Este blog foi criado em 2008 como um espaço livre de exercício de comunicação, pensamento, filosofia, música, poesia e assim por diante. A interação atingida entre o autor e os leitores fez o trabalho prosseguir.
Leia mais: http://comunicatudo.blogspot.com/p/sobre.html#ixzz1w7LB16NG
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives
"Você gostaria de morar aqui?"
28 de Abril de 2014, 10:56 - sem comentários ainda"Você gostaria de morar aqui?" é a primeira contribuição de Pablo Pascual García para o Comunica Tudo, fotógrafo e jornalista espanhol que atualmente reside em São Paulo.
Ao entrar na favela Esmaga Sapo, na zona leste de São Paulo, entra-se em outro mundo. Naquele beco da desolação existe uma dimensão desconhecida para os cidadãos comuns.
Há um mês, a favela sofreu um incêndio que acabou com todas as coisas, e a esperança de 500 famílias que ficaram desabrigadas, sem nada; apenas as cinzas que sujam, de um preto que não sai nem do chão, nem dos poucos colchões que conseguiram salvar. Nem mesmo a comida está limpa, assim como as roupas e as caras das crianças...
Foto: Pablo Pascual García |
Os moradores não têm tempo a perder. E com essa lembrança recente de quem, com medo, viu o fogo passar, começam a reconstruir os barracos. Há poucas madeiras, então tudo serve para se transformar em um teto para dormir.
As mulheres se reúnem para avaliar o conteúdo de dezenas de sacos plásticos do que conseguiram salvar.
Foto: Pablo Pascual García |
Do outro lado do rio, um canal de água suja e fedorenta passa no canto da Favela. Dezenas de famílias ocupantes se recolhem abaixo do viaduto, tentando tirar o frio de outono dos corpos, arrumando um lugar para descansar até poder voltar aos novos barracos.
A cozinha também é improvisada e é dela que sai a comida para todos, isto é, quando conseguem alguma coisa para comer. Uma escola próxima é a única que ajuda, segundo os próprios moradores. "Quando tem arroz, arroz. Se doam feijão, feijão com arroz. Quando não tem nada, a gente não cozinha e ninguém come", diz a cozinheira.
Segundo os moradores da Favela, a prefeitura só apareceu um dia, deu alguns colchões, uma cesta básica para cada família e nunca mais apareceu. Prometeu voltar, mas só prometeu.
As famílias têm que reconstruir tudo o quanto antes, sob o risco de serem despejados de lá. E irão para onde? Essa é a pergunta. "Mudar de lugar não é a solução", diz Ronaldo, a liderança da Favela. "A solução é a mudança de políticas, não levar a Esmaga Sapo para outro lugar. Ninguém quer morar aqui, só que não temos outro lugar. Você gostaria de morar aqui? A gente precisa de casa, isso aqui não é normal acontecer no país da Copa. Só com um pouquinho desse dinheiro que estão levando as empreiteiras daria para ajudar muitas pessoas como nós."
Foto: Pablo Pascual García |
(Foto e texto por Pablo Pascual García)
INFORME: Independente, o Comunica Tudo é mantido por um único autor/editor, com colaborações eventuais de outros autores. Dê o seu apoio a esta iniciativa: clique nas publicidades ou contribua.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Copa do Mundo 2014... sigo siendo contra!
26 de Abril de 2014, 16:39 - sem comentários aindaCoerência? Pé fincado? Raiz?
Neste caso, nenhum deles.
(Por Diego Pignones)
Quando escrevi (lá pelos idos de outubro de 2011) o texto Copa do Mundo 2014... Soy Contra, introduzia a cultura do ‘Contra o Futebol Moderno’ que é bastante difundida na Europa, Argentina, Uruguay, Chile e, no Brasil, foi introduzida pelas barras Setor 2 (da Juventus da Mooca) e Geral do Grêmio. O texto tinha por finalidade introduzir a série de textos O Futebol e a Política. Porém, a Copa do Mundo 2014 no Brasil fomentou, fomenta e fomentará debates acalorados.
Para o torcedor comum (aquele que está sendo sumariamente exterminado com a elitização do futebol brasileiro), que paga(va) seu ingresso, vai(ia) até a geral, xinga(va) o juiz e o adversário e perde(ia) a voz quando rasga(va) a garganta ao gritar pelo gol da virada heroica do seu time, o futebol não dá nada de retorno financeiro. O único retorno que o torcedor comum tem é a paixão. A paixão que o faz(ia) entrar em um estádio às 22h, sair às 02h da manhã, voltar à pé para casa e acordar às 06h para trabalhar, apesar de ser um crime o horário imposto pela rede detentora dos direitos de transmissão do futebol no Brasil. Plim-plim!
Parafraseando Paul Stanley, guitarrista do Kiss, se o futebol não te dá lucro, alguém está lucrando com ele. E muito.
A violência começa onde o lucro está e acaba em um paraíso fiscal.
E eu tenho que aceitar/defender isto?
O ‘protocolo FIFA’ é lesivo a qualquer país, leis federais, estaduais e municipais que vão contra o lucro de todas as corporações envolvidas, serão ‘temporariamente revogadas’ ou ‘flexibilizadas’ (eu achava que esses eram termos de tucaninhos... vamos p’adelante!)
Por exemplo, antes do começo de quaisquer eventos públicos, deve ser executado o hino nacional brasileiro (no RS também deve ser executado o Hino Rio-Grandense), o ‘Protocolo FIFA’ será reformulado para contemplar nossos hinos?
Não. Não dá grana e a FIFA está cagando e andando para nossos hinos e leis.
A Copa do Mundo possui diversas cotas de patrocínio em vários níveis, sendo uma cota âncora destinada à cerveja. E a nossa lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estádios e no entorno?
- Ela vai pro saco. Porque dá muuuuuita grana.
Se o torcedor se sentir lesado pela FIFA, poderá recorrer de algum modo? E o Código de Defesa do Consumidor (CDC)?
- Hmmmmm, embaçado. O CDC não dá grana, né?
O Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Torcedor vão contra o lucro da FIFA. Por isso, a FIFA simplesmente ignorou o Código do Consumidor quando estipulou as multas para cancelamento da compra do ingresso para a Copa.
- Não entendeu a relação com o CDC? Simples.
O artigo 49 do CDC prevê que o consumidor possa cancelar compras feitas fora de estabelecimento comercial até sete dias corridos após o recebimento do produto ou assinatura do contrato e receber o dinheiro pago corrigido, como ocorre no comércio eletrônico. No entanto, ao reservar ingressos para o torneio, automaticamente o torcedor está sujeito ao pagamento de taxa de cancelamento caso seja sorteado e desista do bilhete. A tarifa pode chegar a 20% do preço da entrada. E a multa pode variar de R$ 3 a R$ 396, dependendo do valor do ingresso.
E nessa história tem outro agravante.
O pulo do gato tá no fato de o torcedor não receber esta informação no ato da inscrição para compra. (Ráááááááá!). Para acessá-la é preciso entrar no site oficial da Copa, clicar no link “Ingressos” e depois em “Legal”. A informação integra o sétimo dos 19 capítulos do “Regulamento de Venda de Ingressos para o Público em Geral”. (Ráááááááá!). Há ainda a possibilidade de rescisão do contrato de venda até o limite de 48 horas antes do jogo. Nesse caso, no entanto, a multa é de 30%.
A Lei Geral da Copa concedeu algumas liberdades irrestritas para a FIFA. Inclusive, a liberdade para decidir o preço dos ingressos e de passar por cima do CDC.
Vamos mais fundo na questão da Copa do Mundo 2014?
O principal argumento para trazer a Copa do Mundo 2014 (e as Olimpíadas para o Rio de Janeiro) era o tal Legado. Escrevo com letra maiúscula, porque o Legado virou uma entidade. Tudo deveria ser pensado a partir do Legado. Uma das máximas do marketing é pensar em médio e longo prazo. Investir agora pra colher muito mais depois.
Áreas degradadas seriam revitalizadas, mobilidade urbana, melhores ruas, estradas, malha ferroviária, e uma porrada de argumentos utilizando-se, inclusive, da experiência de Barcelona com os Jogos Olímpicos de 1992. Porém (sempre tem um porém), a realidade e o cenário de Barcelona e da Espanha em 1992 eram outros.
No Brasil, temos desocupações violentas com a utilização de ferramentas do Estado. Em Porto Alegre chegou-se ao cúmulo de utilizar a Brigada Militar (PM gaúcha) para proteger de manifestantes, um boneco inflável do mascote da Copa vestindo uma camisa com a marca do refrigerante patrocinador do torneio. Detalhe: o tatu inflável estava colocado em espaço público. O privado sobre o público. Os aparatos do Estado investem contra pessoas que não tem outro lugar para morar (a não ser a ocupação). Ocupações que eram defendidas em outros tempos por certas bandeiras vermelhas de outrora.
Muitas obras do Legado ficarão prontas após a Copa do Mundo. E na boa, pelo andar da carroça que sempre arruma as abóboras em seu lugar, mesmo depois do fim da Copa, acho que as obras vão demorar a ficar prontas. E alguns dirão que é coisa da oposição.
Infelizmente, ainda muita gente vai dormir na rua, apanhar e ter seus direitos individuais, e humanos, vilipendiados pelo Estado para que a FIFA, nosso suserano visite o vassalo sem sujar os pés de barro e sem que a nossa realidade cotidiana agrida os seus olhos.
O #NãoVaiTerCopa já perdeu o sentido imediato e literal do termo e foi colocado fora de timming. Poderia ter rolado enquanto o Brasil ainda estava cogitando se candidatar para sediar o torneio da FIFA. Mas, naquela época, o Gigante estava na Disney e o Guy Fawkes ainda era um personagem criado por um comunista e não tinha hackers recrutados pelos Estados Unidos. Como não houve articulação social, leia-se, a mídia não deu uma força porque estava todo mundo acomodado, #VaiTerCopa. E custe o que custar. Mesmo que tenham novos protestos, infiltrados ou não. Ou protestos de uma classe média que, apoiada pela alta inflamabilidade provocada pela imprensa e pelos Estados Unidos, que sempre acaba com o trabalhador sendo vitimado com o incêndio de ônibus, bancos públicos sendo vandalizados ou tendo seu carro incendiado. O #NãoVaiTerCopa ainda tem um sentido figurado forte e marcante. Não vai ter copa na Aldeia Maracanã, não vai ter copa nas comunidades pacificadas com UPP’s, não vai ter copa para quem foi arrancado de sua casa.
Por sua vez, o #VaiTerCopa revela uma divisão dentro da esquerda, uma esquerda rebelde sem causa que se alinha com a direita, pra fazer birra para a esquerda de centro que a originou. E tem ainda uma esquerda, que de tão rebelde, não dialoga claramente com a sociedade. Se o estabilishment é o inimigo, usem a linguagem do inimigo para se fazer entender. Isso é histórico e uma estratégia. Usem-na.
E na prática, temos uma masturbação mental cibernético-digital de quem é contra mas vai pagar ingresso, assistir aos jogos e, pra dizer que é rebelde, vai vaiar a Dilma, e, de quem é a favor e nem vai na porra da copa porque não tem grana.
É uma inversão de valores e realidade surreal.
Mais surreal que isto será a aplicação da Lei de Gerson no custo de vida, preços e greves de diversas categorias que irão se aproveitar do momento para pressionar governos e patrões sobre suas reivindicações. Só que a Copa é do estádio para dentro. As externas, como são chamadas as inserções em vias públicas, serão feitas em locais já controlados pela segurança do evento. Gringo não quer ver ninguém apanhando, engasgando com gás lacrimogêneo ou levando bala de borracha na cara... tá, ele até pode querer ver isto, mas a FIFA não vai deixar isto aparecer. Porque a Copa é um produto/marca da FIFA e não do Brasil.
Os defensores da Copa vão dizer que não tem grana pública envolvida e que a Copa das Confederações já pagou a Copa do Mundo, mas será que valeu a pena sacrificar seres humanos para lucrar pouco, já que o lucro maior vai ser dividido entre algumas empresas e a maior fatia deste bolo vai para a Suíça? Se alguém de esquerda falar que valeu a pena, desculpa, mas você não é humanista e não é de esquerda. É tão capitalista quanto o FMI que você queria fora do Brasil durante os governos de FHC.
E falando francamente, como um evento mundial organizado com corrupção, o jeitinho brasileiro e em cima de ameaças, matérias jornalísticas nefastas e rabos presos, poderá dar certo?
Há muito o futebol deixou de ser um esporte de massa, porque foi roubado por ladrões violentos e fortemente armados que vieram do exterior e levarão nossas riquezas para a lavanderia de um paraíso fiscal.
É isto que eu tenho que aceitar/defender?
Acho que não. Respeito minha ideologia e formação.
Copa do Mundo 2014... soy e sigo siendo contra.
Sempre Contra o Futebol Moderno.
E a favor do futebol sem numeradas.
Anotação na Margem:
- Texto escrito ao som do álbum Siglo XXI da banda basca Gatillazo;
- O Contra o Futebol Moderno é um movimento espontâneo surgido nas arquibancadas da Europa. E é mais um exemplo da mescla entre futebol e política em território europeu ;
- Faça um favor a si mesmo, não assista a Copa com Galvão (e nem com ninguém);
- Ainda acredito que o Brasil será ‘compensado’ com o caneco em virtude de ter perdido a Copa de 1950. Por isso, soy celeste!;
- Se você é contra a copa, protestou, pichou, quebrou vidraças e arregaçou coisas nas ruas, você não pode comprar o álbum de figurinhas da copa. Estamos de olho;
- Quero ver quem defende o trabalhador e defende a copa, defender a copa do Qatar 2022 que já matou milhares de operários em situação de semiescravidão. É a mesma FIFA;
- Peço pra quem defende a copa e carrega uma bandeira vermelha, que aprenda a gritar gol com o Jornal Nacional, ou que seja coerente com o símbolo que carrega;
- Uns dizem: “Quero ver na Copa”, eu quero ver é depois da Copa.
INFORME: Independente, o Comunica Tudo é mantido por um único autor/editor, com colaborações eventuais de outros autores. Dê o seu apoio a esta iniciativa: clique nas publicidades ou contribua.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
O Brasil quer saber: nossa cerveja é transgênica?
25 de Abril de 2014, 18:38 - sem comentários aindaO Brasil inteiro quer saber: nossa cerveja é transgênica? |
A Ambev, maior empresa da indústria cervejeira no Brasil, evitou responder oficialmente aos consumidores interessados em saber o que estão bebendo. A única “resposta” que veio a público foram dois textos publicados no site da Carta Capital, tratando o tema com ironia e sem trazer qualquer dado que afaste ou confirme a suspeita. Escondem-se na suposta busca de uma bebida “brasileira”, com milho. Mas evitam o essencial: seria o milho presente na cerveja… transgênico?
Nosso país é o terceiro maior produtor mundial de cerveja. O setor responde por 1,7% do PIB brasileiro, mas insiste em se comportar de forma abusiva. Sua publicidade é extremamente agressiva ao tratar a mulher como objeto e não como pessoa. Além disso as marcas estão presentes em inúmeros eventos esportivos depois que seus lobistas convenceram o Congresso de que, para fins publicitários, bebida com menos de 13% de graduação alcoólica não é bebida alcoólica.
A indústria cervejeira, que zomba de seus próprios consumidores, deveria saber que a falta de informação viola a legislação. A Lei Federal nº 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, tenta equilibrar a relação de consumo, dando direitos aos consumidores perante o fornecedor.
O direito à informação e à livre escolha estão no rol dos direitos básicos do consumidor (art. 6º do CDC). São um meio eficiente de prevenir fraudes e de asse gurar um ato de consumo verdadeiramente consentido, livre, porque fundamentado em informações adequadas. O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ensina que a oferta e as informações no rótulo mostram-se essenciais para propiciar o ato de compra consciente do consumidor.
Parece que essa obrigação não foi assimilada pelo mercado da cerveja.
Por que a Ambev não informa oficialmente se suas cervejas são feitas com milho transgênico?
Essa é uma pergunta que talvez as autoridades possam fazer. A pergunta do consumidor é bem mais simples: “estou bebendo cerveja feita com milho transgênico?”
Pronto. É só responder e assunto encerrado.
Não se trata de criticar a evolução técnico-científica, mas de debater e exigir transparência. Enquanto o mundo ainda discute os efeitos nocivos dos alimentos transgênicos, correremos o risco de consumi-los sem sermos informados?
A resposta fundamentada do fornecedor do produto é essencial para que as pessoas tenham condições de exercer, de forma consciente, seu direito de livre escolha. Se, possuindo todas as informações necessárias, alguém ainda opta por consumir transgênicos, assume o risco implícito de seu ato – seja para a sua própria saúde, para a sociedade ou para o meio ambiente.
Ficar sem informação é que é inadmissível.
A repercussão das suspeitas sobre presença de transgênicos na cerveja já começou a provocar mobilização social. Um abaixo-assinado criado por não-especialistas em cerveja, que exige mais transparência da indústria já tem milhares de assinaturas.
Ele pode ser assinado aqui: www.change.org/milhonacerveja
Se você acha importante saber o que está bebendo, pode ser mais um dos milhares não-especialistas. Mas se você acha graça em saber que o setor vende 86,7 bilhões de litros de cerveja por ano, que 45% do malte da cevada pode ser substituído por milho e que quase 90% do milho plantado no Brasil é transgênico, tudo bem. Seja feliz e boa sorte.
(Por Outras Palavras)
INFORME: Independente, o Comunica Tudo é mantido por um único autor/editor, com colaborações eventuais de outros autores. Dê o seu apoio a esta iniciativa: clique nas publicidades ou contribua.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Pela ordem: Força Nacional treina para conter tumultos na Copa
25 de Abril de 2014, 13:30 - sem comentários ainda“É a primeira vez que você anda com batedor sem estar sendo preso hein?”, brinca atrás de mim um fotógrafo, se dirigindo a um colega de profissão que estava ao seu lado no ônibus.
O comentário desata uma gargalhada geral só interrompida por uma freada brusca do motorista – um policial militar de farda camuflada, que dirige cercado de batedores da Força Nacional para evitar o trânsito. Os cerca de quarenta passageiros são todos jornalistas, de diversos Estados, convidados a participar do seminário “Cobertura Jornalística em Ações de Segurança Pública”, ministrado pelo Ministério da Justiça e pela Força Nacional de Segurança Pública. Durante dois dias – 28 e 29 de março – ficaríamos hospedados na base da FSN, no Gama (DF) para “promover a troca de informações entre profissionais de comunicação e de segurança pública sobre aspectos relativos às atividades operacionais de ambos”, como dizia o convite para o curso, no site do Ministério da Justiça.
Na base, que reúne contigente de policiais militares de diversos Estados, recebemos a primeira instrução: “Desçam lá e façam o trabalho dos senhores, como os senhores estão acostumados a fazer”. Fomos então cobrir a “manifestação” simulada pela tropa, com combatentes e oponentes – representados por militares mascarados atrás de uma barricada, encoberta por fumaça preta.
A encenação, levada a sério, acaba com um ferido real: um dos falsos manifestantes arremessou um tijolo que acertou em cheio a boca do companheiro de farda. O policial teve que passar por uma cirurgia e levou pontos no lábio superior. Um acontecimento de rotina, segundo nos disseram diversas vezes durante o curso.
Regularmente, a Força treina durante três semanas policiais militares, bombeiros, policiais civis e peritos criminais vinculados às secretarias de segurança pública dos estados conveniados, que depois retornam aos seus estados de origem. Aqueles que tiverem obtido um conceito “muito bom” nos testes da Força, passam a integrá-la. Segundo o Boletim de 2013 da Força Nacional de Segurança Pública, mais de 10 mil homens compõem o efetivo do programa; e 142 operações em 23 unidades da federação foram executadas desde 2004.
Nesse ano, a Força se prepara para a possibilidade de entrar em campo na Copa do Mundo em doze Estados. O governo federal pode enviar seus homens no momento que quiser, desde que considere estar diante de uma situação de emergência. O emprego deve ser principalmente das polícias militares. Em Natal, por exemplo, já está definido que 300 homens da Força Nacional vão reforçar o efetivo da PM potiguar. Segundo a Portaria 394, de 4 de março de 2008 , o reforço de policiamento ostensivo pela Força Nacional está previsto em seis situações, dentre elas a contenção em áreas de “grande perturbação da ordem pública”, bloqueios de rodovias e em grandes eventos públicos de repercussão internacional. Quase todas as manifestações durante a Copa podem ser enquadradas nesses critérios.
O QUE É A FORÇA NACIONAL?
Criada pelo Decreto 5.289 de 2004, a Força Nacional de Segurança Pública é um programa de cooperação federativa entre estados para situações de emergência no campo da segurança pública. Um exemplo recente desse tipo de emergência foi a greve de policiais militares da Bahia, na semana passada. Sem os policiais militares para fazer o chamado policiamento ostensivo, atribuído à PM pelo artigo 144 da Constituição, o governador baiano Jaques Wagner (PT) pediu o apoio da Força Nacional ao governo federal que enviou os homens da Força para a Bahia.
“O que nós fazemos é otimizar recursos. Se há uma crise em algum estado, nós checamos quais estados podem enviar homens para conter a crise”, afirma o coronel gaúcho Alexandre Augusto Aragon, diretor da Força Nacional. Além dos salários regulares que recebem das secretarias estaduais de segurança, os profissionais recebem diárias pagas pelo governo federal quando acionados pelo programa.
Inicialmente, a atuação da Força se restringia ao reforço ao policiamento ostensivo feito pelas polícias militares dos estados conveniados. Dez anos depois de sua criação, a Força Nacional é um departamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, também tem entre o seu corpo bombeiros militares, policiais civis e peritos criminais e desempenha até funções de alçada da Polícia Federal, como proteção a testemunhas e defensores de direitos humanos, patrulhamento das fronteiras e combate a crimes ambientais.
Até o ano passado, esse contingente agia somente com um pedido expresso dos governadores estaduais. O decreto 7957, de 12 de março de 2013, em meio a uma série de outras determinações, incluiu quatro palavras no decreto original de criação da Força Nacional que modificou essa dinâmica.
GUARDA PRETORIANA?
“Foi uma alteração muito marota que foi feita. O decreto fala muito sobre a questão da atuação das Forças Armadas na Amazônia, sobre a Companhia Ambiental da Força Nacional e depois vem uma alteração no decreto original de criação da Força. Essa alteração passou despercebida em meio a outras medidas”, diz João Rafael Diniz, advogado que milita no grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.
A alteração a que ele se refere foi feita no artigo 4º do decreto de 2004, que determinava que a Força Nacional poderia atuar em qualquer parte do território nacional mediante solicitação dos governadores dos estados ou do Distrito Federal. A alteração de março de 2013 incluiu os ministros de Estado entre os que poderiam acionar a Força, sem a necessidade do pedido dos governadores.
“A gravidade disso é que de fato cria uma força militar controlada pela presidência da República diferente das Forças Armadas. No artigo 144 da Constituição consta que cabe aos Estados regular a força policial de manutenção da ordem pública. Isso é o pacto federativo, a federação brasileira está sustentada sobre essa divisão. Se você imaginar que caberia uma força militar de preservação da ordem pública nas mãos do governo federal, você imagine um conflito em algum lugar qualquer em que você mande dois tipos de tropa, que respondem a dois níveis diferentes do Executivo, com uma sobreposição de competência. Quem decide ali?”, questiona.
Em artigo escrito para o site da Repórter Brasil, João Rafael Diniz comparou a Força Nacional à Guarda Pretoriana do Império Romano, “um corpo militar especial, destacado das legiões romanas ordinárias, que serviu aos interesses pessoais dos imperadores e à segurança de suas famílias. Era formada por homens experientes, recrutados entre os legionários do exército romano que demonstrassem maior habilidade e inteligência no campo de batalha. No seu longo período de existência (mais de três séculos) a Guarda notabilizou-se por garantir a estabilidade interna de diversos imperadores, reprimindo levantes populares e realizando incursões assassinas em nome da governabilidade do império”.
USO DE FORÇA NACIONAL É CADA VEZ MAIS AMPLO
“O decreto tem um tom de que o uso da Força Nacional é reservado a situações de caráter excepcional, mas isso não está previsto ali. E se você for ver, ao longo dos anos, os momentos em que a Força Nacional foi solicitada foram cada vez menos excepcionais. Você tinha uma greve da polícia ou o caso de Luziânia, ali do lado de Brasília, que em algum momento foi a cidade mais violenta do Brasil. A Força Nacional foi lá porque a polícia local não estava dando conta. Hoje você tem uma base da Força Nacional dentro de Belo Monte, que é um consórcio privado”, argumenta João Rafael Diniz.
No curso para os jornalistas, os agentes da Força afirmaram que a sua atuação era sempre subordinada à coordenação das secretarias de segurança estaduais, mas como afirmou Diniz, no dia 21 de março de 2013, o ministro Edison Lobão, da pasta de Minas e Energia, solicitou o emprego da Força Nacional em um canteiro do consórcio Norte Energia, em Belo Monte, ocupado por um protesto de cerca de 60 agricultores, ribeirinhos e indígenas das etnias Juruna, Xipaia, Curaia e Canela. Um dia após o pedido do ministro, 25 policiais militares e três policiais civis foram deslocados pela Força para desocupar o canteiro de obras.
Em abril de 2013, o deputado federal Ivan Valente e o senador Randolfe Rodrigues, ambos do PSOL, entraram com Projetos de Decretos Legislativos na Câmara e no Senado para sustar os efeitos do decreto 7.957, que conferiu ao Executivo federal a prerrogativa de solicitar emprego da Força Nacional. A proposta no Senado aguarda posição da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa desde junho de 2013. O relator da matéria é o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Na Câmara, a matéria está parada desde fevereiro deste ano na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e o relator é o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP).
Na Copa das Confederações, cinco das seis cidades-sede (a exceção foi o Recife) pediram o reforço da Força Nacional para conter as manifestações de junho. Em dezembro do ano passado, as tropas do acordo de cooperação também atuaram na segurança do sorteio dos jogos da Copa na Costa do Sauípe. Para a Copa do Mundo, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já pediu auxílio e as rodovias federais na região de Curitiba, Cuiabá, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte contarão com reforço do efetivo da Força Nacional.
PEC QUER TRANSFORMAR A FORÇA NACIONAL EM NOVO ÓRGÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA
Apresentada em julho de 2012 pelo deputado federal Vanderlei Siraque (PT-SP), a PEC 195 quer mudar o status da Força Nacional e o artigo 144 da Constituição.
Se aprovada essa emenda, a Força passará a ser um órgão mantido pela União estruturado em carreira e não dependerá mais de um acordo cooperativo entre estados. Será uma tropa independente, mas treinada e mantida pela União para atuar em situações de crise.
“Visando a preservação da harmonia entre União e Estados, a fim de evitar conflitos de competência, seu emprego: a) dar-se-á apenas quando reconhecido, por declaração formal do Chefe do Executivo estadual ou distrital, o esgotamento dos órgãos estaduais ou distrital de segurança pública; e b) dependerá de autorização expressa do presidente da República. Ou seja, em respeito ao princípio federativo, a atuação da Força Nacional de Segurança Pública não será imposta pela União aos Estados ou Distrito Federal. Pelo contrário, a sua utilização terá a função de auxiliar os governadores em situações de grave crise, como greve, rebeliões, motins das polícias”, diz o texto do deputado petista.
A proposta aguarda um parecer do relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, o deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), desde agosto de 2012.
A ALVORADA E OS PROTOCOLOS DE AÇÃO DA FORÇA
“Alvorada!” O grito dos agentes da Força era o mesmo. Eram quatro da manhã e a correria era geral nas barracas climatizadas disponibilizadas pelo Ministério da Justiça como dormitórios aos jornalistas. Em minutos, estávamos todos de frente para um kit policial: escudo, capacete, cassetete e caneleira. Equipados, fomos tocados para um gramado abaixo da quadra. Em linha, estávamos novamente diante de outra manifestação simulada. A determinação era permanecer estático, em linha, e aguentar os empurrões, pontapés, trombadas e as tentativas de arrancar os escudos que empunhávamos.
Também vimos uma série de aulas teóricas explicando a adoção, pela Força Nacional de protocolos da ONU, como o de “Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei”, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999 e a portaria interministerial 4226, de 2010, que define as diretrizes do uso da força pelos agentes de segurança pública. Resta saber se, no calor das crises e das manifestações, os protocolos serão seguidos à risca.
(Por Ciro Barros na Agência Pública)
INFORME: Independente, o Comunica Tudo é mantido por um único autor/editor, com colaborações eventuais de outros autores. Dê o seu apoio a esta iniciativa: clique nas publicidades ou contribua.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Revista Placar tenta humanizar o feminicida Bruno, condenado pelo assassinato de Eliza Samudio
25 de Abril de 2014, 12:59 - sem comentários aindaRevista Placar tenta humanizar o feminicida Bruno, condenado pelo assassinato de Eliza Samudio |
(Escrito e publicado por Letícia F.)
Sou jornalista de formação. Com diploma, mas sem emprego. Também sou feminista autônoma. Mais importante que isso: sou humana e tenho um cérebro com sinapses nervosas funcionando mais ou menos perfeitamente. O suficiente para perceber quão equivocada, misógina e desrespeitosa é a capa da revista Placar de abril.
Como todo mundo, pensei que fosse uma montagem, uma brincadeira de mau gosto. Primeiro, me certifiquei de que era real. Depois, fui até a banca e adquiri um exemplar. Eu queria saber se a condescendência com um assassino aparecia somente na capa ou se continuaria pelas páginas da revista.
“Me deixem jogar”, diz a chamada. Coitado! Alguém o está impedindo de exercer sua profissão! Não é essa a impressão que dá? Que ele está injustamente encarcerado, quando na verdade o devido processo legal foi respeitado, ele teve direito a todas as defesas, e mesmo assim foi condenado a 22 anos por ter possivelmente esquartejado Eliza Samudio?
Sim, porque ao contrário do que diz a capa, Eliza não morreu. Ela foibrutalmente assassinada. Em nenhum momento, durante toda a entrevista ou reportagem, Bruno é chamado do que ele realmente é: assassino.
Na verdade, o tempo todo a revista tenta humanizá-lo. Começa narrando o dia em que os repórteres chegaram à cadeia, dizendo que Bruno estava pregando o evangelho durante o banho de sol. Continua humanizando-o: conta como ele, “enxada em punho”, foi capinar um terreno. Bruno não está fazendo nenhum favor, não, Placar. A cada três dias trabalhados na cadeia (isso mesmo, na cadeia), a pena dele diminui em um dia. É apenas isso.
A reportagem deixa Bruno falar: reencontrou a fé, frequenta a igreja, tem saudade das filhas. E, aí, o primeiro vômito – assassino Bruno fala do filho que teve com Eliza, Bruninho. “O ex-goleiro quer ser um ídolo para Bruninho. ‘Vou conquistar o amor dele’.”
A revista Placar, outrora publicação indispensável na imprensa brasileira, dá espaço para um assassino condenado dizer que irá conquistar o amor de uma criança que ele não ligava quando estava solto (os problemas com Eliza eram justamente por causa de Bruninho) e cuja mãe ele ESQUARTEJOU.
É triste ver no quê o jornalismo brasileiro se transformou. Seria mesmo necessário fazer uma capa “polêmica” como essa? Nas redes sociais, inclusive no próprio Facebook da revista (isto é, página frequentada por fãs da Placar), a reação foi horrenda. As críticas se multiplicam. Hoje há muita gente que vive de clique de indignação, que acha bacanudo falar absurdos para fazer sucesso. Ainda assim, a reação das pessoas que não acompanham/compram a Placar só aconteceu ontem, dia 24, mais de 20 dias depois da edição chegar às bancas. Quer dizer: a capa com o assassino se fazendo de vítima só mostrou a irrelevância atual da Placar.
Triste, porque cresci com a revista ao meu redor. Lembro até hoje da reportagem sobre o trio Bebeto-Cocada-Sorato no Vasco, novinhos… Agora, a Placar está reduzida, segundo o expediente, a um único repórter e a um editor. Na chefia de redação está Maurício Barros, que também cuida da Runner’s (leia a absurda carta aos leitores no final desse post).
Se o jornalismo esportivo quisesse continuar sendo só de oba-oba, de festa, ainda assim seria reprovável. Há meandros e negociações que merecem investigação. Porém, ver um assassino na capa da revista é tripudiar sobre todas as mulheres que sofrem violência diária por parte dos companheiros. No Brasil, dez mulheres são assassinadas todos os dias, o sétimo maior índice do mundo.
Maurício Barros, chefe de redação da Placar, diz que fizeram bom jornalismo, citando os entraves burocráticos para entrevistar um encarcerado. Ora, qualquer estudante de jornalismo fazendo TCC sabe que precisa preencher papelada e falar com assessorias de imprensa para um trabalho como esse. Barros esqueceu-se que era preciso falar, também, com “o outro lado”: entrevistaram Bruno e os advogados dele, mas não há nenhuma palavra da acusação.
A tentativa da revista foi, de fato, humanizar o assassino. Fala-se da carreira; do trabalho no presídio; dos sonhos; da amizade com o cúmplice Macarrão, também condenado. Na última pergunta, o golpe final para quem tem o mínimo de empatia:
Você não mandou matar a Eliza?
Sou firme no que eu falo. Não mandei matar a Eliza. No inquérito não há nenhuma prova, nenhuma escuta que prove que eu mandei matar a menina. Não tinha por que mandar matar a minha garota. Fui omisso e a corda arrebentou para o meu lado.
Tentaram de todo jeito humanizar o assassino Bruno. Que pena que não se pode fazer o mesmo por Eliza, desumanizada quando viva, desumanizada quando morta, e que não teve nem mesmo direito a um enterro digno.
INFORME: Independente, o Comunica Tudo é mantido por um único autor/editor, com colaborações eventuais de outros autores. Dê o seu apoio a esta iniciativa: clique nas publicidades ou contribua.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..