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Corrupção e educação na Amazônia
8 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
Na segunda reportagem da série, a Pública estudou as auditorias realizadas pela Controladoria Geral da União na região Norte, analisando apenas problemas com verbas para Educação. Há casos graves de má gestão, desvio de verbas e dinheiro aplicado irregularmente
O Ministério da Educação gastou R$ 15,2 bilhões em repasses aos municípios em 2011 para melhorar a educação básica, mas em muitas regiões o objetivo não vem sendo atingido. Na região amazônica, onde os dados sobre desempenho escolar são desanimadores, os recursos estão indo pelo ralo da corrupção e do desperdício.
Agora, a Pública analisou relatórios de auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União) em 32 cidades nos estados da região Norte entre 2010 e 2011. Os dados compilados a partir dos relatórios revelam indícios de corrupção e problemas na gestão do dinheiro da educação. Em vez de chegar às escolas, a verba repassada pelo governo federal se perde em irregularidades diversas. A Pública organizou essas irregularidades em 5 tipos: má administração, despesas irregulares, falta de prestação de contas, ausência de controle social e casos de desvios de finalidade.
Após as visitas a essas 32 cidades do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, os técnicos da CGU registraram 619 irregularidades, o que resulta numa média de quase 20 por município. Do total de problemas detectados, quase 40% se referem a má gestão; cerca de 30% indicam despesas irregulares (que podem ser fraudes em licitação e superfaturamento, por exemplo); e 17% apontam ausência de prestação de contas – um forte indício de corrupção.
A falta de controle social, principal mecanismo para fiscalizar a aplicação das verbas, foi detectada em vários municípios. Os relatórios apontam 57 irregularidades nesse campo, indicando que os Conselhos Municipais de Educação – criados para que a sociedade possa monitorar as políticas públicas em Educação – não estão funcionando.
Problemas na gestão: falta de profissionalismo e de controle
Os relatórios analisados pela Pública indicam um quadro de despreparo dos funcionários em diversas cidades: foram 241 irregularidades por falta de controle administrativo, uma média de 7,5 por cidade.
Mas de que irregularidades estamos falando? Os relatórios trazem casos de ineficiência de controle de estoque e de distribuição de alimentos; recursos aplicados fora do prazo; erros na contratação de responsáveis por obras, falha na elaboração de projetos básicos pra creches; falta de controle sobre dados dos veículos e dos condutores nos programas de transporte; inadequação ou ausência de ficha de matrícula dos alunos; e falta de conhecimentos técnicos para alimentar o sistema informatizado de distribuição de livros – o que resulta em erros na distribuição de livros didáticos.
Isso significa que mesmo os sistemas criados para melhorar a gestão dos recursos estão sendo mal utilizados ou subutilizados em algumas prefeituras da Amazônia.
“Um dos grandes desafios do país nas próximas décadas é criar burocracia de qualidade nos estados e municípios”, afirmou, em entrevista recente, o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, referindo-se ao corpo de funcionários que administra os programas de Educação em cada município. Para o pesquisador, tem havido inovações em matéria de políticas públicas, mas ainda falta “criar uma estrutura burocrática que dê conta do longo prazo”.
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Corrupção na Educação: causas e efeitos
Corrupção na Educação: causas e efeitos
Uma burocracia mais profissionalizada é essencial para reduzir a ocorrência de despesas irregulares e a falta de prestação de contas, problemas frequentes segundo os relatórios da CGU.
Somente em 2009, sete dos nove programas do governo federal analisados para esta reportagem enviaram a estados e municípios R$ 9,8 bilhões, de acordo com relatório do Ministério da Educação.
Recursos envados para o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo, renderam a estados e cidades do Brasil mais de R$ 5 bilhões só em 2009.
O Fundeb é responsável pelo pagamento dos professores, compra de materiais escolares e realização de algumas obras nas escolas. De acordo com o levantamento da Pública, o CGU constatou 142 irregularidades ligadas ao uso de recurso do Fundeb nas 32 cidades da Amazônia auditadas.
Quase 70% dessas irregularidades referem-se à auséncia de prestação de contas e despesas irregulares, como compras feitas sem licitação. Ou seja: nestes casos, há fortes indícios de corrupção.
Favorecem este cenário o centralismo exagerado das ações nas mãos dos prefeitos, a falta de critérios objetivos na definição das ações e despesas das Prefeituras com Educação e, é claro, a falta de controle social, que e gritante na região norte.
O pesquisador Clóvis de Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, demonstrou em sua tese de doutorado como a corrupção tem um efeito perverso sobre o nível educacional de um município.
O levantamento, realizado a partir de dados de 556 cidades brasileiras, constatou que “nos municípios em que a corrupção foi detectada, a estrutura educacional apresentava índices de precariedade superiores aos dos municípios sem corrupção: menor número de bibliotecas, de equipamentos pedagógicos, de dependências administrativas e de estruturas de apoio, além de turmas maiores e maior contingente de professores menos qualificados e com menor remuneração”.
“Em suma, os alunos dos municípios com corrupção passam a contar com menor quantidade de insumos educacionais, o que resulta em deficiência de aprendizagem”, conclui Melo em sua tese.
(Por Fabiano Angelico, com infografia de Cardume + Scarlett. Publicado pela Agência Pública)
Publicação da Unesco propõe indicadores de qualidade para emissoras públicas
8 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaPara Eugênio Bucci, jornalista, ex-presidente da extinta Radiobrás, de 2003 a 2007, e um dos autores da obra, tanto em relação ao nível de qualidade do conteúdo quanto no que diz respeito às questões administrativas, o Brasil está melhor do que muitos países da América Latina.
Na publicação - assinada por Bucci e pelos jornalistas Marco Chiaretti e Ana Maria Fiorini - os autores defendem que, apesar das dimensões políticas locais das emissoras, algumas características deveriam ser comuns a esses veículos: independência editorial e financeira; autonomia dos órgãos de governança; diversidade e imparcialidade da programação; transparência em relação aos mandatos de serviços públicos e quanto à prestação de contas com órgãos reguladores e sociedade.
Bucci, que também é autor do livro 'Em Brasília, 19 horas' (Editora Record, 2008) em que revela os bastidores de sua passagem à frente da Radiobrás, destacou um limitador estrutural que reprime a qualidade desses canais. "Esse problema chama-se dependência política. Não temos ainda uma emissora pública que podemos chamar de independente. Desconheço também alguma estação nacional ou internacional que trabalhe com indicadores de qualidade", criticou.
A TV Cultura, de São Paulo, cujo Conselho Curador elege o diretor-presidente da emissora, principal posto da Fundação Padre Anchieta, responsável pelo canal, é um exemplo a ser seguido, na opinião de Bucci. "Isso cria um grau de autonomia relativamente superior, quando comparado ao que vemos em outras estações. Graças a isso, a TV Cultura tem um histórico de qualidade de produção e de programação", analisou, ressaltando que, no geral, o Brasil ainda está abaixo das emissoras públicas europeias e norte-americanas.
Para o jornalista, além da falta de autonomia política, as emissoras públicas brasileiras carecem de uma programação mais atraente e uma audiência mais participativa. "Ainda há um abismo entre essas emissoras e a sociedade. Sabemos, por pesquisas, que os paulistas expressam algum apreço pela TV Cultura, mas raramente a população assiste ao canal. Portanto, essa consciência ainda não existe", criticou Bucci, explicando que os canais são responsáveis pela baixa audiência.
Apesar de a publicidade nas emissoras públicas ter seus entusiastas, o jornalista acredita que a venda de espaços publicitários é nociva, pois gera um vínculo negativo entre a emissora e o mercado anunciante. "Consequentemente, o canal público poderá se comportar como comercial na hora de mostrar sua eficiência aos anunciantes e acabará concorrendo com as emissoras privadas", explicou Bucci. "Publicidade é com as emissoras comerciais. As públicas devem fazer uma programação diferente, com critérios e fórmulas de financiamento diferentes", ponderou.
Segundo Guilherme Canela Godoi, coordenador de comunicação e informação no Brasil da Unesco, caso uma emissora adote indicadores como aqueles propostos no documento, o maior desafio é que esses pontos sejam discutidos por todas as partes interessadas: dirigentes, conselhos, academia e sociedade. "Nosso objetivo é oferecer insumos para o debate."
Para Guilherme, o documento veio em um bom momento, pois nos últimos anos diferentes governos da América Latina têm realizado investimentos para fortalecer seus sistemas públicos de comunicação. "O sistema latino-americano de emissoras públicas se desenvolveu tardiamente. É uma boa notícia o que vem acontecendo. Devem ser conduzidas avaliações sérias para que haja mais clareza sobre o quanto essas iniciativas são públicas ou governamentais. O importante é que o debate está na mesa", concluiu.
(Escrito por André Bürger e Publicado em Nós da Comunicação)
"A salvação do planeta está na América Latina"
5 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
Para o analista Juan Carlos Monedero, ex-conselheiro do presidente Hugo Chávez, a salvação do planeta ou virá da América Latina, ou não virá de lugar algum. "A Europa está exausta, a China não quer, os Estados Unidos tampouco e a África não pode. A América Latina é o continente que sofreu o problema neoliberal e conseguiu superá-lo. É o continente que tem a memória do que é o modelo neoliberal e, além disso, tem a memória dos povos originários que lembram a necessidade de respeitar a Pacha Mama". A reportagem é de Eduardo Febbro, direto de Caracas.
O outro grande tema consistiu em encontrar uma resposta a essa grande incógnita que consiste em saber em que fase de sua história se encontra o modelo liberal levando em conta todas as crises que o atingiram nos últimos anos. Aqueles que chegaram a considerá-lo como agonizante ou morto reconhecem que não é assim, mas tampouco encontram no horizonte um modelo para retratar o estado atual. Conversamos em Carcas com o analista Juan Carlos Monedero, ex-conselheiro do presidente Hugo Chávez e lúcido pensador dos pleitos que a esquerda deve fazer nestes tempos de dúvidas.
Os participantes deste Foro, ao mesmo tempo em que celebram a existência de governos progressistas, perguntam-se o que fazer frente ao modelo ultraliberal que segue em pé apesar das hecatombes que provocou e que o afetaram.
Há milhares de teses sobre este modelo capitalista que não serviu nem para prever a crise nem para resolvê-la. A esquerda tem um terrível problema de reflexão. Nos cansamos de repetir que uma ação sem teoria é cega e que uma teoria sem ação é vazia. Há problemas para os quais não temos resposta. Por exemplo, quais são as relações entre os movimentos sociais e os governos: como atua um governo que pode ter acesso aos aparatos do Estado sem que isso signifique tenha realmente o poder?
Como se relaciona o Estado herdado com o Estado em construção? Qual é o novo sujeito de transformação? O que ocorre quando a classe operária segue existindo, mas já não se deixa representar? Creio que a esquerda pode encontrar respostas a estas perguntas em foros deste tipo. O grande desafio da esquerda é ver como se traduzem as diferentes lutas pela emancipação para encontrar um fio que as unifique.
Há anos que a esquerda tem uma grande capacidade análise, uma extrema lucidez em seu diagnóstico. No entanto, inclusive em um dos piores momentos do liberalismo, a esquerda não consegue plasmar uma ação de impacto global. Por quê?
A esquerda sempre mobilizou com sonhos. Os grandes lemas de mudança social da esquerda que tanto emocionaram a população são um pouco vagos: terra e liberdade, pão e trabalho, socialismo ou morte, etc. Essas ideias são elementos amplos, mas não chegam a se concretizar. Por paradoxal que pareça, hoje em dia os únicos que são politicamente incorretos são os atores da direita: Berlusconi na Itália, Sarah Palin nos Estados Unidos, Esperanza Aguirre na Espanha, etc. São sujeitos capazes de apelar às emoções. Por isso, quando o capitalismo está em crise, a saída mais fácil que encontra é a fascista. E isso se deve ao fato de que a esquerda não consegue entender que tem que ser capaz de unir a emoção e a gestão. A esquerda precisa renovar as emoções e terminar de concretizar as alternativas. Vivemos em um mundo de transição onde o velho não termina de ir embora e o novo ainda não acabou de chegar.
Precisamos fazer teoria não na base daquilo que queremos, mas sim do que não queremos. Isso representa uma vantagem teórica. Os modelos tradicionais se romperam: a União Soviética afundou, o mundo do trabalho se transformou, os Estados nacionais mudaram e as ideologias se diluíram. Os marcadores de certeza se tornaram líquidos e por isso temos dificuldade para concretizar outras coisas em uma alternativa que tomará forma na medida em que for sendo construída. Considero importante teorizar sobre uma esquerda flexível que vá construindo o grande mosaico daquilo que desejamos com base naquilo que não queremos.
Estamos então em uma crise de modelos onde as novas ondas não chegam a arrastar o mundo de antes.
Estamos em uma encruzilhada teórica onde os velhos elementos já não valem, não valem os velhos partidos políticos, não vale o modelo de assalto ao poder nem muito menos o modelo de gestão humanista de um capitalismo em crise como faz a social democracia. Como diria Marx, é um momento para regressar à biblioteca e tentar aportar modelos que orientem.
Mas todas estas buscas que você expõe não afastam o poder uma oligarquia disposta a tudo para ser manter. O sistema não acabou. Por acaso hoje o liberalismo é mais frágil ou se reforçou com a crise? O que seria uma autêntica estratégia da esquerda para um momento como este?
Ludovico Silva dizia que se os louros fossem marxistas seriam marxistas ortodoxos. Eu diria: nem Marx, nem menos. Marx nos dá muita luz, mas é preciso lê-lo com a luz atual. Não sabemos se a crise do capitalismo será a última. Uma filosofia da história tem o problema de pretender que o futuro está escrito, o que não real. A esquerda não conseguiu ver bem a enorme capacidade de adaptação do sistema capitalista. Sabemos que cada vez que há uma crise, o leque de respostas do sistema se estreita. O capitalismo saiu da última grande crise dos anos 70 com a exploração da natureza, com a exploração dos países do Sul e das gerações futuras mediante o déficit. Esses três elementos se esgotaram.
O que sabemos hoje é que as respostas do sistema se estreitam. O sistema global teve que regressar à origem e exacerbar a exploração dentro de casa. Também sabemos que, segundo as cifras mais otimistas, há 75 vezes mais dinheiro que riqueza. E essa mentira funciona enquanto o capital financeiro decida seguir na trilha da mentira. Enquanto diz “nós paramos”, isso é mentira e a situação continua a mesma. Isso é o que está acontecendo. O sistema financeiro se deu conta de que a brecha entre o dinheiro e a riqueza é tão grande que não poderá pagar.
Daí, insisto, a importância deste Foro e da América Latina. Não me canso de repetir que a salvação do planeta ou vem da América Latina, ou não vem de nenhum lugar. A Europa está exausta, a China não quer, os Estados Unidos tampouco e a África não pode. A América Latina é o continente que sofreu o problema neoliberal e conseguiu superá-lo. É o continente que tem a memória do que é o modelo neoliberal e, além disso, tem a memória dos povos originários que lembram a necessidade de respeitar a Pacha Mama. Essa conjunção de memória ancestral e de memória de curto prazo do modelo neoliberal situa a América Latina como um lugar central para encontrar as alternativas.
Nos debates do Foro temos visto uma grande preocupação das pessoas pelo futuro da governabilidade dos governos progressistas. Há uma mescla de medo e ansiedade.
O problema reside em que os governos atuais de mudança têm que administrar o aparato estatal herdado e as pressões atuais. Aí há um conflito porque os movimentos sociais que apoiaram na América Latina os governos da transformação, frequentemente reclamavam também uma parte desse modelo passado. Quem se encarrega então das novas demandas? Do que se trata? Reativar um modelo de consumo que as pessoas consideram perdido, ou reconstruir a realidade?
Os problemas atuais de Evo Morales, Correa, Cristina Fernández de Kirchner respondem a esses problemas mal resolvidos entre a gestão do passado, a gestão do presente e a do futuro. Creio que seria um erro apoiar-se em um movimento social para oferecer-lhe somente o que o modelo anterior deixou de prometer-lhe. Assim estaria se construindo o que fez Margaret Thatcher. Satisfazer as bases da demanda social sem educar com os novos valores da alternativa que queremos construir pode repetir aqui o que ocorreu na Europa: a esquerda construiu a sociedade das classes médias, mas depois essas classes médias chutaram a escada para que os que viessem atrás não tivessem mais oportunidades. Essas classes médias se converteram em novos proprietários sem ideologia. Por isso é essencial um trabalho de tradução entre os diferentes sujeitos que portam a emancipação.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Facebook censura página feminista que expôs imagens de nudez
4 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaFacebook censura novamente página do grupo Femen. A rede social, que já havia censurado as feministas duas vezes, possui uma política restrita contra imagens de nudez
O Facebook censurou mais uma vez a página do grupo ucraniano feminista Femen nesta segunda-feira (02/07). A administração da rede social removeu duas fotos de uma manifestação das ativistas. Nas imagens, elas mostravam os seios em sinal de protesto.
A censura a mulheres com seios à mostrafaz parte da política do Facebook, que já censurou outros grupos e usuários da rede, chegando a suspender suas contas. O próprio Femen já havia sofrido com a repreensão dos administradores em 2011, quando sua página foi tirada do ar duas vezes.
As fotos censuradas são de um protesto do último dia 10, em Hamburgo, na Alemanha, contra o fascismo da indústria do sexo. As feministas se manifestaram em um bairro repleto de casas de prostituição. Nas imagens, as ativistas utilizam apenas sungas e têm mensagens escritas em seu corpo.
Tentando driblar a política do Facebook, o Femen apenas publica fotos em que os seios de suas ativistas estão cobertos com imagens virtuais. O grupo passou a utilizar outras redes sociais, como o Google+, para divulgar as fotos de seus protestos. Entretanto, mesmo em outros meios, as feministas encontram resistência dos administradores.
(Publicado no Opera Mundi)
A epidemia de crimes “atípicos” - imprensa não repercute chacinas
4 de Julho de 2012, 21:00 - sem comentários aindaA cidade de São Paulo vive uma epidemia de violência organizada cujas origens a imprensa não consegue ou não quer esclarecer. Em menos de duas semanas, foram incendiados nove ônibus, postos policiais foram atacados e pelo menos seis policiais que estavam de folga foram assassinados. Além disso, somente neste mês de junho voltaram a ocorrer ondas de chacinas que fizeram 16 vítimas.
Oficialmente, as autoridades do estado afirmam – e os jornais reproduzem sem discussão – que se trata de “crimes atípicos”, mas observam que todos esses crimes ocorreram em bairros da periferia da capital, “onde normalmente o Estado não se faz presente de maneira completa”. Essa frase, dita pelo chefe da Polícia Civil a um repórter da Folha de S. Paulo, significa muita coisa mesmo sem esclarecer coisa alguma.
A primeira revelação é a de que o Estado assume sua negligência com relação à população mais pobre e a imprensa não demonstra interesse em questionar o fato de que a segurança pública só funciona “normalmente” nos bairros “não periféricos”.
“Normalmente”, como?
A segunda constatação que se pode fazer é de que os assassinatos coletivos entraram de tal maneira na rotina policial que não são capazes de provocar sequer inquietação. Para o delegado-geral, trata-se de “crimes atípicos”, a imprensa registra a constatação de que estão ocorrendo “crimes atípicos” e segue o jogo.
Relato frio
Agora, compare o leitor esse noticiário de chacinas e atentados com os recentes assaltos coletivos a restaurantes na parte – digamos – mais “nobre” da cidade. Apanhe o leitor alguns jornais do mesmo período em que foram chacinados 16 jovens na periferia de São Paulo, e compare com o tratamento dado pela imprensa aos chamados “arrastões” que assustaram e lesaram clientes de restaurantes de Higienópolis, dos Jardins, do Itaim.
Percebeu a diferença?
Cidadãos atacados nos restaurantes onde o custo de uma salada poderia alimentar cinco famílias pobres merecem ter sua indignação estampada nos jornais, suas queixas repetidas várias vezes ao dia nos telejornais e nos noticiários do rádio. Mas a mãe de um adolescente assassinado na periferia não tem voz nem nome.
Os clientes de restaurantes que pagam um dos preços mais altos do mundo por comida comum embalada em nomenclatura francesa têm todo direito a gastar como quiserem seu dinheiro, sem para isso correrem o risco de perder o smartphone ou o cartão de crédito. Quando os arrastões acontecem nas regiões mais policiadas da cidade, realmente há motivo para preocupações.
Mas observe outra vez o leitor: na quarta-feira (27/6), o Estado de S.Paulo noticia que mais seis ônibus foram incendiados em 24 horas na capital paulista. Trata-se de um relato frio, com números e apenas os depoimentos do motorista e do cobrador. Abaixo, outra reportagem comenta que o aumento da criminalidade amplia o debate sobre a punibilidade de menores de dezoito anos, com o governador do estado voltando a defender o aumento da punição para adolescentes infratores.
Estado paralelo
A Folha de S. Paulo registra a terceira chacina em quatro dias e também comenta a sequência de ônibus incendiados. Traz os nomes das vítimas mais recentes das execuções coletivas, quatro jovens com idades entre 16 e 20 anos, mas não há informações pessoais sobre eles ou entrevistas com seus familiares.
São números, detalhes de uma onda de “crimes atípicos”. Mas o próprio jornal insinua que há uma relação entre os atentados contra policiais militares em folga, os incêndios de ônibus e as chacinas.
O que a imprensa se nega a dizer é que a onda de violência pode ter origem num desequilíbrio nas relações diplomáticas entre a segurança pública e o crime organizado. Uma das hipóteses investigadas indica que os assassinatos de policiais e incêndios de ônibus começaram quando um dos chefes do grupo criminoso conhecido como Primeiro Comando da Capital foi transferido para um presídio com normas mais rígidas. No mesmo período, uma operação da Polícia Militar resultou nas mortes de seis supostos integrantes da quadrilha que domina amplos territórios da periferia da capital paulista.
Essa seria a causa das ocorrências “atípicas”?
Talvez seja o caso de a imprensa começar a questionar por que o estado de São Paulo não adota o projeto carioca de pacificação dos bairros dominados por criminosos, comprometendo-se com a sociedade a eliminar o Estado paralelo imposto pelo crime organizado aos moradores da periferia.
Luciano Martins Costa / Observatório da Imprensa