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Como a decisão a favor de Moreira Franco se choca com a decisão contrária a Lula no Supremo

15 de Fevereiro de 2017, 15:24 , por Bertoni - | No one following this article yet.
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Análise comparativa mostra divergência entre os argumentos dos ministros do tribunal sobre o uso de foro privilegiado para obstruir a Justiça e como provar o desvio de finalidade

Stf noite

Por Bruno Lupion

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidiu na terça-feira (14) que Moreira Franco pode assumir o cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, pois não há indícios de que a nomeação tenha servido para protegê-lo de investigações da Operação Lava Jato.

Moreira Franco era secretário-executivo do governo e foi elevado ao status de ministro em 3 de fevereiro, dias depois da validação das delações premiadas de executivos da Odebrecht. Nessas delações, o peemedebista é citado dezenas de vezes.

Parte da argumentação de Celso de Mello vai na direção contrária à adotada por outro ministro da Corte, Gilmar Mendes, que em março de 2016 proibiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assumir o cargo de ministro da Casa Civil da então presidente Dilma Rousseff, por entender que o ato tinha o objetivo de atrapalhar as investigações da Lava Jato. À época Lula já era um dos principais alvos da operação.

A decisão de Celso de Mello negou pedidos feitos pela Rede e pelo PSOL para que Moreira Franco fosse impedido de virar ministro. Nas ações, as legendas acusaram Temer de agir com “desvio de finalidade” — a nomeação não serviria para melhorar a administração pública, mas para dar foro privilegiado a alguém citado (mas não investigado) em delação premiada de um ex-diretor da Odebrecht.

A semelhança entre os casos de Moreira Franco e Lula foi mencionada pelos próprios partidos nas ações. No caso do petista, a iniciativa de contestar sua nomeação partiu do PPS.

Instância na Lava Jato

Não-ministros

Não têm foro privilegiado, ou seja, são investigados e julgados na primeira instância. No caso da Lava Jato, o juiz responsável pelos processos é Sergio Moro, considerado rápido e rigoroso. Foi responsável até agora por condenar 87 pessoas.

Ministros

Têm foro privilegiado, ou seja, são investigados e julgados sob o crivo do Supremo Tribunal Federal. Na Lava Jato, o relator atual do caso é Edson Fachin e os processos correm na 2ª Turma. Ninguém foi condenado até agora na operação pelo tribunal.

O que o conteúdo das decisões revela

A análise das decisões de Celso de Mello e de Gilmar Mendes reforça uma percepção de alguns pesquisadores sobre o Supremo, de que cada ministro tem um grande raio de ação para decidir individualmente sobre aspectos de outros Poderes, inclusive em direções opostas, o que contribui para erodir a autoridade da Corte.

Celso de Mello deve submeter sua decisão ao plenário do Supremo. A presidente da Corte, Cármen Lúcia, é responsável por pautar o assunto a fim de que seja apreciado pelos 11 ministros. Até o momento, contudo, não se sabe quando isso ocorrerá. 

Em 6 de fevereiro, os advogados de Lula pediram que a decisão liminar de Gilmar Mendes que vetou Lula no ministério também seja submetida ao conjunto dos ministros. Não para colocar o petista na Casa Civil — o que não é mais possível, já que Dilma não é mais presidente —, mas para, nas palavras de seus defensores, corrigir um “erro histórico”.

Apesar de a Rede e o PSOL terem utilizado como base a decisão de Gilmar Mendes sobre Lula, Celso de Mello optou por não fazer uma comparação direta entre os dois casos — há apenas uma breve menção ao caso do petista. Compare a decisão dos ministros nas duas ações.

O meio escolhido para as contestações

Tanto o PPS, no caso de Lula, como a Rede e o PSOL, no caso de Moreira Franco, utilizaram uma ação chamada mandado de segurança para pedir ao Supremo que invalidasse os atos que os nomearam ministros.

O mandado de segurança serve para casos urgentes, quando o direito em jogo é tão evidente que não é necessário realizar uma investigação ou ouvir a parte contrária.

Há uma discussão no mundo jurídico se partidos podem usar o mandado de segurança para defender direitos difusos, que afetam a sociedade como um todo. Nos casos de Lula e Moreira Franco, os direitos difusos alegados são a moralidade da administração pública e a capacidade de o Poder Judiciário investigar e punir quem comete crimes.

Ao julgar o caso de Moreira Franco, o ministro Celso de Mello afirmou que os partidos não podem usar o mandado de segurança para esse tipo de caso, mas apenas  para defender os direitos de seus filiados. Já o ministro Gilmar Mendes, ao decidir sobre Lula, afirmou que os partidos podem recorrer a essa ação.

“O plenário desta Suprema Corte (..) reconheceu que as instituições partidárias não dispõem de qualidade para agir, em juízo, na defesa de direitos difusos, pois, além de não existir autorização legal para tanto, o reconhecimento de tal prerrogativa em favor das agremiações partidárias, sem quaisquer restrições, culminaria por conferir a essas entidades a possibilidade de impugnarem qualquer ato emanado do Poder Público”

Celso de Mello

Ao decidir sobre a nomeação de Moreira Franco

“A presente ação testa os limites do mandado de segurança coletivo impetrado por partido político. (…) A oposição tem claro interesse em levar ao Judiciário atos administrativos de efeitos concretos lesivos a direitos difusos. E nosso sistema consagra a tutela de violações a direitos difusos como um valor a ser buscado. (…) Trata-se de uma via de defesa da ordem institucional que pode ser validamente desenvolvida e aceita”

Gilmar Mendes

Ao decidir sobre a nomeação de Lula

A comprovação do desvio de finalidade

Desvio de finalidade ocorre quando um agente público toma uma decisão que, à primeira vista, parece estar de acordo com as leis. Mas, na realidade, ela pretende alcançar um outro objetivo, ilícito.

Tanto nas ações contra Lula como contra Moreira Franco, os partidos argumentaram que houve desvio de finalidade nos atos que os nomearam ministros, pois o objetivo seria protegê-los da Lava Jato.

O ministro Celso de Mello afirmou, ao manter Moreira Franco no cargo de ministro, que quem acusa o presidente da República de desvio de finalidade precisa apresentar provas claras de que houve o intuito de obter um objetivo ilícito, que não atende ao interesse público.

Gilmar Mendes, ao suspender a nomeação de Lula, disse que não caberia a ele examinar se Dilma tinha ou não o objetivo de fraudar a lei, mas que era “autoevidente” que o ato servia para obstruir medidas judiciais contra o petista.

Ele também citou, em sua decisão, o diálogo telefônico entre Dilma e Lula no qual a presidente afirmava que enviaria a ele o termo de posse para ser usado “em caso de necessidade”. Lula respondia a inquérito e a frase foi interpretada, por alguns, como um sinal de que a nomeação serviria apenas para protegê-lo da força-tarefa no Paraná. O grampo foi posteriormente declarado ilegal pelo Supremo.

“Incumbe a quem imputa ao administrador público a prática desviante de conduta ilegítima a prova inequívoca de que o agente público, não obstante editando ato revestido de aparente legalidade, ter-se-ia valido desse comportamento administrativo para perseguir fins completamente desvinculados do interesse público. (…) Em decorrência do atributo da presunção de legitimidade e de veracidade que qualifica os atos da administração pública, impõe-se a quem os questiona em juízo o ônus processual de infirmar a veracidade dos fatos que motivaram sua edição, não lhes sendo oponíveis, por insuficientes, meras alegações ou juízos conjecturais deduzidos em sentido contrário”

Celso de Mello

Ao decidir sobre a nomeação de Moreira Franco

 

“A rigor, não cabe investigar aqui o dolo, a intenção de fraudar a lei. Não está em questão saber se a Presidente praticou crime, comum ou de responsabilidade. Não é disso que se cuida. (…) No caso concreto, a alegação é de que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria sido empossado justamente para deslocar o foro para o STF (…) Havia investigações em andamento, que ficariam paralisadas pela mudança de foro (…) É muito claro o tumulto causado ao progresso das investigações, pela mudança de foro. E “autoevidente” que o deslocamento da competência é forma de obstrução ao progresso das medidas judiciais.”

Gilmar Mendes

Ao decidir sobre a nomeação de Lula

O foro privilegiado para obstruir a Justiça

Tanto as ações contra Lula como contra Moreira Franco argumentaram que a nomeação para ocupar um cargo com status de ministro deslocaria o foro onde tramitam investigações e ações penais, da primeira instância para o Supremo Tribunal Federal.

Segundo as legendas, isso teria como resultado o adiamento de eventuais investigações, no caso de Moreira Franco, ou denúncias, no caso de Lula, já que os casos teriam que ser assumidos pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo, onde o trâmite é mais devagar do que o da primeira instância no Paraná.

Ao decidir sobre Moreira Franco, Celso de Mello afirmou que nomear alguém para ministério não atrapalha as investigações e ações penais. Para Gilmar Mendes, ao vetar Lula na Casa Civil, a atribuição de foro privilegiado poderia adiar a análise de casos e atrapalhar a colheita de provas.

“A nomeação de alguém para o cargo de ministro de Estado (..) não configura, por si só, hipótese de desvio de finalidade (…), eis que a prerrogativa de foro (…) não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal. (…) Perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular”

Celso de Mello

Ao decidir sobre a nomeação de Moreira Franco

 

“Não se nega que as investigações e as medidas judiciais poderiam ser retomadas perante o STF. Mas a retomada, no entanto, não seria sem atraso e desassossego. O tempo de trâmite para o STF, análise pela PGR, seguida da análise pelo relator e, eventualmente, pela respectiva Turma, poderia ser fatal para a colheita de provas, além de adiar medidas cautelares. Logo, só por esses dados objetivos, seria possível concluir que a posse em cargo público, nas narradas circunstâncias, poderia configurar fraude à Constituição”

Gilmar Mendes

Ao decidir sobre a nomeação de Lula


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