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TV Globo recua em tentativa de golpe
1 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários ainda Deu na Carta Capital:A tevê Globo fechou um acordo com os candidatos à Prefeitura de São Paulo sobre como será a cobertura das eleições municipais neste ano. A emissora voltou atrás na proposta anterior, na qual somente os dois primeiros nas pesquisas apareceriam diariamente na televisão. Com o novo acordo, seis candidatos devem aparecer diariamente no jornal noturno regional da emissora, o SPTV segunda edição, e no Bom Dia SP.Deu no blog do Miro
A reunião que selou o acordo ocorreu nesta terça-feira 31 com representantes dos oito candidatos que possuem representantes no Congresso Nacional. Os dois candidatos que estiverem na sétima e oitava colocações na pesquisa devem aparecer uma vez por semana com imagens e, nos dias restantes, sem.
(...)
Diante da pressão do PT e do PMDB, a TV Globo finalmente recuou na sua tentativa marota de golpe na cobertura jornalística das eleições para a prefeitura da capital paulista. Ela havia anunciado que daria espaço nos noticiários do Bom Dia São Paulo e no SPTV apenas ao tucano José Serra e o midiático Celso Russomanno, que aparecem nos primeiros lugares nas pesquisas e firmaram um pacto de cumplicidade. A medida feria a própria legislação e causou revolta entre os partidos excluídos por esta concessionária privada de um bem público.
Em reunião realizada ontem, a emissora se comprometeu a cobrir diariamente as atividades dos seis principais postulantes ao cargo – Serra (PSDB), Russomanno (PRB), Fernando Haddad (PT), Gabriel Chalita (PMDB), Soninha Francine (PPS) e Paulinho da Força (PDT). Com base neste recuo, os demais candidatos excluídos também deverão ingressar na Justiça Eleitoral para exigir o mesmo direito. Como já apontou o advogado do PT, Hélio Silveira, a exclusão nos telejornais com base nas pesquisas “é um tratamento que a lei não permite”.
Pela legislação eleitoral, todos os candidatos de partidos com representação na Câmara de Deputados devem ter espaço na cobertura das eleições e têm direito a participar de debates na rádio e TV. “A lei veda às emissoras de rádio e tevê darem tratamento privilegiado a um candidato em detrimento do outro”, explica Hélio Silveira. Mesmo assim, as empresas de radiodifusão desrespeitam a regra para fazer campanha dissimulada dos seus candidatos. A TV Globo sempre atentou contra a legislação, mas agora foi obrigada a recuar!
Condomínio Cingapura – com vista para a Copa
1 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaMoradores de prédios populares em Itaquera, zona leste de São Paulo, se preparam para receber o maior evento esportivo do mundo
“Você fica de fora, baixinho, é 5 contra 5”, determinou Adailton, indicando quais os campos de cada time e entregando a bola ao árbitro. Começou a partida de futebol mais esperada da semana – ao menos pelos que estavam em campo. Descalços e descamisados, os dez adolescentes disputavam a final do campeonato Itaquera City – competição entre os times formados por moradores da unidade Goiti do conjunto de habitações populares Cingapura, que fica em Itaquera, na zona leste de São Paulo. Em uma quadra que teve a pintura refeita recentemente, eles se exibiam uns aos outros com dribles, chapéus e outras manobras futebolescas. Ao fundo, enormes guindastes amarelos operados 24 horas por dia para levantar o Itaquerão, o estádio do Corinthians, que vai sediar a abertura da Copa do Mundo em 2014.
O Itaquerão começou a ser construído em maio de 2011, em uma parceria entre o clube do Corinthians, a incorporadora Odebrecht (que receberam um empréstimo do BNDES de R$ 400 milhões), a prefeitura de São Paulo (que vai emitir R$ 450 milhões em títulos de isenção fiscal) e Governo do Estado de São Paulo, que deve apoiar com uma verba em torno de R$ 70 milhões para o aluguel e montagem de arquibancadas provisórias, aumentando a capacidade do projeto original, que era de 45 mil lugares, para 68 mil – exigência da Fifa para que a arena pudesse sediar a abertura da Copa de 2014.
O estádio e o conjunto Cingapura-Goiti ficam igualmente perto da estação Corinthians-Itaquera do metrô – ambos a cerca de 15 minutos de caminhada. Como até o momento não há hotéis na redondeza, o local com melhor vista para o estádio é justamente o conjunto de prédios do Cingapura-Goiti. Eu já tinha ouvido boatos sobre moradores da região do Itaquerão que queriam alugar seus imóveis por preços exorbitantes durante a Copa, em 2014. Em um passeio de bicicleta pela região, foi um dos torcedores assíduos do Corinthians, que acompanham diariamente a construção do sonhado estádio, que me confidenciou: “Diz que vai alugar lá por 20 mil reais na época da Copa”.
Fui atrás desse boato quando visitei o Cingapura-Goiti pela primeira vez. Mas foi quando já estava em minha quinta ida ao local que conheci Lauro, morador do bloco 7 (o nome é fictício). “Eu já fiz negócio, já”, contou Lauro com o tímido olhar escondido pela aba do boné e um escorregadio sotaque mineiro. “A prima do meu cunhado tem um parente que mora lá em Londres, Inglaterra, sabe? Ela que fez negócio pra mim, pela internet, vou alugar por 20 mil reais na Copa”, afirmou.
Lauro é morador do Cingapura-Goiti desde que o conjunto de habitações populares foi entregue, em 1999. Ele morava na comunidade da Favela Goiti, junto com outros três irmãos, em um puxadinho construído nos fundos da casa dos pais. “Quando a assistente social falou que íamos ganhar o apartamento do Cingapura, eu duvidei”, conta ele. “Só acreditei mesmo quando a gente recebeu as chaves e veio para cá”, completa. Lauro recebeu um apartamento “no cimento”, como ele diz, sem acabamento. Com o passar dos anos, foi revestindo as paredes, colocando portas privativas nos quartos e mobiliando os cômodos.
“Esse Lauro tem mais de dois metros de garganta”, alertou-me Josias, outro morador do Cingapura-Goiti.
Ainda que Lauro possa ter inventado a história do negócio que fechou, seria assim tão difícil alugar os apartamentos do Cingapura na época da Copa pelo preço sugerido por ele? Fato é que a proximidade em relação ao estádio e a ausência de hotéis na região instigaram várias mentes, além da de Lauro, com a ideia de alugar os apartamentos do Cingapura em 2014.
Periferia?
Chegar em Itaquera, com a linha Amarela do metrô, leva 40 minutos partindo da Avenida Paulista, e com baldeação para a linha vermelha do metrô. A estação terminal Corinthians-Itaquera tem vista para as arquibancadas já delineadas do Itaquerão, que subiam a cada vez que eu visitava a região. Na saída estão o Poupatempo e o Shopping Itaquera. Dentro do complexo de lojas a primeira coisa que se avista é o Coiffure Lohan, um cabeleireiro que cobra R$ 32 para lavar e cortar. Há um ano, o valor do mesmo serviço era R$ 12. “É o efeito Itaquerão”, disse-me a frequentadora Rosana.
Saindo do estacionamento do Shopping Itaquera, há uma faixa de pedestres para atravessar a Radial Leste que conduz até o portão de entrada do Cingapura-Goiti, que ocupa 2 quarteirões com 13 edifícios.
O conjunto possui dois pátios, ambos com pracinhas centrais, uma quadra esportiva e dois playgrounds. Enquanto caminhava entre os prédios eu atentava para a quantidade de cheiros diferentes, que denunciavam a péssima qualidade dos canos da rede de coleta de esgoto, a preferência invariável por água sanitária como produto de limpeza e a insistência em usar caldo de galinha industrializado no preparo de qualquer que fosse o alimento.
Parei em frente ao bloco 2. Tentei tocar o interfone, mas a estreita distância entre as barras do portão deixou evidente que ele não foi pensado por um arquiteto – meu braço só passou até o pulso e tive que fazer força para alcançar o botão 22, que apertei aleatoriamente. Maurícia, a síndica e dona de casa, me atendeu e deixou subir – receptividade que se repetiria com todos os moradores do Cingapura-Goiti que procurei.
Condomínio Fechado
Na sala, piso azulejado, sofás amarelos arredondados e uma televisão de tubo com tela plana de 40 polegadas. “O bloco 2 é o melhor para morar aqui”, garantiu ela. “É o único que está sempre com os portões fechados, onde ninguém entra sem ter autorização”, explicou. Pergunto se os outros blocos não são seguros. “Aqui é tudo meio bagunçado, mas agora, com essa reforma da prefeitura eles querem transformar em condomínio fechado, e a gente vai ficar mais seguro”, responde ela.
Maurícia refere-se ao projeto 3R, Programa de Regularização, Recuperação e Revitalização dos empreendimentos de habitações populares entregues nos anos 90, entre os quais estão os conjuntos do projeto Prover (Programa de Verticalização de Favelas), nome com o qual a gestão José Serra tentou rebatizar o Cingapura, sem sucesso – todo mundo continua chamando pelo nome antigo.
As obras são coordenadas pela Secretaria Municipal da Habitação e incluem pintura, paisagismo, criação de áreas de lazer e cobertura nas garagens, com o objetivo de revitalizar os conjuntos e comercializá-los. O projeto inicial do Cingapura previa que os moradores tivessem apenas um Termo de Permissão de Uso (TPU) dos imóveis, mas a inadimplência no pagamento das taxas de TPU (que no Cingapura-Goiti custa R$ 57 por mês), a degradação das áreas de lazer e a comercialização informal desses imóveis levou a Secretaria da Habitação a optar por vendê-los. O valor das unidades do conjunto Goiti ainda não foi definido, mas os apartamentos de outros Cingapuras têm sido comercializados por uma média de R$ 70 mil, com financiamento pela Caixa Econômica Federal.
“O Cingapura foi uma evolução do que começamos na gestão da [Luíza] Erundina”, explica o urbanista Nabil Bonduki, que trabalhou na Secretaria Municipal da Habitação durante o mandato da ex-prefeita, de 1988 a 1993. Nabil conta que coordenou projetos de urbanização das favelas de São Paulo na época. “Quando a urbanização era inviável, desenvolvemos a solução de verticalização das favelas, com a construção de conjuntos habitacionais”, conta o urbanista.
“Mas quando o Maluf assumiu, em 94, ele parou com a urbanização e só levou a verticalização adiante, criando o projeto Cingapura”, conclui. “Como esses blocos eram construídos sem nenhum planejamento de desenvolvimento econômico da região e sem a capacitação profissional de seus moradores, acabou sendo muito comum a comercialização dos imóveis”, avalia.
Maurícia integra a parcela de moradores do Cingapura Goiti que não adquiriram o TPU originalmente. Ela comprou o seu em 2002 por R$ 14 mil. “Para passar o TPU para o nome do novo proprietário, a gente faz um contrato ‘de gaveta’, reconhece firma e leva na Central de Habitação”, explicou.
Em uma das primeiras negociatas desse tipo feitas no Cingapura Goiti, no final de 1999, o antigo permissionário preparou um contrato de venda com a ajuda de um amigo advogado. Esse contrato virou o modelo usado em negociações dali para frente e é o mesmo até hoje, os moradores só mudam os nomes, imprimem e assinam.
“No começo, teve gente que vendia o apartamento por 2, 4 mil reais”, conta Maurícia. Na minha primeira visita, em maio de 2012, as unidades à venda no Cingapura-Goiti já tinham saltado para R$ 80 mil. Na última, em julho de 2012, o preço já batia a marca dos R$ 150 mil.
Parte dessa valorização aconteceu pelos novos equipamentos públicos do entorno. Quando foi entregue, o Cingapura Goiti ficava separado do metrô Corinthians-Itaquera por um lixão e era cercado por uma antiga linha de trem, que em 2002 foi desativada para a construção da Radial Leste. Em 2000 a estação de linha vermelha do metrô ganhou um Poupatempo e em 2007 o lixão foi removido para a construção do Shopping Itaquera. “Mas nada valorizou isso aqui tanto como esse estádio aí, ainda mais com a Copa”, afirma Maurícia.
Segundo Nabil, a venda dos Título de Permissão de Uso , a rigor, não poderia acontecer, mas o poder público é conivente com a venda de habitações populares. “Quando há investimentos em uma área da cidade e ela começa a se desenvolver economicamente, ficar mais urbanizada, os pobres que moram lá começam a ser vistos como uma ‘anomalia’, como se não merecessem morar em um lugar bom da cidade”, teoriza Nabil.
“Nesse sentido, a venda de habitações populares e a mudança do padrão dos moradores para classes menos pobres é vista com bons olhos porque infelizmente ainda prevalece na nossa sociedade a lógica da senzala, em que ricos e pobres devem viver segregados”, lamenta Nabil. “Ao contrário, manter pessoas ricas e pobres morando próximas seria uma ótima solução urbanística para São Paulo”, afirma o urbanista, que é candidato a vereador municipal pelo PT. “Barateia o preço da mão de obra, diminui a necessidade de deslocamentos longos pela cidade e garante que moradores de baixa renda tenham acesso a equipamentos públicos de lazer e a estudos, para que eles também possam evoluir”.
“Com esse projeto dos 3R está tudo mudando por aqui”, conta Aldemar, síndico do Bloco 8. Ele explicou que, além de cercar todo o entorno do Cingapura, transformando-o em um condomínio fechado, a obra também colocou grades na parte de cima dos nichos onde ficam os butijões de gás, porque, segundo Aldemar, “muita gente usava esses espaços como cama para namorar”. Dois playgrounds foram construídos, a quadra recebeu nova pintura e guaritas foram criadas nas duas entradas do conjunto habitacional. Por enquanto, as guaritas ainda ficam vazias e os portões abertos. Na prática, as ruas e pátios internos do Cingapura continuam a ser espaços públicos de passagem e permanência da população do entorno. “Vai ser uma transição, entende? A gente vai ter que contratar uma administradora para tocar aqui o condomínio”, explica Aldemar.
A taça do Mundo é nossa
“Todo mundo quer achar um jeito de se dar bem com a Copa”, afirma Isná, síndica do Bloco 4. “Para você ter uma ideia, um homem me procurou para comprar um apartamento que tem à venda aqui no meu bloco para fazer um depósito de caixas de isopor, carrinhos, tudo para ser vendedor ambulante lá na porta do Estádio”, conta. Mas Isná está incerta sobre o futuro do Cingapura Goiti. “A gente não sabe o que vai acontecer depois dessa reforma toda. O comércio nos apartamentos, por exemplo, deve ficar proibido”, pondera ela. Pergunto se hoje em dia o comércio é permitido por lá. “Na verdade não tem muita regra, sabe, a gente não tem um Regimento Interno, aqui cada um faz o que quer”, responde Isná. “No Bloco 1, por exemplo, tem uma senhora que vende salgadinhos, outra tem um monte de geladeiras em casa e vende refrigerante, você interfona, pede o que quer e ela entrega na porta; lá no Bloco 7 tem uma mini confecção de roupas, no 2 tem uma senhora que vende Jequiti [uma marca de cosméticos do Grupo Sílvio Santos]; e no 9 tem até um cabeleireiro”, conta ela. Surpresa, decido sair de lá e cortar o cabelo.
Cícera é sócia de Cleinha no salão montado no apartamento 22, que oferece serviços de lavagem, corte, manicure e depilação. O apartamento padrão do Cingapura Goiti tem dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A sala virou recepção, um dos quartos é usado para cortar, o outro para depilação. Enquanto aguardava minha vez na sala de espera, ao som de uma versão em português e em ritmo de forró da música “Oh Carol”, escutei um diálogo entre mãe e filha na sala de depilação. “Tem que pagar a moça pra depilar, mãe?”, disse uma voz infantil. “Minha filha, a única coisa que a gente ainda não paga nessa vida é o ar”, respondeu a mãe, desanimada.
Lavei e cortei meu cabelo com Cleinha por dez reais, enquanto puxava conversa sobre a construção do Itaquerão. “Por enquanto a vida aqui continua a mesma, mas depois que o estádio estiver pronto, aí sim vai mudar tudo”, afirma a cabelereira. Pergunto se para melhor ou pior. “Ah, vai virar uma zueira de torcedor aqui que não quero nem ver”, reclamou, enquanto dividia minunciosamente meu cabelo para o corte. Se realmente houverem estrangeiros hospedados no Cingapura-Goiti durante a Copa, eles não poderão usufruir do salão, que será desmontado em janeiro de 2013 para que o filho de Cleinha ocupe o apartamento. Ainda assim, a cabeleireira planeja uma reforma no apartamento para a possibilidade de hospedar torcedores durante o evento de 2014.
“Todo mundo quer alugar o apartamento para a Copa, disso não tem dúvida, mas antes tem um monte de coisas que a gente precisa organizar aqui”, diz Eliseu, síndico do Bloco 11. Ele explica que um dos planos dos síndicos é colocar um portão elétrico, para controlar a entrada de quem não for morador. “Mas a gente nem sabe direito quem é morador aqui, precisaria fazer um ‘censo’ mesmo, cadastrar todo mundo, para daí contratar uma administradora e regularizarmos tudo”, explica ele.
“Só que aí entram alguns problemas”, contrapõe Edvânio, amigo de Eliseu e síndico do Bloco 12. “Com todas essas mudanças, a gente vai ter que regularizar tudo e a dona Maria, por exemplo, que varre o nosso Bloco três vezes por semana, teria que ser contratada direitinho, tudo formalizado” pondera ele. “O problema é que a gente nem tem empresa aberta, então teríamos que ‘tercerizar’ o serviço”, explica. Edvânio está preocupado com os gastos que o condomínio terá se todas essas mudanças forem adotadas. Hoje, além da TPU de R$ 57, os moradores do Cingapura-Goiti pagam um valor de condomínio, que varia de bloco para bloco mas fica em torno dos R$ 50. “Se tudo isso mudar, esse valor vai chegar a pelo menos 150 reais, e vamos acabar excluindo as pessoas mais pobres, que vieram da favela e estão aqui desde o começo”, explica Edvânio.
“O pessoal que veio da favela já tem dificuldade de pagar os 50 reais, que dirá 150”, completa Eliseu. “Mas aí, por outro lado, sem essa organização, fica difícil a gente fazer um esquema seguro para a época da Copa, cada um vai querer cobrar um preço, vai misturar gringo com os ‘nóias’ que moram aqui e vai acabar virando confusão”, pondera. “Outro dia mesmo, teve pancadão aqui no pátio e eu chamei a polícia”, conta Isná. “Mas os policiais me disseram por telefone que como aqui agora era condomínio fechado eu teria que ir lá autorizar a entrada deles pelo portão”, explica. “Só que se eu fizesse isso, ia ter tiro e pedrada na minha janela!”, conclui.
“É por essas questões que a gente está pensando direitinho em como vai ser com essa coisa da Copa”, explica Eliseu. Segundo ele, os síndicos têm conversado para tentar estabelecer um valor fixo de aluguel no condomínio na época do evento. Como os moradores do Cingapura receberão a escritura dos imóveis após a implementação do projeto 3R (no primeiro semestre de 2013), a operação de aluguel dos apartamentos será legalizada. “Nós queremos combinar um preço para que as coisas aconteçam de forma mais organizada e todo mundo saia ganhando igual”, pondera Eliseu. Enquanto essas questões se desenrolam, Eliseu, sempre que pode, vai até a obra do Itaquerão buscar um pouco de barro do terreno. Ele é prestador de serviços em transportadora no interior de São Paulo e sempre que vai trabalhar leva consigo vidrinhos com terra do Itaquerão. “Vendo cada um por 10 reais”, conta ele, gargalhando.
Despedi-me de Elizeu e Edvânio e saí pelo pátio interno do Cingapura-Goiti. Sentei-me no playground dos fundos e fiquei observando as crianças brincando sem nenhum adulto por perto. Um garoto estava de pé no balanço enquanto dois tentavam empurrá-lo o mais forte que conseguiam. Um terceiro ficava de fora jogando pedras para o alto, tentando acertar o garoto do balanço, que desviava gritando “vai, coríntia”. Lá pelo terceiro grito o hino do Corínthians soou absoluto, potencializado por enormes caixas de som em um apartamento do bloco 3, deixando até meus pensamentos inaudíveis. Na janela apareceu dona Margareth, com os olhos azuis serenos e um sorriso fixo nos lábios. No dia anterior o timão tinha conquistado, pela primeira vez, o sonhado título de Campeão da Copa Libertadores da América e ela ainda se deliciava com a vitória.
Margareth é uma das moradoras que está no Cingapura desde o começo. Seu marido trabalhou na construção do Itaquerão, mas foi dispensado quando as atividades feitas com trator – sua especialidade – foram concluídas. Desempregado, ele viajou para o interior em visita à família e conseguiu uma vaga em uma fazenda por lá. Agora, Dona Margareth quer vender seu apartamento no Cingapura para se juntar ao marido.
– O que a senhora acha desses gringos que virão aqui para o estádio?
– Gregos?
– Não, gringos.
Silêncio.
– É o que esse negócio de “gringos”? – perguntou-me ela.
– Gringos, essas pessoas que vêm de fora do Brasil – esclareci.
– Eles vem só para ver o campeonato paulista?
– Não, dona Margareth, para a Copa.
– A Copa vai ser aqui nesse estádio?! – perguntou-me ela, surpresa.
– Vai sim – confirmei.
Mais uma vez, silêncio.
– E tem bastante dinheiro esses gringos aí que você falou? – indagou ela.
Se Dona Margareth é de uma ingenuidade marcante, e está longe de saber o valor do imóvel que tem nas mãos, esse já não é o caso de Eliete, síndica do Bloco 11. Ela trabalha como faxineira em escritórios da região da avenida Faria Lima, em São Paulo. Como mora no sexto andar do Cingapura, tem uma das melhores vista do estádio. “Me falaram que deu na internet que vai alugar aqui por 80 mil para a Copa”, conta ela. “Mas na hora de alugar vai ter que tirar tudo aqui de casa, as coisas de valor, DVD, porque não dá para confiar assim em qualquer um”, pondera Eliete. Seu plano é esperar pelo evento para alugar seu apartamento e depois “vender para um corintiano bem roxo”.
(Publicado na Agência A Pública)
* Natália Garcia é autora do projeto Cidades para Pessoas. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública. Outras reportagens financiadas pelo concurso – com o apoio da Fundação Ford – serão publicadas durante este mês.
Em 1944, criador do Pequeno Príncipe, Saint-Exupéry desaparece durante voo sobre a costa francesa
31 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaRestos da aeronave do autor francês seriam encontrados apenas em 2004
No dia 31 de julho de 1944, o escritor, poeta e aviador francês Antoine de Saint-Exupéry desapareceu durante um voo na região de Marselha.
Nascido em 29 de junho de 1900 numa família saída da nobreza, Saint-Exupery consegue uma infância feliz ainda que diante da morte prematura do pai. Concluído o ensino médio, tentou ingressar, sem sucesso, na Escola Naval. Orienta-se então para as belas artes e arquitetura. Obteve o brevê de aviador quando servia o exército em 1921.
É contratado pela companhia aeropostal em 1926, passando a transportar correspondência e mercadorias de Toulouse ao Senegal. Paralelamente publica, inspirando-se em suas experiências de aviador, seus primeiros romances: Correio do Sul, em 1929, e, sobretudo, Voo Noturno, em 1931.
WikiCommons
Lockheed F5B , avião em que Antoine de Saint-Exupéry desapareceu.
A partir de 1932, passa a se dedicar ao jornalismo. Realiza grandes reportagens no Vietnã, em 1934, em Moscou, em 1935 e na Espanha, em 1936. Todas as estadas alimentariam as reflexões que desenvolve em Terra dos Homens, publicado em 1939. É nesse ano que acaba mobilizado na aeronáutica francesa. Após o armistício com a Alemanha, deixa a França e viaja a Nova York, tornando-se uma das vozes da resistência.
Ansioso por entrar em ação, incorpora-se a uma unidade encarregada de reconhecimento fotográfico aéreo na Sardenha, durante a primavera de 1944. Ao tentar acompanhar o desembarque em Provence em 31 de julho de 1944, acaba desaparecendo. Se a morte do comandante Saint-Exupery acabou glorificada, ainda assim restava elucidar as circunstâncias. Seu avião só foi encontrado em 2004.
O Pequeno Príncipe, escrito em Nova York, durante a guerra, é publicado com suas próprias ilustrações em 1943. Esse conto, pleno de encanto e humanidade, conquista rapidamente um imenso sucesso mundial.
Em 1950, um pastor de Aix-la-Chapelle, antigo oficial de informações da Luftwaffe, alegou ter visto no dia 31 de julho de 1944 um modelo P-38 Lightning sendo abatido no Mediterrâneo por um Focke-Wulf alemão. Em 1972, surge o testemunho póstumo de um jovem oficial alemão, Robert Heichele, que teria atirado contra o Lightning, por volta do meio-dia, sobre a costa mediterrânea francesa. Nos anos 1990, surge tardiamente outro testemunho, no qual um habitante de Carqueiranne alegou ter visto, naquele fatídico dia, um avião ser abatido. O mar teria em seguido levado o corpo de um soldado à praia, que foi enterrado anonimamente no cemitério da comuna.
O corpo foi exumado e seu DNA testado. Os resultados, contudo, se mostraram negativos. A cada passo essas revelações realimentavam o interesse dos especialistas e do grande público no mistério de Saint-Exupery.
Enfim, em 2000, pedaços de sua aeronave são encontrados no Mediterrâneo. Remontados em setembro de 2003, os restos do avião são formalmente identificados em 7 de abril de 2004 graças ao número de série do aparelho. Os destroços do Lightning estão expostos no Museu do Ar e do Espaço de Bourget, num espaço dedicado ao escritor-piloto.
Nada, contudo, permite chegar a uma conclusão definitiva sobre as circunstâncias de sua morte, ainda que simulações informáticas do acidente revelem a aeronave se partindo na vertical e em grande velocidade.
Alguns chegaram mesmo a cogitar, para escândalo dos familiares do autor, a hipótese de suicídio de um Saint-Exupery debilitado fisicamente, desesperado diante de um mundo que se anunciava em tom francamente pessimista.
(Publicado no Opera Mundi)
Correa suspende publicidade na mídia
31 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários ainda Por Altamiro BorgesO presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou ontem (30) a suspensão de toda a publicidade oficial na mídia monopolista do país. "Não vamos mais usar o dinheiro do povo equatoriano para beneficiar negócios privados", explicou o mandatário durante uma solenidade. Em junho passado, ele já havia solicitado aos proprietários das emissoras de tevê e rádio e dos jornalões que rejeitassem, voluntariamente, os anúncios do governo. Como não recebeu qualquer resposta, Correa decidiu agora baixar um medida neste sentido.
Meia dúzia de barões da mídia
A mídia local, a exemplo da brasileira, vive criticando os supostos ataques à liberdade de expressão no país, mas abocanha fartos recursos em publicidade do governo. Agora, ela engolirá do seu próprio veneno. Sem dinheiro público, ironizou Correa, ele terá ainda mais "liberdade" para atacar o governo e promover ações golpistas. A decisão do governo abalou os barões da mídia da nação vizinha. Diego Cornejo, presidente da Associação Equatoriana de Editores de Periódicos, disse que a medida "vai contra a lógica dos negócios".
Para Rafael Correa, a mídia privada poderá agora comprovar se faz jornalismo por razões éticas ou por interesses econômicos e políticos mesquinhos: "Para quê vamos seguir enchendo os bolsos de meia dúzia de famílias quando claramente nos dizem que antepõem os seus negócios ao direito do público de estar bem informado". O secretário nacional de Comunicação, Fernando Alvarado, já foi orientado pelo presidente equatoriano a não enviar mais publicidade oficial para as seis famílias que monopolizam a mídia no país.
Se a moda pega no Brasil...
A decisão do governo equatoriano deverá gerar uma gritaria infernal dos barões da mídia no mundo inteiro - inclusive no Brasil. Mas os ataques apenas revelarão a incoerência destes impérios. A mídia privada atua como partido de oposição aos governos progressistas e prega abertamente a redução do papel do Estado. No entanto, ela vive mamando nos cofres públicos, via isenções, subsídios e publicidade. Ela usa o dinheiro dos contribuintes para reforçar o seu monopólio, contrapondo-se à verdadeira liberdade de expressão.
Agora, sem anúncios oficiais, ela terá mais dificuldades para exercer a sua ditadura midiática. Se a moda pega na América Latina, muitos veículos monopolistas sofrerão um bocado no falso "livre mercado". No Brasil, por exemplo, alguns veículos e colunistas amestrados serão obrigados a mudar de ramo. Segundo cálculos parciais, somente o governo federal e as estatais desembolsam cerca de R$ 1,5 bilhões ao ano em anúncios publicitários. Já os governos estaduais investem outros R$ 2 bilhões anuais.
Como ficariam a TV Globo, a Veja e outros veículos partidários do estado mínimo neoliberal sem estes R$ 3,5 bilhões anuais?
Em dias de Jogos Olímpicos, reportagens que mereciam uma medalha
29 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaSalto com Varas, Vanity Fair, junho de 2012
Ainda há discordância sobre se as Olimpíadas representam um benefício ou um desperdício financeiro para as cidades-sede. Este artigo analisa a preparação para os jogos de Londres e o longo – e, por vezes, obscuro – processo enfrentado pelas cidades que se candidatam junto ao Comitê Olímpico Internacional.
O garoto que não estava lá, ESPN, maio de 2012
A épica história de uma estrela do basquete juvenil americano que acabou se revelando alguém completamente diferente do que se pensava. Para revelar a história do jovem, o repórter Wright Thompson visitou desde unidades penais na Flórida até sacerdotes vodus no Haiti.
Colapso: Morte e desordem em hipódromos dos EUA, New York Times, 2012
Esta série de reportagens analisou dados de mais de 150 mil corridas de cavalos por todos os Estados Unidos. E descobriu o seguinte: em média, 24 cavalos morrem toda semana; as taxas de acidente são maiores em pistas que possuem cassinos; e os treinadores normalmente ignoram regras anti-doping, injetando grandes quantidades de analgésicos nos cavalos para mascarar lesões. Vale a pena ler também este artigo do Times sobre o quão poderoso se tornou o cartel de drogas mexicano dentro das corridas de cavalo norte-americanas.
Investigação de Jerry Sandusky, The Patriot-News, 2011
Uma reportagem que venceu o prêmio Pulitzer, sobre abuso sexual de garotos pelo treinador de futebol Jerry Sandusky, de Penn State. O jornal publicou revelações posteriores sobre como os administradores da Universidade, professores e o famoso treinador Joe Paterno fecharam os olhos em relação aos crimes de Sandusky.
A vergonha dos esportes Universitários, outubro de 2011
O historiador Taylor Branch explica como o conceito “estudante-atleta” nos Estados Unidos nunca foi um conceito simples. Ele documenta casos em que os jogadores foram aprovados enquanto as faculdades lucram, e as instâncias onde as escolas empurram pedidos de indenização trabalhista em caso de morte ou lesão dos atletas.
O que você não sabe pode te matar, revista Sports Illustrated, maio de 2009
A multibilionária indústria de suplementos esportivos se tornou um terreno fértil para “químicos de cozinha” que não possuem formação científica ou nutricional, mas que geralmente decidem o que vai parar em produtos como formadores de músculos e queimadores de gordura que são propagandeados para esportistas. A pouca fiscalização e escrutínio público desta indústria levou a um grande risco de produtos não testados e propaganda enganosa.
Especialistas ligam suicídio de um ex-jogador de futebol americano a pancadas na cabeça, New York Times, janeiro de 2007
Durante vários anos o jornal New York Times revelou evidências de longo prazo causadas por ferimentos na cabeça no futebol americano. Como resultado, a liga nacional de futebol americano adotou regras mais restritas sobre quando os jogadores poderiam voltar aos campos depois de se ferirem.
Texto baseado em artigo da ProPublica. Clique aqui para ler o original, em inglês
(Publicado por Agência Pública)