficiamento do minério com uso da umidade natural, que promete economizar 93% da quantidade de água utilizada.

“Adotamos um sistema de peneiras, fruto de dois anos de pesquisa, que permite a lavagem do minério a seco. Mas isso não pode ser usado em todas as minas. É a granometria do minério da Serra Sul que permite que ele passe na tela”, explica, contabilizando uma redução de 77% de combustível e 50% dos gases estufa com o novo sistema de lavra.

Apesar do entusiasmo do porta-voz da Vale, os documentos do processo de licenciamento ambiental da S11D mostram que as mudanças não foram espontâneas. Segundo os estudos de impactos ambientais (EIA-Rima) apresentados em 2010, o sistema de lavra era o mesmo da Serra Norte, e sacrificaria 2.591 hectares de vegetação – entre floresta e canga – e dezenas de cavernas, além de destruir as lagoas do Violão e do Amendoim – que representam 45% das superfícies lacustres da Serra Sul, desempenham função ecológica importante para a fauna e apresentam “grande beleza cênica, com potencial turístico”, outro atributo para ser considerada área de preservação, segundo o Plano de Manejo.

Em parecer técnico de julho de 2011, o Ibama considerou que os cinco volumes do EIA-Rima não forneciam “subsídios para avaliar a viabilidade ambiental do projeto” e solicitou novos estudos. Três meses depois, a Vale protocolou quatro volumes de informações complementares, incluindo um capítulo “Melhorias/Meio Físico”, em que propunha o sistema de lavra truckless e a locação de pilhas de estéril fora da Flona, poupando “207 hectares de savana metalófila, 63 hectares de floresta estacional decidual (floresta seca) e 806 hectares de floresta ombrófila, uma redução da interferência em ambientes naturais da ordem de 43%”, segundo parecer do Ibama. A cava também foi redesenhada para respeitar o perímetro de 250 metros das cavidades de “máxima relevância” (cavernas protegidas por lei por sua importância espeleológica, arqueológica e/ou biológica), e preservar as lagoas do Violão e do Amendoim.

O mesmo parecer do Ibama, porém, considera o projeto insuficiente para preservar as lagoas do Violão e do Amendoim, por impactar o entorno, alterando a absorção das águas da chuva, e reforça a importância de preservar “espécies novas para a ciência, registradas exclusivamente no Corpo S11D e localizadas nas margens das lagoas perenes, ao alcance das áreas que sofrerão o chamado efeito de borda (até 500 metros)”.

A disputa entre as exigências ambientais e os interesses econômicos atingiu o impasse em maio deste ano, um mês antes da Licença Prévia do Ibama, quando a Vale apresentou sua resposta ao parecer técnico do Ibama. No item “Abordagem aos Aspectos da Viabilidade Econômica do Projeto Ferro Carajás S11D”, a empresa afirmou: “As perdas de reserva de minério de ferro, em decorrência da obrigatória manutenção dos perímetros de proteção das cavidades de relevância máxima e as áreas de contribuição das Lagoas do Violão e do Amendoim, representariam uma redução das reservas da ordem de 1,85 bilhão de toneladas de minério de ferro explotáveis, resultado que corresponde a 52% de toda a reserva. Tal fato representaria o comprometimento da viabilidade econômica do Projeto S11D”.

Quanto valem as Lagoas da Serra Sul?

“Aqui onde vocês veem essas palmeirinhas é um buritizal, um terço de todos os buritizais da Flona estão aqui, no bloco D”, explica o gestor da Flona, quando descemos do jipe para conhecer uma parte da área ameaçada pelo S11D. O buritizal ficam em torno de um brejo, na verdade um campo de arroz nativo, “de grande relevância alimentar para aves e pequenos roedores”, como descreve um dos pareceres técnicos do ICM-Bio.

“As consultorias contratadas pela Vale para fazer os levantamentos de flora já encontraram dez espécies novas na Serra Sul, oito no corpo S11, e três que só existem aqui, no bloco D. E ainda há coisas a descobrir”, conta Frederico Drumond, enquanto caminhamos pela canga, povoada de bromélias e cactos.

Passamos pela Cachoeira do Peladão, uma formação rochosa de altura impressionante, completamente seca no verão amazônico, e, alguns metros adiante, avistamos as águas azuis perenes – que chegam a 14 metros de profundidade – na lagoa de pedra, batizada de Cachoeira do Violão, por causa do desenho de seu contorno. Os moradores dos sítios e povoados próximos preferem chamá-la de Lagoa da Dina, em homenagem a uma das mais carismáticas guerrilheiras do Araguaia. Nos anos 70, a guerrilha ocorreu na mesma mesorregião de Carajás, o Bico do Papagaio.


A lagoa da Dina corre risco (Foto: Jeremy Bigwood)

Bem perto da lagoa, já está montada uma pequena infraestrutura para dar início ao projeto: torre de energia elétrica, alojamentos de madeira para os funcionários terceirizados responsáveis pelas sondagens minerais. “Tudo isso vai ter que sair daqui”, diz o gestor da Flona Carajás, referindo-se à distância obrigatória de 500 metros entre a área de produção e a lagoa que consta da autorização do ICM-Bio, emitida junto com a Licença Prévia do Ibama. As exigências expressas nos dois documentos têm de ser cumpridas até o requerimento da Licença da Instalação.

A reportagem da Pública apurou, porém, que a Vale não terá necessariamente que respeitar essa distância. Depois da alegada “inviabilidade econômica do projeto” por conta das restrições ambientais, uma série de reuniões entre os órgãos ambientais, representantes do governo federal e mineradora resultou em um acordo expresso na Licença Prévia do Ibama: a companhia poderá apresentar estudos concluindo que a proteção de 500 metros no entorno das lagoas não é imprescindível para preservar sua integridade e funcionalidade ecológica.

Sem admitir o acordo, ICM-Bio e Ibama afirmam que é aparente a divergência entre os documentos da licença prévia emitidos pelos dois órgãos. Ambos aguardam as análises da companhia para decidir quanto ao seguimento do processo de licenciamento ambiental. “As lagoas serão preservadas, o que está em estudo é a necessidade da preservação do seu entorno em 500 metros”, explicita mensagem enviada pela assessoria de imprensa do Ibama.

“Nós vamos cumprir todas as condições do Ibama, mas ainda não completamos os estudos”, diz o porta-voz da Vale, Jamil Sebe, ressalvando não acreditar na “inviabilidade econômica do projeto”. Questionado sobre o que fará a companhia se for obrigada a reduzi-lo, respondeu: “Nesse caso ainda temos o bloco A, B, C. A Serra Sul tem 120 quilômetros, o bloco D tem 9 quilômetros”.

O que significaria, porém, o início de um novo processo de licenciamento e um atraso dos planos – que aparentemente não interessa também ao governo brasileiro, em luta para retomar o crescimento econômico diante da crise mundial? O minério de ferro é o principal produto de nossa balança comercial, hoje, e responde por cerca de 10% das exportações do país.

Que futuro aguarda as minas de Carajás?

De acordo com o relatório da Vale para a Bolsa de Nova York – chamado de F-20 –, em 2021, a mina N4E estará esgotada. As outras duas minas da Serra Norte – N5 e N4W– têm datas de exaustão previstas para 2027 e 2037, respectivamente. Para o projeto S11D, na Serra Sul, a previsão de exaustão é de 39 anos, segundo Sebe – 2055, portanto, se se mantiver o cronograma da empresa.


A mina mais produtiva da Vale se esgota em 2037 (Foto: Jeremy Bigwood)

As antigas cavas terão de ser fechadas, e o ambiente, recuperado, segundo a legislação brasileira. Não há, contudo, precedentes para que se saiba o que vai acontecer com a área degradada. Em Minas Gerais, onde atua desde seu início, há 70 anos, a Vale anuncia um projeto de recuperação da mina de Cauê, no Complexo Itabira, que estaria sendo feito “em sinergia” com as demais minas do complexo – Conceição e Minas do Meio – aproveitando-se a pilha de estéril e os rejeitos da unidade de tratamento de minério para preencher a antiga cava.

O fechamento teria que ser acompanhado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral a partir de comunicações da companhia que, segundo o órgão, nunca foram feitas. Ou, esse processo não está sendo fiscalizado, como se percebe pela resposta obtida pela Pública por meio da Lei de Acesso à Informação: “Prezada Senhora Marina, até onde temos conhecimento a Vale nunca nos apresentou um ‘comunicado de fechamento de mina’, mas para ter certeza desta informação teríamos que ler integralmente as centenas de processos que a Vale possui no DNPM/MG, o que é totalmente inviável na prática, isto é, impossível de ser realizado. Aproveito para dizer que, de acordo com a Portaria 201/2006 do Diretor Geral do DNPM, os processos do DNPM são sigilosos, tendo acesso aos mesmos apenas os titulares e seus procuradores e eventualmente pessoas que comprovem serem interessadas, devendo ser comprovada esta condição de acordo com art. 3º da citada Portaria. Atenciosamente, Geól. Paulo Ribeiro de Santana”